RESUMO: O direito de ser nacional de um Estado é reconhecido como um direito humano e, portanto, essencial ao desenvolvimento de uma vida digna, vez que garante proteção ao indivíduo. Ao lado desse direito, incidente no âmbito da soberania estatal, destacam-se medidas de cooperação internacional, especialmente o instituto da extradição como instrumento de colaboração em matéria penal. Nessa conjuntura, analisa-se a atuação do Supremo Tribunal Federal no procedimento de extradição e a necessidade de observância dos direitos fundamentais, a partir da decisão da Suprema Corte que possibilitou, em virtude da anterior perda da nacionalidade, a extradição de brasileiro nato.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito a uma nacionalidade; 3. Extradição; 4. A decisão do Supremo Tribunal Federal; 5. Conclusão.
1. Introdução
A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que se forma entre um indivíduo e determinado Estado de modo a se garantir direitos e garantias, ao tempo em que se exige o cumprimento de determinados deveres. Toda pessoa tem direito de mudar de nacionalidade e não pode ser arbitrariamente privado de sua nacionalidade (art. 20 da Convenção Americana de Direitos Humanos).
Assim, é direito de todos ter uma nacionalidade (artigo XV da Declaração Universal dos Direitos Humanos), de forma que a situação de apatridia (pessoas sem pátria) configura violação aos direitos humanos e, por isso, trata-se de preocupação trazida pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) no sentido de dar proteção ao apátrida e de reduzir a apatridia, permitindo a realização de procedimento simplificado de naturalização. O eixo central dessa nova lei é a proteção dos direitos humanos a partir da constatação de que a negativa de direitos não impede o deslocamento de pessoas.
Esse direito fundamental é de extrema relevância, pois permite que o Estado proteja seus nacionais contra interferências externas e arbitrárias que ensejem violação de direitos da pessoa, o que é decorrência da ideia de soberania.
No entanto, ante a existência de relações estatais, destacam-se as medidas de retirada compulsória, como deportação e expulsão, assim como a extradição (medida de cooperação internacional), além do instituto da entrega para o Tribunal Penal Internacional. Nesses casos, faz-se necessária a certificação do cumprimento dos direitos fundamentais.
Portanto, apesar da concessão da nacionalidade dizer respeito a ato de soberania, o próprio Estado também não pode se valer dessa prerrogativa para cometer abusos, uma vez que os direitos humanos devem ser observados na ordem interna, assim como nas hipóteses de cooperação jurídica internacional, considerando que a defesa nacional exige colaboração de outros Estados.
É importante mencionar que a proteção dos interesses nacionais exige esse auxílio por parte de outros Estados, o que não significa uma relativização da soberania, ainda mais quando se vive em um contexto de globalização caracterizado pelo aumento do fluxo de pessoas.
2. Direito a uma nacionalidade
A nacionalidade é regulamentada no âmbito interno, não cabendo a outro Estado interferir sobre os critérios de obtenção, pois a sua concessão é ato soberano.
A nacionalidade primária ou originária é adquirida por um fato natural, o nascimento, confere status de brasileiro nato, podendo o país adotar o critério sanguíneo (jus sanguinis), quando a pessoa adquire a nacionalidade dos ascendentes; ou territorial (jus soli), quando a pessoa nasce no território do país. O Brasil adotou o critério misto (art. 12, I, da CRFB/88).
A secundária ou derivada depende de um ato de vontade, portanto, é posterior ao nascimento, sendo a naturalização o principal critério aquisitivo. Pode ser requerida tanto pelos estrangeiros quanto pelos heimatlos (apátridas). A naturalização será ordinária, quando preenchidos os requisitos legais (art. 65 da Lei 13.445/2017); ou extraordinária, nos casos em que o estrangeiro residir no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos (o que não se confunde com permanência contínua) e não tenha condenação penal, nessa última, a naturalização é ato vinculado, logo, cumpridas as condições, o governo brasileiro não pode negar a naturalização quando requerida.
A naturalização pode ainda ser especial, quando o estrangeiro for cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou que seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de dez anos ininterruptos (art. 68 da Lei 13.445/207); ou provisória, concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar dez anos de idade (art. 70 da Lei de Migração que ampliou a faixa etária para a concessão).
A lei não pode estabelecer distinção entre brasileiro nato e naturalizado, no entanto, são válidas as diferenças estabelecidas taxativamente no próprio texto constitucional, destacando-se a impossibilidade de extradição para o nato.
Por outro prisma, deve-se atentar ao fato de que o brasileiro, ainda que nato, pode perder a sua nacionalidade, mas desde que observadas as regras previamente estabelecidas.
Consoante o §4º do art. 12 da CRFB/88, a perda da nacionalidade do brasileiro será declarada quando praticar atividade nociva ao interesse nacional, cancelada a naturalização por sentença judicial, a partir de um processo em que se assegure o contraditório e a ampla defesa. Trata-se de perda-sanção, aplicável apenas aos brasileiros naturalizados. Nesse caso, a reaquisição da nacionalidade se dá por meio de ação rescisória, não havendo possibilidade de novo processo de naturalização.
Há também a perda-mudança, que ocorre nos casos de aquisição de outra nacionalidade. Assim, quando não se trata de nacionalidade originária reconhecida por lei estrangeira ou quando não há imposição de naturalização como condição de permanência no território estrangeiro ou para o exercício de direitos civis também haverá a sua perda. Essa pode ser aplicada tanto ao brasileiro naturalizado quanto ao nato, por meio de um processo administrativo que tramita no Ministério da Justiça. A perda é efetivada por meio de decreto presidencial, assim, o pedido de reaquisição deve ser dirigido ao Presidente da República.
3. Extradição
A extradição é medida de cooperação jurídica internacional em matéria penal em que se concede (extradição passiva) ou solicita (extradição ativa) a entrega de pessoa nos casos de condenação criminal definitiva ou para fins de instrução processual penal em curso (art. 81 da Lei nº 13.445/2017).
Trata-se, portanto, de auxílio recíproco entre Estados para realização de atos que interessem à jurisdição estrangeira na esfera criminal, o que se torna exigível em um contexto de redução de distâncias e consequente aumento da mobilidade de pessoas.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão originariamente competente para julgar pedido de extradição por Estado estrangeiro, assim, fará um juízo de delibação ou de contenciosidade limitada e não exauriente, apenas verificando a observância dos requisitos constitucionais e legais (regularidade extrínseca).
O juízo de delibação consiste em avaliação, pelo STF, de cumprimento formal dos requisitos constitucionais, convencionais e legais que autorizam a extradição. Não visa verificar a culpa do extraditando, pois é um contencioso de legalidade no qual a defesa apontará eventuais ausências de requisitos essenciais no procedimento extradicional. [1]
Assim, a defesa do extraditando não poderá questionar o mérito da acusação, obstando que seja discutida a justiça da decisão e eventuais direitos porventura violados no Estado requerente. Situação que se manifesta em sentido oposto ao §1º do art. 5º da CRFB/88, uma vez que a aplicabilidade dos direitos fundamentais tem incidência indireta ou mediata, sob a justificativa de proteção à soberania estatal.
(...) não é mais cabível, hoje, que um Estado alegue, na defesa de suas condutas violatórias de direitos humanos, que a proteção de direitos humanos faz parte de seu domínio reservado, e que eventual averiguação internacional (mesmo que mínima) da situação interna de direitos humanos ofenderia sua soberania.[2]
Conforme art. 5º, LI, da CRFB/88, o brasileiro nato não poderá ser extraditado (princípio geral da inextraditabilidade do brasileiro), por outro lado, o naturalizado poderá ser extraditado quando tenha praticado crime comum antes da naturalização ou, independentemente do momento, no caso de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
A Constituição da República de 1988, apesar de já reconhecer a existência de um Estado Democrático de Direito, fez questão de anunciar a proibição de ser o estrangeiro extraditado por crime político ou de opinião (art. 5º, LII, da CRFB/88), para que não se reavive o antigo hábito de perseguição aos inimigos.
Quando se fala em cooperação jurídica internacional penal, o ordenamento jurídico interno exige a observância de alguns critérios como respeito a sua opção política processual penal para que sejam considerados direitos essenciais à pessoa mesmo que em outro Estado. Desse modo, ainda que haja colisão entre os sistemas nacionais envolvidos, tenta-se realizar a colaboração com o fim de proteção geral da ordem pública. Nos termos da Lei 13.445/2017:
Art. 82. Não se concederá a extradição quando:
I - o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato;
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos;
V - o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII - o fato constituir crime político ou de opinião;
VIII - o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou
IX - o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial.
Para que se conceda a extradição, o crime deve ter sido cometido no território do Estado requerente ou que sejam suas leis penais aplicáveis e deve estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade (art. 83 da Lei de Migração).
A extradição é vista como medida de prevenção da criminalidade, assim como de combate à impunidade, de modo que os Estados tentam uma aproximação dos seus sistemas e o estabelecimento de promessa de reciprocidade na ausência de tratado específico.
4. A decisão do Supremo Tribunal Federal
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que; se um brasileiro nato que mora nos Estados Unidos e já possui Green Card (United States Permanent Resident Card), mas, ainda assim, adquire a nacionalidade norte-americana e tem declarada a perda da nacionalidade brasileira; poderá ser extraditado (MS 33864/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/04/2016 – Info 822 e Ext 1462/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/03/2017 – Info 859).
O Supremo entendeu que essa situação não se enquadra na exceção prevista no art. 12, §4º, II, b, da CRFB/88, tendo em vista que não houve imposição de naturalização como requisito para permanência no território estrangeiro ou para o exercício de direitos civis, já que, com o Green Card, o estrangeiro já podia residir e trabalhar livremente nos EUA, de modo que não se fazia necessária a aquisição dessa outra nacionalidade, configurando, portanto, perda-mudança.
Assim sendo, o brasileiro nato que, mesmo após a obtenção do Green Card, requer a nacionalidade estrangeira, em caso de cometimento de crime, poderá ter a sua extradição concedida, por entender a Suprema Corte que a situação ora analisada não viola a disposição constitucional de que “nenhum brasileiro será extraditado” (art. 5º, LI, da CRFB/88).
Isso porque, declarada a perda da nacionalidade, em virtude de aquisição de nacionalidade estrangeira por livre e espontânea vontade, o indivíduo deixa de ser brasileiro nato. Assim, se cometer um crime e voltar ao Brasil, poderá ser extraditado.
No caso analisado, concluído o processo administrativo e declarada a perda da nacionalidade, foi autorizada a extradição por parte do STF, haja vista o preenchimento dos requisitos legais, condicionando o envio da extraditanda à não aplicação de penas proibidas no ordenamento brasileiro, respeitando o limite temporal e aplicando a detração pelo tempo em que presa no Brasil.
A decisão do Supremo é relevante, pois tratou de uma questão constitucional que envolve um direito fundamental que concretiza o Estado Democrático de Direito e, por consequência, não se restringe a uma relação jurídica que envolve apenas partes restritas.
Nessa conjuntura, destaca-se que não se torna suficiente a estrita observância das regras que regem o procedimento de extradição, uma vez que, considerando a força irradiante dos direitos fundamentais, é imprescindível a leitura das normas infraconstitucionais à luz da Constituição.
A força normativa da Constituição e de seus direitos fundamentais impõe-se, então, exigindo a releitura dos processos cooperacionais, mesmo os mais tradicionais (v.g., a extradição), para que sejam acatados os valores, o conteúdo e a força vinculante dos direitos fundamentais. [3]
Assim, apesar da decisão do STF ter seguido a linha de aplicação da teoria mediata dos direitos fundamentais, quando se trata de processo extradicional, é relevante considerar as consequências decisórias e fazer uma análise interpretativa a partir de direitos constitucionalizados.
Isso porque, também nas relações internacionais, a partir do diálogo entre sistemas, deve-se respeitar o conteúdo mínimo dos direitos humanos exigido nas relações (teoria do limite dos limites).
5. Conclusão
O direito de ter uma nacionalidade é realmente um direito fundamental do indivíduo e, portanto, exige a proteção estatal, devendo a situação de apatridia ser evitada. Nesse contexto, verifica-se o exercício da soberania de cada Estado na sua regulamentação como forma de conter interferências externas abusivas aos seus nacionais.
Por outro lado, cumpre observar o surgimento de relações entre pessoas e Estados distintos, mas cada vez mais interligados, fazendo surgir uma ordem jurídica supranacional na tentativa de, apesar das peculiaridades, garantir a observância de direitos mínimos exigíveis a uma vida digna.
Nessa conjuntura, é relevante elucidar que a cooperação internacional não significa desrespeito à soberania, nem a sua relativização, mas sim a sua reafirmação, haja vista o seu compartilhamento e ajuda mútua na resolução de conflitos, a partir da concordância dos Estados.
É que, com essa colaboração, os interesses internos de cada Estado são protegidos na tentativa de impedir que a transposição de fronteiras seja meio de garantir a inaplicabilidade da ordem jurídica. No entanto, essa defesa interna não pode justificar uma visão limitadora dos direitos fundamentais, mas sim assegurar o cumprimento dos direitos humanos, ainda mais quando se tem conteúdo mínimo de matriz internacional a ser observado.
Nesse contexto, a extradição é medida essencial para que o Estado não se torne guardião de criminosos, mas sem afastar a exigência de que os direitos devem ser preservados no seu processamento.
Na análise do procedimento de extradição realizado pelo Supremo Tribunal Federal, verifica-se a aplicabilidade mediata dos direitos fundamentais, o que se pode ver quando se faz uma análise não exauriente da decisão, a partir do juízo de delibação, não podendo constatar, sequer, se a prova obtida pelo Estado requerente fora obtida por meios lícitos.
Quando se fala em extradição, a Constituição veda a sua incidência aos brasileiros natos. No entanto, o próprio texto constitucional permite a perda da nacionalidade de brasileiros natos quando adquire outra que não seja de forma originária ou para garantir a sua permanência e exercício de direitos civis no estrangeiro.
Assim, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a aquisição de outra nacionalidade quando já se podia viver e trabalhar livremente é por livre e espontânea vontade, ensejando a perda da nacionalidade brasileira.
A interpretação constitucional da Suprema Corte se deu no sentido de que se o brasileiro nato perde a nacionalidade poderá ser extraditado, não havendo violação ao art. 5º, LII, da CRFB/88. Nesse caso, importante ressaltar que, apesar das decisões do STF caminharem no sentido da tradição de incidência indireta dos direitos fundamentais nas medidas cooperativas internacionais como a extradição, a Corte atua como intérprete máximo da Constituição e o seu agir deve estar coadunado às próprias normas limitadoras de sua atuação.
6. Referências Bibliográficas
ABADE, Denise Neves. Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional: extradição, assistência jurídica, execução de sentença estrangeira e transferência de presos. São Paulo: Saraiva, 2013.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direitos Humanos e Direito Comunitário. 9. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: JusPODIVM, 2017.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
[1] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 608.
[2] RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 92.
[3] ABADE, Denise Neves. Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional: extradição, assistência jurídica, execução de sentença estrangeira e transferência de presos. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 84.
Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Bacharela em Direito. Advogada (OAB/PB).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTENEGRO, Layza Eliza Mendes. Extradição de brasileiro nato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51437/extradicao-de-brasileiro-nato. Acesso em: 06 nov 2024.
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