RESUMO: Este artigo pretende demonstrar que é permitido ao servidor público cumular dois cargos públicos de profissões regulamentadas na área da saúde, nos termos do disposto no art. 37, XVI, “c” da Constituição Federal, desde que comprovada a compatibilidade de horários entre os cargos exercidos. O limite máximo da jornada semanal de trabalho de profissionais de saúde é de 60 horas.
Palavras-chave: Profissionais da Saúde; Jornada Semanal; 60 horas.
ABSTRACT: This article intends to demonstrate that the public servant is allowed to cumulate two public positions of regulated professions in the health area, in terms of the provisions in art. 37, XVI, "c" of the Federal Constitution, provided that the compatibility of schedules among the positions exercised is proven. The maximum limit of the weekly working day of health professionals is 60 hours.
Keywords: Health professionals, Weekly Week, 60 hours.
RESUMEN: Este artículo pretende demostrar que se permite al servidor público acumular dos cargos públicos de profesiones reguladas en el área de la salud, en los términos de lo dispuesto en el art. 37, XVI, "c" de la Constitución Federal, siempre que se haya comprobado la compatibilidad de horarios entre los cargos ejercidos. El límite máximo de la jornada semanal de trabajo de los profesionales de la salud es de 60 horas.
Palabras clave: Profesionales de la Salud, Jornada Semanal, 60 horas.
1 INTRODUÇÃO
É permitido ao servidor público cumular dois cargos públicos de profissões regulamentadas na área da saúde, nos termos do disposto no art. 37, XVI, “c” da Constituição Federal, desde que comprovada a compatibilidade de horários entre os cargos exercidos.
O limite máximo da jornada semanal de trabalho de profissionais de saúde é de 60 horas. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a ser aplicado no julgamento de casos que envolvam a acumulação remunerada de cargos públicos para os servidores que atuam nessa área.
Acerca do assunto, a Corte já reconheceu a impossibilidade de acumulação de cargos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho superar 60 horas semanais.
Um dos acórdãos cita a Constituição Federal e o artigo 118 da lei 8.112/90 para ressaltar que é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, ressalvados os casos topicamente previstos, entre eles o de dois cargos ou empregos de profissionais de saúde que apresentem compatibilidade de horários e cujos ganhos acumulados não excedam o teto remuneratório previsto.
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) reafirmou a tese, já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que o limite máximo da jornada semanal de trabalho de profissionais da saúde é de 60 horas. Esse entendimento, portanto, deve ser aplicado no julgamento de casos que envolvam a acumulação remunerada de cargos públicos para os servidores que atuam nessa área.
2 DESENVOLVIMENTO
A Lei Complementar nº 13 de 03/01/1994, Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Piauí trata da acumulação de cargos públicos nos artigos 139 a 141.
A Advocacia-Geral da União (AGU) fez prevalecer mais uma vez na Justiça a tese da imprescindibilidade de se comprovar a compatibilidade de horários para cumulação de cargos públicos. A atuação ocorreu após servidora pública ocupante do cargo de enfermeira no Hospital Universitário do Piauí obter o direito de tomar posse no cargo de técnico administrativo (enfermeiro) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI).
A referida servidora exerce jornada semanal de 36 horas no hospital universitário, em regime de plantões noturnos de 12 horas, e foi aprovada em concurso público do IFPI para jornada de trabalho de 40 horas semanais, com lotação na cidade de Campo Maior (PI).
Inicialmente, decisão de primeira instância entendeu que haveria compatibilidade de horários e que a servidora tinha direito a tomar posse no outro cargo. Mas a Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região (PRF1), a Procuradoria Federal no Estado do Piauí (PF/PI) e a Procuradoria Federal junto ao IFPI (PF/IFPI) recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Os procuradores federais destacaram que, embora a Constituição Federal não tenha estabelecido uma carga horária semanal máxima em caso de cumulação de cargos públicos na área de saúde, “esta prescreveu que deve haver compatibilidade de horários como critério de limitação ao número de horas a serem trabalhadas, devendo, além de se evitar a prestação de serviço de forma concomitante, levar-se em conta o descanso ou repouso entre uma e outra jornada de labor, destinado a preservar a saúde do trabalhador e a qualidade do serviço público por ele desempenhado, em observância ao princípio da eficiência”.
As procuradorias também afirmaram que o limite aceito pela administração pública federal para permitir a acumulação de cargos, seguindo a orientação do Parecer Normativo AGU/GQ nº 145/1998, seria de 60 horas semanais. “Impor uma jornada superior prejudicaria a saúde do servidor e o desenvolvimento das atividades laborais em ambos os cargos, de forma que não haveria compatibilização de horários no caso da impetrante. Além da soma das jornadas regulares de trabalho a que ela estaria submetida ultrapassar 60 horas semanais, ela teria que cumprir seus encargos em cidades diferentes, na capital Teresina e na cidade de Campo Maior, não tendo o magistrado considerado o prazo necessário para este deslocamento”.
A 6ª Turma acolheu os argumentos da AGU e deu destaque ao entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de “reconhecer que o Acórdão TCU 2.133/2005 e o Parecer GQ 145/98, ao fixarem o limite de 60 horas semanais para que o servidor se submeta a dois ou mais regimes de trabalho, deve ser prestigiado, uma vez que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.
A acumulação de cargos de profissionais de saúde no serviço público depende da comprovação de compatibilidade de horários. Foi o que concluiu a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ao julgar uma ação movida por uma auxiliar de enfermagem contra a União por obrigá-la a escolher entre um dos dois cargos públicos que atualmente ocupa no Hospital Geral da Piedade, no Rio de Janeiro.
A profissional buscou a Justiça Federal para continuar a trabalhar no local, onde acumula dois cargos há mais de 28 anos. A carga horária dela é de 60 horas semanais: vai de 7h às 13h e depois de 13h às 19h, de segunda à sexta-feira. Não há sobreposição de horário.
Para o juiz federal convocado Vigdor Teitel, relator do caso, a Emenda Constitucional 34/2001 assegurou o direito à acumulação de cargos de profissionais de saúde nos casos em que houver compatibilidade e a regulamentação da profissão.
“E antes disso, a jurisprudência já havia sedimentado o entendimento no sentido de ser possível a acumulação de dois cargos de profissional de saúde, quando a mesma já era exercida antes da atual Carta Magna, nos moldes do artigo 17, parágrafos 1º e 2º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Levando em consideração as peculiaridades do caso, a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão unânime, considerou legal a acumulação de dois cargos públicos (médico e professor) e que representam uma jornada semanal superior a 60 horas. A relatora, desembargadora federal Nizete Lobato, considerou que o servidor acumula os dois cargos há 35 anos e que, nesse período, não há registros de prejuízo à sua saúde ou problemas no atendimento dos pacientes.
O servidor procurou a Justiça Federal a fim de reverter o ato administrativo que pretendia obrigá-lo a optar por um dos referidos cargos ou a diminuir sua carga horária, com redução proporcional da remuneração. A 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro considerou legal a acumulação dos cargos.
Na apelação ao TRF-2, a União alegou que tinha o dever de zelar pela eficiência do serviço público e pelo bem-estar do servidor, e utilizou como respaldo o parecer da Advocacia Geral da União, o qual prevê um intervalo mínimo de descanso entre as jornadas de trabalho, bem como, o limite de 60 horas para carga horária semanal.
Entretanto, a desembargadora federal Nizete Lobato esclareceu que, quando a carga horária for superior a 60 horas, deve-se atentar para a peculiaridade de cada caso. E citou a alínea “c”, do inciso XVI, do artigo 37 da Constituição de 1988, que admite a acumulação de dois cargos públicos pelos profissionais de saúde, desde que apresentem compatibilidade de horário e que a profissão seja regulamentada.
A relatora considerou ainda que, uma vez que “o servidor acumula os dois cargos desde 1980, (...), não é mais razoável, decorridos mais de 35 anos, modificar situação consolidada no tempo”. Ainda mais que nos autos não há relatos de “desídia no cumprimento das funções; prejuízo à saúde física e mental, à qualidade do serviço prestado e à produtividade; e ou atendimentos ineficazes a pacientes submetidos a seus cuidados”.
A própria CF/88 prevê exceções a essa regra. Veja o que dispõe o art. 37, XVI:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
No caso dos servidores públicos federais, importante mencionar que o tema foi regulamentado pela Lei nº 8.112/90:
Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
(...)
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
Com o objetivo de disciplinar a matéria, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu o parecer nº GQ-145, vinculante, afirmando que o servidor somente poderá acumular cargos se houver compatibilidade de horário e desde que a jornada máxima não ultrapasse 60 horas semanais. Assim, para a AGU, mesmo que exista compatibilidade de horários, se a jornada semanal ficar acima de 60 horas, a acumulação não seria permitida, considerando que o servidor estaria muito cansado e isso atrapalharia seu desempenho funcional, em prejuízo ao princípio constitucional da eficiência.
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) também tem se manifestado no mesmo sentido da AGU, admitindo como limite máximo em casos de acumulação de cargos ou empregos públicos a jornada de trabalho de 60 horas semanais. É o caso, por exemplo, do Acórdão 2.133/05.
Os servidores não concordaram com este entendimento e recorreram à Justiça para que pudessem manter a acumulação de cargos mesmo se a jornada semanal for superior a 60 horas. O STJ acolheu o pedido dos servidores? É possível que o servidor acumule dois cargos públicos mesmo que a soma das jornadas ultrapasse 60 horas semanais?
NÃO. O STJ decidiu que é vedada a acumulação de cargos públicos quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de 60 horas semanais.
Segundo o STJ, como a possiblidade de acumulação é exceção, esta acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva.
Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência. O servidor precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho.
Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções.
É vedada a acumulação de dois cargos públicos quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de 60 horas semanais.
No caso concreto, a servidora acumulava dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde e a soma da carga horária semanal de ambos era superior a 60 horas. A servidora foi notificada para optar por um dos dois cargos, tendo se mantido inerte. Diante disso, foi demitida de um deles por acumulação ilícita de cargos públicos. A servidora impetrou mandado de segurança, mas o STJ reconheceu que a demissão foi legal. STJ. 1ª Seção. MS 19.336-DF, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014 (Info 548).
Por unanimidade, 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou que o fato de a Constituição limitar a carga de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais não pressupõe a limitação a jornada de 60 horas semanais em casos de cumulação de cargo e emprego público. O colegiado negou provimento ao agravo de instrumento do município de Maringá (PR) contra decisão que autorizou um auxiliar de enfermagem municipal a acumular dois cargos públicos, com carga horária total de 76 horas semanais.
Trabalhando desde 1999 em cargo público, o auxiliar de enfermagem foi aprovado em concurso para exercer a mesma função em outro órgão municipal pelo regime celetista em 2006, passando, assim, a acumular os dois empregos, sendo um estatutário, com 36 horas semanais, e o outro celetista, com jornada de 40 horas semanais.
Relator do agravo de instrumento, o ministro Fernando Eizo Ono manteve a decisão regional que dizia que “a limitação a 44 horas semanais se refere à limitação dirigida ao empregador de exigir labor excedente em razão de uma única relação de emprego, nada dispondo sobre jornada nas hipóteses de cumulação de cargos ou empregos públicos”.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença que validou a cumulação dos cargos, entendendo que não há amparo legal ou constitucional para limitar a carga horária total a 60 horas semanais, como pretendia o município. Destacando que o auxiliar "cumpre normalmente os horários de cada vínculo", o TRT afirmou que o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal exige apenas a compatibilidade de horários para a cumulação de dois cargos ou empregos públicos por profissionais da saúde.
Apesar de concordar que a carga horária cumprida pelo auxiliar de enfermagem é de fato grande, o relator esclareceu que o apelo municipal não conseguiu demonstrar que a decisão do TRT violou preceitos constitucionais nem apresentou divergência jurisprudencial válida que autorizasse o provimento do agravo de instrumento.
O Supremo Tribunal Federal em decisão recente se manifestou da seguinte forma:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.008.969 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) :UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECDO.(A/S) :LUCIANA CARVALHO DA COSTA
ADV.(A/S) :MARCIO NOGUEIRA DE SOUZA
ADV.(A/S) :SERGIO VENTURA PITA
DECISÃO: Trata-se de agravo cujo objeto é a decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto em face do acórdão do TRF-2ª Região, assim ementado (eDOC 1, p. 132):
“APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. ARTIGO 37, XVI, c, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. PROVIMENTO.
I.Trata-se de apelação cível interposta em mandado de segurança, com requerimento de liminar, objetivando que a autoridade coatora abstenha-se de reduzir a carga horária da impetrante e de promover a sua exoneração das atividades no cargo público de auxiliar de enfermagem que atualmente exerce junto ao Hospital dos Servidores do Estado.
II-O art. 37, XVI, c, da Constituição Federal, alterado pela EC nº 34/2001, permite a acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde com profissões regulamentadas, desde que haja compatibilidade de horários. III.Inaplicabilidade do Parecer nº GQ-145, de 30/03/98, porquanto a cumulação de dois cargos públicos aos profissionais de saúde é a estes assegurada pela Lei Maior. Limitar a sessenta horas a jornada semanal de trabalho a estes profissionais é implementar nova condição para cumulatividade de cargos sem amparo legal.
IV-Com efeito, na hipótese dos autos, a apelante exerce as atribuições do cargo de Técnico de enfermagem junto ao Hospital Universitário Pedro Ernesto, com carga horária de 32,30hs semanais, com outro cargo de Auxiliar de Enfermagem junto ao Hospital dos Servidores do Estado, com carga horária contratada de 40 horas semanais, as quais restaram reduzidas para 30 horas, por força da Portaria nº 1.281/2006, de modo que referidas cargas horárias podem ser compatibilizadas mediante escala de serviço com a Administração.
V-Não se pode prejudicar a impetrante por mera presunção de que a realização de jornada de trabalho superior a sessenta horas compromete a qualidade do serviço prestado, uma vez que a Administração, ao longo dos dois primeiros anos em que o servidor se encontra investido no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir estabilidade no serviço público. Assim, a assiduidade, a disciplina, a capacidade de iniciativa, a produtividade e a responsabilidade do servidor são regularmente avaliadas pela autoridade competente (art. 20 da Lei nº 8.112/90).
VI-Apelação conhecida e provida.”
No recurso extraordinário, alega-se violação dos arts. 7º, XIII; 37, XVI, “c”; e 39, § 3º, da Constituição Federal.
Nas razões recursais pertinentes à demonstração de existência de repercussão geral, sustenta-se, em síntese, que: “A questão constitucional trazida à baila pelo presente recurso, qual seja, a violação ao artigo 37, XVI,’c’ da Constituição Federal, é precisamente o âmago de todo o processo, havendo repercussão geral na medida que a decisão do v. Acórdão traz repercussões do ponto de visto econômico e jurídico.” (eDOC 1, p. 168)
É o relatório. Decido.
A competência recursal do Supremo Tribunal Federal, fixada nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal foi objeto de relevante alteração constitucional. A reforma promovida pela Emenda Constitucional 45/2004 incluiu o §3º no art. 102 do texto, estabelecendo, como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais debatidas no caso, in verbis:
“No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
A remissão feita à regulamentação legal permitiu ao Poder Legislativo, por meio da Lei 11.418/2006, alterar o então vigente Código de Processo Civil para disciplinar a preliminar. Nos termos de seu art. 543-A, § 1º, a repercussão geral foi definida como a demonstração de que há em determinado processo questões que “ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. A definição legal do instituto introduz, no ordenamento positivo nacional, um conceito que, na experiência comparada, tem sido destinado para a definição funcional de precedentes:
“As decisões podem ser precedentes apenas na medida em que elas são concebidas para se firmarem sobre bases de justificação; porque essas bases de justificação, de acordo com um modelo racional e discursivo de justificação, não podem ficar confinadas a um caso particular. Elas devem ficar disponíveis para aplicação analógica em casos análogos, seja por um simples salto intuitivo de raciocínio analógico ou (de forma mais plausível) por um processo mais reflexivo que universaliza as bases de justificação e as testa em face de fatos similares em casos posteriores.” (MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting precedents: a comparative study. London: Dartmouth, 1997, p. 543, tradução livre).
Com a mesma compreensão, Luiz Guilherme Marinoni, em pioneira obra sobre o tema, sustentou que a decisão desta Corte nos casos de repercussão geral “espraia-se para além do caso concreto, constituindo a sua ratio decidendi, motivo de vinculação tanto para o próprio Supremo Tribunal Federal (vinculação horizontal) como, potencialmente, para os demais órgãos jurisdicionais (vinculação vertical)” (MARINONI, Luiz Guilherme. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 79).
As alterações processuais promovidas pelo novo Código de Processo Civil mantiveram os contornos da repercussão geral já delineados pela Lei 11.418. O novo diploma legal, no entanto, ao explicitar a compreensão da definição de precedentes, fixou balizas relevantes para examinar os argumentos que permitam ultrapassar os interesses subjetivos da causa.
O art. 927 do Código de Processo Civil dispõe que serão observados os enunciados de súmulas vinculantes, as decisões desta Corte em controle concentrado de constitucionalidade, os acórdãos em julgamento de recursos extraordinários repetitivos e os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal.
Poder-se-ia aduzir, em interpretação literal, que a observância obrigatória das decisões desta Corte não se estende aos recursos extraordinários que fogem do regime do art. 1.036 do CPC. No entanto, a interpretação sistemática do Código exige que se leve em conta que, caso tenha a repercussão geral reconhecida, o efeito consequente é a suspensão de todos os processos pendentes e em trâmite em todo o território nacional (art. 1.035, § 5º, do diploma processual). Ademais, a contrariedade com súmula ou jurisprudência dominante implica presunção de repercussão geral (art. 1.035, § 3º, do CPC). Se a repercussão geral visa uniformizar a compreensão do direito, obrigação que atinge a todo o Poder Judiciário (art. 926 do CPC), então a estabilização, a integridade e a coerência, que têm na repercussão geral presumida importante garantia de uniformidade, devem, necessariamente, também atingir as decisões proferidas nos demais recursos extraordinários.
Por isso, é possível afirmar que, na missão institucional definida pelo constituinte e pelo legislador ao Supremo Tribunal Federal, compete-lhe, no âmbito de sua competência recursal, promover “a unidade do Direito brasileiro tanto de maneira retrospectiva quanto prospectivamente” (MARINONI, Luiz Guilherme. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 79).
Tal unidade impõe, como o exige o Código, a juízes e tribunais o dever de observar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Isso porque positivou o Código de Processo Civil verdadeiro sistema obrigatório de precedentes que naturalmente decorreria da hierarquização do Judiciário e da função da Corte Suprema. Observe-se, no entanto, que essa obrigatoriedade não se traduz por vinculação obrigatória. Juízes e tribunais, ainda que decidam com base na jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, têm o dever de motivação, conforme exige o disposto no art. 489, § 1º, do CPC. Dessa forma, devem demonstrar por que o precedente invocado é aplicável ao caso concreto, ou, inversamente, por que se deve realizar uma distinção ou superação do precedente neste mesmo caso concreto. Noutras palavras, o sistema de precedentes explicitado pelo Código de Processo Civil apenas impôs relevante ônus argumentativo a juízes e tribunais quando julgam os casos que assomam a seus órgãos.
Esse ônus argumentativo impõe a este Supremo Tribunal Federal um dever de cautela a fim de permitir efetivo diálogo exigido pelo sistema de precedentes. Esse diálogo está na base do sistema de precedentes e é, precisamente, o que permite uniformizar a jurisprudência nacional. Não se pode confundir a mera decisão em sede recursal com o conceito uniformizador do precedente. Há, por isso, um elemento crítico na decisão que se torna precedente. Como afirmou Geoffrey Marshall, “a perspectiva crítica sobre um precedente sugere que o que o torna vinculante é a regra exigida de uma adequada avaliação do direito e dos fatos” (MARSHALL, Georffrey. What is binding in a precedent. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting precedents: a comparative study. London: Dartmouth, 1997, p. 503-504, tradução livre).
É precisamente essa a função cumprida pelo instituto da repercussão geral, isto é, viabilizar o adequado juízo sobre os fatos examinados no caso concreto e a interpretação do direito dada pelas instâncias inferiores, de forma a permitir replicar, por analogia, aos casos que lhe forem análogos, a solução jurídica acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.
Frise-se que, ante a inércia do Poder Judiciário, a viabilização do juízo crítico em sede de repercussão geral é promovida pelas partes. Trata-se, com efeito, de etapa do recurso que impõe às partes o dever de fundamentação específica. Na linha de diversos precedentes desta Corte a ausência dessa arguição (AI-QO 664.567, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 6.9.2007) ou sua inadequada fundamentação (ARE 858.726AgR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 16.03.2015; RE 762.114-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 10.08.2015) inviabiliza o conhecimento do recurso interposto perante o Supremo Tribunal Federal.
No que tange ao conteúdo de tal demonstração, deve-se reconhecer no sistema de precedentes positivado pelo Código indeclinável diretriz interpretativa, a partir da teleologia do instituto. Tal perspectiva funcionalista permite reconhecer, de antemão, que dificilmente supre a exigência de fundamentação a mera asserção sobre erro no exame das premissas fáticas ou a aplicação indevida de norma jurídica nitidamente redigida.
Tampouco devem ser admitidas como razões suficientes para o exame da repercussão geral normas que possam ser depreendidas analogamente de casos análogos já julgados pelo Tribunal, sem que em face deles seja feita a devida distinção ou superação, a permitir que o Tribunal possa examinar a conveniência de realização de audiências públicas ou de autorizar a participação de terceiros para rediscutir a tese (art. 927, § 2º, do CPC). Encontraria dificuldades, outrossim, a repercussão suscitada a partir de lei local sem que se demonstre sua transcendência, especialmente a todo o território nacional.
Em vista dos parâmetros fixados pelo art. 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil, é possível assentar, ainda, que dificilmente ostentaria repercussão geral a questão econômica que não apresente dados suficientes para estimar a relação de causalidade entre a decisão requerida e o impacto econômico ou financeiro potencialmente causado. Afigura-se improvável, também, o conhecimento de questão social que sequer apresente titularidade difusa ou coletiva. No que tange à questão político-institucional, tem poucas chances de atender ao ônus de fundamentação a arguição de repercussão geral que deixe de demonstrar pertinência relativamente aos órgãos que integram a alta organização do Estado ou das pessoas jurídicas de direito público que compõem a Federação. Finalmente, dificilmente daria margem ao exame da repercussão geral a questão jurídica arguida que não faça o cotejamento entre a decisão recorrida e a interpretação dada por outros órgãos jurisdicionais ou que não saliente possíveis consequências advindas da adoção pelo Supremo Tribunal Federal do entendimento postulado em sede recursal nos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário. Alternativamente, também dificilmente atenderia ao ônus de fundamentação jurídica a arguição que não condiga com uma insuficiente proteção normativa ou interpretativa de um direito fundamental.
Registre-se, por fim, que o dever de fundamentação vinculada é ônus que incumbe às partes e somente a elas. “Pode o Supremo admitir recurso extraordinário entendendo relevante e transcendente a questão debatida por fundamento constitucional diverso daquele alvitrado pelo recorrente” (MARINONI, Luiz Guilherme. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 42). Essa faculdade, em verdade um poder-dever pelo qual a Corte cumpre sua função constitucional, depende, no entanto, para que seja adequadamente exercida, que as partes demonstrem minudentemente as razões pelas quais o Supremo Tribunal Federal deve criar um procedente daquele determinado caso concreto.
Não cabe, aqui, invocar o dever de colaboração para exigir da Corte a explicitação das razões pelas quais as partes em casos concretos deixaram de cumprir o ônus da fundamentação da repercussão geral. Em casos tais, o que se estaria a postular era que o próprio Relator suprisse o vício processual. Em decorrência do sistema de precedentes, recém positivado pelo Código de Processo Civil, é necessário que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua competência recursal, aja com prudência, a fim de estabilizar, de forma íntegra e coerente, a jurisprudência constitucional.
Por não ter se desvencilhado do ônus de fundamentar necessária e suficientemente a preliminar de repercussão geral suscitada, com fulcro no art. 102, § 3º, da Constituição Federal e no art. 21, § 1º, do RISTF, deixo de conhecer do recurso extraordinário.
Publique-se.
Brasília, 15 de novembro de 2016.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
Documento assinado digitalmente
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento dominante dos Tribunais Federias, Superiores e da jurisprudência são no sentido da coerência do limite de 60 (sessenta) horas semanais uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos. Ora, é limitação que atende ao princípio da eficiência sem esvaziar o conteúdo do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal. Os profissionais de saúde que não ultrapassam a carga horária semanal de 60 horas apresentam compatibilidade de horários e atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
REFERÊNCIAS
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro: a atividade administrativa: moralidade e eficiência. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 96-97.
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo: Impetus, 2005, p. 130.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 655-656.
http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/junho/tnu-reafirma-que-limite-maximo-da-jornada-semanal-de-profissionais-da-saude-e-de-60-horas
file:///C:/Users/BENNOV~1/AppData/Local/Temp/texto_310795502.pdf
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOVO, Benigno Núñez. Jornada semanal de trabalho de profissionais de saúde é de 60 horas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51501/jornada-semanal-de-trabalho-de-profissionais-de-saude-e-de-60-horas. Acesso em: 05 nov 2024.
Por: WESLEY CARVALHO DOS SANTOS
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Precisa estar logado para fazer comentários.