RESUMO: O avanço da justiça constitucional sobre o espaço tradicionalmente reservado aos Poderes Legislativo e Executivo proporcionou falar em ativismo judicial, entendido em apertada síntese como a participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. O presente trabalho possui como escopo analisar como o ativismo judicial se revela, trazendo casos práticos provenientes da jurisprudência pátria para ilustrar tal manifestação.
Palavras-chave: Poder Judiciário. Ativismo judicial. Judicialização.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO 3 2 ATIVISMO JUDICIAL 4 2.1 CONCEITO 4 2.2 ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO 5 2.3 MANIFESTAÇÕES DO ATIVISMO JUDICIAL 5 3 CONCLUSÃO 16 REFERÊNCIAS 17
Nas causas relacionadas a políticas públicas, envolvendo, não raro, discussões acerca do alcance e das restrições a direitos sociais, o Poder Judiciário adota papel ativo, determinando medidas concretas a serem observadas pelos agentes públicos e pela sociedade, em um juízo substancialmente político, mas juridicamente fundamentado.
Apesar de ser de suma importância a participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, o ativismo judicial é alvo de críticas, justamente em razão de o Judiciário intervir em um espaço de atuação tipicamente dos outros dois Poderes.
A despeito dos juízos negativos, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, legitimaram a atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas.
É o que será visto a seguir.
2. ATIVISMO JUDICIAL
2.1 CONCEITO
Segundo Luís Roberto Barroso, ativismo judicial é a “uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.[1]
Na lição do professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal, o ativismo judicial decorre da expansão do escopo jurisdicional para causas relacionadas a políticas públicas e cidadania. Nessas lides, não raro envolvendo discussões acerca do alcance e das restrições a direitos sociais, o Judiciário adota papel ativo, determinando medidas concretas a serem observadas pelos agentes públicos e pela sociedade, em um juízo substancialmente político, mas juridicamente fundamentado.
Esclarecedoras são as palavras do doutrinador:
Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões complexas acerca da extensão de seus poderes. Pois bem: em razão desse conjunto de fatores – constitucionalização, aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário -, verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final.[2]
2.2 ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO
Barroso difere “ativismo judicial” de “judicialização”. Adverte o Ministro que tais expressões não são sinônimas. Enquanto a judicialização é um fato, o ativismo é uma atitude.
Nas palavras do Ministro, judicialização “significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade”.
Assim conclui Barroso:
A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte.
O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.[3]
2.3 MANIFESTAÇÕES DO ATIVISMO JUDICIAL
O Ministro Barroso ensina que existem três condutas por meio das quais o ativismo judicial pode se manifestar.
A primeira conduta diz respeito à aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário.
Exemplo dessa atuação ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar sobre a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, decidiu, no julgamento conjunto dos Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712, aplicar analogicamente a Lei de Greve do setor privado aos servidores públicos, em razão da mora do Legislador.
A segunda conduta refere-se à declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição.
Como ilustração dessa atuação, utiliza-se o exemplo trazido por Luís Roberto Barroso:
Outro exemplo, agora de declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do Congresso, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição: o caso da verticalização. O STF declarou a inconstitucionalidade da aplicação das novas regras sobre coligações eleitorais à eleição que se realizaria em menos de um ano da sua aprovação. Para tanto, precisou exercer a competência – incomum na maior parte das democracias – de declarar a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, dando à regra da anterioridade anual da lei eleitoral (CF, art. 16) o status de cláusula pétrea. É possível incluir nessa mesma categoria a declaração de inconstitucionalidade das normas legais que estabeleciam cláusula de barreira, isto é, limitações ao funcionamento parlamentar de partidos políticos que não preenchessem requisitos mínimos de desempenho eleitoral.[4]
Por fim, a terceira conduta remete à imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Com relação a esta última faceta, antigamente entendia-se que o administrador possuía ampla liberdade na definição e execução de políticas públicas, não podendo o Poder Judiciário intervir ou controlar essa discricionariedade. Porém, a partir da ADPF nº 45 esse panorama começou a mudar e hoje, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, reconhecem que, em casos excepcionais, é possível o controle judicial de políticas públicas.
Entende-se que quando o não desenvolvimento de políticas públicas acarretar grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição, será cabível a intervenção do Poder Judiciário como forma de implementar os valores constitucionais. Nesses casos, não será possível que o Poder Público invoque a discricionariedade administrativa.
Atualmente, é tranquilo o entendimento de que não há ofensa ao princípio da separação quando a intervenção do Poder Judiciário em política públicas ocorre de forma subsidiária, ou seja, quando verificada situação concreta de omissão ou atuação insuficiente dos Poderes Legislativo e Executivo. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa.
O Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões legitimou a atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas.
No Recurso Extraordinário 429.903/RJ, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 25/06/2014, a Primeira Turma do STF decidiu que a Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento. Reconheceu-se que não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque com essa decisão o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos já que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando graves prejuízos aos pacientes. Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário.
Não é despiciendo analisar a ementa do julgado:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENÇÃO EM ESTOQUE. DOENÇA DE GAUCHER. QUESTÃO DIVERSA DE TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. SOBRESTAMENTO. RECONSIDERAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER. PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – A questão discutida no presente feito é diversa daquela que será apreciada no caso submetido à sistemática da repercussão geral no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio.
II - No presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, recorrente, não se opõe a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doença de Gaucher, buscando apenas eximir-se da obrigação, imposta por força de decisão judicial, de manter o remédio em estoque pelo prazo de dois meses.
III – A jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário, para o prequestionamento, que o acórdão recorrido mencione expressamente a norma violada. Basta, para tanto, que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisão recorrida.
IV – O exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes.
V – O Poder Público não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Precedentes.
VI – Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF. RE 429903/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Jul. 25/06/2014)
Da mesma forma, o Plenário do STF, no RE 592.581/RS, julgado em 13/08/2015, decidiu ser lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF/88, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.
Vejamos a ementa do julgado em tela:
Ementa: REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS. INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO TRIBUNAL.
I - É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais.
II - Supremacia da dignidade da pessoa humana que legitima a intervenção judicial. III - Sentença reformada que, de forma correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos detentos, em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal.
IV - Impossibilidade de opor-se à sentença de primeiro grau o argumento da reserva do possível ou princípio da separação dos poderes.
V - Recurso conhecido e provido.
(STF. RE 592.581/RS. Plenário. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Jul. 13/08/2015)
Acompanhando a mesma ratio dos julgados anteriores, o Ministro Celso de Mello, em decisão monocrática, proferida nos autos do Recurso Extraordinário 956.475/RJ, em 12/05/2016, decidiu que o Poder Judiciário pode obrigar o Município a fornecer vaga em creche a criança de até cinco anos de idade. Reconheceu-se que a educação infantil, em creche e pré-escola, representa prerrogativa constitucional indisponível garantida às crianças até cinco anos de idade, sendo um dever do Estado (art. 208, IV, da CF/88). Portanto, os Municípios, que têm o dever de atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (art. 211, § 2º, da CF/88), não podem se recusar a cumprir este mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi conferido pela Constituição Federal.
O Superior Tribunal de Justiça, na esteira da jurisprudência do STF, também admite a atuação do Poder Judiciário na concretização de políticas públicas.
No Recurso Especial 1.389.952-MT, julgado em 03/06/2014 a Segunda Turma do STJ julgou procedente Ação Civil Pública manejada pelo Ministério Público que, entre outras medidas, objetivava obrigar o Estado a reformar cadeia pública onde foi constatada inúmeras irregularidades (tais como, superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade, desrespeito à integridade física e moral dos detentos) ou construir nova unidade. Concomitante ao pedido de reforma ou construção de nova unidade, o Ministério Público requereu que o Estado incluísse, no projeto de lei orçamentária, previsão orçamentária suficiente para arcar com os referidos gastos.
Vejamos o teor da ementa do importante acórdão:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CADEIA PÚBLICA. SUPERLOTAÇÃO. CONDIÇÕES PRECÁRIAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA OBRIGAR O ESTADO A ADOTAR PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E APRESENTAR PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA PARA REFORMAR OU CONSTRUIR NOVA UNIDADE PRISIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOPRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DE NECESSIDADE DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA (ARTS. 4º, 6º E 60 DA LEI 4.320/64). CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM CASOS EXCEPCIONAIS. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO CUJA MOLDURA FÁTICA EVIDENCIA OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS E AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL, CONTRA O QUAL NÃO SE PODE OPOR A RESERVA DO POSSÍVEL.
1. Na origem, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizaram Ação Civil Pública visando obrigar o Estado a adotar providências administrativas e apresentar previsão orçamentária para reformar a cadeia pública de Mirassol D'Oeste ou construir nova unidade, entre outras medidas pleiteadas, em atenção à situação de risco a que estavam expostas as pessoas encarceradas no local. Destaca-se, entre as inúmeras irregularidades estruturais e sanitárias, a gravidade do fato de - conforme relatado – as visitas íntimas serem realizadas dentro das próprias celas e em grupos.
2. A moldura fática delineada pelo Tribunal de origem - e intangível no âmbito do Recurso Especial por óbice da Súmula 7/STJ – evidencia clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
3. Nessas circunstâncias - em que o exercício de pretensa discricionariedade administrativa acarreta, pelo não desenvolvimento e implementação de determinadas políticas públicas, seriíssima vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição - a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de pôr em prática, concreta e eficazmente, os valores que o constituinte elegeu como "supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social", como apregoa o preâmbulo da nossa Carta Republicana.
4. O entendimento trilhado pela Corte de origem não destoou dos precedentes do STF - RE 795749 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 29/04/2014, Processo Eletrônico DJe-095 Divulg 19-05-2014 Public 20-05-2014, ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 15.9.2011 - e do STJ, conforme AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 06/12/2013. Aplicação da Súmula 83/STJ.
5. Com efeito, na hipótese sub examine, está em jogo a garantia de respeito à integridade física e moral dos presos, cuja tutela, como direito fundamental, possui assento direto no art. 5º, XLIX, da Constituição Republicana.
6. Contra a efetivação dessa garantia constitucional, o Estado de Mato Grosso alega o princípio da separação dos poderes e a impossibilidade de realizar a obra pública pretendida sem prévia e correspondente dotação orçamentária, sob pena de violação dos arts. 4º, 6º e 40 da Lei 4.320/1964.
7. A concretização dos direitos individuais fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue, nesses casos, como órgão controlador da atividade administrativa. Trata-se de inadmissível equívoco defender que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantir os direitos fundamentais, possa ser utilizado como óbice à realização desses mesmos direitos fundamentais.
8. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública vital nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, como na hipótese dos autos.
9. In casu, o pedido formulado na Ação Civil Pública é para, exatamente, obrigar o Estado a "adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária e realizar ampla reforma física e estrutural no prédio que abriga a cadeia pública de Mirassol D'Oeste/MT, ou construir nova unidade, de modo a atender a todas as condições legais previstas na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), bem como a solucionar os problemas indicados pelas equipes de inspeção sanitária, Corpo de Bombeiros Militar e CREA na documentação que instrui os presentes autos, sob pena de cominação de multa".
10. Como se vê, o pleito para a adoção de medida material de reforma ou construção não desconsiderou a necessidade de previsão orçamentária dessas obras, de modo que não há falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/64.
11. Recurso Especial não provido.
(STJ. REsp 1389952/MT. 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Jul. 03/06/2014)
Da mesma forma, a Segunda Turma do STJ, no REsp 1.607.472/PE, julgado em 15/09/2016, decidiu que o Poder Judiciário pode condenar universidade pública a adequar seus prédios às normas de acessibilidade a fim de permitir a sua utilização por pessoas com deficiência. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei.
Salutar é a leitura da ementa do julgado em epígrafe:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE DE AGIR DO MPF. ADEQUAÇÃO DOS PRÉDIOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. ACESSIBILIDADE. PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 282/STF.
1. Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE com o escopo de obrigar a recorrente a iniciar as obras de adaptação de todas as suas edificações para permitir a sua utilização por pessoas portadoras de necessidade especiais.
2. Não se pode conhecer da insurgência contra a ofensa do art. 7º, § 2º, da Lei 8.666/1993, pois o referido dispositivo legal não foi analisado pela instância de origem. Dessa forma, não se pode alegar que houve prequestionamento da questão, nem ao menos implicitamente.
3. Conforme destacado pelo Tribunal regional, o MPF vem solicitando à Reitoria da UFPE, há mais de uma década, providências para a conclusão das obras de acessibilidade em suas instalações. Como prova de sua afirmação destacou a existência do Inquérito Civil 1.26.000.0001418/2003-23, que fixou o prazo de trinta meses para o encerramento das adaptações necessárias nos prédios da universidade. Contudo, o lapso temporal transcorreu sem que as determinações
constantes no inquérito fossem cumpridas.
4. Tendo em vista o quadro fático delineado pela instância a quo, sobeja o interesse do parquet no ajuizamento da demanda. Ainda mais, por se tratar do direito de pessoas com necessidades especiais de frequentar uma universidade pública.
5. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente, estaria o Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na qual o legislador não lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a de exigir o imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente vinculados, da Administração Pública.
6. Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei.
7. Ademais, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.
8. Recurso Especial conhecido parcialmente e, nessa parte, não provido.
(STJ. REsp 1607472/PE. 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Jul. 15/09/2016)
O mesmo raciocínio foi utilizado no AgInt no REsp 1.304.269/MG, julgado em 17/10/2017, quando a Segunda Turma do STJ decidiu que o Poder Judiciário poderá determinar, em caráter excepcional, a implementação de políticas públicas de interesse social, principalmente nos casos em que visem resguardar a supremacia da dignidade humana, sem que isso configure invasão da discricionariedade ou afronta à reserva do possível.
Não é demais analisar a ementa do referido julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS. OMISSÃO ESTATAL. DIREITOS ESSENCIAIS INCLUSOS NO
CONCEITO DE MÍNIMO EXISTENCIAL.
1. O STJ tem decidido que, ante a demora do Poder competente, o Poder Judiciário poderá determinar, em caráter excepcional, a implementação de políticas públicas de interesse social - principalmente nos casos em que visem resguardar a supremacia da dignidade humana sem que isso configure invasão da discricionariedade ou afronta à reserva do possível.
2. O controle jurisdicional de políticas públicas se legitima sempre que a "inescusável omissão estatal" na sua efetivação atinja direitos essenciais inclusos no conceito de mínimo existencial.
3. O Pretório Excelso consolidou o posicionamento de ser lícito ao Poder Judiciário "determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes" (AI 739.151 AgR, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe 11/6/2014, e AI 708.667 AgR, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe 10/4/2012).
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ. AgInt no REsp 1.304.269/MG. Rel. Min. Og Fernandes. Julgado em 17/10/2017)
Apesar de ser tranquila na jurisprudência a legitimidade do Poder Judiciário para atuar no controle de políticas públicas, algumas críticas são dirigidas ao ativismo judicial. Nesse cenário, destaca-se a doutrina do judicial self-restraint ou doutrina da autocontenção ou da autorrestrição judicial, que busca limitar o papel e as funções da jurisdição constitucional, por entender que o exercício do ativismo judicial importa sempre em uma afronta à vontade da maioria, representada pelo Parlamento.
Nas palavras de Barroso:
O oposto do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais a) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; b) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e c) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas.[5]
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 34.327/DF, adotando a técnica da autocontenção, decidiu que não pode atuar em processo de cassação de mandato parlamentar em tramitação em uma das Casas do Congresso Nacional, por se tratar de processo de cunho acentuadamente político. A Suprema Corte fixou entendimento no sentido de que só pode interferir em procedimentos legislativos em uma das seguintes hipóteses: a) para assegurar o cumprimento da Constituição Federal; b) para proteger direitos fundamentais; ou c) para resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas.
Importante é a leitura da ementa do referido acórdão:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE DEPUTADO FEDERAL. QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR. ALEGADAS NULIDADES.
1. O Supremo Tribunal Federal somente deve interferir em procedimentos legislativos para assegurar o cumprimento da Constituição, proteger direitos fundamentais e resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas. Exemplo típico na jurisprudência é a preservação dos direitos das minorias. Nenhuma das hipóteses ocorre no presente caso.
2. A suspensão do exercício do mandato do impetrante, por decisão desta Corte em sede cautelar penal, não gera direito à suspensão do processo de cassação do mandato: ninguém pode se beneficiar da própria conduta reprovável. Inexistência de violação à ampla defesa ou de direito subjetivo a dilações indevidas. O precedente formado no MS 25.579 MC, Rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, se referia a parlamentar afastado para exercer cargo no Executivo e responsabilizado por atos lá praticados. Naquele caso, aliás, a medida liminar foi indeferida, pois se reputou a infração enquadrada no Código de Ética e Decoro Parlamentar.
3. A alegação de que o relator do processo no Conselho de Ética estaria impedido por integrar o mesmo bloco parlamentar do impetrante, por pressupor debate sobre o momento relevante para aferição da composição dos blocos, não configura hipótese justificadora de intervenção judicial. Precedente: MS 33.729 MC, de minha relatoria.
4. Não há que se falar em violação ao contraditório decorrente do aditamento da denúncia, providência admitida até em sede de processo penal, uma vez que o impetrante teve todas as possibilidades de se defender, o que foi feito de forma ampla e tecnicamente competente.
5. Ausência de ilicitude na adoção da votação nominal do parecer no Conselho de Ética, forma que mais privilegia a transparência e o debate parlamentar, e adotada até em hipóteses mais graves do que a ora em discussão. Deferência para com a interpretação regimental acolhida pelo órgão parlamentar, inclusive à vista das dificuldades para aplicação do art. 187, § 4º, do RI/CD fora do Plenário da Câmara dos Deputados. Inexistência de vedação expressa e inocorrência de “efeito manada”.
6. Validade do quórum de instalação da sessão na Comissão de Constituição e Justiça. Não há nas Comissões suplentes vinculados a titulares, mas sim a partidos ou blocos, razão pela qual são computados.
7. Ordem denegada.
(STF. MS 34.327/DF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso. Jul. 08/09/2016)
Ainda que parcela da doutrina critique o ativismo judicial, o papel ativo do Poder Judiciário representa uma medida de grande relevância política e social, visto que tal atuação do Judiciário ocorre comumente em lides envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade.
Apesar de o ativismo judicial ser reconhecido como legítimo pela maior parte da doutrina e da jurisprudência pátria, algumas críticas são dirigidas a ele. Nesse cenário, destaca-se a doutrina do judicial self-restraint ou doutrina da autocontenção ou da autorrestrição judicial, que busca limitar o papel e as funções da jurisdição constitucional, por entender que o exercício do ativismo judicial importa sempre em uma afronta à vontade da maioria, representada pelo Parlamento.
Ainda que parcela dos doutrinadores critique essa postura do Poder Judiciário e vejam o protagonismo judicial como um problema dentro da relação entre os Poderes do Estado, o papel ativo do Judiciário representa uma medida de grande relevância política e social, visto que tal atuação ocorre comumente em lides envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade. Ou seja, o Poder Judiciário, quando assim atua, está, em última análise, cumprindo os mandamentos constitucionais.
Deve-se esclarecer, entretanto, que a atuação do Poder Judiciário na esfera reservada aos outros Poderes é excepcional, somente sendo cabível quando houver uma violação evidente e arbitrária, pelos órgãos políticos, da incumbência constitucional.
REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43620/44697>.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/download/7433/5388>.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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[1] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/download/7433/5388>. Acesso em: 06 dez. 2017.
[2] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no brasil. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618>. Acesso em: 04 dez. 2017.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/download/7433/5388>. Acesso em: 06 dez. 2017.
[4] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/download/7433/5388>. Acesso em: 06 dez. 2017.
[5] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/download/7433/5388>. Acesso em: 06 dez. 2017.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLARIM, Cláudio Colaço. Ativismo judicial: o papel do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins institucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51643/ativismo-judicial-o-papel-do-poder-judiciario-na-concretizacao-dos-valores-e-fins-institucionais. Acesso em: 05 nov 2024.
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