RESUMO: O presente artigo tem por escopo a análise do fenômeno da adoção internacional no Brasil, por meio do estudo da legislação sobre o tema. Serão destacados o conceito e a evolução do instituto, bem como a regulamentação atualmente vigente. Ao longo do artigo, também serão pontuadas algumas vantagens e desvantagens de tal modalidade de colocação da criança e do adolescente em família substituto.
PALAVRAS-CHAVE: Adoção internacional. Conceito e evolução. Normatização brasileira.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito e evolução do instituto da adoção internacional. 3. A atual normatização da adoção internacional no Brasil. 4. Conclusão.
1. Introdução.
A globalização, além de propiciar uma integração econômica, social e cultural entre os países, também é responsável pela aproximação entre os ordenamentos jurídicos nacionais e pela criação de normas supraestatais, através da realização de convenções internacionais. Nesse contexto, insere-se a temática da adoção internacional, que pressupõe a convivência de normas provenientes de ordenamentos jurídicos diversos, quais sejam, as do país do adotante e do adotado.
Contudo, a relevância do instituto em análise não se restringe à existência de um possível conflito de normas no plano abstrato, uma vez que também engloba problemas de ordem social, tema este bastante delicado.
Se por um lado é dever do Estado garantir às crianças e aos adolescentes a colocação em família substituta, a adoção internacional deve ser tratada com cautela. A uma, porque tal espécie de adoção, desde o princípio, enfrenta as barreiras físicas que são inerentes às fronteiras internacionais; a duas, porque o simples fato de inserir o adotado em uma cultura, idioma e sociedade diferentes já torna o processo mais difícil; e por fim, por não poderem ser desconsiderados fenômenos como o tráfico internacional de crianças.
Por se tratar de tema delicado e com nuances específicas em cada país, várias convenções internacionais foram realizadas para regulamentar o instituto e, principalmente, estabelecer princípios e regras unificados para garantir a cooperação internacional em matéria de adoção.
Diante de tais especificidades, é possível afirmar-se que a adoção internacional é um fenômeno complexo que não envolve apenas a esfera jurídica, possuindo diversas implicações no campo do desenvolvimento da criança e do adolescente. É, portanto, tema de grande relevância no âmbito do Direito de Família, cujas linhas gerais serão analisadas no presente artigo.
Inicialmente, impende ressaltar que o conceito de adoção e a sua natureza jurídica não são uníssonos na doutrina, tendo em vista os diversos critérios utilizados para a sua realização. Porém, a despeito de divergências teóricas, o Estatuto da Criança do Adolescente define a adoção como medida de colocação em família substituta, conjuntamente com a guarda e a tutela.
Por sua vez, a adoção internacional é instituto que permite a colocação da criança ou do adolescente em lar substituto fora de seu país, em caráter excepcional, com o fito de assegurar-lhe o direito constitucional à convivência familiar.
A principal característica da adoção internacional reside no fato, portanto, no fato da família substituta não possuir residência no Brasil, mas no exterior. Registra-se, deste modo, que esta forma de adoção não é feita apenas por não-nacionais, mas também por brasileiros residentes no exterior. Logo, o traço que irá caracterizar a adoção internacional será o deslocamento da criança de um país para o outro, além da regência de normas provenientes de ordenamentos jurídicos diversos, o que justifica a maior rigidez procedimental.
O fenômeno da adoção de crianças por estrangeiros é decorrência da Segunda Guerra Mundial, quando diversas crianças tornaram-se órfãs, sem perspectiva de adoção pelas famílias dos países em que viviam, pois estas também sofriam as conseqüências do conflito mundial. Registra-se, contudo, que a adoção internacional em tal período ocorria sem as devidas fiscalizações.
Neste diapasão, a comunidade internacional passou a dar maior relevo à problemática da adoção internacional. As Nações Unidas deram o primeiro passo para a regulamentação da matéria quando convocaram o Seminário Europeu sobre Adoção, realizado em Leysin, na Suíça. Foi então elaborado o documento conhecido por Princípios Fundamentais sobre a Adoção entre Países. Mas somente em 1971, em Milão, na Itália, foi realizada a Conferência Mundial sobre a adoção e colocação Familiar.[i]
Em 28 de maio de 1993, em Haia, foi firmada a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional. Dentre os diversos objetivos da convenção podemos citar a fixação de garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o melhor interesse da criança e no respeito aos seus direitos fundamentais e a instauração de um sistema de cooperação entre os Estados signatários, de modo a minimizar os abusos. A Convenção de Haia estabeleceu, ainda, “a metodologia representada pelas Autoridades Centrais, como instrumento de garantia da legalidade do instituto da adoção transnacional”[ii].
No Brasil, a adoção foi objeto de diversas regulamentações. O Código Civil de 1916 regulamentava o instituto em poucos artigos, ressaltando-se as modificações que ocorreram na redação original, principalmente com o advento da Lei nº 3.133/1957. Já a Lei nº 4.655/55 tratou da legitimação adotiva, sendo, no entanto, revogada pelo Código de Menores (Lei nº 6.697/1979), que veio a regulamentar de forma mais detalhada a adoção e seu procedimento.
Registra-se que nesse período, anterior à Constituição Federal de 1988, a adoção de crianças e adolescentes brasileiros por estrangeiros era uma prática comum, que não exigia maiores formalidades. A título exemplificativo pode-se citar a sua realização mediante simples escritura feita pela mãe biológica em favor do casal estrangeiro, que, então, poderia obter a certidão de nascimento da criança, tirar seu passaporte e sair do país.[iii]
A Constituição Federal de 1988, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 227 traz algumas diretrizes para a adoção, e prevê que a lei estabelecerá os casos e condições de sua efetivação por estrangeiros. Neste contexto de proteção aos direitos da criança e do adolescente trazido pela novel Constituição, é promulgada a Lei nº 8.069 de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, revogando o Código de Menores. Por fim, no contexto atual, temos a regência do Código Civil de 2002.
Em tal contexto legislativo, foi promulgada a Lei nº 12.010 de 2009, trazendo diversas inovações na regulamentação da matéria. Recentemente, a Lei nº 13.509 de 2017, promoveu novas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange à adoção internacional.
Conforme se observa da redação do art. 1º da Lei 12.010/2009, o diploma legal teve por objetivo aperfeiçoar a sistemática prevista na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), por meio do acolhimento das diretrizes da Convenção de Haia de 1993.
Registra-se, de início, que não houve a revogação dos dispositivos constantes do ECA, que passou, então, a fazer referência expressa à Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, ratificada pelo Brasil, sendo aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999.
Paulo Lôbo detalha que a principal alteração promovida pelo legislador de 2009 foi a extensão do conceito de adotantes, que passa a abranger não só estrangeiros como também brasileiros que residam fora do país. Nesse sentido:
A mais significativa alteração diz respeito à qualificação como adoção internacional quando os postulantes forem pessoas ou casais residentes e domiciliados fora do Brasil, o que inclui não apenas os estrangeiros, mas também os brasileiros que vivam fora do país.[iv]
Contudo, neste ponto, imperioso ressaltar que a Lei nº 13.509/2017 restringiu ainda mais o conceito de adoção internacional, limitando o instituto aos casos em que o pretendente possua residência habitual em país-parte da Convenção de Haia de 1993.
Outra alteração de grande relevância refere-se ao requisito da excepcionalidade da adoção internacional, que
somente será deferida na impossibilidade da colocação da criança ou do adolescente em família substituta residente no Brasil e a pessoa ou casal esteja devidamente habilitado pela Autoridade Central Estadual (CEJA), após atender aos requisitos legais, inclusive os realizados perante a Autoridade Central do País de Acolhida[v].
Os requisitos para a adoção internacional, introduzidos pela lei nº 12.010/2009, com redação atualizada pela Lei nº 13.509/2017 encontram-se previstos no §1º, do art. 51, do ECA, sendo eles: comprovação de que a colocação em família substituta seja a solução adequada para a criança ou adolescente; de que estejam esgotadas as possibilidade de colocação da criança ou adolescente em família brasileira substituta, mediante certificação da inexistência de adotantes habilitados residentes no Brasil e após consulta aos cadastros de pessoas interessadas na adoção; e de que, em se tratando de adolescente, seja ele consultado e feito um parecer de equipe interprofissional sobre se ele está preparado para a adoção internacional.
Da análise de tais requisitos, infere-se uma das principais características da adoção internacional, qual seja, a sua excepcionalidade. Ou seja, a adoção de crianças e adolescentes por pessoas residentes no estrangeiro somente ocorrerá caso não existam interessados na adoção residentes no Brasil. Nesse aspecto, cumpre ainda ressaltar que, de acordo com o §2º do supracitado artigo, os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros.
A lei nº 12.010/2009 também previu a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional. O Decreto nº 3.174, de 1999, designa como autoridade Central Federal a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Já no âmbito estadual, cabe à legislação própria estabelecer os órgãos que irão exercer tais funções.
No que tange ao procedimento para a adoção internacional – o qual não será objeto do presente artigo –, dispõe o ECA que se deverá adotar as mesmas regras adotadas para a ação interna, com algumas adaptações previstas no artigo 52 do estatuto.
Conclui-se, portanto, que as alterações implementadas pela Lei nº 12.010 de 2009 e, mais recentemente, pela Lei nº 13.509 de 2017, foram de suma importância para regulamentar a adoção internacional a partir dos pressupostos estabelecidos da Convenção de Haia de 1993. Também não se pode perder de vista que tais mudanças, apesar de tornarem o processo adotivo mais burocrático e lento, tiveram por escopo fornecer maiores garantias à proteção do direito das crianças e dos adolescentes.
4. Conclusão.
O instituto da adoção internacional apresenta diversas ressalvas que necessitam ser consideradas. Nesse sentido, pode-se citar a perda de um nacional pelo país de origem, o choque cultura que porventura pode vir a ocorrer para o adotado, além da maior suscetibilidade a fraudes que este procedimento está sujeito, à exemplo do tráfico de crianças e adolescentes.
Contudo, apesar de não se negar os problemas associados a esse mecanismo de colocação em família substituta, notórias são as suas vantagens, que não permitem que a adoção internacional seja sumariamente desconsiderada.
A grande vantagem dessa forma de adoção associa-se ao fato de que inúmeros são os países “com elevado grau de pobreza de sua população, sem condições de vida condigna para uma grande parte das crianças nascidas, muito vulneráveis à demanda por adoção.”[vi]. O Brasil, ainda que, a princípio, não se enquadre em tal situação, enfrenta graves problemas na conclusão dos processos de adoção interna, na medida em que crianças negras, portadoras de necessidades especiais, mais velhas e/ou com irmãos são constantemente preteridas pelos adotantes.
Assim, é imperioso ressaltar que as alterações trazidas na legislação brasileira pelas Leis nº 12.010/2009 e nº 13.509 de 2017 foram salutares no sentido de conferir à adoção internacional maior segurança jurídica. Contudo, a burocracia legal – diga-se de passagem, necessária – da adoção internacional não pode vir a sobrepujar a sua principal finalidade, consubstanciada colocação da criança e do adolescente em uma família substituta.
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[i] FERNANDES, José Nilton Lima. A Adoção Internacional: histórico, fundamento normativo e denúncias. Disponível em: . Acesso em: 20/12/2017.
[ii] LIBERATI, Wilson Donizete. Manual de Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2009.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JULIA ESTEVES GUIMARãES, . A regulamentação da adoção internacional no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51638/a-regulamentacao-da-adocao-internacional-no-brasil. Acesso em: 05 nov 2024.
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