Resumo: O presente artigo tem como objetivo tratar sobre a controvérsia jurídica surgida com a denúncia unilateralmente feita pelo Chefe do Poder Executivo brasileiro da Convenção nº 158 da OIT, analisando a constitucionalidade ou não da referida prática.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Convenção nº 158 da OIT; 3. Da denúncia da Convenção nº 158 da OIT; 4. ADI 1625; 5. Conclusão; 6. Bibliografia;
1. Introdução:
O Direito do Trabalho tem como um de seus alicerces o chamado Princípio da Proteção ao Hipossuficiente. Assim, como decorrência desse princípio, predomina no campo juslaboral o Princípio da continuidade da relação de emprego, por meio do qual se assegura ao empregado o vínculo indeterminado de labor e, garante-o contra as chamadas despedidas arbitrárias.
Ainda, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o seu art. 7º, inciso I, garante a proteção da relação de emprego contra a dita despedida arbitrária, nos termos da lei complementar. Contudo, até o presente momento a referida lei complementar não fora editada, deixando, portanto, lacuna no tocante ao tema.
Entretanto, em 1992, a Convenção nº 158 da OIT, a qual trata sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, fora adotada pelo Brasil, preenchendo, assim, a omissão legislativa sobre o tema da dispensa imotivada.
Contudo, a mencionada Convenção fora denunciada unilateralmente pelo Chefe do Poder Executivo brasileiro, gerando bastante controvérsia. Assim, o presente trabalho objetiva analisar todas as divergências quanto à constitucionalidade ou não do processo legislativo de denúncia da Convenção nº 158 da OIT.
2. A Convenção nº 158 da OIT:
A Convenção n. 158 da OIT trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Foi incorporada ao ordenamento jurídico interno brasileiro em conformidade com o trâmite exigido constitucionalmente para tanto. Ou seja, a Convenção nº 158 foi aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo de número 68, em 16 de setembro de 1992; em seguida, houve o depósito da carta de ratificação na RIT (OIT), em 05 de janeiro de 1995; e, em 11 de abril de 1996, o Decreto de promulgação foi publicado (Decreto n. 1855).
Ademais, como é sabido, somente depois de 12 meses do depósito da ratificação (05 de janeiro de 1995), é que entra em vigor, no ordenamento jurídico nacional, uma Convenção. Portanto, a Convenção n. 158 da OIT entrou em vigor no dia 06 de janeiro de 1996.
3. Da denúncia da Convenção nº 158 da OIT:
Como se sabe, a possibilidade de denúncia de uma Convenção, pode se dar: nos doze meses entre o depósito e a vigência da Convenção ou após dez anos de sua vigência, desde que durante os doze meses subsequentes a cada decênio.
O que ocorreu, entretanto, no caso concreto da Convenção n. 158 da OIT, foi que o Chefe do Poder Executivo, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio do Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996 (com publicação em 23 de dezembro do mesmo ano), entendendo pela inaplicabilidade da Convenção n.158 em nosso ordenamento jurídico, realizou a denúncia desta Convenção, informando que a mesma não estaria mais vigente a partir de 20 de novembro de 1997.
Diante de tal ato, inúmeras controvérsias surgiram, uma vez que, para alguns doutrinadores, haveria a inconstitucionalidade da denúncia por ser ela unilateral, o que feriria o artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, que traça a competência exclusiva do Congresso Nacional para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
Por outro lado, outros doutrinadores entendem que, mesmo se entendida como possível a realização de denúncia unilateralmente pelo Poder Executivo, esta somente poderia ter sido feita levando-se em consideração a data de vigência internacional (23 de novembro de 1985) até 22 de novembro de 1996. Isto é, como a denúncia pode ser feita dez anos depois da vigência internacional, desde que nos doze meses após esse decênio, a Convenção n. 158, ao entrar em vigor em 22 de novembro de 1985, poderia, a partir de 22 de novembro de 1995 até 22 de novembro de 1996, ser denunciada pelo Brasil. Entretanto, a denúncia foi publicada somente no dia 23 de novembro de 1996, estipulando-se, ainda, que só produziria efeitos em 20 de novembro de 1997.
Cabe ressalvar, contudo, que a interpretação de que o prazo de dez anos conta-se da vigência internacional da Convenção não é o mais aceito pela doutrina nacional, que entende, conforme ensina Arnaldo Susseking[1], que referido prazo é contado, na verdade, a partir “de cada ratificação”.
4. ADI 1625:
Em razão do supranarrado, em 18 de junho de 1997, foi proposta, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 1625, tendo como objeto a declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, por meio do qual o então Presidente da República tornou público que denunciara a Convenção n. 158 da OIT, sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, e introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Legislativo nº 68/1992, e do Decreto nº 1.855/1996.
Para os requerentes, o Presidente da República não poderia, sozinho, denunciar tratados, convenções ou acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, com base no artigo 49, inciso I, da Carta Magna. Assim, da mesma forma que a aprovação e promulgação da Convenção nº 158 da OIT, a denúncia deve ser feita por meio de ato complexo, dos Poderes Executivo e Legislativo. Isto é, a denúncia necessita da aprovação ou referendo do Congresso Nacional.
Portanto, pediram os requerentes a declaração de inconstitucionalidade do referido Decreto nº 2.100, de 1996, por ofensa ao art. 49, inciso I, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal começou a apreciar e julgar a citada ADI apenas no ano de 2003.
No primeiro julgamento, realizado em 03 de outubro de 2003, o STF decidiu, preliminarmente, pela ilegitimidade ativa da CUT. Em seguida, o relator, Ministro Maurício Corrêa (falecido), e o Ministro Carlos Britto, votaram pela procedência parcial da ADI, dando ao Decreto nº 2.100/1996 interpretação conforme ao artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, determinando, assim, que a denúncia da Convenção nº 158 da OIT estaria condicionada ao referendo do Congresso Nacional, e, portanto, somente a partir de tal referendo a denúncia produziria eficácia plena. Por sua vez, o Ministro Nelson Jobim pediu vista dos autos.
Em 2006, mais precisamente no dia 29 de março, o Ministro Nelson Jobim (atualmente aposentado) votou pela improcedência do pedido, e o Ministro Joaquim Barbosa solicitou vista dos autos.
No dia 03 de junho de 2009, foi pronunciado o voto do Ministro Joaquim Barbosa, defendendo a total procedência da ação, sendo concedida a vista dos autos a Ministra Ellen Grace.
Em 12 de novembro de 2015, a Ministra Rosa Weber votou pela total procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100/1996. O Ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos.
Recentemente, o último julgamento realizado ocorreu em 14 de setembro de 2016, no qual o Ministro Teori Zavascki entendeu pela improcedência do pedido formulado, apesar de afirmar ser necessária a participação do Poder Legislativo na revogação de Convenções e Tratados. Explica-se.
Para o Ministro é sim necessária a autorização do Congresso Nacional no ato de denúncia de Convenção pelo Presidente da República, mas, como a decisão sobre este tema, pelo STF, gerará uma “marca na história do constitucionalismo brasileiro” [2], é preciso que haja modulação dos efeitos de tal decisão, para que haja apenas efeitos ex tunc (não retroativos). Disse ele:
“Todavia proponho que se outorgue eficácia apenas prospectiva a esse entendimento a fim de que sejam preservados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não só o decreto aqui atacado como os demais atos de denúncia isoladamente praticados pelo presidente da República até a data da publicação da ata do julgamento da presente ação, o que conduz, no caso concreto, a um juízo de improcedência” [3]
Ademais, para o Ministro, o seu voto estaria no mesmo sentido dos demais, isto é, apesar de os quatro outros votos terem entendido, dois pela procedência total do pedido (Ministro Joaquim Barbosa e Ministra Rosa Weber), e dois pela procedência parcial (Ministros Maurício Corrêa e Carlos Britto), todos estariam decidindo da mesma forma, no mesmo sentido. Ele, por sua vez, julgara improcedente única e exclusivamente em razão da modulação dos efeitos.
5. Conclusão:
Em razão do mencionado, observa-se que, quanto a discussão do ato de denúncia de Tratados e Convenções Internacionais, a doutrina e a jurisprudência não possuem, por enquanto, uma posição firmada.
Aguarda-se, desde 1997, uma posição final do STF quanto a matéria, com o fito de “estabilizar” tamanha divergência, além de dar segurança jurídica ao tema. Contudo, cabe ressalvar que, diante da análise dos cinco votos que já foram proferidos na ADI 1625, conclui-se que há uma tendência pelo entendimento de que não pode o Presidente da República, unilateralmente, revogar uma Convenção. Isto é, estamos caminhando para o entendimento de que é necessário, assim como ocorre na aprovação e promulgação, que haja a ratificação pelo Poder Legislativo da denúncia realizada pelo Poder Executivo, respeitando-se, assim, a previsão constitucional estabelecida no artigo 49, inciso I, da Carta Magna.
6. Bibliografia:
Arnaldo Susseking. "Convenções da OIT", LTr., 1994, p. 39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325338
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325338[1] Arnaldo Susseking. "Convenções da OIT", LTr., 1994, p. 39
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325338
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325338
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Camila Pimentel de Oliveira. O processo legislativo de incorporação de denúncia da Convenção 158 da OIT Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2018, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51860/o-processo-legislativo-de-incorporacao-de-denuncia-da-convencao-158-da-oit. Acesso em: 02 nov 2024.
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