Resumo: Este trabalho busca analisar o conceito de federalismo, bem como seu surgimento e desdobramentos. Atribui-se destaque ao federalismo brasileiro, desde o seu aparecimento na Constituição Federal de 1934 até os dias atuais, analisando sua relevância e influência na repartição de competência entre os entes federados.
Palavras-Chave: Federalismo. Federalismo Cooperativo. Constituição Federal de 1988. Estado Democrático. Competências Federativas
Introdução
O conceito de federalismo cooperativo, modelo que foi adotado pela Constituição brasileira, perdeu o seu encanto em vários outros países, uma vez que, existe uma tendência de se levar o entrelaçamento das políticas nos diversos entes governamentais a um patamar de exagero. Tal entrelaçamento é uma forte característica do federalismo de cooperação.
Entretanto, é preciso perceber que as experiências vivenciadas em outros países partiram de situações políticas, histórias e socioeconômicas diferentes da brasileira. Assim, isso desvincula, parcialmente, a aplicabilidade do federalismo cooperativo no Brasil dos demais países nos quais foi inserido, ainda que as preocupações referentes a esse tema sejam universais.
No Brasil, o federalismo é de fundamental importância para uma democracia que respeite as diversidades encontradas nas diferentes localidades do país; devendo as prestações estatais se adequarem às suas necessidades, a fim de garantir, de forma autônoma, a igualdade e a diversidade social. A cooperação entre os entes federados deve acontecer com a devida soberania da União e autonomia dos estados e municípios.
Federalismo
O Federalismo relaciona-se a união de vários Estados em um único, observa-se, que cada estado possui autonomia, entretanto, está submetido a uma Constituição, a qual estabelece as competências estaduais, como se observa no art. 25, paragrafo primeiro da CF/88.
O Estado Federal apresenta uma divisão espacial do Poder. Logo, dentro do mesmo território há mais de uma entidade governamental. Decorrendo, assim, a ideia de que a descentralização não é meramente administrativa, mas também política. Na Federação, descentraliza-se o exercício espacial do poder e os regionalismos se pacificam, na medida em que suas peculiaridades locais são preservadas pela repartição constitucional de competências[1]
Assim, só o Estado Federal, órgão central que representa a União dos estados autônomos sob a égide da Constituição Federal, é soberano; possuindo poder de autodeterminação plena, não se submetendo a nenhum poder, seja ele interno ou externo.
Com relação aos entes federados, estes possuem autonomia político-administrativa. O Estado Federal propicia que eles tenham poderes para se autodeterminar dentro de suas esferas de competências, exercendo funções legislativas, executivas e judiciárias. Nesse sentido, destaca-se que, segundo afirma Montesquieu, o federalismo é uma sociedade das sociedades, pressupondo uma convenção por onde corpos políticos por vontades expressas consentem em se tornar cidadãos de um Estado Maior. [2]
Tal união origina um novo Estado e, assim, aqueles que ingressaram na federação perdem a condição de estados propriamente dito. O Estado Federal tem como base jurídica uma Constituição e não um tratado, ou seja, os tratados internacionais não possuem a força necessária para manter unida uma federação. Observa-se, que na federação não existe o de direito separação. Respaldando tal entendimento, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 34, I que a tentativa de retirada de estado da Federação poderá levar a decretação da intervenção federal no estado rebelante.
Ademais, a própria ideia de federação ocupa posição fundamental na construção do Estado brasileiro. Tanto é, que a Constituição Federal tratou como cláusula pétrea a forma federativa de estado, sendo o princípio federativo considerado princípio estruturante da ordem jurídico institucional do Estado Brasileiro, conforme se extrai do preâmbulo e do artigo 1° da CF/88.
No federalismo, existe uma distribuição do poder político. Apesar de só o Estado Federal ser soberano, seus membros possuem autonomia política administrativa, não havendo hierarquia entre o governo central e as unidades federativas regionais. Assim, todos estão submetidos à Constituição Federal, que indica quais atividades são da competência de cada um. Ressalta-se, que tais competências não podem ser abolidas ou alteradas de modo unilateral, seja pelo governo central ou pelos governos regionais.
Há uma independência financeira para que o ente possa exercer suas atividades de maneira livre e autônoma. O poder político é compartilhado pela União e pelas unidades federadas.
A Constituição garante os instrumentos específicos e necessários para possibilitar que os poderes regionais influenciem as decisões que afetam a Federação. Com exemplo disso, no Brasil, pode-se destacar a existência do Senado, que representa os estados. Assim, através de tal órgão, os estados conseguem participar das decisões relevantes para a Federação.
Origem do Federalismo
O federalismo teve origem na Revolução Americana. Assim, no século XVIII, com o pacto das treze colônias inglesas, que se declararam independentes em face da coroa britânica, ocorreu a constituição dos Estados Unidos da América.
Nesse sentido, em 1776, com a Declaração de Independência, as treze colônias se constituíram em Estados soberanos, que se uniram, inicialmente, em uma Confederação. Todavia, a forma confederativa não foi capaz de solucionar os problemas norte-americanos, tais como: as legislações conflitantes, o enfraquecimento do ideal nacionalista, bem como as rivalidades existentes no território. Assim, a fim de minimizar tal quadro de instabilidade, a Confederação foi substituída pela Federação. Observa-se, que com a Federação, os estados passaram a vincular-se de maneira mais estável e rígida, levando a manutenção da unidade, contendo, dessa forma, os movimentos que pretendiam a separação.
O federalismo, como forma de organização de Estado, apareceu, de fato, com a aprovação da primeira Constituição dos Estados Unidos da América em 1787. Pode-se perceber, que o federalismo norte-americano é fruto de um fenômeno de integração, no qual os Estados soberanos confederados desapareceram, dando lugar a entes políticos autônomos que, juntos, formaram o Estado Federal.
Segundo José Afonso da Silva, o grau de descentralização do poder é fixado na Constituição de cada Estado. O federalismo pode ser centrípeto, se a concepção constituinte levar ao fortalecimento do poder central; pode ser federalismo centrífugo, se a Constituição fixar-se na preservação do poder estadual e municipal; e pode federalismo de cooperação, se o constituinte optar pelo equilíbrio de forças entre o poder central e local.[3]
Federalismo no Brasil
No Brasil, o processo de formação do sistema federalista se deu de maneira diferente do norte-americano. O sistema brasileiro foi uma resposta do Governo Central aos anseios das classes dominantes regionais brasileiras, que encontravam na centralização da monarquia um entrave ao desenvolvimento de suas atividades.
O federalismo brasileiro partiu de um Estado unitário com grande centralização para um modelo descentralizado de poder. No Brasil, ocorreu o repasse de enorme autonomia aos Estados-Membros, que passaram a exercer autogoverno em detrimento da interdependência entre os mesmos. Assim, ocorreu forte assimetria entre os estados federados, existindo estados, como São Paulo, por exemplo, que possuía poderes e riquezas muito superior às demais unidades federativas. Nesse sentido, o nosso federalismo, em sua fase inicial, mostrou-se assimétrico, marcado por fartes diferenças hierárquicas entre os entes.
Para Afonso Arinos de Mello Franco, o centralismo era a principal característica de perfil estatal brasileiro.[4] Uma vez que, o Brasil passou grande parte de sua história como estado unitário. O marco institucional do Federalismo se deu com a Constituição Brasileira de 1891. Sendo, apenas da Constituição de 1934 que o federalismo cooperativo foi implementado.
Federalismo Cooperativo no Brasil
Com relação a repartição de competências ocorridas entre os entes federados, como instrumento para redução das assimetrias ocorridas em razão das distorções do federalismo assimétrico brasileiro, surge o federalismo cooperativo.
No federalismo cooperativo, as atribuições são exercidas de modo comum ou concorrente, estabelecendo-se uma verdadeira aproximação entre os entes federativos, que deverão atuar em conjunto. Assim, o modelo brasileiro pode ser classificado como federalismo cooperativo.
O federalismo cooperativo apareceu no Brasil na década de 30, sendo fruto de acordos intergovernamentais para aplicação de programas, financiamentos, auxílios conjuntos, visando a livre cooperação entre os entes da Federação.
Com a promulgação da Constituição de 1934, o federalismo cooperativo surgiu no Brasil, mantendo-se na vigência da Constituição de 1946.
No regime militar, entretanto, com a outorga da Constituição de 1967, ocorreu uma centralização do poder, o que suprimiu de forma definitiva a autodeterminação dos Estados Federados. Nesse contexto, ocorreu a substituição do federalismo cooperativo pelo federalismo nominal, no qual a competência da União foi consideravelmente ampliada, de forma que pouco restou para os Estados federados.
Assim, a mais limitadora forma de federação ocorreu nos anos do regime militar, a União baseava-se em forma de controle excessivo, concedendo pouca autonomia aos entes federados. Formalmente, a Constituição previa a forma federativa com autonomia governamental, entretanto, o que realmente existia era uma centralização política, quase Estado Unitário Federal.
Com o fim da ditadura e os esforços para uma abertura política, surgiu a Constituição de 1988, constituição esta que trouxe um Estado Democrático, abolindo o centralismo exagerado que marcou o regime militar. Tal constituição visa reduzir as desigualdades regionais e a consolidar uma sociedade solidária, possibilitando maior competência legislativa e administrativa aos estados, ou seja, uma maior autonomia. Assim, o Brasil possui um modelo cooperativo, um modelo de cooperação solidária entre União, estados, DF e municípios, formando a República Federativa.
Com relação a repartição de competências entre os entes federados, tem-se que o modelo de repartição das competências legislativas em que parte da matéria é atribuída à União (emitir normas gerais), cabendo aos estados a sua suplementação foi um modelo criado pelo sistema constitucional alemão e adotado, com algumas adaptações, pela Constituição brasileira de 1988.
No Brasil, a competência geral para emitir normas gerais pode ter sua base tanto na competência concorrente quanto na privativa. Assim, à União cabe o direito de legislar sobre as normas gerais e aos Estados cabe a competência legislativa.
Porém, conforme exposto acima, existe uma tendência de o poder central usurpar a produção normativa de assuntos reservados ao Estado, fato este que foi percebido durantes as experiências ditatoriais.
Apesar disso, atualmente, tem-se percebido que nos países que adotaram o federalismo, muitos assuntos que antes eram considerados locais ou regionais ganharam expressão nacional. Assim, a legislação federal deve ser materialmente mais densa, apesar da competência da União ficar restrita a editar normas gerais.
Observa-se, que a jurisprudência do STF, tem provocado a inibição dos Estados e Municípios para legislar, uma vez que, nas últimas décadas, o STF considerou muitos assuntos sensíveis aos interesses regionais e locais, como competência da União; retirando, assim, dos Estados e Municípios a autonomia.
No Brasil, a adoção do federalismo cooperativo em um Estado Social Intervencionista e voltado para a implantação de políticas públicas é válida, pois os assuntos ligados à atuação estatal serão tratados de maneira uniforme em nível nacional. A Carta de 1988 estabeleceu um compromisso de cooperação entre as esferas governamentais, baseado no princípio da lealdade federal.
Com relação ao federalismo de execução (modelo alemão), observa-se que a sua implantação no Brasil não traria prejuízos para as estruturas estatais, onde haveria uma maior focalização dos aspectos executivos do Poder Público o que traria até um grande desenvolvimento. O federalismo de execução é um fenômeno essencialmente germânico, no qual a grande maioria das leis federais é colocada nas mãos dos Estados. Porém, este sistema não se aplicaria a realidade brasileira, ainda que o Brasil deva focar-se em um federalismo mais ligado a execução das leis, sejam elas federais, estaduais ou municipais.
O que ocorre no Brasil é que os dispositivos legais não são corretamente aplicados, havendo uma falta de articulação dos governos e falta de planejamento em conjunto. Assim, o federalismo brasileiro não é totalmente pleno, uma vez que não desenvolveu uma verdadeira integração dos governos. Além disso, o sistema político-jurídico ainda não concretizou, de fato, a Constituição cooperativa. Dessa forma, o federalismo de competência concorrente ou cooperativo permite a comunicação entre os níveis federal e estadual, pois, no campo legislativo, a União edita as normas gerais e os Estados as ambientam, em larga margem, às suas peculiaridades locais.
É importante perceber, que o verdadeiro problema do federalismo brasileiro não está na pouca nitidez dos limites das normas gerais promulgadas pela União, mas na falta de aplicação dos dispositivos legais de todas as esferas governamentais. O federalismo de execução para o Brasil não constitui uma ameaça e sim um fim a ser alcançado, onde haveria uma cooperação e colaboração administrativa entre União, Estados e Municípios, Porém, isso só será possível quando o Brasil passar a aplicar melhor os dispositivos governamentais existentes.
Referências
DA SILVA, José Afonso.Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 2006.
FRANCO, Afonso Arinos de Mello Franco, 1954 apud BARACHO. Teoria Geral do Federalismo, op. cit.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
MONTESQUIEU, Charles de Scontad. O espírito das leis. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Martin Clarete, 2010.
[1] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 3Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 61
[2] MONTESQUIEU, Charles de Scontad. O espírito das leis. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Martin Clarete, 2010. p.142
[3] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 99/102.
[4] FRANCO, Afonso Arinos de Mello Franco, 1954 apud BARACHO. Teoria Geral do Federalismo, op. cit., p. 187
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESTANA, Barbara Mota. Federalismo brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51423/federalismo-brasileiro. Acesso em: 06 nov 2024.
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