RESUMO: O presente trabalho, utilizando a metodologia de pesquisas bibliográficas, se propõe a fazer um exame crítico do acesso à justiça em confronto com a obra “A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico – apontados sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor”, de autoria de Antônio Herman V. Benjamin.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Acesso à justiça e processo civil clássico em crise; 3. Bens, direitos e interesses supraindividuais; 4. Acesso à justiça coletiva: conflitos consumeristas e ambientais: 4.1. As barreiras objetivas; 4.2. As barreiras subjetivas; 5. Meios de facilitação do acesso à justiça: 5.1. A ação civil pública; 5.2 Class action; 6. As associações na proteção do meio ambiente e do consumidor; 7. O ministério público; 8. Conclusão; 9. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Almeja-se com o presente trabalho O título da referida obra já permite vislumbrar qual será a tônica deste trabalho: avaliar a insuficiência dos postulados do processo civil clássico no atendimento das demandas coletivas, principalmente por meio da ação civil pública. O autor, porém, também faz comentários críticos e bastante pertinentes sobre o acesso à justiça (coletiva), à luz do trabalho clássico de Mauro Cappelletti, cotejando o modelo brasileiro com aquele vigente em outros países, nos quais fez uma minuciosa pesquisa teórica.
Na busca da tutela efetiva dos direitos e interesses supraindividuais, o referido autor destaca os conflitos em matéria ambiental e consumerista, os avanços legislativos na matéria e o tratamento jurisprudencial, tendo enfocado, ainda, a atuação dos principais legitimados coletivos – Ministério Público e associações – e as deficiências de ambos no combate de ilícitos, cujos principais atores detêm poderio e influência econômica.
Sem dúvida o Estado do Bem-Estar Social, ao exigir uma atuação positiva do Estado, conferindo aos cidadãos direitos legítimos e devidamente consagrados em um diploma normativo – em nosso caso, isto deu-se por meio da Constituição de 1988 -, surge como decorrência natural a massificação dos coletivos e o clamor pela intervenção eficaz na defesa de direitos que não são apenas individualizados ou, pelo menos, quando o são, assumem repercussão social necessária e, para ela, é preciso conferir decisão jurídica igualitária, sob pena de se conferir tratamento diferenciado a jurisdicionados submetidos à mesma situação litigiosa.
Ademais, observar-se-á, igualmente, que a difusividade de certos direitos dificulta sobremaneira a busca de meios jurídicos a combater as agressões contra eles deferidas, razão pela qual há a necessidade de reestruturação do processo civil clássico a permitir o exercício eficaz de direitos consagrados constitucional e legalmente.
2) ACESSO À JUSTIÇA E PROCESSO CIVIL CLÁSSICO EM CRISE
Antes de adentrar a questão da crise que envolve o processo civil clássico e o acesso à justiça, o Herman Benjamin passa a tecer breves considerações, por uma questão eminentemente metodológica, sobre os referidos temas.
Comenta, inicialmente, que, com a superação dos postulados liberais e a institucionalização do Welfare State, o acesso à justiça passou a ser encarado como “direito econômico e social fundamental”, para concretizar os ideais de democracia e justiça social. Destaca, porém, que esta temática, longe de ser vista como um modismo ou uma espécie de “lugar comum”, ela requer os mais diversos debates acadêmicos e jurisprudenciais, continuamente revistos e adaptados às novas realidades circundantes, com enfoque, sobretudo, nos resultados que se tem conquistado, em benefício da própria sociedade.
Esclarece, inclusive, com primor inigualável, que a problemática atinente ao acesso à justiça não representa, de fato, uma novidade, tampouco decorre da massificação dos conflitos sociais.
Quanto a isso, destaco a lição de Mauro Cappelletti, em sua clássica obra “Acesso à Justiça”, a qual contempla os avanços na concepção do tema em enfoque: observa, primeiramente, a filosofia individualista dos direitos, presente nos séculos dezoito e dezenove, época em que o “acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um ‘direito natural’, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção”[1]. Acrescenta o autor que, com o crescimento, em tamanho e complexidade, das sociedades, houve a transformação destes paradigmas, de modo que as ações teriam se transformado muito mais em coletivas do que individuais e, dado o seu impacto social, careceriam de regulamentação processual eficaz no tratamento do tema ou a criação de alternativas ao sistema jurídico formal a fim de assegurar o exercício efetivo desse “direito social fundamental”.
Vê-se que, desde aquela época, Cappelletti já alertava sobre o “acesso coletivo à justiça”, a que Herman Benjamin entende como primordial a assegurar respostas supraindividuais a conflitos massificados.
Esse novo panorama restou configurado, na opinião de Benjamin, a partir da Segunda Guerra Mundial, com a eclosão de fenômenos, a exemplo da explosão demográfica, a concentração urbana, produção e consumo em massa, multinacionais, parques industriais e os conglomerados financeiros. Tem-se, assim, o pano de fundo para fazer emergir conflitos massificados, confrontando-se com a insuficiência nos planos material e processual a fim de coibir as desconformidades sobressalentes.
Com propriedade, o autor ressalta que a revolução na estrutura jurídico-social só é minimamente viável caso estejam o direito material e o processual em harmonia, combatendo-se, por estas duas frentes, o individualismo imperante na concepção jurídica dos operadores do direito e no próprio ordenamento pátrio.
Em paralelo, por considerar que o tema do “acesso à justiça” não é, naturalmente, tratado de modo idêntico nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, Herman Benjamin fará uma breve análise dos instrumentos processuais e da sistemática adotada nesses países, sem ter a pretensão de copiar as experiências estrangeiras, sem desconsiderar, porém, a possibilidade de trazê-las e adaptá-las às vicissitudes de nossa sociedade com o propósito de suprir algumas defasagens que causam entraves indevidos à nossa prática processual.
O autor, ao meu sentir, de modo muito positivo, analisará, mais adiante, a class action norte-americana, em contraposição à ação civil pública brasileira e em qual proporção poderá se adotar experiências estrangeiras no aperfeiçoamento do nosso modelo – ainda deficiente – de tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Logo em seguida, o autor procede a uma classificação quanto à aplicação do postulado do “acesso à justiça”. Em primeiro lugar, sustenta a existência de um “acesso à tutela jurisdicional”, isto é, o direito de demandar e ser demandado pela via judicial. Em segundo lugar, há a “tutela de direitos ou interesses violados”, no qual se destaca a utilização de mecanismos alternativos à composição dos litígios, os quais já foram desde àquela época mencionados por Cappelletti, com finalidade preventiva, repressiva ou reparatória. Por último, entende que deve ser aplicado o referido postulado, de modo mais amplo possível, como “acesso ao Direito”, ou seja, possibilidade de o indivíduo ter acesso a uma ordem jurídica justa, conhecida e implementável. Afinal, não adianta apenas disponibilizar meios judiciais ou alternativos, se os indivíduos não se sentirem convidados a participar de tais manifestações, se ele não se sentir partícipe de um contexto social mais largo, por meio do qual poderia postular direitos a que ele reconhece e julga violados ou ameaçados de violação.
Esta última perspectiva, conforme será devidamente explicitado mais adiante, encontra fortes barreiras objetivas e subjetivas que impedem o efetivo “acesso ao poder”. Acrescenta, ainda, que sem o binômio “educação e informação”, resta bastante inviável o acesso dos atores sociais sobre a existência de direitos e o modo de exercê-lo judicialmente ou não.
Considero de alta valia a perspectiva de “acesso negativo ao aparelho judicial” proporcionada por mecanismos disponibilizados pelas próprias empresas, a exemplo do Serviço de Atendimento ao Consumidor. Será que as soluções ressarcitórias por eles propostas são, de fato, compatíveis e proporcionais aos danos? Será que esse “organismo privado de solução de controvérsias consumeristas” não impede que o Judiciário entre em contato com as práticas abusivas e ilícitas praticadas e busque, não apenas sua reparação, mas meios idôneos a coibir determinadas condutas por meio da tutela inibitória? Na resolução de tais questionamentos a que acabei de propor, está o que Herman Benjamin decidiu denominar por “acesso negativo”.
No que concerne aos sujeitos envolvidos, a provocação jurisdicional pode ser individual ou supraindividual. Nessa última, busca-se a defesa de direitos macroindividuais, seja por meio direto (ação popular – em que o cidadão postula em nome próprio) ou indireto, em que associações e o Ministério Público podem defender em juízo direito coletivo, aglutinando os interesses de diversos indivíduos.
Herman Benjamin cita, ainda, a diferenciação entre acesso à justiça dos ricos e dos pobres. Na parte intermediária da presente obra, porém, ressalta que essa distinção apenas é relevante no que tange aos obstáculos econômicos, de modo que tanto o rico quanto o pobre comungam semelhante desinteresse, de um modo geral, em buscar meios de defesa de direitos coletivizados.
Encerra-se, por ora, a discussão sobre o acesso à justiça, examinando-se, neste momento a crise do processo civil clássico para, em seguida, demonstrar a correlação feita pelo autor entre esses dois temas iniciais.
Por ser inviável a investigação das regras do processo civil clássico que colidem com o projeto de um processo coletivo, até por ultrapassar o objetivo acadêmico do trabalho, Herman Benjamin optou por fazer uma análise da falência do processo civil clássico por meio do cotejo entre os seus princípios norteadores e a incompatibilidade destes com as demandas do processo coletivo.
Eis o rol: (a) princípio dispositivo; (b) princípio da demanda; (c) princípio da isonomia; (d) regra do nul ne plaide par procureur; (e) princípio da autoridade da coisa julgada.
Todos eles estão ancorados no ideal do processo e, consequentemente, da tutela jurisdicional como direito de caráter individual, de modo que, apenas excepcionalmente, admitir-se-ia que o demandante não fosse o titular do direito postulado. Nesse contexto, exige-se tratamento igualitário às partes processuais, além de que só a elas alcança a coisa julgada.
Uma resposta eficaz aos conflitos massificados surgidos no final do século XX não encontra qualquer amparo nesses princípios, de modo que se faz necessário o “ajuntamento” quantitativo e qualitativo, considerando-se que o maior número de potenciais litigantes numa mesma demanda contribui imensamente para fortalecer o pleito, ao trazer novos argumentos e provas aos autos. Sob a ótica do autor, não há mais espaço para a fragmentação subjetiva das demandas eminentemente coletivas. Assim, Benjamin conclui com o brilhantismo que lhe é peculiar: “a massificação é o cenário onde se dá a queda, transformação e renascimento do Direito Processual”[2].
Na opinião do referido autor, a crise reside, sobretudo, no fato de inexistir instrumentos processuais suficientemente hábeis a tutelar de modo eficiente as previsões consagradas na Carta Constitucional de 1988 e nas leis vigentes, notadamente no que concerne ao acesso à justiça para os mais vulneráveis. Atento, porém, aos aspectos sociais, ressalta que a mudança da lei processual, por si só, é incapaz de modificar concepções arraigadas, muitas vezes de descaso da própria sociedade com a defesa de direitos coletivos e difusos, concretizando assim uma questão eminentemente cultural.
Embora tenha sido colocado em nota de rodapé pelo autor, remontando-se ao entendimento de Arruda Alvim, quanto à questão debatida no parágrafo anterior, urge esclarecer que existem três principais ordens de obstáculos ao acesso à justiça. Em primeiro lugar, não se pode ignorar o analfabetismo funcional que ainda assola número considerável de pessoas no Brasil e, não apenas os analfabetos funcionais, mas percentual bem mais significativo ignora os direitos que têm. E, mesmo na hipótese de reconhecer esses direitos, não têm condições de arcar com os custos do litígio. Por último, ainda que decida arcar com os custos ou no caso de recorrer à defensoria pública, perceba muitas vezes que o litígio não é individualmente compensatório. Essas três ordens de obstáculos constituem, sem dúvida, problemas estruturais e anacrônicos com os avanços que hoje são alcançados em termos econômicos pelo país.
Este distanciamento dos indivíduos em relação aos mecanismos judiciais de resolução de controvérsia, inclusive, foi alvo de pesquisa empírica feita por Boaventura de Sousa Santos, no ano de 1970, em uma favela do Rio de Janeiro, a que atribuiu o nome fictício de “Parságada”.
Nesse sentido, destaco excerto importante a comprovar o quanto que a questão cultural e onerosidade afastam os cidadãos, envoltos em um sistema periférico, e a justiça, consubstanciada nos juízes e advogados; confira-se:
“(...) os tribunais constituem o outro mecanismo oficial de ordenação e controle social a que os habitantes de Pasárgada poderiam, em teoria, recorrer para prevenir ou resolver conflitos internos de natureza jurídica. Tal recurso estava, no entanto, igualmente vedado e várias são as razões apontadas pelos moradores mais velhos para tal fato. Em primeiro lugar, juízes e advogados eram vistos como demasiado distanciados das classes baixas para poder entender as necessidades e as aspirações dos pobres. Em segundo lugar, os serviços profissionais dos advogados eram muito caros.[3]”
Em sintonia com as novas concepções modernas, as leis consumeristas e ambientais têm a pretensão de, respectivamente, proporcionar um mercado transparente e justo e um desenvolvimento sustentável. Esse objetivo, no entanto, corre sérios riscos com a preponderância nos Tribunais da visão dos violadores.
Explico melhor.
Herman Benjamin é Ministro do Superior Tribunal de Justiça e pelo que demonstrou na obra ora comentada tem pleno conhecimento crítico do que eu me atrevo a chamar de influências externas no Judiciário, dadas as injunções, neste caso, indevidas entre direito, política e supremacia econômico-financeira. E, de acordo com ele, o caráter elitista da prestação jurisdicional guarda estreita relação com o acesso à justiça viciado. Tal problemática afeta diretamente a potencialidade de combate às ilicitudes perpetradas em detrimento do meio ambiente e das normas consumeristas, por impossibilitar que os hipossuficientes exerçam o seu direito de ação e, por outro lado, faz prevalecer na jurisprudência pátria a visão dos violadores, dotados de superioridade econômica, informativa ou tecnológica.
Assim é que o acesso à justiça violado implica, ainda que indiretamente, a predominância nos Tribunais de visão dos violadores que apresentam condições de litigar na justiça. Em razão disso, o autor propõe a utilização da macro-justiça, por meio da litigiosidade supraindividual, a fim de somar esforços dos litigantes isolados.
3) BENS, INTERESSES E DIREITOS SUPRAINDIVIDUAIS
Em que pese o fato desta distinção não ter feito feita por Herman Benjamin, julgo ser de bom alvitre empreende-la neste momento. Refiro-me a diferenciação entre direitos e interesses. Quanto a isso, eis a lição de Mazzilli:
“Interesse é o gênero; direito subjetivo é apenas o interesse protegido pelo ordenamento jurídico. Considerando que nem toda pretensão à tutela judicial é procedente, temos que o que está em jogo nas ações civis públicas ou coletivas é a tutela de interesses, nem sempre direitos. Assim, para que interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos sejam tutelados pelo Poder Judiciário, é preciso que estejam garantidos pelo ordenamento jurídico; e esse é, precisamente, o caso do direito ao meio ambiente sadio, do direito à defesa do consumidor, do direito à proteção às pessoas com deficiência, do direito à defesa do patrimônio cultural, etc. (...)”[4].
Ao meu sentir, porém, as diferenças entre “interesse” e “direito” carregam em si certo preconceito em relação aos direitos supraindividuais e os individuais homogêneos, desconsiderando-se que o objeto de proteção via ação civil pública sequer é taxativo, de modo a admitir que, em razão da complexidade inerente ao tecido social, possam enquadrar novos alvos de tutela.
Afinal, como se poderia conceber a defesa judicial senão de um direito, de uma pretensão juridicamente fundamentada? Então, se for julgada improcedente, teremos apenas “interesse”, e não efetivo “direito”? Se, por exemplo, por deficiência probatória, for julgada improcedente uma demanda que verse sobre poluição em determinado rio por uma empresa que se situa em suas margens, o demandante não teria “direito” difuso a um ambiente saudável, mas apenas “interesse”? Essa lógica, se vislumbrados os casos concretos, pode ensejar iniquidades e injustiças com toda a ordem de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Ressalte-se, inclusive, que Antonio Gidi também rechaça a opção por “interesses”, considerando mais adequado chamá-los de “direitos”, considerando-se o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse ponto, comenta Didier e Zaneti que a terminologia ‘interesses’ está intrinsecamente relacionada com “(...)um ranço individualista decorrente de um preconceito ainda que inconsciente em admitir a operacionalidade técnica do conceito de direito superindividual e da dificuldade de enquadrar um direito com características de indivisibilidade quanto ao objeto e impreciso quanto à titularidade no direito subjetivo, entendido como fenômeno de subjetivação do direito positivo”[5].
Feita essa breve explanação, retomo a análise do texto.
Por considerar a importância dos aspectos econômicos ao acesso à justiça, Herman Benjamin separou um tópico específico para abordar a resposta social frente aos ilícitos cometidos contra os bens comunais, a que o autor esclarece abranger os direitos públicos, difusos e coletivos, todos regidos pelos princípios da indivisibilidade dos benefícios e da não-exclusão dos beneficiários. Utilizando-se de expressão estrangeira “free rider” (carona, em português), o autor definiu a comodidade daqueles que, sem qualquer esforço pessoal, são beneficiados pela atividade alheia em defesa dos bens comunais, em razão de tais direitos se encontrarem espraiados, sem que possam ser apropriados exclusivamente por alguém.
Se os benefícios são indivisíveis e os beneficiários não são exclusivos, por que “eu” iria mobilizar na defesa desses direitos? No entanto, a partir do momento, por exemplo, em que o dano afete economicamente determinada comunidade, porém, como seria o caso de uma associação de pescadores para a poluição de determinado rio, vê-se a necessidade de sair da “inércia” e tomar providências efetivas. Nessa linha de raciocínio, a fragmentação da percepção dano – atingindo supostamente apenas os pescadores, sem que se visualize a ofensa concreta a um bem de todos – conduz à manutenção de violações deste jaez, ante a ausência de combatividade social adequada.
Por isso que, para a proteção desses bens, Herman Benjamin ressalta a necessidade de “personificação”, atribuindo o dever de resguardo a entes públicos, a exemplo do Ministério Público e Defensorias Públicas, ou mesmo privados, como é o caso das associações.
Em seguida, o autor decide classificar e definir o que se entende por interesses públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos, explicitando os pontos controversos na configuração de cada um deles e o modo pelo qual pode ser exercida a tutela judicial.
Primeiramente, quanto ao “interesse” público, sustenta a instabilidade e inexatidão conceituais, dada a defasagem da distinção entre direito público e direito privado. Essa clássica dicotomia entrou em decadência “porque hoje a expressão interesse público tornou-se equívoca, quando passou a ser utilizada para alcançar também os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos ou os interesses difusos etc. (...) Em segundo lugar, porque, nos últimos anos, tem-se reconhecido que existe uma categoria intermediária que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais (...)”[6].
No que concerne ao objeto dos interesses públicos também controverte a doutrina. Em entendimento mais restrito, Benjamin cita Hélio Tornaghi, para quem o interesse público é tão somente o que afeta diretamente o bem comum. Por outro lado, Mazzilli, autor a que tantas referências faço nos comentários à obra de Benjamin, amplia o objeto para alcançar os interesses sociais, indisponíveis do indivíduo e coletividade, os coletivos, os difusos e os transindividuais homogêneos.
Inclinando-se ao posicionamento deste último, Herman Benjamin indica que o interesse público é aquele revestido por uma conflituosidade coletiva mínima, por haver um consenso coletivo quanto ao seu reconhecimento e tutela, sem que adote o entendimento de Hely Lopes Meirelles sobre a adesão puramente majoritária da sociedade para defini-lo. Os interesses públicos, em conformidade com o exposto pelo autor, estariam relacionados com as garantias sociais e fundamentais positivadas, as quais se encontram consubstanciadas, em termos constitucionais, em normas programáticas a prever, sobretudo, a institucionalização de políticas públicas, por isso que independe do quantitativo de indivíduos que partilham este ideal.
No que concerne ao interesse difuso, Herman Benjamin tenta explica-lo a partir de sua transindividualidade ampla e da indeterminação dos sujeitos beneficiários. Em suas palavras, os direitos difusos são aqueles cujos titulares, embora sejam bastante numerosos, não estão representados de modo adequado por “porta-vozes” unívocos. É a comodidade a que já me referi outrora.
A circunstância de fato que une esses titulares cria laços de pertencimento frouxos, razão pela qual a organização de uma defesa eficiente desses direitos, não obstante seja necessária, é muitas vezes de difícil alcance. Por isso Benjamin menciona a “organização sub-otimal” como característica dos direitos difusos referente à inconsistência de um grupo para fazer frente à dispersão e fragilidade dos sujeitos vitimados com a sua violação.
Enquanto Mazzilli define os direitos difusos como “um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis”[7], Herman Benjamin entende que é incorreto reduzir os direitos difusos a um simples feixe de interesses individuais, por se tratar de noção qualitativamente diversa. Embora não tenha Herman Benjamin cuidado em explicitar o porquê de sua discordância, entendo que esta consiste no anseio de evitar uma perspectiva meramente individualista dos direitos, fazendo alusão à indeterminação de todos os titulares e à aptidão de configurar o ilícito desde a sua existência.
De maneira muito diversa, a organização em defesa dos direitos coletivos encontra amparo em uma estrutura que, embora seja ainda deficitária em nosso país, é, em tese, formalmente estruturada, considerando-se a relação jurídica-base que une os sujeitos envolvidos entre si ou com a parte demandada. A determinabilidade dos sujeitos é um aspecto que, sem dúvida algum, contribui para a ordenação de uma representatividade adequada desses interesses, aumentando o poder de barganha da coletividade considerada perante o Judiciário.
Por outro lado, têm-se também os direitos individuais homogêneos, todos ligados por uma origem comum. Ressalta Benjamin que eles são assim tratados, não porque haja uma indivisibilidade intrínseca de suas estruturas, mas por uma questão eminentemente pragmática: a necessidade de uniformização jurisprudencial, aglutinando conflitos idênticos e lhes atribuindo a mesma resposta jurídica, em benefício da eficiência e economia processuais.
Os imperativos da nova ordem processual clamam, portanto, pela não atomização desses conflitos, favorecendo-se o acesso coletivo à justiça. Acrescentou o autor que este é o único direito – ainda que artificialmente – supraindividual que apresenta reparação direta, a possibilitar ao lesado a reconstrução patrimonial diante das perdas decorrentes do ilícito.
Urge, ao final, do presente tópico uma divergência doutrinária, a despeito de ser deveras tênue, entre a ideia de Herman Benjamin sobre os direitos individuais homogêneos e o posicionamento adotado por Fredie Didier e Hermes Zaneti. Pelo que se observou na obra em comento, Benjamin traduz os direitos individuais homogêneos como “acidentalmente” supraindividuais, ressaltando que o seu tratamento diferenciado decorre de criação legal, protegendo-se a eficiência e economia processuais. Didier e Zaneti, em contraposição, entendem que “não se pode continuar afirmando serem esses direitos estruturalmente direitos individuais, sua função é notavelmente mais ampla. Ao contrário do que se afirma com foros de obviedade não se trata de direitos acidentalmente coletivos, mas de direitos coletivizados pelo ordenamento para os fins de obter a tutela constitucionalmente adequada e integral”[8].
Depois de observar as características de cada uma das espécies de direitos (ou interesses) supraindividuais, o autor busca contextualizá-los com a crise do acesso à justiça e do processo civil clássico, a partir da abordagem dos litígios mais sobressalentes, quais sejam, os consumeristas e ambientais.
4. ACESSO À JUSTIÇA COLETIVA: CONFLITOS CONSUMERISTAS E AMBIENTAIS
Inicialmente, o autor tenta desmistificar a falsa impressão de que o meio ambiente dá origem a conflitos difusos, enquanto que o consumerista envolve tão somente direitos coletivos.
Embora o meio ambiente seja um bem de uso comum do povo e sua adequada fruição beneficiará não apenas aqueles que estejam próximos aos locais de conservação ambiental, esclarece Herman Benjamin, com base nos ensinamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, que eventual dano ambiental poderá ensejar pretensões difusas, coletivas e individuais homogêneas, inclusive por meio da cumulação de ações.
Esse entendimento também se aplica à área consumerista: conquanto, neste caso, o grau de difusividade reduza drasticamente, não se pode olvidar as práticas de propaganda enganosa, por exemplo, que afetam os consumidores de determinado produto, assim como aqueles potenciais consumidores, destacando-se os traços da indivisibilidade do direito à sua reparação e a indeterminabilidade dos sujeitos atingidos.
Vale ressaltar que Herman Benjamin, seguindo os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, emprega como parâmetro para diferenciar se o direito é difuso, coletivo ou individual homogêneo o tipo de pretensão deduzida em juízo, atribuindo assim relevância ao direito material em que se baseou o postulante em sua fundamentação.
Antonio Gidi, por sua vez, identifica o direito objeto da ação coletiva por meio do exame, no caso concreto, do direito subjetivo específico que tenha sido violado ou que se afirme ter sido violado. Eis as críticas feitas por Antonio Gidi ao critério eleito por Nelson Nery e Rosa Nery:
“Primeiro, porque o direito subjetivo material tem a sua existência dogmática e é possível, e por tudo recomendável, analisá-lo e classificá-lo independentemente do direito processual. Segundo, porque casos haverá em que o tipo de tutela jurisdicional pretendida não caracteriza o direito material em tutela. Na hipótese acima construída, por exemplo, a retirada da publicidade do ar e a imposição de contrapropaganda podem ser obtidas tanto através de uma ação coletiva em defesa de direitos difusos como através de uma ação individual proposta pela empresa concorrente, muito embora propostas uma e outra com fundamentos jurídicos de direito material diversos.”[9]
Dentro dessa controvérsia, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. adotam solução intermediária, unindo o pensamento dos autores supramencionados. Fundamentam o posicionamento que será a seguir explanado no fato de o CDC ter utilizado a perspectiva processual ao conceituar os direitos coletivos lato sensu, permitindo sua instrumentalização e efetivação. Entendem, por conseguinte, que, para o tratamento dos direitos coletivos, faz-se necessária a fusão entre o direito material e o processual, razão pela qual elegem como critério aquele utiliza o direito subjetivo alegado pela parte demandante e a tutela requerida, identificando-se, por meio desses dois parâmetros, o objeto da ação, possibilitando, com isso, o adequado provimento jurisdicional.
Ultrapassada essa discussão doutrinária, cabe analisar agora a problemática do acesso à justiça (coletiva), sob o prisma dos conflitos eleitos por Benjamin para representar a massificação dos litígios: os ambientais e os consumeristas.
No que concerne a essas duas disciplinas, o autor argumenta que devem ser aplicados três principais objetivos: (a) definição de uma estrutura preventiva; (b) eliminação das barreiras objetivas e subjetivas ao acesso à justiça; (c) flexibilização das regras de legitimação para agir.
Entende que a transindividualidade do direito, aliada às barreiras objetivas e subjetivas, as quais serão adiante devidamente explicitadas, impede que as vítimas tenham consciência da necessidade de agir de modo conjunto, evitando-se a pulverização dos danos.
No combate a este quadro, o autor sugerirá a alteração de regras processuais com o intuito de facilitar o acesso à justiça coletiva, a exemplo do “relaxamento” das regras sobre legitimação para agir, citando-se, posteriormente, o modelo norte-americano da class action. A facilitação do exercício dos direitos consagrados na legislação ordinária, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, diploma extremamente bem avaliado pelos juristas, depende, sobretudo, de normas instrumentais eficazes e atentas às práticas daninhas reproduzidas no meio jurídico.
Embora o autor insista em fazer críticas ao arcabouço processual, veremos, em seguida, que a maior dificuldade para o manejo da ação coletiva diz respeito às questões culturais (barreiras subjetivas) e à defasada estrutura dos Tribunais e órgãos administrativos para atender e combater com eficiência os danos concretizados contra o consumidor e o meio ambiente.
Com isso não se quer reduzir a importância da modificação de regras incompatíveis com as novas sistemáticas de processo coletivo vislumbradas em países estrangeiros, notadamente no que pertine à extensão dos efeitos da coisa julgada e o sistema norte-americano do opt in/ opt out, o desenvolvimento de mecanismos para atenuar a desproporção de forças entre a vítima e o agente violador, além das já citadas normas sobre legitimidade para agir.
Julga o autor que, na base da ineficiência do sistema processual, encontra-se a distinção entre direito público e direito privado, hoje, bastante defasada, visto que existiria uma gama de direitos intermediários e mistos a desafiar esta clássica divisão. Assim é que, embora a relação consumerista, por exemplo, seja considerada negocial e privatista, alguns elementos foram publicizados no direito do consumidor, retirando-se a disponibilidade ou, na melhor expressão empregada pelo autor, o poder de barganha entre os envolvidos, principalmente em benefício daqueles que não têm condições de exercer a contento interesses e direitos consagrados nas legislações.
Neste caso, clama o autor por uma atuação positiva do ente estatal a fim de assegurar proteção ao meio ambiente e ao consumidor, estimulando o exercício de prerrogativas jurídicas e de direitos fundamentais previstos na Carta Magna.
A facilitação do acesso à justiça, na opinião de Benjamin, só será minimamente viável caso passemos a considerar o “direito como instrumento de modificação do comportamento social”[10].
Não obstante os avanços conquistados por meio da ação civil pública e da institucionalização dos Juizados Especiais, ainda persistem diversos fatores que contribuem para tornar ilusória o ideal de prestação jurisdicional acessível a todos os cidadãos. Isso permite ao autor partir da premissa de que a elitização da justiça está vinculada à sacralidade da forma, ao culto da bacharelice e à intangibilidade dos juízes e demais agentes envolvidos no processo judicial.
A partir dessa perspectiva inicial, passa a analisar de um modo extremamente válido as barreiras objetivas e as subjetivas ao acesso à justiça. Sintetiza as duas na expressão de Friedman: “barreiras de custo e cultura”.
4.1. AS BARREIRAS OBJETIVAS
Em primeiro lugar, as barreiras objetivas são aquelas definidas por ele como práticas ou econômicas. Nesse sentido, incluem-se os altos custos processuais, por meio de honorários advocatícios e despesas vinculadas à realização de provas periciais, por exemplo. Aí se insere não apenas o custo direto do processo, mas aqueles que se relacionam ainda que indiretamente, como é o caso de se ausentar do trabalho – que, embora seja considerada interrupção do contrato de trabalho, as reiteradas faltas podem não ser bem aceitas pelo empregador, gerando desconfortos no ambiente de trabalho -, assim como as despesas com o transporte, principalmente para aqueles de residem longe do foro competente.
De fato, conforme destaca Benjamin, a onerosidade é o aspecto mais sobressalente se comparado com todos os outros óbices a que fará menção. O alto custo da prestação do serviço jurisdicional atinge principalmente os hipossuficientes economicamente, que podem ser aqueles mais carentes de amparo e tutela jurisdicional.
Ainda no que tange às custas judiciais, Cappelletti argumenta que a imposição do ônus da sucumbência para o vencido, para os países que adotam esse modelo, representa uma “penalidade aproximadamente duas vezes maior, afinal ele pagará os custos de ambas as partes”[11]. Além disso, reconhece também que a principal despesa consiste no alto preço cobrado pelos serviços advocatícios.
Não se pode negar que algumas iniciativas já foram adotadas em nosso país a atenuar os efeitos negativos da onerosidade processual excessiva. Destaco, por exemplo, a expansão, ainda que bastante lenta, das Defensorias Públicas e do processo virtual, neste último caso, eliminando os custos decorrentes da impressão gráfica e do transporte dos autos, em sintonia com a regra da celeridade processual.
Outra pergunta que reputo pertinente: afinal, o dano consumerista ou ambiental compensa os altos custos judiciais?
Eis a questão da proporcionalidade entre o dano e os investimentos judiciais necessários à sua reparação ou prevenção.
A partir do momento em que a balança pesar mais para o lado das despesas decorrentes do processo, o litigante, principalmente o vulnerável economicamente, não vai buscar o provimento jurisdicional. O valor que ele poderá auferir não compensa o investimento de dinheiro, disposição e tempo que ele, porventura, pretenda depositar na causa.
O “fator-custo”, a que se refere o autor, também foi objeto de análise por Cappelletti. Em lição magistral, já dizia naquela época que “se o litígio tiver de ser decidido por processos judiciários formais, os custos podem exceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer, podem consumir o conteúdo do pedido a ponto de tornar a demanda uma futilidade”[12].
Esta é a razão pela qual a atomização das demandas coletivas pode impedir não apenas o acesso do jurisdicionado, mas o próprio Judiciário de conhecer a causa e impor medidas adequadas e eficientes ao combate do ilícito em matéria ambiental e consumerista, considerando-se neste caso eventual inércia dos órgãos administrativos de controle.
Uma terceira barreira objetiva mencionada por Benjamin diz respeito da “disparidade de armas” entre os litigantes eventuais e os litigantes habituais. Estes últimos são representados por grandes empresas poluidoras ou aquelas que promovem expressiva degradação ambiental e, por isso, são continuamente demandadas em juízo.
No meio consumerista, poderia me referir às empresas que, dada a expansão desmensurada dos seus produtos e serviços, não mais se preocupa com a qualidade destes ou o modo pelo qual a propaganda por ela veiculada atinge o consumidor, apenas objetiva a obtenção do lucro, aspecto corriqueiro no processo produtivo capitalista.
Neste caso, chama o consumidor de “one shotter”, enquanto que o agente econômico é denominado de “repeat player”. Se de um lado o agente econômico pode dissolver os custos judiciais e contratar advogados e peritos qualificados e reconhecidos no meio jurídico, a consumidor teria que arcar com as despesas ou ficar na dependência dos serviços prestados pelas defensorias públicas para reaver o direito violado.
Conforme visto no filme “A Corporação”, as empresas fazem um levantamento e até o momento em que constatarem que poluir o meio ambiente e gerar danos aos consumidores “compensa”, eles enfrentarão o risco. Se o risco do negócio ainda lhe for favorável, não medirá esforços evita-lo. Nesses casos, avaliou-se a importância de que o magistrado, ao conhecer controvérsia desse jaez, esteja devidamente aparelhado para impor medidas judiciais, a exemplo de multas, para alterar a situação vigente e desestimular outros infratores a cometer essas irregularidades.
Herman Benjamin assevera que o valor de uma demanda individual para os agentes econômicos é indiferente. O problema, para eles, reside na coletivização do conflito, isto é, quando se demonstra a repercussão social da ilicitude. Por isso que há sempre interesse em estancar desde o início esse tipo de situação, por meio de acordos, judiciais ou não, evitando-se que uma decisão judicial favorável ao demandante estimule outros lesados a agir em conjunto ou provocar o conhecido “efeito multiplicador”.
Nesta matéria, Cappelletti utiliza dados empíricos obtidos em pesquisa feita pelo professor Galanter e enumera as vantagens auferidas pelos litigantes habituais: melhor planejamento do litígio, economia de escala (por ter maior número de casos pendentes), oportunidade de desenvolver relações informais com os julgadores, diluir os riscos da demanda por maior número de casos e, por fim, tem a chance de testar estratégias processuais e argumentos jurídicos em alguns feitos.
A solução para este tipo de disparidade reside em, primeiramente, estimular a mentalidade associativa, reestruturar o Ministério Público e sensibilizar os cidadãos. Essa desigualdade de forças entre os litigantes eventuais e os habituais (agentes econômicos) pode ser contornada “se os indivíduos encontrarem maneiras de agregar suas causas e desenvolver estratégias de longo prazo, para fazer frente às vantagens das organizações que eles devem amiúde enfrentar”[13].
Por fim, o último aspecto citado por Benjamin envolve o tempo e a lentidão da prestação jurisdicional. A morosidade da justiça não apenas aumenta os custos decorrentes do processo, mas também desestimula o litigante habitual, levando a justiça ao descrédito. Para isso, a estipulação de requisitos mais rigorosos para a interposição de recursos, o combate aos recursos protelatórios e a punição pela má-fé processual podem ser estratégias postas em prática para minorar os efeitos da problemática em deslinde.
A demora injustificada e a passividade do órgão julgador, conforme ressalta Benjamin, só favorecem o litigante forte, desequilibrando ainda mais a relação jurídica.
Nesse sentido, preleciona Cappelletti que a demora “ aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito”[14].
4.2. AS BARREIRAS SUBJETIVAS
Por outro lado, as barreiras subjetivas são aquelas de cunho psicológico ou cultural, conforme pontuou Herman Benjamin.
Pode-se resumir a primeira ordem de barreiras aglutinando-as sob a perspectiva da desigualdade econômica, informativa ou tecnológica. São questões culturais e do “analfabetismo” jurídico que sintetizam a lacuna persistente entre grandes setores sociais e a justiça, sob o enfoque subjetivo. Afinal, contratar um advogado seria um mecanismo simplista de solucionar a problemática. O maior problema, porém, está em identificar quais situações ensejam, de fato, reparação ou precisam ser coibidas, considerando-se que muitos ilícitos já se tornaram tão comuns que não são mais percebidos como tais pela população.
Benjamin, inclusive, ressalta a dificuldade de apurar as barreiras subjetivas em razão de estas se operarem no plano psicológico dos indivíduos. Destaca, contudo, que o mais notável obstáculo é, exatamente o que eu já introduzi no parágrafo anterior: o desconhecimento do consumidor e do cidadão ambiental acerca de seus direitos.
Não se trata tão somente da ignorância da lei, mas de que aquela situação de fundo é ilícita ou aparente sê-lo. E, mesmo que reconheça a desconformidade, a quem procurar? Tem-se que considerar, igualmente, o sentimento de inferioridade das vítimas quanto à incapacidade de resolver os problemas e de entender o complicado funcionamento da máquina judiciária. Sobressai, assim, sentimentos de incompreensão, timidez, descaso, impedindo o acesso efetivo à justiça.
Após efetuar pesquisas empíricas acerca do tema ora em debate, Boaventura de Sousa Santos, expôs os resultados obtidos:
“Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas factores económicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades económicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afecta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo ou ignorar as possibilidades de reparação jurídica. (...) Em segundo lugar, mesmo reconhecer o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a acção. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal.”[15]
A aptidão dos consumidores e dos cidadãos ambientais para reconhecer um direito juridicamente exigível é de fundamental importância e sua deficiência afeta não apenas os estamentos mais baixos de nossa população. Além disso, conforme bem sustentou Cappelletti, “pessoas que procurariam um advogado para comprar uma casa ou obter o divórcio, dificilmente intentariam um processo contra uma empresa cuja fábrica esteja expelindo fumaça e poluindo a atmosfera”[16].
O formalismo da linguagem forense e os padrões de vestimenta também são obstáculos subjetivos de considerável importância, mencionados por Benjamin. Em reportagem recentemente exibido em mídia televisiva, foi exibido o comércio realizado exatamente na frente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Neste local, alugam-se calças compridas sociais, ternos, gravatas, sapatos, etc. tão somente para o que o jurisdicionado possa adentrar ao recinto.
Considerando que boa parte da população ainda convive em níveis críticos de miséria, sequer tem acesso a redes elétricas, saneamento básico ou moradia digna, seria razoável exigir delas este padrão de vestimenta? Claro que determinados comportamentos são incompatíveis com o decoro e a atividade jurisdicional, no entanto, é de pleno conhecimento que algumas exigências extrapolam a sensatez.
5. MEIOS DE FACILITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
Para solucionar os problemas relacionados ao acesso à justiça nos conflitos ambientais e consumeristas, o autor propõe dois métodos. O primeiro, a que ele chama de “interno”, diz respeito aos impedimentos processuais ou quase processuais.
Já, por meio do segundo método – o “externo” –, busca mecanismos alternativos ou complementares ao processo judicial para assegurar a eficiência na prestação jurisdicional. Cita como exemplos de meios externos a negociação coletiva, a mediação administrativa e a vindicação administrativa.
Dentre essas, destaco para tecer alguns breves comentários acerca da mediação administrativa, que pode ser exercida por agências de defesa do consumidor (o PROCON, por exemplo) e o Ministério Público, nos casos coletivos. Este último, inclusive, tem adotado uma postura bastante combativa, seja por meio de Recomendações expedidas aos órgãos violadores, seja por meio do Termo de Ajustamento de Conduta. Em razão do seu caráter educativo e preventivo, essa atuação tem se mostrado eficiente, por contornar os auspícios de um processo judicial longo e que pode alcançar poucos efeitos práticos, dadas as limitações do aparelho judicial para tratar adequadamente das ações coletivas.
Dada a limitação do estudo a que se propõe o autor, decidiu apenas investigar os meios internos e, entre eles, apenas a ação civil pública e a class action americana, ressaltando os principais aspectos que favorecem ou dificultam o acesso à justiça coletiva. Esclareceu de antemão que essas ações têm o ponto em comum a tutela de interesses amplos da sociedade ou de grupos setorizados. Ao meu sentir, o autor deixou de mencionar algo relevante. Há corrente doutrinária brasileira que entende ser a ação civil pública cabível na defesa de direitos individuais homogêneos, desde que a sua violação resulte em repercussão social suficiente.
Quando se trata de proteção ao meio ambienta, dada a difusividade do bem tutelado, a regra é o cabimento da ação coletiva. No caso de conflito consumerista, porém, deve-se observar o tipo de violação praticada, se há, de fato, uma coletividade ou grupo mínimo que tenha sofrido o dano. E, na hipótese em que houver publicidade enganosa, práticas comerciais abusivas, disponibilização no mercado de produtos ou serviços perigosos, em virtude da abrangência, reconhece-se como difuso o direito protegido por prejudicar não apenas as pessoas que efetivamente consumiram o produto, mas aqueles, inclusive, que poderiam tê-lo feito (potencialidade lesiva). Afinal, a prática de tais condutas já constitui ilícito, independentemente de se constatar (determinar) os agentes vitimados.
5.1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Preliminarmente, Herman Benjamin assevera que, após examinar os modelos de ações coletivas europeus, americanos e compará-los com a ação civil pública, não há nenhum que seja insuscetível de críticas ou que não mereça certo aperfeiçoamento para atender a complexidade social e tutelar da maneira mais ampla possível os direitos coletivos em sentido lato. Esta é a razão e a importância de um estudo em direito comparado: trazer contribuições e sugestões que, se adequadas ao nosso contexto social, possam aperfeiçoar nossos instrumentos processuais de resolução de conflitos coletivos.
Especificamente, quanto à ação civil pública, o autor faz um breve introito ao abordar a evolução do seu tratamento. Destacou a Lei Complementar nº 40/81 e a Lei nº 6.938/81, porém, restrita à tutela de interesses e direitos ambientais difusos. A Lei nº 7.347/85, embora tenha aumentado o leque de direitos tuteláveis pela ação coletiva, só teve seu campo de aplicação efetivamente ampliado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual determinou em seu art. 129, III, a tutela de “outros interesses difusos e coletivos”.
Há quem afirme existir, hoje, um microssistema de ações coletivas com a edição do Código de Defesa do Consumidor, integrando esses mecanismos processuais de tutela coletiva e, consequentemente, promovendo uma dilatação das possibilidades de direitos tuteláveis, em rol não taxativo.
Por ser um diploma que, apesar de algumas deficiências, é considerado inovador em muitos aspectos, Herman Benjamin, para ilustrar as influências estrangeiras na formação da ação civil pública, passou a relacionar as suas principais marcas e apontar o modelo do qual se inspirou a regra. Do common law, utilizou o modelo brasileiro a noção de “fluid recovery”, ou seja, a criação do Fundo de Defesa dos direitos difusos, assim como a possibilidade de pleito reparatório/indenizatório. Já do modelo europeu, mais precisamente, o francês, a legitimação institucional (ope legis), de modo que apenas são legitimados aqueles expressamente indicados na lei, sem que haja a legitimidade do indivíduo para agir, isoladamente, por meio da ação coletiva.
Não obstante a nomenclatura “ação civil pública” já esteja consagrada no ordenamento jurídico brasileiro, Herman Benjamin não a isenta de críticas.
Argumenta o autor que a ação em comento não pode ser tida como pública, nem sob a perspectiva do direito tutelado, nem sob a visão do agente impulsionador do feito. Afinal, o direito público difere, em sua essência, dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e, hoje, o Ministério Público não é mais o único legitimado ativo à sua propositura.
5.2. CLASS ACTION
Para explicar este modelo, Herman Benjamin utiliza a sua principal tônica: a questão da legitimidade de agir, aspecto este que tanto o diferencia da ação civil pública brasileira. De acordo com o autor, “um ou mais sujeitos podem acionar ou serem acionados em seu próprio nome e de outros que tenham interesses assemelhados. Em outras palavras, um grupo maior (a classe) de indivíduos é representado por um de seus integrantes ou parcela menor de seus membros”[17].
Sem dúvida que a possibilidade de um único indivíduo buscar, em juízo, a defesa dos seus direitos e de todas as outras pessoas, para o direito ambiental e consumerista, seria um grande avanço, porque dividiriam custos, concentrariam esforços, argumentos e provas, aumentando o poder de barganha e de pressão em face do agente econômico. E, dada a repercussão dessa possível mobilização, há a oportunidade de ganhar a “mídia” e, ao mesmo tempo em que proporciona o debate social acerca do direito violado, inibe demais agentes econômicos a reproduzir ilícitos desse jaez.
O autor relaciona os dois principais pressupostos objetivos da class action: o número elevado de sujeitos envolvidos na mesma lide e, em geral, o pequeno valor do interesse individual perseguido. Embora ele tenha indicado como “pressupostos objetivos”, entendo que se trata, na verdade, de uma constatação fática acerca da utilização da class action, no sentido de aglutinar os micro-conflitos, que é a primeira função deste tipo de ação, consoante esclareceu Herman Benjamin. Assim é que, pela amplitude da legitimidade de agir, caso esse número de litigantes, por exemplo, não seja tão elevado, não haveria obstáculos ao ajuizamento da ação.
Como dito no parágrafo anterior, o objetivo de aglutinar as ações – e, porque não dizer, os interesses -, representa um avanço em termos de eficiência e economia processual, possibilitando que controvérsias que envolvam pequeno valor econômico possam ser apreciadas pelo Judiciário. É o caso, por exemplo, de um banco que tenha feito um desconto indevido de R$0,05 (cinco centavos) na conta de seus clientes. Claro que, isoladamente, ninguém vai ter interesse de postular em juízo a devolução desse valor, mas é preciso assegurar a higidez do mercado financeiro e das transações bancárias, de modo que a aglutinação de interesses permite que controvérsias como esta possam ser devidamente julgadas, sancionando a conduta e desestimulando outros agentes financeiros.
Nesse sentido, preleciona Cappelletti que:
“(...) a class action permitindo que um litigante represente toda uma classe de pessoas, numa determinada demanda, evita os custos de criar uma organização permanente. Economia de escala através da reunião de pequenas causas é possível por esse meio e, sem dúvida, o poder de barganha dos membros da classe é grandemente reforçado pela ameaça de uma enorme indenização por danos (124). Com um esquema de honorários condicionais, onde isso seja possível, o trabalho de organização é financeiramente compensador para os advogados, que podem obter remuneração substancial (125). A class action portanto, ajuda a proporcionar as vantagens de litigantes organizacionais a causas de grupos ou de interesse público.”[18]
Em decorrência disto, superam-se os alguns entraves psicológicos e técnicos que impedem o acesso à justiça. Por outro lado, afirma que a class action pode servir como complemento indireto ao direito penal ou administrativo, incentivando uma atuação conjunta dos órgãos de controle administrativo e policial na apuração de infrações que violem, ao mesmo tempo, direitos coletivos, em sentido lato, e normas administrativas ou penais.
Neste modelo, Herman Benjamin comenta, ainda, da obrigatoriedade de notificar os membros ausentes, publicizando a existência da ação e estimulando a que todos participem, de algum modo, da relação jurídica. Este, ao meu ver, é o caminho para a superação principalmente das barreiras subjetivas, ao atrair potenciais litigantes por meio de mecanismos inventivos de notificação, sem ser unicamente por publicação no diário oficial. É exemplo disso a decisão que determina a comunicação nos boletos de cobrança enviados para as casas dos consumidores, a criação de sítios eletrônicos, etc.
O autor também fez uma breve análise dos cinco modelos de class action do sistema norte-americano. Pelo primeiro, a “equity” destaco a impossibilidade de postulações indenizatórias; enquanto que no “field code” há a questão da representação adequada – critério ope iudicis, por meio do qual determinado litigante pode ser considerado ilegítimo se não apresentar condições suficientes para representar os interesses da categoria por ele defendida. Esse controle é necessário em razão do fato de se presumir que todos estão inclusos no sistema e só não serão atingidos pela coisa julgada se exercerem o opt out (opção negativa), razão pela qual se entende os seus direitos devem ser defendidos em juízo.
Isso, no entanto, difere do modelo denominado “federal rules of civil procedure (1938)”, em sua categoria “espúria”, pois, neste caso, os efeitos da coisa julgada apenas atingem os sujeitos que exercerem o opt in, de modo que só serão abrangidos pela coisa julgada os litigantes nomeados.
Em sua versão mais contemporânea, a “federal rules of civil procedure (1966)”, passou a exigir quatro requisitos: a numerosidade dos demandantes, a existência de questão comum, a tipicidade e, por fim, a representação adequada, já comentada alhures. Neste modelo, não há a opção negativa e não se admite pleito indenizatório, de modo que se postula apenas que a parte demandada seja compelida a uma obrigação de fazer ou não fazer.
Há, no entanto, a “class action” reparatória, na qual se admite a possibilidade de exercer o opt out, razão pela qual a ação deve atender ao postulado da “melhor intimação possível” para que os indivíduos possam exercer o direito de exclusão do procedimento. Os membros ligam-se, entre si, por questões comuns, consoante ressaltado por Herman Benjamin. Quanto aos membros ausentes, é facultado a eles retirar seu conflito do bloco agregado de ação, sem ser atingido pelos efeitos da coisa julgada coletiva.
Por fim, quanto ao modelo do “uniform class action”, pelo que demonstrou o autor, por decorrer de construção jurisprudencial, ao contrário dos demais tipos, não se exige dela a adequação a tipos rígidos fixados na lei.
No que concerne à distribuição de indenização, Herman Benjamin esclarece que, após a condenação genérica, as vítimas peticionam ao juízo, demonstrando qual a cota que lhe é devida. Em alguns casos, porém, em que há a impossibilidade de individualização do quantum devido a cada uma das vítimas, permite-se a fixação de um valor único e geral para todos, considerando-se, para tanto, a conduta do réu e os ganhos por ele auferidos com a ilicitude.
Em outras hipóteses, principalmente quando diz respeito à violação aos direitos comuns, argumenta Herman Benjamin que é tradicional a condenação ao pagamento de indenização a ser depositado em fundo específico, sem ser distribuídos às vítimas individuais.
Pelo que foi examinado, Herman Benjamin destacou os dois principais traços distintivos entre a ação civil pública e a class action. Enquanto nesta última, reconhece-se a amplitude da legitimidade de agir, inclusive para o “autor solitário”, nós exigimos o registro prévio, por exemplo, em associações. Nesse sentido, a questão pertinente à representação adequada também afasta os dois modelos: no brasileiro, basta que a associação esteja pré-constituída há um ano e defende em juízo objeto contido em seu estatuto; já no modelo anglo-saxão, a legitimidade da associação não depende de lapso temporal, ela apenas precisa ser considerada pelo juiz como representante adequada dos interesses postulados.
6. AS ASSOCIAÇÕES NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DO CONSUMIDOR
Até a edição da Lei nº 7.347/85 a legitimidade para a propositura da ação civil pública restringia-se ao Ministério Público, com o seu advento, associações e outros órgãos e instituições públicas puderam ajuizar a aludida ação, para a defesa do meio ambiente.
Essa ampliação dos legitimados não caminhou junto com outra que poderia ser uma grande conquista em termos de ação coletiva: a defesa dos consumidores. Com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, contudo, criou-se mecanismo eficiente de acesso à justiça, coibindo-se não apenas os danos ambientais, mas também aqueles que afrontam a atividade comercial, em si, e os consumidores, de modo particular.
Quanto à atuação das associações, Herman Benjamin observa a função social por elas desempenhada. Antes de abordar as críticas ao fraco espírito associativista brasileiro, é preciso ponderar a importância delas na aglutinação de “células” (os indivíduos, tomados isoladamente), permitindo que os seus direitos sejam defendidos em juízo. Isso, sem dúvida, favorece o acesso à justiça, uma vez que permite a superação de algumas barreiras objetivas (os custos individuais do processo) e a subjetivas (o desinteresse persistente) sejam minorados.
Embora não cite quais são estas vantagens, Herman Benjamin comenta que, em ordenamentos jurídicos estrangeiros, é comum conferir vantagens aos particulares que tomam a iniciativa de ajuizar ações coletivas, em benefício de interesses de ordem geral.
No Brasil, provavelmente esse tipo de incentivo, que, ao meu ver, é extremamente positivo, muito dificilmente seria consagrado em nossa legislação ordinária, considerando-se a pressão que os agentes econômicos exerceriam nos políticos para evitar incentivos à ação coletiva que, no final das contas, só prejudicariam às atividades ilícitas desenvolvidas cotidianamente por eles e que passam impunes pela ausência de combatividade necessária.
Essa função social a ser desempenhada pelas associações pode ser mais bem aproveitada caso a sua atuação se dê em conjunto com o Estado, com o Ministério Público, se houver entre eles um auxílio recíproco. Não se pretende com isto cercear a liberdade das ONGs, ou retirar-lhes a independência necessária para discordar do Poder Público ou do Ministério Público. Apenas, entendo que, uma atuação conjunta, poderia apenas beneficiar, no caso, a ação coletiva, trazendo mais subsídios para o enfrentamento dos problemas ambientais e consumeristas.
No mundo contemporâneo, Herman Benjamin entende que o associativismo ambiental e consumerista decorrem do avanço do “pluralismo jurídico” e da crise do Estado como único centro de produção jurídica.
É nesse sentido que Boaventura de Sousa Santos concluiu a sua pesquisa sobre as práticas sociais comuns em uma favela fluminense, no ano de 1970. Concluiu em sua obra que havia nesses locais um direito que corria em paralelo ao direito oficial, de modo que “cada unidade social constitui-se em centro de produção de jurisdicidade com uma vocação universalizante circunscrita à esfera dos interesses econômicos ou outros dessa mesma unidade”[19].
Conclui o autor que, nessa situação de “pluralismo jurídico”, haveria um “conflito entre dois poderes soberanos entre os quais nenhum mediador pode interceder. É um conflito global e insolúvel. Cria-se, assim, uma situação de suspensão jurídica, ou melhor, de ajuridicidade cuja superação tende a ser determinada pela violência. A privatização possessiva do direito constitui-se por uma dialética entre a tolerância extrema e a violência próxima”[20].
Se as práticas associativistas decorreram de uma situação de pluralismo jurídico, nessa perspectiva sociológica, não se pode aceitar que sua atuação hoje esteja desvinculada das práticas sociais ou constituam um universo paralelo. E entendo que qualquer prática isolacionista que se pretenda em nosso mundo contemporâneo apenas dificultará o acesso à Justiça.
Não se pretende com isso afirmar que as associações estarão vinculadas às políticas públicas e sociais implementadas pelo Governo. Uma atuação dissociada ou sem qualquer contribuição recíproca entre os dois entes apenas aumentaria o fosso persistente entre as comunidades marginalizadas e a Justiça oficial. Assim é que o autor ressalta não apenas a função judicial para a qual deve contribuir, mas a capacidade de informar a todos os seus associados sobre os direitos dos quais eles são detentores e fazer uma firme fiscalização a fim de averiguar eventuais violações.
Embora, de fato, o associativismo tenha crescido em decorrência da incapacidade do Estado de gerir e ouvir os anseios sociais, não se pode, por outro lado, entender que essa “crise” afasta essas duas esferas (Estado e associações).
Herman Benjamin, ao final de sua análise sobre o presente tema, comenta, de modo muito realista, a inexistência de um modo associativista forte o suficiente em nosso país, após anos de regimes ditatoriais. Há verdadeira apatia e desorganização dos movimentos sociais, o que resta demonstrado pelo pequeno número de associações e, quando existem, de um modo geral, possuem um número de associados muito baixo, poucos recursos e não estão devidamente aparelhadas para desenvolver adequadamente as atividades para as quais se propõem. Aí reúnem-se motivos culturais e econômicos – mesmo aqueles que possuem condições de pagar a anuidade, não se sentem estimulados a participar das associações, como se o direito por elas defendido (consumidor ou ambiental, por exemplo) estivesse muito aquém da realidade ou, na pior das situações, desconfiam da gestão dessas associações.
7. O MINISTÉRIO PÚBLICO
Inicialmente, Herman Benjamin procura definir o Ministério Público. Desiste, porém, do seu intento, para que uma eventual definição não se torne inválida frente às peculiaridades da entidade em comento nos mais diversos países. Sustentou apenas a sua atuação na persecutio criminis e pela representação processual civil do interesse público, por meio da ação civil pública.
De fato, nos primórdios do Ministério Público, a ele estava resguardada a incumbência de defender os interesses do Estado. Viu-se, contudo, que em algumas demandas haveria o confronto entre o interesse do Estado e o interesse público, razão pela qual foram criadas outras instituição para a representação processual do Estado. No nosso caso, a União é defendida pela Advocacia-Geral da União, criada com esse intento pela Constituição de 1988.
Isso decorre da distinção entre interesse público primário e o secundário. O primário representa o “o interesse social (o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo)[21]”. Enquanto isso, o secundário está consubstanciado, por exemplo, nas políticas públicas implementadas pelo Estado, na necessidade de o Estado arrecadar mais impostos, ainda que à contragosto dos administrados.
Herman Benjamin destaca ainda a ampliação dos interesses a serem defendidos pelo Ministério Público, notadamente com a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, a determinar a legitimidade da instituição na tutela do meio ambiente e do consumidor, respectivamente. Sem dúvida acentuou-se bastante a atuação do Ministério Público na área cível. E quanto a esse tema, confira-se a lição de Emerson Garcia:
“Os interesses sociais, por sua vez, transcendem a individualidade dos diversos interesses que neles podem estar ínsitos, sendo relevantes para a sociedade como um todo (vg.: interesses difusos e coletivos). Nesse caso, a atuação do Ministério Público não pressupõe a indisponibilidade de cada uma das parcelas que o integram, o que torna legítima, verbi gratia, a defesa de interesses individuais homogêneos advindos de relação de consumo, ainda que as parcelas que o compõem tenham cunho estritamente patrimonial – regra geral, disponível. Por essa razão, será legítima a defesa de interesses individuais, ainda que não sejam indisponíveis, desde que seja divisado um interesse social em sua tutela.”[22]
Logo em seguida, Herman Benjamin também tece algumas críticas à apatia do Ministério Público e, de certo modo, aos órgãos estatais de defesa do consumidor e do meio ambiente. Para ele, embora essas instituições sejam, em tese, independentes, sempre estão sujeitas a pressões políticas, além das limitações humanas e materiais.
Quanto a este primeiro bloco de críticas, entendo que, de fato, algumas intromissões do Executivo no Ministério Público são nocivas aos interesses defendidos pela entidade. A exemplo disso, temos a previsão contida no art. 84, XIV, da CF/88, o qual determina que a nomeação do Procurador-Geral da República será feita pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado. Assim é que os critérios políticos na escolha dos membros do Ministério Público para defender os direitos da instituição perante os Tribunais Superior, ao meu ver, é equivocada e demonstra a reprodução de condutas perniciosas e incompatíveis com a independência funcional assegurada ao membro do Ministério Público.
No que concerne às limitações humanas e materiais, entendo ser exagerada a crítica. Os recursos realmente são limitados e faltam membros efetivos para trabalhar em muitos municípios, mas, de um modo geral, a instituição é organizada e, com o desenvolvimento do país, novos instrumentos de trabalho favorecem a instrução dos processos e o tratamento das questões consumeristas e ambientais.
Por outro lado, critica também o fato de o Ministério Público trabalhar com prioridades que nem sempre são aquelas almejadas pelos tutelados, com a chance de serem capturados pelos grupos ou pessoas que deveriam controlar. A possibilidade de corrupção nas instituições pública é uma realidade tão presente quanto àquela constatada nas entidades privadas. É um mal social muito comum em instituições de países subdesenvolvidos ou que, ao menos, não atingiram um grau de desenvolvimento social suficiente que permitisse extirpar com eficiência condutas desse jaez.
Não creio que este seja um obstáculo à atuação saudável do Ministério Público, até porque não lhe é exclusivo e atinge todas as nossas estruturas de poder. E, ainda, com a previsão de Conselhos do Ministério Público, Corregedorias, a possibilidade de apurar atos ímprobos torna-se mais efetiva.
Certo, no meu entendimento, é que não podemos tirar o mérito da instituição e das atividades por ela desenvolvidas nas mais diversas frentes tão somente em razão de alguns que desenvolvem as atividades de modo ilícito.
Não se pode negar as limitações do Ministério Público, mas sem dúvida ele se situa como a entidade, atualmente, mais organizada e aparelhada na defesa do interesses coletivos porque têm o reconhecimento social. Ao contrário de associações, cuja atuação é importante, mas pela falta de associativismo na cultura brasileira, não têm a abrangência do Ministério Público. Os dois – Ministério Público e as associações -, como já foi dito, devem andar juntos e a contribuição recíproca só favoreceria a tutela do meio ambiente e do consumidor em juízo.
Após estas críticas, porém, Herman Benjamim também faz alguns elogios à instituição. Em nosso país, ressalta que, com as mudanças legislativas, o Ministério Público ganhou mais prestígio e legitimidade para tutelar os direitos supraindividuais, não mais dando a eles tratamento fragmentário e incompatível com a noção de direitos coletivos.
No que diz respeito à atuação no direito do consumidor, salientou a atuação do Ministério Público de São Paulo que, antes mesmo da promulgação do Código de Defesa do Consumidor que se deu em 1990, incluiu em sua Lei Orgânica, em 1982, como de sua atribuição a proteção do direito do consumidor, indo na dianteira das transformações sociais e culturais que se consagram na legislação ordinária apenas alguns anos depois.
Já no que concerne ao direito ambiental, Herman Benjamin esclareceu que, mesmo após o advento da Lei nº 6938/9, que conferiu legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública em defesa do meio ambiente, faltavam normas materiais, razão pela qual a defesa era realizada muito mais por meio das normas sancionatórias do Direito Penal, uma atuação dissociada da noção de tutela reparatória do ilícito ou mesmo de preveni-lo, diferentemente da intervenção ampla, hoje conferida ao Ministério Público.
No panorama contemporâneo, contudo, o autor classifica os resultados alcançados pela instituição em comento, mesmo tempo, como espetaculares e insuficientes. A grande crítica por ele relacionada diz respeito à falta de especialização temática, em alguns Ministérios Públicos estaduais, principalmente nas comarcas do interior em que inquéritos civis e policiais são misturados às causas ambientais, renegando a estas o devido tratamento.
Em virtude da dificuldade de especialização temática das promotorias e procuradorias para a questão ambiental, Herman Benjamin sugere a como solução a criação de Promotorias de Justiça Ambientais Regionais, equalizando os problemas de servidores e recursos disponíveis e concentrando a atenção na matéria.
Embora essa seja uma opção válida, entendo que a criação de Promotorias Regionais teria uma consequência negativa que precisa ser ponderada: o distanciamento físico dos promotores em relação ao dano ambiental, o que dificultaria o contato com a matéria probatória e com as peculiaridades do local do dano.
8. CONCLUSÃO
Se não é novidade a discussão acerca das dificuldades relacionadas ao acesso à justiça, por outro lado a superação dos paradigmas do processo civil clássico tem sido o alvo de diversos debates no meio jurídico, sendo um campo ainda muito vasto a ser explorado.
Na presente obra, observou-se que o autor pretende abordar uma nova perspectiva: o acesso à justiça coletiva. Para tanto, decidiu enfocar a sua obra na análise da legitimidade de agir na ação civil pública e a atuação do Ministério Público e das associações na propositura dessas ações em defesa dos consumidores e do meio ambiente. O autor, inclusive, teceu alguns comentários acerca dos cinco modelos de class action americana, destacando seus principais aspectos e comparando com o modelo pátrio.
Ora, a amplitude desses temas requer um detalhamento a que, ao meu sentir, faltou no presente texto. O autor discorreu sobre questões relevantíssima, chegou, inclusive, a propor a criação de Promotorias de Justiça Ambientais Regionais, sem ter sequer feito comentários mais aprofundados sobre tais aspectos.
Além de outras críticas, as quais já foram feitas ao longo do presente trabalho, também destaco outra. Embora tenha introduzido os postulados do processo civil clássico, no decorrer de seu trabalho, o autor simplesmente esqueceu a abordagem principiológica e passou a fazer apenas comentários genéricos ora sobre a falta de associativismo como decorrência de uma questão cultural brasileira, ora sobre a necessidade de flexibilização da legitimidade de agir, sem observando o contexto e a evolução das normas materiais e processuais sobre direito ambiental e consumerista.
À guisa de conclusão, pretendo tão somente ressaltar que, em que pese o fato de encontrarmos diversos obstáculos objetivos e subjetivos ao efetivo acesso à tutela coletiva, é preciso que haja a atuação do Poder Público, informando a população acerca de seus direitos, e o reforço do papel criativo dos entes processuais: magistrado, membro do ministério público e associações, no sentido de assegurar a ampla tutela em face de ilícitos contra os quais há a patente necessidade de implementar novas perspectivas.
9. BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. In: MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil – vol. 4 – 6ª ed. Bahia: Juspodivm, 2010.
GARCIA, Emerson. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008
GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
JATAHY, CARLOS ROBERTO DE CASTRO. Curso de princípios institucionais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2006.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2009.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e direitos: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica, 2002.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[1] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
[2] BENJAMIN, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. In: MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 79.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e direitos: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica, 2002, p. 91.
[4] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 61.
[5] DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil – vol. 4 – 6ª ed. Bahia: Juspodivm, 2010, p. 92.
[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48.
[7] Ibdem, p. 53.
[8] DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil – vol. 4 – 6ª ed. Bahia: Juspodivm, 2010, p. 81.
[9] GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 20-21.
[10] BENJAMIN, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. In: MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.
[11] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 17.
[12] Ibdem, p. 19.
[13] Ibidem, p. 26.
[14] Ibidem, p. 20.
[15] SANTOS, BOAVENTURA DE SOUSA. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-modernidade. – 5 ed. – São Paulo: Cortez, 1999, p. 170.
[16] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 24.
[17] BENJAMIN, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. In: MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 120.
[18] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 60-61.
[19] SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e direitos: textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica, 2002, p. 94.
[20] Ibidem, p. 95.
[21] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49.
[22] GARCIA, Emerson. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 50-51.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela ESMATRA 6. Servidora Pública Federal - TRT da 6ª Região<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSIMIRO, Andrezza Albuquerque Pontes de Aquino. Acesso à Justiça: análise crítica, sob a ótica de Antônio Herman v. Benjamin Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51800/acesso-a-justica-analise-critica-sob-a-otica-de-antonio-herman-v-benjamin. Acesso em: 02 nov 2024.
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
Por: Giseli Guimaraes da Silva
Por: LIGIA PENHA STEMPNIEWSKI
Precisa estar logado para fazer comentários.