RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar o que mudou desde a publicação e a entrada em vigor da Lei n. 12.619/2012, que seguiu os pilares de regulamentação do exercício da profissão de motorista estabelecidos pelo Regulamento n. 561/2006 da Comunidade Europeia e contempla possíveis inconstitucionalidades quanto à remuneração do tempo de espera, ao fracionamento dos intervalos e à jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Diversos estudos científicos apontam, ainda, os impactos das novas regras no setor de transporte de cargas, principalmente em termos de custos operacionais, assim como a existência de pontos de parada suficientes ao longo das estradas brasileiras. Retratam também a sua percepção em outras áreas do conhecimento e a necessidade de fiscalização das condições de trabalho nos locais de carga e descarga e nos embarcadores. Encontram-se em discussão, ademais, diversas propostas de modificação desse texto legal, o que evidencia a omissão na apreciação da realidade do transporte rodoviário de cargas no País no seu processo de elaboração. A par dessas considerações, necessária é a continuidade de reflexões acerca da Lei n. 12.619/2012, a fim de que seja alterada apenas depois de acurado exame das circunstâncias capazes de viabilizar a sua observância.
Palavras-chave: Caminhoneiro. Jornada de Trabalho. Lei 12.619/2012.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito comparado: a Lei n. 12.619/2012 e o Regulamento n. 561/2006 da Comunidade Europeia. 3. Possíveis inconstitucionalidades e os primeiros reflexos na jurisprudência trabalhista. 4. Estudos científicos sobre a Lei n. 12.619/2012 e a sua percepção em outras áreas do conhecimento. 5. Discussões acerca de modificações no texto legal. 6. Considerações finais. 7. Notas. 8. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo, com foco nas condições de trabalho do caminhoneiro empregado, tem por objeto a Lei n. 12.619, de 30 de abril de 2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, alterando, para tanto, em especial, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943) e o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997), com vistas a regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional.
A realidade é que até hoje – mais de um ano depois – o novo diploma legal suscita inúmeras dúvidas nos diversos segmentos sociais por ele atingidos, mormente nas empresas transportadoras de cargas, nos embarcadores, nos motoristas profissionais, empregados e autônomos, no setor produtivo e nos deputados federais. Essa situação culminou com a criação e a constituição, por Atos da Presidência da Câmara dos Deputados datados de 21 de fevereiro e de 13 de março de 2013, de Comissão Especial destinada a debater e a propor modificações no texto legal.
Vários são os aspectos negativos da Lei n. 12.619/2012 assinalados pela mídia, como queda na produtividade, risco de acumulação de passivos trabalhistas, em caso de adaptação tardia das empresas, necessidade de incremento da frota de caminhões e de contratação de mais motoristas para dar conta de uma mesma demanda, dificuldade de manutenção dos prazos de entrega, maior perigo de assalto nas incontáveis paradas para descanso, aumento do valor do frete, a resultar em prejuízos para o consumidor, ausência de condições mínimas de estadia nos embarcadores e locais de entrega das cargas, entre outros. Por outro lado, vislumbra-se a possibilidade de, finalmente, sob os rigores da lei, imporem-se limites ao tempo de direção dos caminhoneiros, com chance de reduzir o alarmante número de acidentes verificado nas nossas rodovias e melhorar a qualidade de vida desses trabalhadores.
Partindo de tais premissas, este estudo tem como objetivo analisar o que mudou desde a publicação e a entrada em vigor da Lei n. 12.619/2012. Com relação à metodologia, registra-se que os dados foram levantados por meio de ampla pesquisa bibliográfica, em bases de dados da internet, e analisados à luz do novo diploma legal, de forma a responder o objetivo proposto.
2 DIREITO COMPARADO: A LEI N. 12.619/2012 E O REGULAMENTO N. 561/2006 DA COMUNIDADE EUROPEIA
O Regulamento n. 561, de 15 de março de 2006, da Comunidade Europeia, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, esclarece, no artigo 1º, que se destina a estabelecer regras sobre tempo de condução, pausas e períodos de repouso para os motoristas envolvidos no transporte rodoviário, [...] visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária [...] (UE, 2006).
Com esses objetivos, determina que o tempo diário de condução não deve exceder de nove horas, admitindo, duas vezes por semana, o seu elastecimento até, no máximo, dez horas (artigo 6º). O mesmo artigo fixa o limite do tempo semanal de direção em 56 horas, desde que respeitado o total acumulado a cada duas semanas de 90 horas. O artigo 8º, em contrapartida, preconiza que em cada período de duas semanas devem os motoristas gozar de dois repousos semanais regulares de, pelo menos, 45 horas cada um, ou de um regular e um reduzido de, no mínimo, 24 horas, a ser compensado por meio de período de repouso equivalente (UE, 2006).
Observa-se, pois, que o Regulamento em pauta admite a flexibilização das condições laborais dos motoristas profissionais, sem perder de vista o merecido e necessário descanso, inclusive com duração até superior à prevista na Lei n. 12.619/2012 – 35 horas, no artigo 235-C, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou 36 horas por semana ou fração semanal trabalhada, nas viagens com duração superior a uma semana, no artigo 235-E, § 1º, da CLT (BRASIL, 2012).
Destaca-se, aliás, que a Lei n. 12.619/2012, de roupagem aparentemente severa, prevê, no artigo 235-C, caput, da CLT, que a jornada diária do motorista profissional será a estabelecida na Constituição da República ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho (BRASIL, 2012). Esse dispositivo legal [...] certamente abrirá brechas para a legitimação dos abusos já verificados em nome da rápida chegada das mercadorias ao destino e do retorno mais breve para casa, inclusive com a também costumeira remuneração habitual das horas extras [...] (GOULART, 2013). O Regulamento CE n. 561/2006, por sua vez, apesar de fixar tempo diário de condução maior que o nosso limite constitucional1, esquivou-se de tamanho subjetivismo.
O projeto Transport Regulators Align Control Enforcement (TRACE), incidente sobre as regras da União Europeia em matéria de transporte rodoviário e destinado ao treinamento dos fiscais de controle do cumprimento do Regulamento CE n. 561/2006, exemplifica as suas diretrizes com modelos de jornada e gozo dos intervalos. Inegável é que, em termos de capacitação dos responsáveis pela fiscalização do tempo de direção dos motoristas, com vistas a conferir efetividade a conjunto de regras tão minucioso, os europeus apresentam-se bastante conscientes. Enquanto isso, no Brasil, mesmo um ano depois de publicada a nova lei, seguimos meramente a discutir possíveis meios de conferir eficácia aos seus ditames.
Voltando ao Regulamento CE n. 561/2006, do artigo 7º extrai-se que, após um período de quatro horas e meia de condução, o motorista gozará de uma pausa de, pelo menos, 45 minutos, que pode ser substituída por uma de 15 minutos, seguida de outra de 30 minutos. O artigo 8º ainda contempla a obrigatoriedade de um repouso diário regular de, no mínimo, 11 horas, passível de fracionamento em dois períodos, de nove e três horas. A substituição de um período de repouso diário regular por um reduzido pode ocorrer, no máximo, três vezes entre dois períodos de repouso semanal (UE, 2006). Essa flexibilização regrada oferecida pelo Regulamento CE n. 561/2006, na tentativa de lidar com as peculiaridades da jornada de trabalho do motorista profissional, encontra-se claramente delineada no seguinte excerto:
a) Os exemplos acima apresentados mostram que o condutor não é obrigado a fazer corresponder o seu padrão de trabalho à «semana fixa» (ou seja, a gozar o seu período de repouso semanal no fim de semana), ou que a semana de trabalho pode ter uma duração variável, até 6 X 24 horas no máximo (ver também a derrogação dos «12 dias» concedida a condutores de autocarros, no artigo 8.º, n.º 6, alínea a). b) Um condutor inicia uma nova semana (não confundir com a semana fixa) quando completa um período de repouso semanal elegível, cuja duração deverá ser suficiente para assegurar o cumprimento dos limites relativos ao tempo de condução semanal (semana fixa) e quinzenal. Isto pode significar que, se um condutor tiver atingido o limite de tempo de condução semanal/quinzenal, não pode conduzir até ao início da semana fixa seguinte, apesar de ter gozado um período de repouso semanal elegível. c) Também é visível que a semana de um condutor pode conter, em teoria, um período de condução legal de 58 horas, sem deixar de cumprir a regulamentação relativa aos limites da «semana fixa». d) Note-se igualmente que o limite de 90 horas de condução em duas semanas se refere aos limites da «semana fixa» e, no exemplo acima apresentado, foi cumprido (TRACE, 2013, p. 36).
Interessante é ressaltar que o artigo 10 do referido Regulamento (UE, 2006) aborda, assim como o artigo 235-G da Norma Consolidada, acrescentado pela Lei n. 12.619/2012 (BRASIL, 2012), a proibição de remuneração dos condutores em função das distâncias por eles percorridas e/ou do volume das mercadorias transportadas, se essa remuneração for de natureza tal que comprometa a segurança rodoviária e/ou favoreça a violação das suas regras. Mas como poderá ser aferido esse comprometimento? Quais serão os limites entre o comprometimento e o não comprometimento? O Regulamento CE n. 561/2006, nesse aspecto, parece ter pecado pelo subjetivismo, justamente em regra que veio a ser por nós copiada.
Em termos de responsabilidade, o Regulamento CE n. 561/2006, no artigo 10º, estabelece que compete às empresas transportadoras a organização do trabalho dos condutores, de forma a viabilizar o cumprimento das suas disposições e das normas do Regulamento CE n. 3821, de 20 de dezembro de 1985. Compete a elas, outrossim, dar-lhes as instruções e efetuar controles regulares, assegurando a observância das regras. São as empresas quem respondem, inclusive, por qualquer infração cometida pelos seus empregados (UE, 2006), ao passo que, aqui, de acordo com o artigo 67-C do CTB, acrescido pela Lei n. 12.619/2012, é o motorista o responsável pelo controle do tempo de direção e quem responde pelo descumprimento dos períodos de descanso, quedando-se sujeito a penalidades (BRASIL, 2012). Assim, evidente é que nenhum motivo há para que o empregador deixe de exigir prazo curto para a entrega da carga, considerando a transferência para o empregado dos riscos da sua atividade econômica. Evidente é, ainda, a possibilidade de que, para tanto, esses trabalhadores passem a trafegar em velocidade acima da permitida.
Alemão (2012) bem pontua que [...] se o empregado colocar nas papeletas a ausência de intervalos ou as horas extras que prestou pode ser multado pela lei de trânsito. A honestidade do profissional que estaria a seu favor pode se voltar contra ele [...]. O autor questiona, igualmente, a imputação ao trabalhador de tal obrigação sem se atentar para o fato de que se encontra subordinado ao empregador.
Destaca-se que a Comissão Europeia (2011), ao avaliar os impactos do Regulamento CE n. 561/2006, identificou a inobservância dos seus ditames por significativa parte dos veículos, incluindo as obrigações relativas aos períodos mínimos de repouso. Concluiu, então, que tal inobservância, a resultar na fadiga dos condutores, implicou aumento do custo social dos acidentes de trânsito, além de ter conferido [...] uma vantagem competitiva ilícita aos infractores, com efeitos negativos no funcionamento do mercado interno e repercussões graves para a saúde dos condutores (p. 2). Nesse sentido, de acordo com a Resolução do Parlamento Europeu de 27 de setembro de 2011 sobre a política europeia de segurança rodoviária de 2011 a 2020, em 2009 mais de 35.000 pessoas morreram e 1.500.000 sofreram ferimentos em acidentes nas estradas da União Europeia; a cada acidente de trânsito mortal correspondem quatro que provocam incapacidade permanente, dez acidentes com ferimentos graves e mais 40 a ocasionar pequenos ferimentos (UE, 2011).
Diante do exposto, tem-se que a flexibilização regrada do Regulamento CE n. 561/2006, norma de primeiro mundo, não está satisfazendo as expectativas nela depositadas, por não lograr efetividade quanto às finalidades para as quais fora criada, como o aumento da segurança nas rodovias europeias. Será que a Lei n. 12.619/2012, então, que não só seguiu os seus pilares de regulamentação do exercício da profissão de motorista, mas, pior, potencializou-os ao possibilitar a adoção de jornadas especiais por meio de negociação coletiva, conseguirá reduzir o alarmante número de acidentes de trânsito verificado nas nossas estradas e melhorar a qualidade de vida desses trabalhadores? Ou veio para legalizar os abusos há muito praticados?
3 POSSÍVEIS INCONSTITUCIONALIDADES E OS PRIMEIROS REFLEXOS NA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA
A Lei n. 12.619/2012, segundo alguns autores, apresenta-se inconstitucional em certas abordagens, como na forma de remuneração do tempo de espera, na jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso e no fracionamento intervalar.
Acerca do tempo de espera, questiona-se a atribuição ao trabalhador da responsabilidade pelos prejuízos oriundos de demora por ele não ocasionada. Mesmo que não seja o empregador, também, o responsável pela escassa estrutura nos locais em que deve permanecer aguardando para carga ou descarga do veículo, no embarcador ou destinatário, ou para a fiscalização da mercadoria em barreiras fiscais ou alfandegárias (artigo 235-C, § 8º, da CLT), ele é quem deve arcar com os riscos da sua atividade econômica, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT. Segundo o artigo 235-E, § 4º, da CLT, se for exigida a permanência do motorista junto ao veículo, quando parado fora da sede da empresa por tempo superior à jornada normal, as horas excedentes igualmente serão reputadas como de espera (BRASIL, 2012). Em ambas as hipóteses, porém, está-se falando do cumprimento de obrigações profissionais pelo empregado que não será considerado como labor efetivo (GOULART, 2013).
Sobre a remuneração desse tempo, Moraes (2012) faz uma interpretação visionária a respeito da natureza indenizatória que lhe foi imposta:
[...] sem embargos à sua constitucionalidade ou não, o caráter indenizatório do ‘tempo de espera’ ditado pelo dispositivo é relativo, uma vez que sua habitualidade e intensidade poderão caracterizá-lo como verba salarial, conforme entendimento jurisprudencial pacificado nas Súmulas 101 e 132 do C. TST. Desse modo, aplicando-se analogicamente o entendimento da Súmula 101 do C. TST é possível estabelecer o critério de que, se a remuneração do tempo de espera superar 50% do salário do motorista, o montante pago a este título deverá integrar a remuneração do trabalhador para todos os fins (p. 11).
Alemão (2012), compartilhando do mesmo entendimento, pontua que [...] Não resta dúvida que se trata, de fato, de hora extra, muito embora a Lei tenha criado subterfúgios para não a considerar como tal, procurando fugir à inconstitucionalidade, por pagar um percentual inferior aos 50% da Carta Maior [...]. O autor menciona, ainda, como prováveis problemas que surgirão a partir disso, discussões tributárias, previdenciárias, assim como acerca dos reflexos nas demais parcelas salariais.
Com relação à possibilidade de fixação da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, contemplada no artigo 235-F acrescido à CLT (BRASIL, 2012), em razão da especificidade do transporte, de sazonalidade ou característica que a justifique, Goulart (2013) indaga qual seria a vantagem de se instituírem intervalos de 30 minutos para cada quatro horas de direção ininterrupta e, simultaneamente, estabelecer a referida modalidade de jornada, altamente desgastante? Destaca, ainda, que se apresentaria viável apenas nas hipóteses de revezamento de motoristas.
Machado e Goldschmidt (2012), nesse aspecto, ao trazerem à tona julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) admitindo a jornada de 12 por 36 horas, ressalvam tratar-se de decisão específica perante o caso concreto, que não se confunde com a previsão abstrata em lei – embora, posteriormente, ressaltem o teor da Súmula n. 444 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permite esse tipo de escala.
Verifica-se, pois, não ser o novel diploma legal equilibrado, comedido nas suas diretrizes, mas, sim, partidário do lema oito ou oitenta. O próprio Regulamento CE n. 561/2006, mais maleável na disciplina das condições laborais do motorista profissional, proíbe a sua permanência por mais de nove horas diárias na direção do veículo, exceto duas vezes por semana, tão somente, oportunidades em que poderá elastecer o referido período por até dez horas, no máximo (UE, 2006).
Por fim, no tocante à possibilidade de fracionamento dos intervalos, prevista no § 5º acrescentado ao artigo 71 da Norma Consolidada (BRASIL, 2012), com a devida vênia, não subsiste motivo para se concluir pelo seu desacerto.
O problema não reside nessa possibilidade, mas, sim, no fato de que a Lei n. 12.619/2012, ao legitimar o estabelecimento da jornada diária do motorista profissional mediante instrumentos de acordo ou convenção coletiva de trabalho, no artigo 235-C, caput, acrescido à CLT (BRASIL, 2012), abriu brecha para que, a partir do escorreito controle do seu tempo de direção e da fruição dos intervalos de 30 minutos a cada quatro horas ininterruptas ao volante, na prática, ele continue dirigindo por horas a fio, em virtude do que se deve apelar à razoabilidade (GOULART, 2013).
Cumpre lembrar, novamente, o Regulamento CE n. 561/2006, que, apesar de fixar limite diário mais amplo para o tempo de condução e admitir o fracionamento do intervalo de 45 minutos a cada quatro horas e meia de direção (UE, 2006), esquivou-se de lançar mão de tamanha subjetividade na sua redação.
Para Moraes (2012), entretanto, tanto o artigo 235-C, como o 235-H, acrescidos à Norma Consolidada, comportam inconsistência jurídica, uma vez que inviável é a sua interpretação no sentido de conferir às normas coletivas o poder de alterar os limites constitucionais da jornada laboral, [...] frente à hierarquia normativa que restringe a atuação do legislador ordinário, impedindo-o de mitigar o alcance de normas constitucionais garantidoras de direitos fundamentais [...] (p. 8).
Não obstante, mantido o texto legal, tem-se que caberá ao Poder Judiciário, na análise dos casos concretos, declarar a nulidade de cláusulas de instrumentos coletivos que contemplem limites diários de jornada desarrazoados, especialmente porque inexiste previsão de penalidade patronal. Ademais, também por conta disso há expressivas chances de que persistam as exigências de prazo, pois a única consequência para o empregador será o pagamento das horas extras.
Em termos de jurisprudência, considerando o recente advento da Lei n. 12.619/2012, extraem-se das decisões da Alta Corte Trabalhista, atualmente, apenas singelas referências a ela no julgamento de dissídios coletivos, com vistas à apuração da legalidade de cláusulas de normas coletivas, como se verifica abaixo:
[...] Pela nova Lei, foi estabelecida a obrigatoriedade de concessão de intervalo mínimo de 30 minutos de descanso para cada quatro horas de tempo ininterrupto de direção, além de uma hora para alimentação do trabalhador motorista. Os intervalos intrajornadas previstos nesses dispositivos legais refletem norma que pretende reduzir os riscos inerentes ao trabalho, além de constituir medida de saúde e higiene do trabalhador e, por essas razões, não podem ser suprimidos pela vontade das partes. Isso porque a negociação coletiva não tem poderes para eliminar ou restringir direito trabalhista peculiar e expressamente fixado por regra legal, salvo havendo específica autorização da ordem jurídica estatal. Em se tratando de regra fixadora de vantagem relacionada à redução dos riscos e malefícios no ambiente do trabalho, de modo direto e indireto, é enfática a proibição da Constituição ao surgimento da regra negociada menos favorável (art. 7º, XXII, CF). [...] Desse modo, não há como prevalecer cláusula que, além de suprimir os intervalos intrajornadas legalmente previstos, exclui a obrigação do pagamento como extra do direito não usufruído. Recurso ordinário provido (BRASIL, 2013).
Ressalta-se, finalmente, que o Tribunal Superior do Trabalho, na contramão do posicionamento defendido pela maioria dos autores, manifestou-se no sentido de reconhecer a submissão à negociação coletiva direta, pela Lei n. 12.619/2012, da instituição de jornadas de trabalho especiais e do fracionamento do intervalo intrajornada do motorista profissional (BRASIL, 2012a), concluindo que as matérias se encontram sujeitas ao livre ajuste entre as partes. Em outras palavras, ratificou o que o legislador ousou colocar no papel. Com relação aos limites da jornada de trabalho, portanto, seria este um indício do fim da supremacia constitucional?
4 ESTUDOS CIENTÍFICOS SOBRE A LEI N. 12.619/2012 E A SUA PERCEPÇÃO EM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO
A Associação Nacional de Transporte de Carga e Logística (NTC), por meio do seu Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos, estudou os impactos da Lei n. 12.619/2012 sobre os custos das empresas de transporte rodoviário, considerando as suas consequências, como queda na produtividade, redução do número de viagens/mês, aumento na quantidade de veículos em circulação, com vistas à recomposição das margens operacionais. A ampliação do prazo de entrega foi apurada em 56%, levando em conta o maior tempo a ser despendido para a conclusão de um mesmo trajeto. O estudo retrata, outrossim, queda na produtividade de 37,5% e redução de 2,25 viagens/mês (NTC, 2012).
A NTC (2012) explica que os custos fixos permanecem os mesmos, motivo por que a redução na produtividade do veículo ensejará a elevação dos custos por unidade transportada, de forma a diminuir os impactos proporcionalmente ao aumento do percurso. Acerca da necessidade de repasse imediato dos percentuais, esclarece que [...] As empresas de transporte que não se adequarem às novas regras e não repassarem esses impactos que estão tendo sobre os seus custos estarão criando passivos trabalhistas com potenciais impactos sobre os seus negócios [...]. Destaca, ainda, outros custos que surgirão, como os decorrentes da ampliação da frota de caminhões e da contratação de novos motoristas para satisfazer a mesma demanda.
Interessante é observar as sugestões apontadas pela NTC (2012) para minorar os reflexos nos custos dos processos logísticos, como a redução nos tempos de carga e descarga, a fim de incrementar o aproveitamento do veículo e melhor diluir o custo fixo por tonelada; a flexibilização das restrições à circulação de caminhões nos centros urbanos em geral, a fim de aumentar o número de viagens/mês, adiantar a entrega da carga no destino, diminuir o número de veículos para o mesmo volume de carga/mês; a maior agilidade na liberação dos caminhões nos postos fiscais das Fazendas Estadual e Federal, na fronteira entre os Estados. Para amenizar esse efeito, indica a formação de parcerias entre transportadores, embarcadores e Governos.
De outro norte, pesquisa realizada pelo SOS Estradas, Programa de Segurança nas Estradas do Portal Estradas.com.br, defende a existência de paradas suficientes no País para o cumprimento da Lei n. 12.619/2012. O Programa SOS Estradas apurou a existência total de, pelo menos, 74.925 vagas (RIZZOTTO, 2012).
A mesma pesquisa constatou, a respeito dos custos, que:
Pelos valores mencionados nas entrevistas com os responsáveis pelos postos, a estimativa é que, para cobrir custo e gerar alguma receita, os estacionamentos dos postos de rodovia devem receber entre R$ 15,00 e R$ 30,00 por 11h. Muito mais barato que qualquer estacionamento urbano, em praticamente todas as cidades importantes do País. Apesar de estarmos falando de veículos com 15m ou mais. [...] A cobrança média de R$ 20,00 no estacionamento nos postos de rodovia, por 11h de permanência, não afetaria em absoluto o valor do frete. Para viagens acima de 600 km, que podem exigir pernoite dos caminhoneiros, isso significa em torno de 1% do valor mínimo cobrado pelo frete para essa distância. Esse valor deveria ser incluído, assim como deveria estar sendo pago o vale-pedágio, mas frequentemente não acontece por falta de fiscalização. O que cabe ao Governo fiscalizar. O valor de R$ 20,00 é matematicamente inexpressivo se comparamos com o valor da carga transportada, sem contar o veículo. Portanto, é absolutamente viável o pagamento desse valor como diária/estacionamento em qualquer frete rodoviário (RIZZOTTO, 2012, p. 59-60).
Segundo a avaliação do Programa SOS Estradas, a aplicação rigorosa do novo diploma legal pode ser capaz de reduzir em até 50% o atual número de acidentes de trânsito envolvendo veículos de carga observado (RIZZOTTO, 2012).
Dentro do contexto ora revelado, não é demais ressaltar a reclamação dos motoristas profissionais a respeito das péssimas condições de estadia nos locais de carga e descarga, assim como nos embarcadores, motivo por que o estudo aponta ser indispensável maior fiscalização, a fim de contribuir para o aumento do uso da frota e a redução dos acidentes e dos custos da economia. Das ilações da pesquisa, extrai-se, por fundamental, que o custo Brasil, em vez de aumentar, irá diminuir, tendo em vista que [...] Com menos acidentes o tráfego flui, a carga chega antes, a empresa trabalha mais, o caminhoneiro tem mais serviço, os postos empregam mais, os hospitais ficam com leitos disponíveis, tudo funciona melhor [...] (RIZZOTTO, 2012, p. 73-74).
Nesse aspecto, Alemão (2012), ao referir-se ao artigo 9º2 do novel diploma legal e ao veto de quase toda a sua parte final, bem ponderou a perda da oportunidade, pelo legislador, de responsabilizar e punir pelas condições degradantes sofridas pelos motoristas profissionais. Registrou, outrossim, a remissão por ele feita a Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego que, na verdade, de forma específica para a hipótese em análise, ainda nem sequer existem.
Acerca da percepção da nova lei em outras áreas do conhecimento, Moura (2012), sob o olhar da Engenharia Civil, acredita que o modelo cooperativo reduziria o custo de capital imobilizado, por viabilizar o melhor aproveitamento do veículo, sem exigir excessivo trabalho do motorista profissional, como se vê abaixo:
[...] um caminhoneiro, para trabalhar de forma segura e de acordo com a Lei nº 12.619/2012, deveria trabalhar no modelo de parcerias, ou seja, para cada veículo deveriam estar designados dois motoristas. A melhor forma de organização identificada dessa proposta e para garantir que o motorista tenha um descanso remunerado de forma que não reduza seus rendimentos seria a formação de cooperativas de transportadores autônomos de cargas (p. 5).
Seria o fim do vínculo empregatício? Apenas sob o aspecto dos autônomos apresenta-se, aparentemente, como uma boa alternativa, pois, conforme a autora sustenta, [...] remete à forma como as empresas desse ramo trabalham, ou seja: possivelmente geraria lucro, o que nas cooperativas é chamado de sobras, aumentando assim a receita total da cooperativa, bem como a dos cooperados [...] (p. 20). Moura (2012) destaca, igualmente, as vantagens desse modelo operacional para os cooperados, por reduzir custos e incrementar a sua qualidade de vida e a da sua família, citando, como exemplos, os convênios firmados pelas cooperativas.
Do ponto de vista logístico, Araujo (2013) entende que a nova lei não andou bem ao contemplar parâmetros mais severos que os dos países desenvolvidos e com baixos índices de acidentes. Para ele, todavia, em tese, a sua aplicação pode servir de estímulo a outros modais, como o ferroviário e a cabotagem, por exigir maior tempo de viagem, o que [...] é, sim, um fator de ajuste para o modal rodoviário brasileiro, o qual operava de maneira ‘exploratória’ a figura do motorista autônomo [...] (p. 8).
Ninguém prometeu que seria fácil reduzir o número de acidentes de trânsito envolvendo motoristas profissionais, até porque, como regra geral, a todo benefício – aumento da segurança nas estradas – corresponde um sacrifício – eventual majoração do valor do frete e, por corolário, dos preços a serem pagos pelo consumidor na compra dos produtos finais. Quem sabe seria essa situação, aliás, a alavanca que faltava para que a sociedade pressione e, então, sejam tomadas providências relativas a investimentos em outros meios de transporte de cargas no Brasil.
A questão requer, portanto, o contrabalançar dos ônus e dos bônus: gastar mais com tratamento e pensões por morte decorrentes de acidentes de trânsito ou com o remanejar do aumento dos custos da operação logística, a ser diluído nos produtos? Não há dúvida de que será mais salutar para todos arcar com esse remanejamento que com as consequências fatais oriundas da quantidade assombrosa de sinistros hodiernamente verificada, a exemplo dos trabalhadores e terceiros vítimas de invalidez, dos hospitais superlotados, entre outras, conforme é amplamente sabido.
5 DISCUSSÕES ACERCA DE MODIFICAÇÕES NO TEXTO LEGAL
Em termos gerais, pode-se dizer que inexiste consenso entre os próprios integrantes das categorias envolvidas no assunto, profissional e econômica, acerca dos ditames da Lei n. 12.619/2012. Em que pese a manifestação contrária a ela do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), segundo Bortolin (2013), vem agindo isoladamente de tal forma, enquanto diversas outras entidades representantes desse motorista profissional - seja empregado, seja autônomo -, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), a União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil (Unicam) e a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), apoiam a sua aplicação. Nesse mesmo sentido, o recente diploma legal conta com o incentivo, do ponto de vista patronal, da NTC, associação nacional que representa as sociedades empresárias transportadoras de cargas.
Do mesmo lado da moeda ocupado pela MUBC, deputados federais ligados ao agronegócio anseiam por uma mudança rápida da Lei em pauta, sugerindo, nessa linha, que se dê por meio de Medida Provisória editada pelo Governo Federal. Sustentam que as novas regras prejudicam a agricultura e, por consequência direta, o consumidor final, que pagará mais caro pelos alimentos, em razão do aumento do frete (BORTOLIN, 2013). O último argumento é unanimidade entre os opositores.
De acordo com Bortolin (2013a), sob pressão da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), após debates no XIII Seminário Brasileiro do Transporte Rodoviário de Cargas, promovido pela NTC na Câmara dos Deputados, a Casa Civil pretende ampliar para até seis horas o tempo de direção ininterrupta e elastecer para até quatro horas extraordinárias por dia a prorrogação da jornada. Em contrapartida, a NTC e a CNT querem a preservação dos limites da jornada e do tempo de direção dos motoristas fixados na redação original.
Ora, com a ampliação do tempo de direção ininterrupta para até seis horas, como se quedará o limite diário da jornada? Estar-se-ia, com isso, afastando a adoção do limite constitucional de oito horas e fomentando a negociação coletiva sem nenhum critério de razoabilidade, como já permite a atual redação do artigo 235-C, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentado pelo novo diploma legal?
O Projeto de Lei n. 4246/2012, em trâmite perante a Câmara dos Deputados, infelizmente busca admitir a prorrogação da jornada por até quatro horas extras, reduzir o intervalo interjornadas de 11 para oito horas, a cada 24 horas, e o repouso semanal para 32 horas, bem como revogar a possibilidade de instituição, via negociação coletiva, da jornada de 12 por 36 horas. Propõe, ainda, a modificação do período de uma para duas horas, instituído para que o condutor do veículo chegue a lugar seguro, em situações excepcionais de inobservância justificada do tempo de direção e desde que isso não comprometa a segurança rodoviária (BRASIL, 2012b).
Como justificação do referido Projeto de Lei, o respectivo autor, deputado federal Jerônimo Goergen, menos de quatro meses, apenas, depois da publicação da Lei n. 12.619/2012, apontou os motivos a seguir relacionados:
A Lei 12.619, de 30 de abril de 2012, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, trouxe transtorno a toda a cadeia de serviço de motorista profissional e impactou o custo de produção, cujos os reflexos ainda estão sendo devidamente dimensionados. Todavia, o que se tem de concreto até agora é a total inviabilidade, tanto do trabalhador que exerce a profissão de motorista quanto das empresas que prestam serviço de transporte de carga, de trabalharem em conformidade com a atual legislação (BRASIL, 2012b).
Consoante argumenta o Procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, essa situação resultará na legalização do tão rechaçado excesso de jornada do caminhoneiro - causa primeira e maior de toda a discussão a respeito das suas condições laborais (BORTOLIN, 2013a). Trata-se de mais um indício do lema do oito ou oitenta, a que aderiu o legislador na elaboração da Lei n. 12.619/2012.
Verifica-se, nessa linha, a ausência de debates sobre uma possível – e imprescindível – alteração no texto do artigo 235-G da CLT, acrescentado pela Lei n. 12.619/2012, de acordo com a minuta de propostas de modificações elaborada pela Casa Civil da Presidência da República e divulgada pelo Movimento União Brasil Caminhoneiro (BOTELHO, 2013). O dispositivo proíbe a remuneração em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante comissão ou outro tipo de vantagem, se houver comprometimento da segurança rodoviária ou da coletividade (BRASIL, 2012).
A respeito da remuneração desse motorista profissional, aliás, bastante oportunos são os comentários de Alemão (2012), abaixo colacionados:
Exigir dele o cumprimento não só do contrato, mas da lei geral que protege o cidadão é correto, mas com uma remuneração mensal adequada. Não aquela de incentivo, como bem tratado por esta lei, mas a remuneração contratual, com vantagens correspondentes à cobrança que é feita a ele pela sociedade, com direito de organização profissional adequada. Não se pode exigir do empregado um ‘plus social’ sem a devida contraprestação. Essa é uma discussão que a sociedade e em especial o legislador tem que avançar quando se trata de regulamentação profissional.
A submissão dos condutores de veículos transportadores de cargas a regulamentação tão severa, de fato, deveria vir acompanhada, por justo, razoável e lógico, da fixação de um piso salarial que a compensasse, que fizesse valer a pena a sua observância, aliada a um incremento dos seus benefícios, a exemplo da aposentadoria especial e do adicional de penosidade. Quem sabe, por conseguinte, seria o salário fixo, como regra geral, capaz de manter o atual poder de compra dos integrantes dessa categoria profissional, por meio do assentamento de piso salarial decente, sem exceções ou subjetivismo, a solução (GOULART, 2013).
Outro aspecto carente de discussão para fins de mudança é a remuneração do tempo de espera, cujas horas, conforme o artigo 235-C, § 9º, da CLT, devem ser indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (BRASIL, 2012). Já exsurge no meio acadêmico, porém, como forma de sanar esse equívoco, a adoção da interpretação sistemática para conferir a tal pagamento natureza salarial, por referir-se a tempo à disposição do empregador (GEMIGNANI; GEMIGNANI, 2012).
Esse breve esboço dos debates acerca de modificações na recente Lei n. 12.619/2012, iniciados imediatamente após a sua publicação, não deixam dúvidas a respeito da omissão existente no seu processo de elaboração quanto às circunstâncias que permeiam a realidade do transporte rodoviário de cargas no nosso País, às estradas brasileiras e aos setores diretamente atingidos pelos novos ditames, em especial os motoristas profissionais e as empresas transportadoras.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante o exposto no decorrer deste estudo, o fato é que a Lei n. 12.619/2012 se encontra em vigor e permitindo, consequentemente, tanto aos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego, como ao Ministério Público do Trabalho, à Polícia Rodoviária Federal e à própria Justiça do Trabalho, a sua imediata aplicação, mesmo que careça de razoabilidade tal aplicação do dia para a noite.
Indispensável seria fixar tempo suficiente para a adequação das empresas às novas regras, seja no planejamento das rotas em conformidade com os postos de parada existentes ao longo das rodovias e aptos a receber os veículos durante os descansos obrigatórios dos seus motoristas, seja na implantação dos instrumentos capazes de controlar a jornada por eles efetivamente trabalhada. Entretanto, dada a realidade apurada, tem-se que, inevitavelmente, aos trancos e barrancos é que se delineará essa inédita rotina na vida dos sujeitos envolvidos, por meio da capacidade individual de adaptação às mudanças de cada um, da análise dos casos concretos pelo Poder Judiciário, na construção da jurisprudência, e das interpretações doutrinárias e acadêmicas em potencial, a despontarem num futuro não muito distante.
A Lei n. 12.619/2012 exige melhor organização, dinamismo e estrutura nos locais de carga, descarga e embarcadores, onde o motorista profissional perde muito tempo ocioso, sem condições mínimas de higiene e conforto para a sua estadia e que, certamente, em muito contribuem para inviabilizar a efetividade das novas regras legais. Não basta para tanto, pois, comprometimento de empregado e empregador: o cumprimento do novo diploma legal ultrapassa os limites da relação empregatícia, requerendo a boa vontade de terceiros. Isso sem esquecer a autoisenção do Governo de providenciar os pontos de parada seguros ao longo das rodovias, passando tal incumbência a particulares: os proprietários dos postos de combustíveis.
A par das especulações atuais em torno de mudanças no texto legal, inegável é o avanço com a exigência de controle e limitação das horas de direção. Cumpre lembrar que o grande problema que originou a nova lei é a jornada excessiva a que se submetem especialmente os caminhoneiros, os quais, pelo menos antes do seu advento, chegavam a permanecer mais de dezesseis horas diárias ao volante.
Por outro lado, a Constituição da República estabelece, no artigo 7º, inciso XIII, duração da jornada não superior a oito horas diárias, nem a 44 semanais, bem como a possibilidade de instituição de regimes de compensação ou redução de horários por meio de acordo ou convenção coletiva (BRASIL, 1988). Por que não impor tal jornada a esses motoristas, então, continua-se a insistir, apenas com o intervalo de uma hora previsto no artigo 71, caput, da CLT, a ser usufruído da maneira que lhes for mais conveniente? (GOULART, 2013). Frisa-se que faltavam para o caminhoneiro limites de tempo de condução e efetivo descanso, e não um maior número de paradas. Essa, talvez, possa ser a solução para assegurar a incolumidade física e psicológica desse trabalhador e, ainda, atender aos anseios de todos os interessados.
Considerando o histórico das condições laborais dos caminhoneiros, no que se refere às horas intermináveis na direção do veículo, tem-se que, pelo menos num primeiro momento, somente o intervalo intrajornada seria passível de flexibilização por meio do seu fracionamento, com vistas a beneficiar o empregado, isto é, a fim de que, com isso, possa lidar com as intempéries que permeiam a sua jornada de trabalho. Por outro lado, não caberia falar em jornadas de trabalho mais extensas, mesmo que para atender às peculiaridades da profissão e mediante a concessão de um maior número de intervalos, pois isso implicaria a legalização dos abusos praticados.
A negociação coletiva sempre foi autorizada pelo artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição da República3, mas nem por isso os sindicatos representantes da categoria profissional em pauta lograram restringir a jornada de trabalho dos seus integrantes, tampouco evitar os abusos. Essencial é, por consequência, a rígida fiscalização dos limites impostos pela nova lei, acompanhada do estabelecimento de condições para o seu efetivo cumprimento, sem aberturas ou exceções.
Imprescindível é, ademais, conscientizar esses empregados a respeito da necessidade de observância dos limites legais, mesmo que a vontade de chegar mais cedo em casa e ficar com a família clame por falar mais alto. Essa vontade, aliás, pode facilmente ser suprida pelo empregador com o revezamento de motoristas nas viagens de longa distância, a fim de potencializar o aproveitamento do veículo.
Com a manutenção do texto legal acerca da responsabilização dos motoristas profissionais pelo controle do tempo de direção, sob pena de serem autuados por infração grave, com multa e retenção do veículo para o regular cumprimento do tempo de descanso, nos termos dos artigos 67-C e 230, inciso XXIII, do Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 1997), certo é que precisam participar do planejamento das viagens com o empregador e receber recibo do ajuste final, com o objetivo de que possam, no mínimo, tentar se esquivar dessa responsabilização, levando em conta a situação de completa subordinação em que se encontram.
A par dessas considerações, tem-se que necessária segue a continuidade de reflexões a respeito da efetividade da Lei n. 12.619/2012. Espera-se que não promovam às pressas a sua alteração, de forma a pender para o lado que mais pressão logre exercer sobre o legislador, mas, sim, depois de acurado exame das circunstâncias capazes de viabilizar a sua obediência, tendo em vista não apenas os desejos dos envolvidos, mas, igualmente, os imprevistos passíveis de estimativa, como congestionamentos, más condições das estradas, enfim, a realidade brasileira.
7 NOTAS
1 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (BRASIL, 1988).
2 Art. 9o As condições sanitárias e de conforto nos locais de espera dos motoristas de transporte de cargas em pátios do transportador de carga, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador intermodal de cargas ou agente de cargas, aduanas, portos marítimos, fluviais e secos e locais para repouso e descanso, para os motoristas de transporte de passageiros em rodoviárias, pontos de parada, de apoio, alojamentos, refeitórios das empresas ou de terceiros terão que obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre outras (BRASIL, 2012).
3 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (BRASIL, 1988).
8 REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Rhiane Zeferino. Lei n. 12.619/2012: reflexões sobre a sua efetividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51681/lei-n-12-619-2012-reflexoes-sobre-a-sua-efetividade. Acesso em: 05 nov 2024.
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