KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho permeia-se sobre a possibilidade de responsabilização civil dos pais que abandonam afetivamente seus filhos. Trata-se de uma temática polêmica em torno da possibilidade de reparação/compensação do dano moral por parte da jurisprudência e doutrinariamente. Tendo como relevância neste estudo a fundamentação que trata do abandono afetivo e da indenização mediante a reparação por dano moral, será traçado o contexto histórico da legislação incidente nas relações familiares, bem como mostrar a instituição familiar em seu contexto atual mediante a legislação vigente, com o fito de apontar os aspectos da reparação moral como instrumento inibidor do abandono afetivo. Assim, demostrar-se-á por meio de pesquisas bibliográficas e da legislação vigente quais os elementos do abandono afetivo causadores do dano moral, e a consequente relevância ou possível excesso da reparação civil/imaterial, para suprir o dano causado ao filho pelos seus genitores, visando esclarecer o cuidado sobre a precisa materialização deste Direito, tendo como base os princípios constitucionais, principalmente da dignidade da pessoa humana, e o princípio da afetividade tão exaltado na nova concepção do Direito de Família.
Palavras-chave: Abandono Afetivo; Dano Moral; Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: The present work permeates the possibility of civil responsibility of parents who leave their children affectively. This is a polemic issue around the possibility of reparation compensation for moral damages by jurisprudence and doctrinally. Having as its relevance in this study the reasoning that deals with affective abandonment and compensation through reparation for moral damages, will be traced the historical context of the legislation incident on family relations, as well as showing the family institution in its current context through the current legislation, with the aim of pointing out the aspects of moral repair as an inhibiting instrument of affective abandonment. Thus, it will be demonstrated through bibliographical research and current legislation which elements of affective abandonment cause moral damage, and the consequent relevance or possible excess of civil immaterial reparation, to compensate for the harm caused to the child by their parents , aiming to clarify the care about the precise materialization of this Law, based on the constitutional principles, mainly of the dignity of the human person, and the principle of affection so exalted in the new conception of Family Law.
Keywords: Affective abandonment; Moral damage; Civil liability.
Sumário: Introdução. 1. Contexto Histórico do Direito de Família. 2. O Direito de Família e a Lei Vigente. 3. Relação Socioafetiva. 4. Responsabilidade Civil. 5. Abondono Afetivo. 6. Possível Dano Causado. 7. Dever de Cuidar e Amar. 8. O Abandono Afetivo e o Dano Moral. Conclusão 20. Referencias.
INTRODUÇÃO
O Direito de Família e as relações familiares evoluem conforme as necessidades da sociedade. O reflexo deste desenvolvimento está visível na constituição atual da família que a legislação vem fazendo esforço para acompanhar, como vemos na Carta Maior e no atual Código Civil, além das doutrinas e das decisões dos Tribunais.
O poder familiar já não é mais regido pelo autoritarismo, ou tão somente pelo casamento e/ou pela relação patrimonial, mas sim pela afetividade, onde o respeito mútuo prepondera em consonância com o princípio da dignidade humana.
As transformações que ocorreram no Direito de Família em muito beneficiam os filhos em detrimento dos pais, quando não cumprido o seu dever de cuidar, de proteger a sua prole, como está prescrito na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, bem como no Código Civil brasileiro.
Partindo das inovações da legislação atual, e considerando que a relação parental se dá pelo princípio da afetividade, os genitores devem cuidar da sua prole; além de resguardá-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, como afirma Carvalho e Marques (2015).
O abandono afetivo dos pais para com seus filhos tem sido bastante discutido na legislação vigente, com o escopo de ver reparado o dano causado aos filhos pelo comportamento negligente dos seus genitores, que acarretam prejuízo psíquico-social-moral, principalmente na infância e na adolescência.
Nos últimos anos, tem chegado aos Tribunais um número crescente de demandas judiciais com o fito de reparar o dano moral causado pelo abandono afetivo dos pais, suscitando discrepância entre os Tribunais e doutrinas quanto à responsabilização civil, a possibilidade de indenização imaterial.
Com este estudo, pretender-se-á demostrar por meio de pesquisas bibliográficas, e da legislação vigente quais os elementos do abandono afetivo causadores do dano moral, e a consequente relevância ou possível excesso da reparação civil/imaterial, para suprir o dano causado ao filho pelos seus genitores.
A abordagem inicial desta temática, constante deste trabalho, demostra a evolução do Direito de Família, com enfoque na legislação atual; e ainda sobre o abandono afetivo, o dever de amar e cuidar dos pais para com sua prole evitando uma consequente reparação do dano causado.
É possível se mensurar o valor do afeto, mesmo constatando a negligência e omissão dos pais? Tentar-se-á mostrar, ainda, as divergências de opinião nos Tribunais e nas doutrinas sobre a tão atual e polêmica discursão decorrente do abandono afetivo pelos pais/mães para com seus filhos.
1 CONTEXTO HISTÓRICO DO DIREITO DE FAMÍLIA
O Direito de Família evoluiu, assim como a sociedade que no Direito Romano era organizada sob o princípio da autoridade, em que o pater exercia poder absoluto sob sua prole, como afirma Gonçalves, (2012, p. 31), “O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes”; exercendo, assim, o direito de vida e de morte.
Cabe observar que a expressão “pátrio poder”, utilizada no artigo 380 do Código Civil de 1916, foi substituída por “poder familiar”, no artigo 1.630 do Código Civil de 2002.
Com o tempo esse poder perdeu sua “força” passando-se à concepção cristã da família, onde predominam as preocupações de ordem moral, bem como o estímulo a criação de patrimônio independente para os filhos. “Durante a Idade Média as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido.” (GONÇALVES, 2012, p.32).
Seguindo essa evolução, e não mais sob a influência do Direito Canônico, eis que surge o contrato para regular as relações familiares.
Só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações a nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável e predominando ‘a natureza contratualista, numa certa equivalência quanto à liberdade de ser mantido ou desconstituído o casamento’. (GONÇALVES, 2012, p.32).
O Direito de Família é visto como um leque de abrangência o qual é regulado pelo Código Civil de 2002, como se observa:
Constitui o direito de família o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que deles resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela. (DINIZ, 2010, p.3).
É percebido que o Direito de Família está intimamente ligado à vida, pois este constitui a base de um Estado, o núcleo de toda a organização social, que tem como objeto a própria família.
[...] a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. [...] o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. (GONÇALVES, 2012, p.17).
Assim, o Direito de Família, como afirma Gonçalves, regula as relações entre os seus diversos membros e as consequências que delas resultam para as pessoas e bens.
O objeto do Direito de Família é a família, que a partir da Constituição Federal de 1988 ganhou abrangência significativa, como aduz o seu artigo 226, §§ 3º e 4º
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988)
A Carta Maior e o Código Civil de 2002 vieram reconhecer como família a decorrente do matrimônio, e como entidade familiar não só a proveniente de união estável como também a monoparental, ou seja, [...] “comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.” (BRASIL, 1988).
Com este novo panorama, há uma concepção abrangente sobre o que é família no contexto atual dando uma nova interpretação ao Direito de Família, que este seja pautado na afetividade e na solidariedade, a partir da igualdade de seus membros.
2 O DIREITO DE FAMÍLIA E A LEI VIGENTE
O Direito de Família existe em função da família, que é uma das formações mais antigas, e esse depende da sua realidade social. “Em cada momento histórico, novas necessidades, novos interesses e, consequentemente, uma peculiar estruturação familiar.” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.1).
E, é dessa estruturação que depende o Direito de Família como tutela jurídica, para se fundamentar e se concretizar. “Essa tutela jurídica destinava-se ao patrimônio, de forma extremada, em detrimento do sujeito. E fundava-se na preservação estrutural das famílias para a consecução dos objetivos patrimoniais familiares.” E ainda acrescenta
Não se admitia finalizar o matrimônio porque se perderiam as condições básicas para a obtenção patrimonial, quais eram: o recurso reprodutivo e a força de trabalho daí decorrente. Da mesma forma, a impossibilidade de reconhecimento dos filhos ilegítimos justificava-se porque, do contrário, gerar-se-ia fracionamento patrimonial injustificado, em caso de sucessão. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.10).
Assim, com a influência do Direito Romano que se fundamentava na religião, surgiu o Código Civil brasileiro de 1916. E com essa referida influência romana, como aduz Almeida e Rodrigues Júnior (2012, p. 7) “formula-se, então o casamento como assento de família. [...] E para o cristianismo, as únicas relações afetivas aceitáveis são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher.”
Tendo essa mesma concepção adotada no Código Civil de 1916 que, a partir daí, pauta toda a sua estrutura jurídica direcionada à sua proteção. Como afirma Almeida e Júnior (2012, p. 10) “A família tradicional era muito mais uma unidade produtiva e reprodutora do que uma unidade afetiva.” E com essa concepção de família, Almeida e Rodrigues Júnior destacam as suas características, sendo: matrimonial, hierarquizada, e patrimonial.
Com o marco do crescimento industrial no Brasil, em 1930, a formação patrimonial da família se enfraquece. E, em face desses acontecimentos, os filhos concebidos fora do casamento que não eram reconhecidos, bem como o pátrio poder que era exercido pelo pai, chefe de família, onde os filhos e a mulher integravam a força do trabalho, vão se desfazendo. “Em 1949 é promulgada a Lei nº 883 (Dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos), que veio a admitir que tivessem estabelecida sua paternidade os rebentos legítimos, inclusive os oriundos de adultério [...]”. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.16).
Em 27 de agosto de 1962, a Lei 4.121, denominada Estatuto da Mulher Casada, mudou essa situação. “Essa legislação veio a admitir, entre outras coisas, que a mulher pudesse exercer atividade profissional, aceitar herança ou legado, tutela ou curatela, tudo isso dispensando a autorização marital.” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.17).
Em 1977, com a Emenda Constitucional nº 9 (que dá nova redação ao § 1º do artigo 175 da Constituição Federal) e a Lei do Divórcio, Lei nº 6.515/77, enfraquecem a interferência religiosa na seara familiar. “A família não é mais apenas casamento; não é hierarquia, patriarcalismo, tampouco patrimonialismo. Com isso, a família não se enquadra mais na moldura oferecida pelo Código Civil de 1916.” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.17).
Constatada essa sequência evolutiva na família, e sob o prisma de uma adequação do Direito à realidade social, surge a Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 226, § 8º, vem assegurar a assistência à família na pessoa de cada um de seus integrantes: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
A Carta Maior vem estabelecer grandes transformações no Direito de Família, primando pela dignidade da pessoa humana, considerando-se os principais eixos básicos para essa evolução, como aduz Gonçalves (2012, p. 33), o artigo 226 que afirma a entidade familiar ser plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição; no artigo 227, § 6º que discorre sobre a alteração do sistema de filiação, assim proibindo designações discriminatórias decorrente do filho ter sido gerado fora do casamento; e a considerada grande revolução situada nos artigos 5º, inciso I, e 226, § 5º, ao consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres.
Com a Nova Carta, abriram-se novos horizontes ao instituto jurídico da família “dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direta à família (art. 226, §§ 7º e 8º)”. Primando, assim, pela limitação da natalidade.
No tocante ao planejamento familiar, o constituinte enfrentou o problema da limitação da natalidade, fundando-se nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável [...]. Não desconsiderando o crescimento populacional desordenado, entendeu, todavia, que cabe ao casal a escolha dos critérios e modo de agir. (GONÇALVES, 2012. p. 33).
Em 2002, surge o atual Código Civil Brasileiro que traz consequente evolução no Direito de Família em detrimento ao Código Civil de 1916, sendo visível essa dicotomia.
Em desarranjo a estrutura patriarcal da família, o art. 1.565 é expressivo ao enunciar que marido e mulher assumem, mutuamente, a qualidade de responsáveis pelos encargos familiares. No mesmo sentido, o art. 1.631 reitera que o poder familiar compete aos pais, em conjunto. Verdadeira concretização do ideário de igualdade sediado na Constituição [...]. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, p. 22).
Ainda seguindo esse avanço do novo Código, percebemos progresso relativo à filiação, “[...] Havidos ou não da relação de casamento, naturais ou não, todos os filhos possuem os mesmos direitos, não se admitindo quaisquer discriminações nesse aspecto”. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p.22).
Continuando a evolução do Direito e, consequentemente, a Lei vigente têm também as decisões dos Tribunais que retratam as crescentes inovações da sociedade, de repercussão geral referente à paternidade socioafetiva, como podemos observar em decisão de 21 de setembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser possível a chamada dupla paternidade estar inserida no registro civil dos cidadãos brasileiros, a que se destacar o voto do relator Ministro Luiz Fux
Seguido pelo Ministro Dias Toffoli que salienta o direito ao amor estar relacionado com as obrigações legais do pai biológico para com o filho, ainda que este tenha sido criado por outra pessoa “A ideia de paternidade responsável precisa ser levada em conta, sob pena de estarmos estimulando aquilo que é corrente porque estamos a julgar um recurso com repercussão geral reconhecida."
Assim, esse fundamento leva a importância de se reconhecer a própria origem, como reforça o Ministro Edson Fachin em seu voto, “mesmo que seja apenas o vínculo socioafetivo a se impor juridicamente”.
A Ministra Cármen Lúcia destacou que “amor não se impõe, mas cuidado sim e esse cuidado me parece ser do quadro de direitos que são assegurados, especialmente no caso de paternidade e maternidade responsável”.
Como observamos, os Tribunais mostram o cenário atual do Direito de Família que corresponde não só a lei vigente, mas também aos anseios da sociedade enquanto agente tutelado e protegido juridicamente.
Diferente do Código Civil de 1916 em que a família era instituída somente pelo casamento e pelos filhos advindos deste, no atual Código Civil de 2002, a família é baseada na afetividade.
Independentemente do vínculo genético, e mesmo com o surgimento do exame de DNA, fator determinante do reconhecimento da filiação, a afetividade é fundamental nas relações pais e filhos, “O que vivemos hoje, no moderno Direito Civil, é o reconhecimento da importância da paternidade (ou maternidade) biológica, mas sem fazer prevalecer a verdade genética sobre a afetiva.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 634).
No Código Civil de 2002, artigo 1.593, preceitua: “O parentesco pode ser natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2002)
Observa-se que o referido artigo 1.593 ratifica o reconhecimento da paternidade socioafetiva, consagrando que pais e filhos não são unidos apenas pelos laços de sangue, mas também pelo amor, carinho, afetividade, respeito e cuidados.
Assim, a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais é proveniente da afetividade.
E como se observa, o Código vigente concebe uma forma mais abrangente das relações de parentesco, uma vez que o afeto e a responsabilidade passam a ser considerados os pontos mais proeminentes na formação da estrutura familiar. “O poder familiar engloba um complexo de normas concernentes aos direitos e deveres dos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos menores não emancipados”. (DINIZ; 2010, p. 569).
Assim, percebe-se que o afeto e a responsabilidade estão intrínsecos ao poder familiar.
[...] a vida íntima da família se desenvolve por si mesma e sua disciplina interna é ditada pelo bom senso, pelos laços afetivos que unem seus membros, pela convivência familiar, e pela convivência das decisões tomadas. (DINIZ, 2010, p. 570)
Acrescenta-se o princípio da afetividade como norteador do Direito de Família, sendo base do respeito à dignidade humana e da solidariedade familiar, mesmo que este princípio ainda não tenha dispositivo legal, como afirma Maria Berenice Dias (2005, p. 66) ser este princípio, o norteador do direito das famílias.
Ainda podemos observar, o princípio da afetividade decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, e, consequentemente, do princípio da solidariedade familiar, os quais visam à efetivação dos direitos e garantias apontados na Carta Maior.
Neste contexto, existem várias ações de investigação de paternidade socioafetiva nos Tribunais, vê-se ementa
Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 45 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO OCORRÊNCIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA DEMONSTRADA COM O ADOTANTE. MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO. DESNECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DO PAI BIOLÓGICO. 1. Cinge-se a controvérsia a definir a possibilidade de ser afastado o requisito do consentimento do pai biológico em caso de adoção de filho maior por adotante com quem já firmada a paternidade socioafetiva. 2. O ECA deve ser interpretado sob o prisma do melhor interesse do adotando, destinatário e maior interessado da proteção legal. 3. A realidade dos autos, insindicável nesta instância especial, explicita que o pai biológico está afastado do filho por mais de 12 (doze) anos, o que permitiu o estreitamento de laços com o pai socioafetivo, que o criou desde tenra idade. 4. O direito discutido envolve a defesa de interesse individual e disponível de pessoa maior e plenamente capaz, que não depende do consentimento dos pais ou do representante legal para exercer sua autonomia de vontade. 5. O ordenamento jurídico pátrio autoriza a adoção de maiores pela via judicial quando constituir efetivo benefício para o adotando (art. 1.625 do Código Civil). 6. Estabelecida uma relação jurídica paterno-filial (vínculo afetivo), a adoção de pessoa maior não pode ser refutada sem justa causa pelo pai biológico, em especial quando existente manifestação livre de vontade de quem pretende adotar e de quem pode ser adotado. 7. Recurso Especial não provido. (DISTRITO FEDERAL, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2015).
Observa-se a importância inerente da paternidade socioafetiva nas relações familiares, pois não afasta o vínculo biológico, mas tem sua real afirmação na contribuição do crescimento favorável do adotado, mesmo este sendo maior de idade.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. INVIABILIDADE. Em sendo controvertida a afirmação de que havia paternidade socioafetiva, a eventual pretensão de ver declarada a existência de tal relação não cabe na esfera de cognição restrita do inventário, devendo, se for do interesse das partes, ser deduzida na via ordinária. NEGARAM PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70057493546, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 27/02/2014). (DISTRITO FEDERAL, Superior Tribunal de Justiça do RS, Rel. Rui Portanova, 2014).
É visível que a relação socioafetiva exterioriza a convivência familiar pela afetividade; admitindo-se, assim, o reconhecimento da filiação, bem como a responsabilidade patrimonial advinda dessa relação, como deixa evidente Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 839). Estes ainda acrescentam a relevância dessa relação quando da adoção não formalizada, mas que existe o comportamento, na família, que o integra como filho biológico fosse.
Essa relação socioafetiva a cada dia se acentua nas relações familiares “É no reconhecimento de novas modalidades de constituição de família e, consequentemente, de filiação, que se descortina um Direito de Família mais humano e solidário.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 640).
O que se observa nas novas constituições de família é o acentuado poder do “princípio da afetividade” como valor fundamental a preponderar nas relações familiares.
Para se falar de temática tão atual, há de se definir a responsabilidade civil como ato que “deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente, impondo, ao causador do dano, a consequente obrigação de indenizar a vítima”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 738).
Essa transgressão à norma existe quando presente três elementos fundamentais: a conduta humana que pode ser comissiva ou omissiva (positiva ou negativa), própria ou de terceiros ou, mesmo, ilícita (regra geral) ou lícita (situação excepcional); o dano: a violação a um interesse juridicamente tutelado, seja de natureza patrimonial, seja de violação a um direito da personalidade; e o nexo de causalidade: a vinculação necessária entre a conduta humana e o dano, segundo Gagliano e Pamplona Filho, (2013, p. 738).
A essa infração, considera-se também “o elemento anímico, a culpa, de caráter eventual, compreendida como a violação a um dever jurídico preexistente, notadamente de cuidado”, como aduz Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 738). E ainda, levando em conta a responsabilidade Civil objetiva e subjetiva previstas, respectivamente, nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002)
Assim, ao se verificar o cometimento de um ato culposo ou doloso, no âmbito da entidade familiar, que cause dano material ou moral, é devida a ação de reparação para ressarcimento da responsabilidade civil nas relações familiares.
O Código Civil de 2002 não distingue dolo e culpa, tenha o pai ou mãe omitente agido com dolo, culpa grave ou mesmo levíssima deverá ressarcir integralmente o filho lesado. (GONÇALVES, 2013, p.325).
A reparação civil está evidenciada no artigo 932 do Código Civil, onde no seu inciso I está destacada a responsabilidade dos pais.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. (BRASIL, 2002)
A responsabilidade dos pais sobre seus filhos é inerente ao poder familiar, bem como aduz o artigo supramencionado, bem como são responsáveis pela reparação civil dos danos causados aos filhos menores que estiverem sob a sua responsabilidade.
A responsabilidade civil referente ao menor, destacam-se em três situações a seguir:
Responsabilidade civil por ofensa aos direitos e interesses assegurados à criança e ao adolescente, individuais, difusos e coletivos, [...].
Responsabilidade por crimes praticados contra menor [...] Responsabilidade por infrações administrativas lesivas ao menor [...]. (DINIZ, 2010, p. 716 - 724).
A competência para julgar matéria de responsabilidade civil nas relações de família deve ser, quando existente, da Vara de Família, como assevera Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 739).
Apesar de alguns Tribunais já terem proferido decisões favoráveis à responsabilização civil dos pais em virtude do abandono afetivo, ainda é percebida grande resistência na jurisprudência pátria acerca do tema, sendo que a grande maioria das demandas é julgada improcedente.
O abandono afetivo dar-se por parte do pai ou da mãe por não prestar assistência afetiva a seus filhos, seja pela convivência, seja pela visitação periódica.
A ausência, o descaso e a rejeição do pai ou da mãe em relação aos seus filhos prejudicam o seu desenvolvimento. E, quando o legislador atribui aos pais à função de educar os filhos, qualquer atitude contrária desrespeita não só a ordem moral, mas, principalmente, a ordem legal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, em seu artigo 232 caracteriza ilícito civil e penal aos pais que são negligentes com os seus filhos. “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos.”
E ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, disciplina o abandono afetivo no seu artigo 232-A
Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um mês a seis meses.
Assim, o abandono afetivo é caracterizado como crime, e nessa perspectiva surge à indenização por dano moral na tentativa de concretizar a responsabilidade civil aos pais no direito de família; tendo como base o argumento da perda da chance de convivência com o pai/mãe. Há muitas discussões sobre o tema, mesmo a Lei vigente, os Tribunais e as doutrinas vislumbrando a possibilidade de indenização por dano moral. As decisões ainda são dicotômicas, muitos são os posicionamentos que definem ou não a materialização do afeto em indenização por dano moral. (PEDROSO, 2017).
Nessa perspectiva, e, mais recentemente, surge a reparação pelo dano causado por meio da ação por dano moral/material na tentativa de suprir a carência afetiva do filho.
A Constituição Federal de 1988 assegura aos pais e ao Estado o dever de cuidado as suas crianças e adolescentes em seu artigo 227, bem como os direitos e garantias fundamentais para o pleno desenvolvimento desses indivíduos.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. [...] (BRASIL, 1988).
Assim, não se pode justificar o abandono afetivo ao filho por parte dos seus genitores quando a Lei assegura a assistência devida.
O abandono afetivo prejudica o desenvolvimento da criança, gerando danos passíveis de reparação, conforme vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça, em atenção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da proteção integral da criança e do adolescente.
As demandas propostas no judiciário, até o presente momento, dizem respeito ao abandono afetivo provocado pelo pai em relação ao seu filho, mas, nada impede que a mãe seja a responsável pelo abandono afetivo do filho, caso em que se aplicariam as mesmas regras referentes à reparação civil do dano moral provocado pelo descumprimento de dever jurídico.
A negligência ou omissão daqueles que seriam os responsáveis de maior interesse a defender, cuidar da sua prole, seja o pai ou a mãe, causam muitas vezes danos irreversíveis as suas crianças ou adolescentes, e a estes cabe sanção.
O pai ou mãe negligente em suas obrigações parentais viola o dever jurídico de agir, daí decorre a relevância de tal conduta para o Direito, bem como a responsabilização civil pelos danos morais causados aos filhos, uma vez que se tivesse agido teria evitado o resultado lesivo, qual seja a ocorrência de danos psicológicos. (CARVALHO; MARQUES, 2015).
Quando essas obrigações, esse direito é violado, tem se observado uma crescente procura pelo judiciário, a fim de que sejam resolvidos os casos de abandono afetivo na filiação, provenientes do não cumprimento dos deveres jurídicos decorrentes do exercício do poder familiar.
Surge, assim, a reparação pelo dano moral causado ao filho pelo pai ou a mãe negligente para com os cuidados com sua prole, sob a alegação de causar prejuízo ao desenvolvimento psíquico-social e afetivo da criança e do adolescente.
Espera-se que o pai ou a mãe ofereça aos seus filhos o amparo afetivo necessário para uma assistência moral e psíquica que viabilize a formação de um ser pleno de honra, dignidade, moral e de reputação ilibada na sociedade em que está inserido.
É notório que os genitores devem a seu filho a guarda e companhia, propiciando a esse ser um desenvolvimento saudável de sua personalidade, de maneira que se torne um adulto equilibrado, contribuindo de forma positiva para o progresso da sociedade onde vive.
Observa-se ser necessária uma análise criteriosa acerca dos requisitos caracterizadores do dano moral, a fim de evitar a banalização do instituto, mas sem reforçar a impunidade dos pais que, de forma irresponsável e injustificada, prejudicam o desenvolvimento sadio da criança e do adolescente.
Aos pais não há a faculdade, mas o dever jurídico de cuidar de seus filhos, como afirma a Ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrigni, no Recurso Especial Cível nº 1159242 – SP, sendo que o descumprimento dos deveres paterno-maternos cause, principalmente nas crianças e adolescentes, sérios danos que comprometam o seu desenvolvimento psíquico-social.
Em observância aos artigos 186 e 927 do vigente Código Civil, uma vez comprovado que a omissão culposa dos pais deu causa ao dano moral sofrido pelos filhos, aqueles ficam obrigados a repará-lo.
O cuidado constitui uma obrigação legal, estando, portanto, superado o argumento da impossibilidade de se obrigar a amar sempre utilizado nas discussões sobre o abandono afetivo.
Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
(DISTRITO FEDERAL, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 2012).
Se não há o dever de amar um filho, há o dever moral e jurídico de cuidá-lo, educando-o, acompanhando-o, com o fito de se cumprir não apenas com o dever legal, mas também com a formação integral do cidadão.
A presente discussão não está no inexistente dever de amar, mas sim no positivado dever de cuidar, constante em princípios e em dispositivos constitucionais, infraconstitucionais, bem como em normas internacionais.
Se não há cuidado não haverá amor, ambos os termos estão intrínsecos, mas no Direito é assegurado o cuidado da criança e do adolescente pelo pai, mãe, responsável, e ainda pelo Estado.
8 ABANDONO AFETIVO E O DANO MORAL
No Direito e mais recentemente nas decisões dos Tribunais muito se discute a relevância da reparação por dano moral aos filhos que foram negados, privados do convívio, do cuidado pelos seus genitores.
O que se percebe com a pós-modernidade é que a legislação tem beneficiado os filhos, atentando para que os pais, além do cuidado pertinente a eles, amem-lhes, para que não surjam problemas futuros como os psíquico-sociais; evitando o abandono afetivo, em que os pais não têm tempo para cuidar e amar seus filhos.
Nessa perspectiva, e, mais recentemente, surge a reparação pelo dano causado por meio da ação por dano moral/material na tentativa de suprir a carência afetiva do filho.
Como assegura Maria Helena Diniz (2009, p. 96) “O dano moral decorre de uma violação do direito extrapatrimonial, mas o fato dos efeitos do direito violado serem imateriais não implica a inexistência da violação e do direito lesado”.
A grande discussão está em se mensurar o quantum da indenização, pois é possível o preço da dor, do sofrimento, do descaso? A reparação pecuniária de um dano moral imposta ao culpado representa uma sanção justa para o causador, afirma Maria Helena Diniz (2009, p. 99). E, cabe ao juiz, examinando as circunstâncias de cada caso, decidir com fundamento e moderação, para que não se efetive o enriquecimento ilícito, sem causa. Como acrescenta:
A reparação pecuniária do dano moral não pretende refazer o patrimônio, visto que este, em certos casos, não sofreu nenhuma diminuição, mas dar ao lesado uma compensação, que lhe é devida, pelo que sofreu, amenizando as agruras oriundas do dano não patrimonial. (DINIZ, 2009, p. 99)
A questão do abandono afetivo na filiação impõe a discussão acerca da possibilidade ou não da reparação do dano moral causado ao filho menor, em razão da atitude omissiva do pai/mãe no cumprimento dos encargos decorrentes do poder familiar.
Em conformidade com o artigo 186 do Código Civil, pode-se afirmar que o primeiro elemento da responsabilidade civil por abandono afetivo é a omissão do pai/mãe em cumprir o dever jurídico de assistir cuidadosamente seus filhos.
As opiniões divergem, há os que defendem que a questão do abandono afetivo na filiação encontra solução dentro do próprio direito de família, com a destituição do poder familiar, e há aqueles que começam a se manifestar favoravelmente às reparações pecuniárias, uma vez comprovada a existência do dano moral, como forma de o filho ver-se reparado pelo dano causado.
As decisões dos Tribunais ainda são polêmicas, tendo havido decisões favoráveis, bem como decisões denegadas. A primeira e polêmica decisão favorável à reparação do dano moral por abandono afetivo foi em 2012.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, no dia 24 de abril de 2012, pelo cabimento de indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo, como versa a ementa
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (DISTRITO FEDERAL, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 2012).
A decisão acima submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, a 3ª Turma por maioria dos votos deu parcial provimento ao Recurso Especial nº 1.159.242, condenando o pai negligente à reparação pecuniária do dano moral causado a filha, entretanto com redução do quantum para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Assim, o Poder Judiciário não pode obrigar alguém a amar ou a ter um relacionamento afetivo; caso contrário, a indenização pleiteada não cumpriria nenhuma função.
Na Carta Maior e na Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança e o adolescente são protegidos de qualquer forma de negligência e gozam de prioridade absoluta com relação a seus interesses, em função de serem sujeitos vulneráveis e em desenvolvimento. Com relação aos pais, é dever decorrente do cuidado responsável, além do material, o moral e afetivo, no qual se insere também o dever de convivência familiar. Assim, apesar de não ser possível ao Direito obrigar o pai ou mãe a amar seu filho, a ausência do amparo moral e da convivência familiar é fator relevante ao Direito, pois nem o Judiciário nem ninguém possui esse dever de interferir nos sentimentos humanos, mas não defendemos aqui o inexistente dever de amar, e sim o positivado dever de cuidar constantes em princípios, em dispositivos constitucionais, infraconstitucionais e internacionais.
A omissão dos pais com relação ao dever de cuidado configura ato ilícito e gera danos de ordem moral ao filho, imaterial, pois afeta o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, causando profundas consequências negativas que serão refletidas ao longo de toda a sua vida. Assim, surge como consequência o dever de responder pelo dano por parte do genitor/genitora negligente e omisso nas suas responsabilidades; e, como forma de compensar, mesmo que minimamente o dano, e representar para o pai ou mãe um meio de sanção, pois não é suficiente a destituição do poder familiar para punir os pais que abandonam afetivamente seus filhos, considerando que esta só serviria de prêmio aos pais negligentes.
Portanto, é viável a indenização por abandono moral e afetivo, se presentes os pressupostos da responsabilidade civil e se utilizada com bom senso e cautela. Vislumbrando-se uma forma salutar para a adequação do direito de família, visto a proteção da dignidade da pessoa humana, dos direitos da personalidade e da solidariedade nas relações pessoais. Ainda assim, é extremamente necessário cautela na solução do caso concreto, uma vez que a questão não pode se transformar em meio para obtenção de vantagens, fazendo uso da criança para o enriquecimento ilícito, do filho/filha, que venha a fortalecer sentimentos mesquinhos, pessoais do genitor/genitora que tem ou teve a guarda, ou ainda do filho que quer se vingar do pai, sentimentos estes que devem ser totalmente afastados pelo Direito.
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[1] Faculdade Católica do Tocantins – FACTO; Profª. Dra. em Tecnologia Nuclear IPEN/USP
Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins - FACTO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Elvina Gomes de. Dano moral decorrente do abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51882/dano-moral-decorrente-do-abandono-afetivo. Acesso em: 02 nov 2024.
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
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