RESUMO O capítulo IV do título I do livro III do Código Civil pátrio de 2002 regulamenta os defeitos do negócio jurídico. De acordo com as hipóteses previstas em tal capítulo do diploma civilista, os defeitos do negócio jurídico seriam o erro ou ignorância, dolo, coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores.O questionamento que se pretende responder neste artigo é se este rol dos defeitos do negócios é taxativo.
PALAVRAS-CHAVE: Defeitos. Negócio jurídico. Direito Civil. Tutela de evidência. FGTS.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do Negócio Jurídico. 3- Dos Defeitos do Negócio Jurídico. 4. Das outras hipóteses de invalidade do negócio jurídico. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Os defeitos do negócio jurídico são tratados no capítulo IV do título I do livro III do Código Civil pátrio de 2002 que explicitam as seguintes hipóteses: o erro ou ignorância, dolo, coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores.
No presente artigo, busca-se aferir se este rol dos defeitos do negócios é taxativo.
A linha de pesquisa passa pela conceituação e caracterização do negócio jurídico, bem como sua caracterização, seguida da análise das hipóteses elencadas acima para, por fim, responder à questão proposta, no sentido de verificar a existência de outros vícios invalidantes do negócio jurídico que não aquele previsto no capítulo do título I do livro III do Código Civil de 2002.
O artigo segue a linha jurídico-dogmática, utilizando-se dos dispositivos legais, da doutrina civilista e da jurisprudência dominante em território nacional como norte de pesquisa.
2. Do Negócio Jurídico
O negócio jurídico é o fato jurídico no qual há uma composição de interesses, em regra, constituinte de uma estipulação bilateral de condutas, decorrente da manifestação de vontade dos contratantes, fruto do exercício da autonomia privada.
Segundo doutrina de Caio Mario da Silva Pereira, ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico se distinguem na medida em que este é a declaração de vontade, em que se busca o efeito jurídico, ao passo que naquele a produção dos efeitos jurídicos decorrentes da manifestação de vontade são gerados independentemente de serem perseguidos. (PEREIRA; 2011)
Elemento essencial da configuração do negócio jurídico, portanto, é a presença de vontade qualificada, ou seja intuito de criação de vínculo obrigacional, sendo pressuposto da válida constituição do negócio jurídico.
Segundo Caio Mario, “o fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal”. (PEREIRA; p.398; 2011).
Os conceitos expostos,decorrem da adoção das teorias voluntaristas amplamente disseminadas no ordenamento jurídico pátrio, contudo deve-se destacar, conforme expões Stolze e Pamplona que tais teorias são objeto de críticas contundentes, as quais dão origem às teorias subjetivistas, segundo as quais:
o negócio jurídico seria anes um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos jurídicos, que propriamente um ato de vontade. (Stolze, Pamplona; p. 352; 2011) .
Ademais, é possível que se adote o critério estrutural para conceituação do negócio jurídico, segundo o qual este é o fato jurídico que consiste em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos pretendidos, observados os pressupostos de existência validade e eficácia, impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.
Cumpre, ainda, salientar que a compreensão do negócio jurídico perpassa pela sua análise sob três planos, quais sejam o da existência, da validade e da eficácia, nos seguintes termos, conforme lição de Stolze e Pamplona:
Existência – um negócio jurídico ao surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos;
Validade – o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos;
Eficácia – ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu isto ao importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração. (STOLZE; PAMPLONA; p. 354-355; 2011)
No que tange ao plano da existência, trata-se dos elementos constitutivos do negócio jurídico, ou seja, aqueles sem os quais ele não pode existir, sendo eles: a manifestação de vontade; agente emissor da vontade; objeto e forma.
Quanto ao plano da validade, nele se encontram: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei.
Em outros termos, sustentam Stolze e Pamplona que os pressupostos de validade do negócio jurídico são a manifestação de vontade livre e de boa-fé; o agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio; objeto lícito, possível e determinado (ou determinável) e a forma adequada. (STOLZE, PAMPLONA; 2011).
Destaque-se, quanto ao primeiro ponto elencado no parágrafo anterior, que no desenvolvimento do tema os referidos autores entendem que dois são os princípios que devem convergir para que se possa reconhecer como válida a manifestação de vontade, quais sejam o da autonomia privada, no sentido de traduzir a liberdade de atuação do indivíduo no comércio jurídico, e o da boa-fé.
Nesta linha, prescreve o artigo 104 do Código Civil de 2002:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Merece destaque, nesse ponto, o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0105.07.236281-4/002, de relatoria do Desembargador Sebastião Pereira de Souza:
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CESSÃO DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA VIA INSTRUMENTO PARTICULAR. NEGÓCIO JURÍDICO. VALIDADE. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO CONTRATUAL FORMALIZADA. TRANSAÇÃO HAVIDA ENTRE OS PRÓPRIOS PARTICIPANTES DA EMPRESA. VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA. PROBATÓRIA. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO.
1. Não há falar em inépcia da inicial, se inocorrentes quaisquer das causas determinantes previstas no parágrafo único do artigo 295 do CPC. E sendo suficiente a exposição dos fatos e claro o objetivo da parte autora, evidenciado que a ré, bem compreendendo a demanda, sem prejuízo e com amplitude, exercitou a defesa, estabelecendo-se o contraditório, a petição inicial não deve ser reputada inepta.
2. A impossibilidade jurídica do pedido, assim definida no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, refere-se a uma análise abstrata do pedido, e não à possibilidade material do caso concreto, que é questão do mérito.
3. O negócio jurídico, baseado na autonomia privada, traduz uma declaração de vontade limitada pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, pela qual o agente pretende livremente alcançar determinados efeitos juridicamente possíveis.
4. Para que o negócio jurídico seja considerado válido e possua aptidão para gerar efeitos, é necessário que: a) a vontade seja livre e de boa-fé; b) o agente seja capaz e legitimado; c) o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável; e d) forma seja aquela prescrita ou não defesa em lei.
5. A pretendida invalidação do ato jurídico praticado somente alcançaria êxito, mediante a inequívoca demonstração de vícios de consentimento a macular a vontade e autonomia da apelante, o que definitivamente não ocorreu nos autos, cujas alegações não foram comprovadas.
6. A negociação de cotas sociais operara-se entre as próprias sócias, sendo apta a produzir efeitosimediatos. A teor do disposto no parágrafo único do referido dispositivo legal, somente em face de terceiros é que a eficácia da transferência das cotas depende da averbação do respectivo documento, o que, todavia, não é o caso.
7. Na medida em que inexiste previsão específica, possui o contrato referido forma livre, em homenagem ao princípio da liberdade de formas - artigo 1.057 do CC/2002.
Desta forma, tem-se, conforme Stolze e Pamplona, que negócio jurídico é a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, como propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente.
3- Dos Defeitos do Negócio Jurídico
Conforme visto, a existência do negócio jurídico perpassa, entre outros, pela emissão de vontade. Contudo, a mera emissão de vontade não é suficiente para a produção dos efeitos pretendidos.
Com efeito, além da emissão da vontade, esta deve estar depurada de defeitos, sob pena de questionamento quanto a validade do negócio jurídico.
Conforme Caio Mario, “desde que tenha feito uma emissão de vontade, o agente desfechou com ela a criação de um negócio jurídico, mas o resultado, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, ainda se acha na dependência da verificação das circunstâncias que a envolveram.” (PEREIRA; p.429; 2011).
Nesta esteira, cita-se a ementa da apelação cível 1.0024.09.658464-4/001 de relatoria do Des.(a) Marcos Lincoln:
EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. MANIFESTAÇÃO DEVONTADE VICIADA. FRAUDE COMPROVADA. NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE. O consentimento dos contratantes é um dos elementos essenciais à existência e validade do ato negocial, pois formam sua substância, devendo as partes anuírem expressamente para a formação de uma relação jurídica, sem a ocorrência de qualquer vício de consentimento. (grifo nosso).
Os defeitos do negócio jurídico são de duas categorias, sendo que uns atingem a manifestação de vontade – vícios de consentimento- e outros afetam o ato negocial, em que se verifica a vontade real do agente, que, contudo, se contrapõe ao ordenamento jurídico – vícios sociais.
Neste sentido, excerto da apelação civel 0031129-82.2009.8.19.0202 de relatoria do Des. Rogerio de Oliveira Souza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Para obter a anulação do negócio jurídico, mister a comprovação de que o negócio está inquinado de algum vício, ou seja, de algum defeito que pode ser quanto ao consentimento ou vícios sociais.
Independentemente da categoria do vício, o resultado prático em ambos os casos é o do questionamento da invalidade do negócio jurídico, não se questionando da sua existência.
Para Stolze e Pamplona, os defeitos do negócio jurídico são os vícios que impedem seja a vontade declarada livre e de boa-fé, o que prejudica, consequentemente a validade do negócio jurídico. (STOLZE, PAMPLONA;2011).
Retomando raciocínio anterior, são vícios de consentimento o erro, o dolo,a coação, a lesão e o estado de perigo, sendo vícios sociais a simulação e a fraude contra credores.
O artigo 171, II, do Código Civil de 2002, dispõe:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
(...)
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Humberto Theodoro Junior, expõe:
O erro para afetar a validade do negócio jurídico há de ser substancial e, além disso, deve assumir feições tais que permitam ao outro contratante percebê-lo, agindo como pessoa de diligência normal em face das circunstâncias do negócio (art.138).
O dolo, como vício de consentimento, é o erro provocado astuciosamente para induzir alguém à prática de um negócio jurídico prejudicial à vítima e benéfico para o autor do dolo ou para outrem. Para viciar o contrato, o dolo tem de ser causa determinante de sua realização e tem de ser conhecido do outro contratante (art. 145 a150).
A coação de que se cogita no plano dos vícios de consentimento é a coação moral (vis compulsiva), que se traduz na ameaça de um mal injusto para extorquir de alguém a prática de um negócio jurídico (art. 151 a 155). O coato declara a vontade negocial, mas o faz sem liberdade, porque dominado pelo medo que lhe incutiu a ameaça. Por isso, o negócio é anulável. Também a coação, quando praticada por terceiro, tem de ser conhecida da parte que dela se beneficia, para invalidar o negócio.
O estado de perigo afeta a validade do negócio porque a obrigação assumida é excessivamente onerosa e só foi contraída porque o agente estava permitido pela necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido da outra parte. (art.156). Aqui, também, o contratante emite declaração de vontade, mas não o faz livremente, em face da pressão psicológica que o perigo lhe faz.
A lesão é o contrato comutativo pactuado com o conteúdo de usura real, ou seja, com intenso desequilíbrio entre prestações e contraprestações. O negócio se vicia ao pela quebra da comutatividade, mas porque esta decorreu do estado de premente necessidade em que se achava a parte e que lhe comprometeu a livre formação da vontade negocial (art.157).
A fraude contra credores ocorre quando o negócio contém um ato de disposição patrimonial praticado por devedor insolvente, ou por ele reduzido à insolvência, em prejuízo da garantia genérica dos credores quirografários (arts.158 a 165). Esse defeito, CLÓVIS apelidou de vício social do negócio jurídico, já que não é na formação que ele se situa, mas na função social. Na verdade, há um grave erro de técnica na classificação da fraude entre os defeitos do negócio jurídico causadores da anulabilidade. O que a lei realmente institui PE uma causa de ineficácia relativa apenas. O contrato vale entre as partes, mas seus efeitos não podem prejudicar os credores do alienante. Acolhida a ação pauliana e reconhecida a fraude por sentença, as partes contratantes não são repostas no estado anterior. Apenas os credores interessados poderão incluir o bem alienado no acervo sobre o qual a execução deverá incidir (art.165). (THEODORO JUNIOR; p.571-572 2008)
Desta forma os defeitos do negócio jurídicos são as hipóteses em que a vontade se manifesta com algum vício que torne o negócio anulável, conforme a inteligência do artigo 171,II do CC/02, salvo, na visão, de Humberto Theodoro Júnior, da fraude contra credores, que se trata de hipótese de ineficácia parcial do negócio jurídico.
Em breve síntese, trata-se a seguir dos defeitos do negócio jurídico em espécie a fim de compreender a dimensão da realidade abrangida por cada um deles.
Quanto ao erro, regulado nos artigos 138 a 144 do CC/02, trata-se de defeito presente quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial (quando interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; sendo de direito e nãooimplicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único oou principal do negócio jurídico) que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Trata-se portanto, de percepção equivocada da realidade em que o próprio o agente comete o equívoco.
Cumpre, por último, quanto a este aspecto diferenciar erro de ignorância,a despeito da equiparação atribuída pelo Código Civil aos institutos, uma vez que a ignorância caracteriza-se pelo completo desconhecimento da realidade.
Quanto ao dolo, este regulado nos artigos 145 a 150 do CC/02, este é a indução maliciosa, proposital, de um indivíduo ao cometimento de um ato que lhe é prejudicial, mas proveitoso a outrem, seja este um terceiro, seja este o próprio agente.
No que tange à coação, prevista nos artigos 151 a 155 do Código civil, esta se caracteriza pelo emprego de violência psicológica que vicie a vontade. Trata-s, portanto, de ameaça ou pressão acometida a dado indivíduo para que este, contrariamente à sua real vontade, realize um negócio.
O estado de perigo, previsto no artigo 156 do CC/02, configura-se quando alguém premido da necessidade de salvar-se ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
A lesão, presente no artigo 157 do Código Civil de 2002, se faz presente quando alguém obtém lucro exagerado , aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante.
A fraude contra credores, prevista nos artigos 158 a165 do CC/02, é da seguinte forma regulada: “os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.
Stolze e Pamplona expõem que a fraude contra credores consiste no “ato de alienação ou oneração de bens, assim como de remissão de dívida, praticado pelo devedor insolvente, ou à beira da insolvência, como propósito de prejudicar credor preexistente, em virtude da diminuição experimentada pelo seu patrimônio.” (STOLZE, PAMPLONA; 2011).
Destaque-se, por fim, a figura da simulação, a qual era tratada como defeito do negócio jurídico no Código Civil de 1916 e passou a ser causa de nulidade no Código Civil de 2002, embora, segundo Caio Mario da Silva Pereira, incida em ”deformação conceitual ao admitir a subsistência daquilo que foi dissimulado”. (PEREIRA; p.430; 2011)
Nesse mesmo sentido se manifestou o Tribunal de Justiça:
Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA. PRELIMINAR DE DECISÃO ULTRA PETITA REJEITADA. MÚTUO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, LOCAÇÃO, CESSÃO DE DIREITOS. SIMULAÇÃO CARACTERIZADA. NULIDADE DAS ESCRITURAS DECRETADAS. SENTENÇA MANTIDA. 1- São defesos os julgamentos extra petita (matéria estranha à litis contestatio), ultra petita (mais do que pedido) e citra petita (julgamento sem apreciar todo o pedido).
2- Não é considerada ultra petita a sentença que decidiu em conformidade com os pedidos exordiais, pelo que refutada fica a preliminar.
3- Como todo negócio jurídico reside na vontade, a ausência de harmonia entre o elemento volitivo e a declaração, de maneira que esta não traduza o que de fato se almejava obter, por ter ocorrido simulação de uma parte, faz com que os negócios jurídicos se tornem defeituosos, devendo ser declarada sua nulidade. (Grifo nosso)Apelação Cível 1.0024.01.114370-8/001 Relator: Des.(a) Francisco Kupidlowski
4- Das diversas hipóteses de invalidade do negócio jurídico
Feitas as análises suprainformadas e considerando-se o levantamento das informações até então realizado, passa-se a perquirir se as hipóteses elencadas legalmente como defeitos do negócio jurídico trata-se de um rol taxativo.
Conforme visto, os defeitos do negócio jurídico situam-se no campo da validade deste e configura-se, em grosso modo,pela deturpação da vontade emanada.
A partir desta linha de raciocínio, reconhecer a existência de outras hipóteses que não as elencadas como defeitos do negócio jurídico, perpassa pela avaliação de outros cenários em que a vontade emanada não seria suficientemente depurada.
Com efeito, o artigo 171 do CC/02 prevê:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
No mesmo sentido, expõe Humberto Theodoro Júnior:
Para o Código, há defeito no negócio jurídico quando este padece de deficiência nos elementos constitutivos capaz de permitir sua anulação, seja por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Da mesma deficiência ressente-se o negócio praticado por agente relativamente incapaz, embora a hipótese não venha elencada no capítulo em que o Código reúne e descreve os “defeitos do negócio jurídico”. (Theodoro Junior; p.5; 2008).
Conforme exposto, além das hipóteses de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contracredores, também há vício passível anulação no negócio realizado por menor incapaz.
Desta forma, o rol elencado dos defeitos do negócio jurídico não se esgotam nos supramencionados.
Além disso, questiona-se quanto a hipóteses que nem mesmo previstas em dispositivos legais esparsos estejam.
A realidade dinâmica nem sempre possui um retrato imediato no plano do dever-ser. Em cenários como estes, sobretudo quando se considera no âmbito do direito privado a autonomia privada e a autonomia da vontade, algumas hipóteses parecem dar margem a dúvidas.
Como visto, o defeito do negócio jurídico reside no vício quanto a emanação da vontade. Sendo ela feita, tal negocio já existe, devendo-se perquirir apenas quanto ao aspecto de sua validade.
Situação curiosa seria a do negócio jurídico celebrado com pessoa em estado de sonambulismo, sem que este se pudesse evidenciar.
Não raro há relatos de indivíduos que andam, falam, praticam atividades aparentemente conscientes, que porém não passam de mero estado de sonambulismo.
Nessa linha de raciocínio, propõe-se se uma vez emitida a vontade, ou seja, existente o negócio jurídico, tal situação passaria a ser discutida sob a ótica da validade e, nesse sentido, em qual hipótese dos defeitos do negócio jurídico poderia tal cenário se enquadrar.
Não nos parece possível que o estado de sonambulismo caracterize erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, muito menos fraude contra credores.
Por outro lado, não parece adequado que se permita que em tal cenário o negócio jurídico não esteja eivado de vício.
Com efeito, existe uma manifestação de vontade, a qual, devido ao estado semi-inconsciente do declarante pode não condizer com a sua vontade real.
Conforme visto, é pressuposto de existência do negócio jurídico a emissão de vontade, sendo pressuposto de validade a vontade livre e de boa-fé do agente.
A despeito da inexistência de jurisprudência e doutrina quanto ao questionamento, parece-nos que em tal cenário configurar-se-ia igualmente defeito do negócio jurídico.
Situação também ainda sem regulamentação seria a das mensagens subliminares.
A figura, em termos de defeitos do negócio jurídico, que mais se aproximaria da hipótese seria a do dolo, contudo não é o adequado.
Isso porque, no dolo, há um induzimento a alguém a praticar um ato que lhe é desfavorável, mas que favorece o agente ou terceiro. Por outro lado, nas mensagens subliminares, o que há é a inserção de uma ideia em outrem.
Aparentemente, na última hipótese, o agente age por vontade própria, podendo haver ou não prejuízo, contudo esta não estaria presente se não fosse a veiculação da mensagem indevidamente perpetrada.
5. Conclusão
A despeito do que dispõe o Código Civil, a pesquisa promovida no artigo revela que há hipóteses que ainda que não previstas legalmente, deveriam ser tratadas como defeitos do negócio jurídico.
Ressalte-se que além do elenco tratado no capítulo IV do título I do livro III do Código Civil pátrio de 2002, a análise da doutrina e jurisprudência quanto aos defeitos do negócio jurídico, bem como do artigo 171 do CC/02, revelam que também constituiria defeituoso o negócio jurídico celebrado por incapaz. Além disso, se propõe, a título de reflexão, as hipóteses do sonambulismo e das mensagens subliminares como defeitos do negócio jurídico.
6- Referências Bibliográficas.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito
Civil, volume I: Parte Geral- 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PEREIRA, Caio Mario da Siva. Instituições de direito civil. Volume I -24ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil, volume 3, T .1 dos fatos jurídicos Rio de Janeiro: Forense, 2008.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GANEM, Leandro Wehdorn. A enunciação legal dos defeitos do negócio jurídico é taxativa? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51764/a-enunciacao-legal-dos-defeitos-do-negocio-juridico-e-taxativa. Acesso em: 02 nov 2024.
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: Tomas Guillermo Polo
Por: Luciano Batista Enes
Por: LUCAS DA SILVA PEDRO
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