Resumo: O presente trabalho objetiva analisar a medida provisória, que por suas características peculiares, configura um instrumento à disposição do Presidente da República, a fim de que este possa realizar as atividades necessárias para melhor gerir o Estado de maneira mais célere. Entretanto, pode haver excessos na utilização do instituto; de modo que, tal instrumento deve sempre ser compatível com os valores democráticos, visando evitar abusos na sua utilização. Como a medida provisória dá ao Presidente um privilégio considerável, conferindo-lhe capacidade de criar novas leis com efeitos imediatos, o STF deve se manter vigilante, buscando evitar o desrespeito a Constituição e a utilização abusiva das medidas provisórias.
Palavras-Chave: Medida Provisória. Decreto-legge. Urgência e Relevância. Pressupostos de Admissibilidade.
Introdução
A medida provisória é instrumento com força de lei, podendo ser utilizada pelo Presidente da República em casos de relevância e urgência. Os efeitos produzidos por tais medidas serão imediatos e para que elas sejam convertidas em lei, faz-se necessária sua aprovação do Congresso Nacional. O prazo de vigência de uma medida provisória é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período.
O instituto da medida provisória constitui inovação no Direito Constitucional brasileiro, sua inclusão ocorreu no texto da Constituição Federal de 1988. Pode-se dizer que a medida provisória é a sucessora de um outro tipo especial de norma, qual seja o decreto-lei. Tal tipo de decreto foi muito utilizado durante os períodos do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (1964-1985).
Origem da Medida Provisória
Para o constitucionalismo brasileiro, a medida provisória teve sua origem histórica no decreto-legge italiano. Assim, o decreto-legge foi importado do ordenamento italiano para o brasileiro, fato que exige cuidado e diligência na aplicação de tal instituto. Segundo, Amaral Júnior, é preciso cautela no estudo de institutos importados do direito estrangeiro, uma vez que, tais institutos experimentam desenvolvimento bem distinto daquele que conhecerão em sua origem.[1] Deve-se observar, que muitas instituições estrangeiras quando transportadas para uma realidade social diferente, podem perder seu objetivo, produzindo, algumas vezes, efeitos não pretendidos.
Assim, faz-se importante estabelecer diferenças entre a medida provisória e o decreto-legge. Observa-se, que na Itália, tal decreto só é admitido em casos extraordinários de necessidade e urgência. No que se refere ao Brasil, a medida provisória só é admitida em casos de urgência e relevância.
Além disso, destaca-se, que no Brasil, o Congresso Nacional tem o dever de regular as relações jurídicas decorrentes de uma medida provisória que não foi convertida em lei. Com relação ao poder legislativo italiano, tal regulação é mera faculdade.
A grande diferença entre o modelo italiano e o brasileiro é que na Itália o sistema de governo é o parlamentar, dessa forma, a Constituição Italiana estabelece que o Gabinete através do Primeiro Ministro adotará o instrumento provisório com força de lei, responsabilizando-se; ou seja, a adoção será feita sob a sua responsabilidade política. Assim, na Itália existe um responsabilização do Poder Executivo diante da não aprovação da medida provisória pelo Parlamento.
Logo, é possível perceber que o instituto da medida provisória tem melhor adequação ao sistema parlamentar, pois a separação entre Executivo e Legislativo é bem mais suave, existindo influência direta do Legislativo no Executivo. As medidas provisórias são mais específicas no regime parlamentarista, em que o gabinete é uma dependência do corpo legislativo, podendo tal gabinete cair em face de desacordo com este.[2] Assim, na Itália, o Poder Executivo responde diante da não aprovação da medida provisório.
Isso não ocorre no Brasil. Com relação a perspectiva brasileira, tem-se que o Presidente da República do Brasil pode editar medidas provisórias livremente, não havendo risco de punições, tal como a perda de cargo. Assim, muitas vezes, o Presidente pode se utilizar do instituto de maneira deliberada.
Como no sistema brasileiro não está prevista a responsabilidade política do Presidente da República para os casos em que suas medidas provisórias são rejeitadas pelo Congresso Nacional, o uso das medidas provisórias, no Brasil, tende a ser abusivo.
Nesse sentido, no ordenamento jurídico brasileiro, após a EC 32/01, há um elenco das matérias a serem tratadas por medida provisória, ou seja, existe uma certa restrição ao uso da medidas provisórias, restrição esta que não existe no sistema italiano. Além do mais, tem-se, que na Itália, sistema parlamentarista, a iniciativa de medida provisória cabe ao Governo. Com relação ao Brasil, sistema presidencialista, a iniciativa cabe somente ao Presidente da República.
Medida Provisória no Brasil
Sob uma dupla premissa: relevância e urgência, pode o presidente de acordo com o artigo 62 da Constituição brasileira de 1988 editar medida provisória. Com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, observou-se a saída do decreto-lei, surgindo, em seu lugar, a medida provisória. Essa medida não é lei, entretanto, tem força de lei.
Segundo o referido artigo 62, a medida provisória é apenas uma medida administrativa de natureza normativa, sendo provisória e precária. Já para Pontes de Miranda, a medida provisória é lei, ou seja, é uma espécie de lei sob condição resolutiva.[3] Observa-se, dessa forma, que a natureza da medida provisória é um ponto controvertido doutrinariamente.
Parte da doutrina acredita que como a medida provisória encontra-se disposta no rol do art. 59 da Constituição Federal de 1988, rol este que traz as espécies normativas que passam pelo processo legislativo; assim, a medida provisória seria um ato legislativo. Entretanto, outra parte defende que o instituto seria uma norma jurídica com força de lei, e não uma lei de fato. Nesse sentido, segundo a própria Constituição, a medida provisória pode ser convertida em lei, assim, não haveria sentido em converter em lei algo que já fosse lei.
O que se deve observar, de fato, é que as medidas provisórias são instrumentos da atividade legislativa do Poder Executivo, sendo marcadas pela excepcionalidade, já que a atividade de legislar é tarefa do Poder Legislativo. Assim, diante de matéria importante e relevante, em situação na qual haja impossibilidade de esperar a regular tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, adota-se a medida provisória.
Tal medida foi criada para possibilitar ao Presidente da República fazer uso de uma dinâmica político-administrativa característica dos Estados Democráticos de Direito. Não ocorre uma intromissão na atividade do Poder Legislativo, uma vez que, a adoção de medida provisória garante o desempenho da atividade estatal na busca da melhor forma de alcançar seus objetivos.
Nesse sentido, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, tendo força de lei. Tais medidas devem ser submetidas, imediatamente, ao Congresso Nacional. Após editadas, entraram em vigor e permaneceram assim por 60 dias, sendo também submetida à apreciação do Poder Legislativo. Se no prazo supra exposto não for convertida em lei, a medida provisória perderá sua eficácia, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
No Brasil, o número de medidas provisórias editadas e reeditadas supera o das leis promulgadas pelo Congresso Nacional. Tal fator evidência que o Poder Executivo faz uso abusivo do instituto, burlando o devido processo legislativo.
Controle dos pressupostos de edição
O abuso na edição e reedição de medidas provisórias desprovidas de urgência ou relevância ou de ambos, pelos sucessivos Presidentes da República ao longo dos anos, levaram o Poder Executivo no Brasil, muitas vezes, a cometer verdadeira usurpação da função legislativa.
Observa-se, assim, flagrante desrespeito ao princípio da separação de poderes, uma vez que, o Poder Executivo ultrapassa a esfera do legislativo agredindo sua autonomia, estando desprovido dos requisitos que validam a edição das medidas.
Os pressupostos para que uma medida provisória seja editada são a relevância e a urgência. Observa-se, porém, que tais conceitos jurídicos são indeterminados, com forte grau de subjetividade. Ainda que haja esforço doutrinário em delimitá-los, existe grande brecha para ocorrência de excessos na interpretação.
A utilização das medidas provisórias, na atualidade, deixou de ser algo excepcional e passou a ser algo rotineiro. Assim, hoje, o normal é se governar fazendo uso das medidas provisórias, já que Presidente após Presidente as utilizaram de maneira deliberada. Observa-se, que se torna mais fácil e confortável para o Poder Executivo governar sustentado pela arbitrariedade da medida provisória.
A Emenda Constitucional n° 32/01, foi aprovada pelo Congresso Nacional, representando uma tentativa de conter o abuso na edição de medidas provisórias. Assim, aprovou-se também a proibição da sua reedição na mesma sessão legislativa (art. 62, § 10º da CF/88) e inseriu expressamente matérias que não podem ser regulamentadas por meio de medida provisória (art. 62, § 1º da CF/88).
Essa Emenda Constitucional representou uma limitação à ampla possibilidade do Presidente da República de legislar sobre qualquer matéria, ela ressaltou a importância de se respeitar os limites entre os poderes, não ultrapassando suas competências. Apenas em casos de relevância e urgência, poderá o chefe do Poder Executivo adotar medidas provisórias, as quais deverão ser submetidas, a posteriori , ao Congresso Nacional.
Outra maneira de se tentar conter o uso desenfreado de medidas provisórias encontra-se no controle dos pressupostos de admissibilidade. Observa-se, que no que se refere ao controle de constitucionalidade, o STF já decidiu que a medida provisória a ele está sujeita. Com relação aos pressupostos para a edição, estes também podem ser objeto do controle jurisdicional.
Tem-se que, a EC 32/01 e a própria Constituição Federal silenciaram no que diz respeito ao tema. Entretanto, a jurisprudência do STF é pacífica em relação a possibilidade de controle de tais pressupostos. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que existe possibilidade de se controlar jurisdicionalmente os pressupostos para edição de medida provisória, uma vez que a relevância e a urgência são requisitos de validade de determinado provimento normativo, cabendo ao Judiciário decidir se determinado comportamento fere ou não o Direito.[4]
É preciso perceber, que ao utilizar o instituto de maneira abusiva, o Presidente da República fere a Constituição; assim, o STF, na função de guardião da Constituição (art. 102 da CF/88), deve garantir o respeito ao texto constitucional. É obrigação do Supremo Tribunal Federal zelar pela observância dos dispositivos constitucionais para admissibilidade da medida provisória.
O Poder Executivo não possui a faculdade de interpretar os pressupostos de admissibilidade (relevância e urgência) da maneira que lhe melhor lhe interessar, ainda que tais pressupostos sejam cláusulas abertas; uma vez que, tal interpretação poderia ser tendenciosa, visando legitimar atividades de abuso.
O STF, diante de cláusulas abertas, deve buscar equilibrar a normatividade constitucional e as necessidades sociais. Destaca-se, entretanto, que este controle é medida excepcional, pois a regra é que o Presidente enquadre os requisitos corretamente e se utilize das medidas provisórias de maneira sensata e diligente.
Referências
AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Medida Provisória e a sua Conversão em lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
FERREIRA, Pinto, Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Editora Saraiva, 1999.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Controle Jurisdicional dos Pressupostos de Validade das Medidas Provisórias. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. a. 87. V. 758. dez, 1998.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda n. I, de 1969. T. III. 2a ed. São Paulo: RT, 1979.
[1] AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Medida Provisória e a sua Conversão em lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 201
[2] Ferreira, Pinto, Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Editora Saraiva, 1999, p. 337
[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda n. I, de 1969. T. III. 2a ed. São Paulo: RT, 1979. P.141-142.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Controle Jurisdicional dos Pressupostos de Validade das Medidas Provisórias. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. a. 87. V. 758. dez, 1998, p.12.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESTANA, Barbara Mota. Medidas Provisórias no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51429/medidas-provisorias-no-brasil. Acesso em: 06 nov 2024.
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