THALITA TOFFOLI PÁEZ
(Orientadora)
RESUMO: O escopo do presente artigo é aludir a respeito do Direito Real de Laje, descortinando a sua importância e benefícios trazidos a sociedade, devido à tamanha modernização estrutural ocorrida na população e seus meios de moradia. Este é o mais novo direito real, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da transformação da Medida Provisória nº 759, de 22 de novembro de 2.016, para a Lei 13.465 de 11 de julho de 2.017, produzindo mudanças na Lei de Registros Públicos e no Código Civil, cuja finalidade é tratar das irregulares ocupações de propriedades, evidenciando a senilidade existente tanto na hermenêutica, como nos institutos do Direito Brasileiro, dentre outros vários motivos que levam a propagação das ocupações fundiárias informais. Uma situação fática, a muito tempo já existente, mas positivada apenas em meados de 2.017. Apontando um meio de solução, mas não um fim para construções irregulares, visto que se trata de um problema social das cidades brasileiras.
Palavras-chave: Direito Real de Laje. Código Civil. Lei de Registros Públicos. Código de Processo Civil. Direito de Superfície.
ABSTRACT: The scope of this article is to refer to the Real Slab Law, revealing its importance and benefits brought to society, due to the great structural modernization of the population and their means of housing. This is the newest real law, introduced in the Brazilian legal system through the transformation of Provisional Measure No. 759, of November 22, 2016, to Law 13.465 of July 11, 2017, producing changes in the Public Registers Law and in the Civil Code, whose purpose is to deal with the irregular occupations of properties, evidencing the senility existing both in hermeneutics and in the institutes of Brazilian Law, among other reasons that lead to the propagation of informal land occupations. A long-standing factual situation, but only positive in the middle of 2017. Pointing out a means of solution, but not an end to irregular constructions, since it is a social problem of Brazilian cities.
Keywords: Real Slab Law. Civil Code. Public Registers Law. Code of Civil Procedure. Surface Law.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DO DIREITO REAL DE LAJE: A REGULAMENTAÇÃO DE MORADIA. 1.1 Conceito de laje. 2. AS ESPÉCIES DE DIREITO REAL DE LAJE E A SUA NATUREZA JURÍDICA. 2.1 As espécies de laje: laje em sobrelevação e laje em infrapartição. 2.2 A natureza jurídica da laje. 3.DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTE. 3.1 Direitos e deveres do lajeado. 3.2 Direitos e deveres do lajeário. 4. A LAJE E O REGISTRO PÚBLICO IMOBILIÁRIO. 5. EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE. CONSIDERAÇÕESFINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, tem-se verificado que, inspirados nesses novos preceitos outorgados pela Carta Magna, em uma marcha cada vez mais veloz, vem ocorrendo no Brasil inúmeras mudanças nos âmbitos sociais, políticos e jurídicos.
Maiores mudanças derivaram da Lei 13.465 de 2.017, que emanou da Medida Provisória nº 759, de 2.016, provocando impactantes inovações, no tocante a regularização fundiária rural e urbana, e proporcionou a positivação do direito real de laje, no qual a muitos anos eram situações fáticas do cotidiano da população brasileira, sem regulamentação específica.
O intuito do corrente trabalho é salientar que o direito abordado nada mais é que uma realidade social comum entre a população de baixa renda, e que se trata de prática informal agregada pelo ordenamento jurídico brasileiro, através de seus institutos inerentes ao direito de propriedade no Código Civil, e também por intermédio do Estatuto das Cidades, apontando o modo de constituição deste direito, as obrigações inerentes a laje, bem como as suas causas de extinção.
Portanto, tratará a importância da regulamentação dessas propriedades irregulares, proporcionando o mais lídimo direito aos cidadãos abrangidos pela situação precária de seus imóveis, antes falha, do regramento jurídico pátrio.
1. DO DIREITO REAL DE LAJE: A REGULAMENTAÇÃO DE MORADIA
1.1 Conceito de Laje
Conforme o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a palavra Laje significa:
lajes.f. (1600 cf. JLuc) 1 placa de pedra, ou de matéria dura (concreto, cerâmica, terracota etc.), não muito grossa, de superfície plana, us. para revestir pisos, paredes ou cobrir tetos de edificações2 CONSTR ENG placa contínua apoiada em seu perímetro e por vezes tb, em colunas, que constitui os pavimentos e tetos de edificações estruturadas em concreto armado (DICIONÁRIO HOUAISS, 2011, p. 1714)
Em se tratando de uma definição mais primitiva e técnica da palavra, a laje é a superfície de uma edificação, constituída por pedra ou concreto, suportada por vigas e pilares, que assim, dão sustentação a casa.
Entretanto, no âmbito das relações jurídicas, a laje nada mais é que um direito derivado de uma circunstância histórica e efetiva no cotidiano de muitas famílias nas cidades brasileiras, principalmente nos grandes centros urbanos, quando, por exemplo: pais doam a seus filhos a laje de suas casas para que ali construam um novo lar após contraírem matrimônio. Este cenário durante muito tempo ocasionou grandes problemas pela falta de regramento legal, na esfera tributária e no que se refere à propriedade do imóvel.
Em uma concisa tentativa de disciplinar a situação da laje, o legislador através do Estatuto das Cidades, em seu artigo 21, abordou tacitamente a respeito da matéria, contudo, sem resolver a problemática das irregularidades destes imóveis.
Nitidamente ainda carecendo de normatização mais clara e precisa, em 11 de julho de 2017 foi editada a Lei 13.465, advinda da Medida Provisória nº 759/2016, produzindo amplas inovações, dentre elas a incorporação de um novo direito real ao Código Civil Brasileiro, no rol elencado pelo artigo 1.225, inciso XIII, o direito real de laje.
A lei deu nova redação ao art. 1.510-A, do CC, onde consta categoricamente que “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.”
Deste modo, a laje trata-se de uma propriedade que terá origem pela cessão onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de determinada construção, sendo a originária a construção-base, ou até mesmo a laje.
Não obstante, nota-se que a nomenclatura laje, serve apenas como um ajuste terminológico dado pelo legislador para tratar de forma comum, de modo que, fique evidente e habitual o tratamento despojado a este instituto. Tendo em vista que não apenas o espaço aéreo pode ser utilizado, mas também o subsolo.
Deveras, o “titular da laje” no texto legal, refere-se implicitamente ao proprietário da laje aérea e do proprietário da laje subterrânea.
2. AS ESPÉCIES DE DIREITO REAL DE LAJE E A SUA NATUREZA JURÍDICA
2.1 As espécies de laje: laje em sobrelevação e laje em infrapartição
Dentre as novidades trazidas pela Lei 13.465/17, temos as distintas viabilidades de corporificação do direito lajeário. Constituído tanto pela construção vertical superior, denominada de sobrelevação ou ascendente, quanto pela construção inferior, denominada infrapartição ou descendente.
Logo, o legislador trata expressamente deste cenário no texto legal, possibilitando que “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção”(CC, art. 1.510-A).
Com maior especificidade, ver-se-á que a laje em sobrelevação, é a mais usual das formações de laje, emaranhando-se muitas vezes com o fundamento do próprio instituto.
A comparência da laje sobrelevada encontra-se adstrita à da construção-base, tanto no sentido material, como no sentido jurídico.
Ademais, deve-se salientar que a ruína da construção-base, salvo a não reconstrução em cinco anos, cominará, inevitavelmente, na extinção da laje em sobrelevação. Portanto, finda a existência da edificação antecedente, no sentido material, cessará também a permanência da laje construída sobre ela.
A laje em infrapartição, trata-se do inverso ao caso supramencionado, na qual a laje inferior é constituída sob outro imóvel, ou seja, a edificação se dá no subsolo.
Ademais, não existe um critério que impossibilite que a laje em infrapartição seja construída sem que esteja estruturada a construção-base superior, ainda que haja apenas um esqueleto de construção, mesmo que sem paredes, ou qualquer outra forma de acabamento.
Observe ainda que, na laje em infrapartição não há a extinção do direito com a ruína, por óbvio, já que a laje encontra-se no subsolo e assim não é afetada.
2.2 A natureza jurídica da laje
A Lei nº 13.465/17, ao dispor de nova redação aos arts. 1.225 e 1.510-A, do CC, foi explícita ao legitimar a natureza real do direito de laje sobre coisa própria, ou seja, um direito real autônomo e independente.
Destaca-se a coabitação simultânea de unidades imobiliárias distintas com proprietários diferentes. Desse modo, lograrão matrículas diversas no cartório de registro de imóveis, conforme §3º do art. 1.510-A.
Não reconhecer que a laje é um novo imóvel, caracterizando assim um direito novo, seria admitir uma ruptura do fólio registral, ocasionando assim, que um imóvel único utilize duas matrículas distintas entre si, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Do mesmo modo, a laje não pode ser um direito de superfície, pois é caracterizada pela perpetuidade da propriedade, diferentemente do direito de superfície que é constituído por tempo determinado ou determinável, realçando, portanto, a sua autonomia.
Muitos juristas brasileiros, principalmente, os relacionados a temática registral imobiliária, afirmam o sólido argumento do direito real de laje como sendo um direito próprio e autônomo, como declara Francisco Eduardo Loureiro. Observe-se:
O direito real de laje é instituto sui generis, com requisitos e efeitos próprios, que não se confundem com o direito de superfície (art. 1.369 e seguintes do CC), e nem com a amplitude da propriedade plena (art. 1.228 CC). O legislador procurou regularizar e solucionar situação de fato que aflige milhares de famílias no país, em especial as de baixa renda: o proprietário de determinado imóvel aliena a terceiros o direito de construir sobre a laje de sua edificação, e de se tornar o adquirente dono da nova construção erigida, independente daquela original, que se encontra abaixo.
Define-se o direito real de laje como nova modalidade de propriedade, na qual o titular adquirente torna-se proprietário de unidade autônoma consistente de construção erigida sobre acessão alheia, sem implicar situação decondomínio tradicional ou edilício. (LOUREIRO, 2017)
Com o reconhecimento da natureza jurídica real do direito de laje como direito de propriedade, haverá a possibilidade de transmissão hereditária, consequência do óbito de seu titular, pois versa sobre relação jurídica de teor patrimonial.
Outrossim, existe a possibilidade de se deixar em testamento a transmissão do direito da laje aos herdeiros necessários, respeitado o limite da legítima, disposto no CC, art. 1.845.
Além disso, também é possível a partilha desse direito quando de uma inesperada dissolução de casamento ou de uma união estável do proprietário, por oportuno, deve se verificar o regime de bens adotado pelo casal para que seja permitida.
Conseguinte, declarada a natureza jurídica de direito real, consequentemente, provirão de acordo com as proporções e conteúdo da laje, os devidos encargos tributários do exercício do direito de laje.
3. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES
3.1 Direitos e deveres do lajeado
Direitos
Lajeado é o titular do imóvel originário. Esta intitulação ocorre em substituição a denominação dada pela doutrina de proprietário sotoposto(de origem italiana). A inovação proposta é coerente, visto que conforme a vigente regulamentação legal pode a laje tanto estar em cima, quanto por baixo da construção-base, que conduz a depreender que a solução binária lajeado/lajeário se denota como a mais adequada e objetiva.
O primeiro direito que reporta ao laejado é o de conservar íntegra a propriedade do terreno sobre o qual se erigiu a construção-base. Não existe misto de propriedade na laje,
Por isso, não se perfaz dizer em propriedade comum e propriedade distinta ou autônoma. Em uma edificação com direitos de laje apenas existem propriedades individuais e autônomas. Cada proprietário/lajeário o é da sua construção, exceto o lajeado que é titular da construção-base e do terreno. De acordo com o art. 1.510-A, §4º, CC, não haverá frações ideais, portanto, não há qualquer incidência sobre o terreno principal. Desta forma, o que existe é uma absoluta separação entre a laje e o terreno, constituindo assim uma propriedade de três dimensões.
Devido a independência entre a laje e a construção-base, ocorre ainda que a nova construção não incidirá tributação para a construção principal, longe disso, cada imóvel estará submetido a contribuições e tributos próprios. A cada nova laje cedida, criar-se-á um elemento novo de tributação, não havendo, desta forma, qualquer acréscimo na área tributada do lajeado. Nesta lógica, conclui-se que fique vedado aos municípios favorecerem-sede contingente gradação no Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) para elevar a alíquota do mesmo, alegando que a laje produz acréscimo de valor na construção-base. A liberdade tributária deve ser caracterizada absoluta, não se tolerando deduzir, sob pena de bis in idem, seja qual for a categoria de melhoria para a construção-base resultante da edificação na laje.
Através da composição da laje surge para o lajeado o direito de se opor, sem arbitrariedade, à criação de novos direitos de laje. A cada lajeário é conferida a viabilidade de construir novo direito de laje sobre, ou abaixo, da que lhe couber. Todavia, é necessária a obtenção da anuência de todos os outros lajeários e do lajeado. Cabe ressaltar que a outorga de construção de nova laje é cedida ao lajeado, em concorrência com os outros legitimados, e não podendo ele exceder os limites estipulados para todo e qualquer direito subjetivo, amparados no art. 187, CC.
Compete-se verificar o direito contido no parágrafo segundo do artigo 1.510-C, do CC, que determina ser assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código. O direito firmado por menção ao art. 249 possibilita ao lajeado, a capacidade de, em caso de urgência, ordenar a realização da obra, para posteriormente ocorrer a cobrança junto ao que não contribuiu.
O parâmetro de urgência deve estar de acordo com os métodos naturais das benfeitorias. Este é um direito que está ligado à velocidade da resolução e não, estritamente a um conflito de interesses.
Avançando para os últimos direitos do lajeado, está a proteção às novas construções realizadas no terreno. Conforme disciplinado pelo Código Civil em seu art. 1.510-A, §1º, o direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base e, ademais no §4º do art. 1.510, verifica que a instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.
A laje no momento de sua instituição deverá ser um espelho dos limites estabelecidos pelo contrato, não sendo permitido ocorrer projeção alguma sobre o terreno. Deste modo, o que inicialmente ocorre é a limitação da cessão original da laje, que terá de definir os espaços corretos atingidos pelo novo direito. As partes especificarão de maneira minuciosa o imóvel sobre, ou sob, o qual se construirá a laje, junto da metragem total da área. Existindo outras construções no terreno, é primordial que se especifique sobre qual, ou quais, se completa o direito, não existindo ampliação sobre os restantes. Assim como os demais direitos reais, a laje também está subordinada ao princípio da especialidade.
Dessa forma, sempre que houver uma construção nova sobre o terreno, deverá ser registrada a cessão de extensão da laje, fazendo co que conste na matrícula o trecho ampliado.
Enfim, como último direito a se incorporar ao lajeado, é a prioridade na preferência de aquisição da laje que venha a ser colocada à venda. Decreta o art. 1.510-D que em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. Este é um dos principais direitos do lajeado. Acaso haja intenção de alienar por parte de algum dos lajeários do direito que lhe sabe, sobretudo terá o lajeado o direito de, em igualdade de condições, obter o bem posto à venda. Deve observar-se as particularidades da alienação da laje, tendo em vista que não podem, nem lajeado, nem lajeário, exercer o direito de transferir seus bens como instrumento para causar dano à esfera jurídica do outro.
Deveres
Boa parcela das áreas que correspondam a toda a edificação, via de regra, estarão ligadas à construção-base. No entanto, não importa ao lajeado o custeio da manutenção delas, ou até mesmo que este terá uma fração maior no rateio. A dimensão da participação não segue qualquer cota sobre a propriedade, mas sim ao benefício e serviço recebido pelo lajeado da área em questão. A escada, por exemplo, lhe terá pouca serventia, porém, os encanamentos lhe serão primordiais, assim como o telhado. Em suma, a solução em relação ao custeio de maneira proporcional, será a tipificação no contrato de cessão da forma como tais valores serão fracionados.
Será facultado as partes, apesar da não exigência legal, estabelecerem uma convenção geral do edifício em lajes, instituindo normas de convivência e sistema de rateios de despesas comuns.
É assegurado, ao lajeado e ao lajeário, executar reparações urgentes em áreas que correspondam a todo o edifício em lajes, e a eles tange o dever de se responsabilizarem com os custos, em modo de divisão. É preciso observar que, não há obrigatoriedade em se recorrer a via judicial para que se faça essa cobrança, visto que, o melhor trâmite será a resolução amigável da restituição. Apenas será necessário o ajuizamento da demanda, se após o cumprimento da obra houver a recusa na partilha dos gastos. Há o entendimento de que a obra urgente não necessita de autorização judicial por seu caráter emergencial.
Por fim, ao lajeado cabe um dever que, mostra-se como um ônus, na verdade. Refere-se à reconstrução da construção-base em caso de ruína. De acordo com o art. 1.510-E:
‘Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo:
(...)
II - se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.
(...)(BRASIL, Lei 13.465, de 11 de julho de 2017)
O ônus definido pelo artigo citado tem por objetivo impedir que o titular da construção-base, por ventura, arrependido da construção em lajes, seja capaz, valendo-se da ocasião de um infortúnio (desmoronamento ou condenação das construções), dar outra destinação ao terreno, suprimindo manu militari o direito doslajeários.
Não ocorre a obrigação de reconstruir toda a construção, mas meramente a edificação que lhe concerne. Além disso, adverte-se, que a obrigação de reconstrução deve ser aplicada por analogia a todos os outros interessados.
3.2 Direitos e deveres do lajeário
Direitos
Inicia-se pelo mais polêmico dos direitos elencados, o direito a um acesso independente à laje, que era o que previa a redação original do art. 1.510-A §3º. Entretanto, o texto final convertido em lei, não deslocou o mesmo dispositivo, podendo-se concluir que não seja mais necessário para a caracterização da laje o acesso independente para a mesma. Contudo, dizer que este direito não tange ao lajeário existe uma diferença. Elucida-se.
A manutenção da exigência de acesso independente ocasionaria situações em que a impossibilidade da realização deste critério acabaria por inviabilizar toda a construção e regularização da mesma. Porque, apesar do interesse das partes na regularização e diante da inviabilidade material (física e econômica) de se constituir uma saída exclusiva, a limitação legal seguiria em sentido negativo ante a procura de maior dignidade aos que recorreram à prática da laje para solucionar suas necessidades urbanísticas.
Em contrapartida, se existe a possibilidade de regularização da edificação sem o acesso independente, mas sendo possível o fazer, é devido assegurar que tange ao lajeário o direito de construir um acesso independente para a sua fração, sendo permitida a utilização de parte do terreno do lajeado.Não há obrigação do lajeado em colaborar com a construção. O que existe é o direito de construção do acesso autônomo no terreno do lajeado, respeitados os critérios de razoabilidade, economicidade e proporcionalidade.
A propriedade do acesso construído sobre o terreno acompanharia a regra da acessão, entretanto, como será em benefício de toda a edificação, a manutenção terá de ser patrocinada por todos os envolvidos.
Outra consequência é de que ao lajeário apenas é permitida a cobrança dos tributos e encargos que recaiam sobre a laje. Independente de ocorrer valorização a parte, contudo, compreende-se que, é vedada a tributação por projeções, também não é permitido o acréscimo sobre o valor da fração em laje, melhorias que nela não foram efetuadas. Ocorrendo alienação, poderá incidir, adequadamente, o imposto sobre o ganho circunstancial de patrimônio.
De acordo com o art. 1.510-A, §3º do Código Civil designou que os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.
Alude o lajeário o direito de usar e gozar. Cuida-se da capacidade econômica indireta e material, que é possível colher sem a necessidade de desfazimento do bem.
O direito de usar (jus utendi) é o privilégio concedido ao lajeário de utilizar-se da coisa, aproveitando-a da maneira que melhor servir-lhe, evitando que terceiros façam uso.
O direito de gozar (jus fruendi) importa na capacidade de colher os frutos naturais ou civis produzidos pela coisa, tal como desfrutar de seus produtos.
O direito de dispor (jus abutendi) abrange o benefício de alienar a coisa a qualquer título ou consentir que sobre ela recaia quaisquer ônus.
O direito de reinvindicar (actio rei vindicatio) importa no benefício de buscar a coisa de quem a possua ou detenha de modo injusto.
A ação reinvindicatória tem natureza real e o proprietário pode valer-se dela para retomar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha.
O diploma legal de que trata a laje, não trouxe expressamente o direito de reinvindicar, entretanto, esta é uma situação onde se vê além da norma, tendo em vista, que o direito de laje faz parte da classe dos direitos reais sobre coisa própria, sendo possível o lajeário lograr do direito dessa tutela petitória.
Ao lajeário também é assegurado construir nova laje, se desta forma for consentida, devendo enquadrar-se nas normas de edificação e segurança, e se conseguir autorização de todos os outros lajeários e do proprietário da construção-base.
Cumpre-se admitir que a laje, acarreta posse para o seu titular, visto como direito real que é. Nesta lógica o art. 1.210 do CC certifica que o possuidor deve “ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.”
Desta forma, o uso da própria força para proteger/reaver a sua posse, só é legítima se esta for proporcional à agressão sofrida, sob pena de responsabilização pelo excesso que causar, devendo agir assim que sofrer o esbulho ou a turbação.
Importante aludir que posse e laje, além da propriedade, não podem ser confundidas, isto posto, que as ações que contemplaremos objetivam tão somente proteger a posse. Aliás, nas ações possessórias será abordada exclusivamente a posse, não a titularidade.
Assim, determina o §2º do art. 1.210 do CC, “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.”
Reintegração de posse
Quando houver o esbulho, o possuidor valer-se-á da ação de reintegração de posse para que seja reintegrado de sua posse.
Caracteriza-se o esbulho no momento em que o possuidor for destituído completamente da coisa, ficando impedido de manter qualquer vínculo sobre a coisa.
Manutenção da posse
Estará reservada ao possuidor que, apesar de não estar vedado totalmente de sua posse, é vítima de turbação, ou seja, problemas que o impossibilitem de utilizá-la amplamente. A ação de manutenção de posse tem o objetivo de manter o autor em sua posse, impedindo quaisquer atos que prejudiquem o lídimo exercício de sua posse.
Interdito proibitório
Caracteriza-se pela finalidade extremadamente preventiva, instituindo providência pertinente sempre que existir a suspeita de turbação ou esbulho.
Finalmente, o último direito do lajeário, muito discutido (tanto que retomaremos a temática no último capítulo) é a oportunidade de o lajeário (laje superior) obter por consequência da não reconstrução da construção-base, a propriedade do espaço relacionado para que, levante nova construção. O art. 1.510-E, inciso segundo, do CC, disciplina que a não reconstrução da base no prazo máximo de cinco anos, não acarreta na extinção do direito de laje. Se o proprietário da construção-base não fizer a reconstrução neste prazo estabelecido pelo dispositivo legal, poderá o lajeário o fazer para garantir seu direito. Ainda, o direito da reconstrução será limitado aos limites do espaço utilizado anteriormente pela construção arruinada, permanecendo o restante do terreno sob a titularidade do antigo proprietário.
Deveres
Como já mencionado nos direitos e deveres do lajeado, a laje é uma parcela independente e autônoma, portanto, a regulamentação legal evidencia que os tributos e encargos da laje serão distintos da construção-base, vide art.1.510,§2º, do CC, e são de responsabilidade do titular de cada fração. O Município, ou qualquer outro ente tributário, não pode executar o lajeário por pendências tributárias da construção-base. Do mesmo modo, não será possível a exigência de regularização dos tributos inerentes a construção-base no momento da confecção e registro da escrituração da laje, mesmo que ela já estivesse ali estabelecida.
Quanto aos critérios a respeito dos custos da manutenção da edificação, segue-se o que já foi mencionado anteriormente, também nos direitos inerentes ao lajeado. De forma que, haverá a partilha igualitária as partes, se outra maneira não houver disposto o contrato de cessão.
Outro dever também já mencionado neste capítulo é o de poder realizar obras que forem emergenciais, como previsto no art. 249 do CC, autorizando o direito de regresso em caso de oposição ao pagamento pelo corresponsável da obra.
Enfim, no tocante ainda, ao lajeado e lajeário, o direito de preferência na alienação segue os moldes estabelecidos pelo art. 1.510-D, onde o lajeário ao obter oferta de compra de seu direito terá que dar ciência aos outros interessados, para que deste modo desempenhem seu direito em 30 (trinta) dias. O contrato de cessão de laje poderá estabelecer prazo diverso maior ou menor, contudo este prazo não deve ser suprimido ou incoerente. Os lajeários e lajeados podem ser notificados por Correios, entregue em mãos próprias ou por atuação cartorária, de forma clara e direta, contendo as exigências completas e efetivas da proposta. Se houver qualquer diferença que lese o notificado, ficará caracterizado o inadimplemento da obrigação do direito de preferência, promovendo o ensejo à aplicação do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias para o devido depósito do valor, conseguinte desfazimento do negócio anterior e concessão do bem pela parte lesada.
4. A LAJE E O REGISTRO PÚBLICO IMOBILIÁRIO
A Lei 13.465/17 inseriu o §9º ao art. 176 da Lei 6.015/73, dispondo a respeito da regulamentação registral da laje, observa-se:
Art. 176.
(...)
§ 9ºA instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca.(BRASIL, Lei 13.465, de 11 de julho de 2017)
A norma mencionada acima predomina a tripologia de princípios registrais mais relevantes, quais sejam: a especialidade, a continuidade e unitariedade matricial, além de efetuar menções quanto à matrícula da laje, carece ser combinado com o art. 1.510-A, §3º do mesmo diploma, da qual a composição textual preconiza que os proprietários da laje, poderão dela usar, gozar e dispor.
O direito real de laje gera unidades imobiliárias autônomas, conferindo, desta forma, propriedade da construção ao titular. Essas unidades terão matrícula própria e por conta da autonomia registraloutorgada pelo §1º do art. 1.510-A do CC, os seus titulares tem a plena liberdade de alienar e agravar a laje.
Ademais, pressupondo o registro do imóvel original e o terreno, a matrícula seguramente compreenderá o detalhamento das medidas perimetrais e confrontantes, por aplicação do princípio da especialidade dos registros públicos.
5. EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE
Em relação a forma de extinção do direito real de laje, o legislador foi omisso ao apresentar no art. 1.510-E a ruína como modo de extinção, e apenas duas hipóteses em que não ocorrerá a perda desse direito. Não mais elencando nenhuma orientação quanto a esta condição. Note-se:
Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo:
I - se este tiver sido instituído sobre o subsolo;
II - se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.(BRASIL, Lei 13.465, de 11 de julho de 2017)
O artigo apenas deu ênfase entre a conexão da ruína da construção-base e a extinção do direito aludido, não discorrendo de maneira clara a respeito das consequências e modos da extinção do direito de laje.
Em breve análise, apura-se que a primeira vista é evidente a percepção de que a laje em infrapartição não sofre qualquer efeito com a ruína da construção-base, pois, não depende dela para sua solidificação. Portanto, mesmo assim, haverá o dever de reconstrução pelo proprietário da construção-base, porém, não interferirá no direito do lajeário sotoposto, caso não seja feita, tendo em vista a autonomia da construção da laje em infrapartição e a construção-base, e a inexistência de dependência entre elas.
Em se tratando da laje sobreposta, é importante relembrar que esta modalidade de laje (construída acima) possui relação direta com a construção-base, sendo diretamente afetada na hipótese de ruína da construção.
Com isso, para evitar que o proprietário da construção-base, arrependido da cessão da laje, venha se beneficiar da catástrofe e destine outro fim para o terreno, o legislador assegurou que em não havendo a reconstrução em 5 (cinco) anos, o lajeário poderá realizar a reconstrução dentro dos limites estabelecidos no contrato de cessão, para que seu direito não seja lesionado, sendo-lhe garantido o direito de eventual reparação civil contra o responsável pela ruína.
A falha do legislador em não esclarecer de forma mais clara sobre as formas de extinção, permanecerá até que o poder judiciário resolva, por exemplo, algum caso em que, nem o proprietário da construção-base, nem o lajeário possuam condições financeiras para arcarem com a reconstrução, visto que a problemática das irregularidades das construções sobrelevadas no Brasil ocorre em demasia nas periferias. Não poderá se falar em abandono do direito, tendo em vista que haveria o interesse em mantê-lo, todavia, faltariam apenas recursos financeiros para realização da reconstrução.
Ademais, como meio de solucionar o conflito da inviabilidade de reconstrução, o terreno teria que ser colocado à venda, partilhando o valor da venda em quinhões iguais entre proprietário da antiga construção-base e da laje. Entretanto, tratando-se do que já disciplina o ordenamento jurídico, essa hipótese não seria possível, visto que o terreno é propriedade do lajeado. Contudo, se for ele o responsável pela ruína, por exemplo, poderia então arcar com a restituição da propriedade ao lajeário, além da reparação civil pela ruína das construções, com a justa partilha do terreno, tendo em vista a inviabilidade de reparação de outra forma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentou-se o direito real de laje introduzido ao ordenamento jurídico brasileiro pela lei 13.465/17, cujo objetivo é a regulamentação acerca das irregularidades imobiliárias urbanas nas cidades brasileiras, tratando da laje como direito um autônomo.
Buscou-se a diferenciação dos meios de laje, como em sobrelevação e infrapartição, sendo caracterizadas como propriedades independentes.
Entendeu-se o direito real de laje como um direito sobre coisa própria, pela autonomia e perpetuidade que possui, estando elencada a laje no rol dos direitos reais.
Apontou-se os direitos e deveres inerentes ao lajeado e lajeário, tratando das responsabilidades tributárias, também no que toca a manutenção da construção, o dever de partilha dos encargos pelo serviço realizado.
Especificou-se o direito de preferência na alienação do direito de laje, assim como as consequências da não observância dos critérios estabelecidos pela lei.
Definiu-se sobre a forma de registro imobiliário da laje, trazendo matrículas distintas, dado o caráter de independente e autônomo da laje como propriedade.
Por fim, verificou-se como o direito real de laje é extinto no caso da ruína da construção-base, o direito de reconstrução dado ao lajeário, ainda o dever de reparação civil do culpado pela ruína da construção, a não afetação ao lajeário em infrapartição, e prerrogativa de reconstrução pela lajeário em sobrelevação na hipótese de o proprietário da construção-base assim não o fizer.
Evidenciou-se a falha do legislador em não especificar de forma mais ampla e clara os meios de extinção do direito e responsabilização do culpado pela destruição da edificação.
Denotou-se acerca da possibilidade dos proprietários tanto da construção-base, quanto da laje sobrelevada, em não possuir condições financeiras para arcar com a reconstrução estabelecida em lei, não seria possível a partilha do terreno, por pertencer apenas ao lajeado, entretanto, se este for o responsável pela ruína, além de arcar com a responsabilização civil, deveria restituir os lajeários pela perda de suas propriedades, com a justa partilha do terreno, tendo em vista a inviabilidade de reparação de outra forma.
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