RESUMO: A ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema, o sistema capitalista, no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.. A Constituição buscou regulamentar a economia de forma a se adequar ao Estado Social em oposição ao Estado puramente liberal. Dessa forma, trouxe em seu texto dispositivos que regulassem de forma direcionada aos interesses sociais a ordem econômica nacional, baseados em princípios de direito e com a finalidade de atingir determinados objetivos de ordem nacional, garantindo a liberdade econômica dentro de tais parâmetros.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Ordem Econômica e a Constituição Econômica Brasileira. 3 Análise Crítica da constituição Econômica Brasileira de 1988 dos arts. 170 a 175 da CR/88. 4. Mudanças na Constituição Econômica. 5. Conclusão.6 Bibliografia.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Ordem Econômica. Princípios.
1. Introdução
A constitucionalização de matérias de ordem econômica acompanha o desenvolvimento do Estado.
Na origem do Estado Moderno, a burguesia, classe principal do capitalismo, necessitava de uma ordem que lhe desse segurança, estabilidade e confiabilidade na ordem jurídica, por exemplo, o cumprimento dos contratos entre as partes acordantes, isto é, necessitavam de um direito posto.
Além disso, o Estado prestava serviços públicos, como transporte, saúde e educação, garantindo a acumulação de capital pela burguesia.
Os princípios do Estado sob esta perspectiva eram três, os quais mascaravam as reais pretensões da classe burguesa, quais sejam:
1º) Liberdade: que traz como conseqüência a prevalência de um poder econômico que se transforma em um poder pessoal, resultando na auto regulação do mercado (liberalismo) na busca do maior lucro.
2º) Igualdade: entendida apenas em seu sentido formal, uma vez que havia uma considerável desigualdade social. Era apenas igualdade perante a lei.
3º) Fraternidade: não poderia existir em uma sociedade que prevalecia as ideias de competição e egoísmo (a busca pelo maior lucro) e poder pessoal como motor do processo econômico. Além disso, a densidade populacional, ocasionada pela concentração em torno dos grandes centros industriais, afastava os homens uns dos outros.
Até a crise de 1929, era essa concepção de Estado que prevalecia entre os principais Estados. Com a crise e a grande depressão econômica mundial, o Estado passou a assumir um novo papel na economia, qual seja, de intervencionista na ordem econômica em prol da coletividade e da coesão social.
A partir dos anos 80 veio à tona a discussão sobre a desregulação da economia e a privatização de setores exclusivamente estatais.
Segundo Eros Grau, a política neoliberal é incompatível com as artigos 1º, 3º e 170 da CRFB, os quais são normas impositivas. As atuações do poder executivo que têm de se adaptar à Constituição e não o contrário, configurando inconstitucionalidade de programas que contrariam as imposições constitucionais no tocante à ordem econômica.
“A ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema, o sistema capitalista, no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.” (ADIN 3512)
2. A Ordem Econômica e a Constituição Econômica Brasileira
O conceito de ordem econômica já bastante discutido pela doutrina tem natureza polissêmica e podemos, didaticamente, abordar três desses conceitos, como se vê abaixo.
O primeiro reflete o modo de ser de uma determinada economia com suas relações entre os fenômenos econômicos e matérias. Tratando-se então do mundo do ser, dos fatos, sem qualquer vinculação com o mundo jurídico.
O segundo é o conjunto de todas as normas, independentemente de sua origem (religiosa, moral, social), que regulam o comportamento dos sujeitos econômicos.
E, por fim, o último conceito, o qual será adotado neste trabalho e é o adotado pela CRFB, diz respeito à ordem jurídica da economia, a sua normatização jurídica, ou seja, estamos diante do mundo do dever-ser.
No artigo 170 temos o primeiro sentido de ordem econômica exposto acima, indicando o modo de ser da economia brasileira, das atividades econômicas e das relações econômicas exercidas em território brasileiro. Note-se que há os princípios que devem ser adotados pelos agentes econômicos na regulação do mercado, pois para o funcionamento deste há que ter regularidade e previsibilidade de comportamentos, que se liga às condutas praticadas por seus agentes. E essa regularidade não pode ser auferida por fatores exclusivamente subjetivos, que buscam o interesse do maior lucro e o individualismo. Há que ter normas postas pelo Estado para garantir os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, vide arts. 1º e 3º, da CR.
Já no art. 173, a expressão faz referência ao conjunto de normas jurídicas e princípios que regulam o sistema econômico no mundo do ser, da realidade econômica, que, se violadas, ensejará a coerção pelo Estado-juiz.
Do mesmo modo que existem constituições estatutárias (orgânicas) e constituições diretivas (programáticas), temos também constituições econômicas. A ruptura com a velha ordem econômica, de caráter apenas organizacional da economia, deu-se com a introdução de normas diretivas e programáticas, com o objetivo de alcançar determinados objetivos sociais, definidos por diretrizes de políticas públicas que se sustentam nessas normas.
Desse modo, temos que Constituição Econômica é:
“o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica”. (Moreira,1974,p.35)
3. Análise da Constituição Econômica de 1988 dos arts. 170 a 175 da CR/88
A Constituição buscou regulamentar a economia de forma a se adequar ao Estado Social em oposição ao Estado puramente liberal. Dessa forma, trouxe em seu texto dispositivos que regulassem de forma direcionada aos interesses sociais a ordem econômica nacional, baseados em princípios de direito e com a finalidade de atingir determinados objetivos de ordem nacional, garantindo a liberdade econômica dentro de tais parâmetros.
Em um primeiro olhar sobre os princípios constitucionais de direito econômico, de forma descontextualizada e isolada, podem surgir antinomias, como o princípio da propriedade privada e da função social da propriedade.
Até o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 319, em que o STF firmou o entendimento acerca da interpretação da ordem econômica vigente, existiam várias interpretações sustentadas por pareceres solicitados por importantes entidades empresariais e econômicas do país. Tais entidades defendiam que o Estado não poderia regular atividade econômica e que o modelo capitalista adotado era neoliberal, desobedecendo aos princípios fundamentais da Constituição que tem como um de seus objetivos e fundamentos a justiça social.
Dessa forma, o STF foi provocado para resolver tal “controvérsia” quanto à interpretação da ordem econômica. A CR/88 adotou o modelo de Estado Social e não liberal, assim o STF decidiu que a livre iniciativa só será legitimamente exercida se cumprida a sua finalidade social. Assim, não há espaço na interpretação constitucional para uma livre iniciativa de caráter absoluto, que não possa ser restringido pelo Estado.
Os princípios gerais da ordem econômica, uma vez que não possuem hierarquia devem ser aplicados ao caso concreto de forma a limitarem-se entre si, de modo que coexistam na situação concreta de forma a garantir que um valor não sobreponha ao outro de forma unânime. Por isso, o direito econômico e a aplicação dos princípios econômicos jamais podem ser encarados de forma descontextualizada, pois não há conflito entre os princípios, mas sim complementaridade que só é verificada no caso concreto. Passemos à análise de cada um desses princípios:
I) Princípio da Soberania Nacional Econômica: Soberania Nacional não existe apenas para o plano político, mas também quanto ao plano econômico. Por muito tempo o país teve que se submeter a políticas públicas ditadas pelo Banco Mundial e pelo FMI, desrespeitando a soberania disposta no texto constitucional. Assim, havia eleição para presidentes que nos prometiam uma política econômica autônoma e o que acontecia era o controle geral pelo capital estrangeiro, quem controlava a economia no fim das contas não era aquele presidente que o povo elegeu.
A autonomia no plano de políticas econômicas é uma prerrogativa do Estado Brasileiro. Tal princípio permite que o Estado controle o mercado de forma a estabelecer quais países e empresas terão, ou não, acesso ao mercado brasileiro, a fim de proteger o país, sem deixar que importantes oportunidades de crescimento econômico escapem ao mercado nacional. Essa prerrogativa nacional funciona como uma “peneira” mercadológica que permite ao Estado contrabalançar a abertura econômica e o protecionismo.
II) Propriedade privada: A função social da propriedade, ao contrário de ser uma antinomia ao princípio da propriedade privada, só se justifica pela existência de tal princípio. Só se fala em função social da propriedade porque se fala no direito à propriedade privada.
A propriedade consiste puramente em um direito individual e cumpre sua função individual, a qual não é reputada nenhuma função social. Porém, aos abusos cometidos no seu exercício encontram a limitação no interesse da coletividade e do bem estar social. (GRAU, p. 235). Assim, a propriedade privada, garantida constitucionalmente apenas passa a ter função social quando extrapola sua função individual.
III) Princípio da função social da propriedade: O princípio da função social da propriedade, como norma que é, e não como regra, não se aplica de forma cogente em termos absolutos, excluindo outras normas, mas apenas direcionando a interpretação e o emprego de regras constitucionais ou legais. Tal princípio pretende reger, no caso concreto, o equilíbrio entre o direito à propriedade e o interesse social constante da Constituição.
A partir do surgimento do Estado Social nasce a idéia de que o bem estar coletivo não é apenas um dever do Estado, mas também de cada cidadão, que deve ter sua parcela de comprometimento e responsabilidade, quebrando-se a noção de domínio. Assim, a propriedade se consubstancia em um poder-dever que se volta para o objetivo individual e coletivo, atentando-se ao uso da propriedade e à dignidade humana. (FERNANDES, 2011, p.1031 e 1032)
O princípio da justiça social obriga que a política econômica do Estado se volte para uma repartição dos proveitos das atividades econômicas para que não somente o empresário usufrua, buscando dissipar o proveito por meio de políticas públicas, como um modo de repartição de lucros.
Tal princípio vem pôr fim ao dogma individualista que reputava sagrado o direito de propriedade, concedendo a seu titula o direito intocável de usar, fruir e dispor de seus bens, sem nenhum dever social. (MENDES, 2010, p.1535)
IV) Livre iniciativa e livre concorrência: Como explicitado acima, a livre iniciativa que é disposta no art. 170 da CR/88 não se trata de um conceito liberal ou neoliberal, mas deve ser interpretada inserida em um Estado Democrático e Social de Direito, se caracterizando como uma livre iniciativa de forte valoração social. Tal ponto de vista foi consolidado pelo entendimento pacífico do STF no julgamento da já aludida ADIN 319.
Tal princípio pretende, inicialmente, deixar que o setor econômico e empresarial se submeta à lógica da economia de mercado. Porém, encontra-se implícito em seu conceito a possibilidade de intervenção estatal quando a livre concorrência representar ameaça à igualdade de liberdade, oferecida por tal princípio a todos os agentes econômicos, quando faltar equilíbrio, é obrigação do Estado reestabelecê-lo em nome dos princípios constitucionais.
A livre iniciativa, como já mencionado, é uma faceta do direito de liberdade, e nossa liberdade é prevista na lei, cabendo apenas à lei, estabelecer limites às atividades econômicas. Assim a liberdade de iniciativa é uma iniciativa legal.
A livre concorrência e a livre iniciativa não devem ser confundidos, pois são distintos em essência, ainda que complementares.
Se a livre iniciativa traduz a projeção da liberdade individual no campo da produção, circulação e distribuição de riquezas, caracterizando-se pela liberdade de fins e meios, a liberdade de concorrência tem caráter instrumental e traduz que o mercado é aberto de tal forma que permite a livre negociação e o livre estabelecimento de preços e de políticas empresariais de forma a contribuir com a competitividade positiva de um negócio no mercado. No entanto, assim como a livre iniciativa, sofre limitações pelos próprios princípios elencados juntamente com este no art. 170 da CR/88. A livre concorrência, como princípio inserido dentro de uma ordem democrático-social, deve ser limitada pelos princípios da proteção do consumidor, da dignidade humana e de redução das desigualdades sociais.
O modelo capitalista em sua essência nos tempos do liberalismo não era muito simpático à concorrência e se valia de diversos meios para concluir o objetivo de eliminar a concorrência, chegando até mesmo a interferir na criação de leis que os beneficiassem, ferindo o princípio da livre concorrência.
Nesse sentido, a súmula 646 do STF diz que o Município não pode fixar o local de funcionamento de estabelecimentos comerciais, com exceção de quando há notório interesse coletivo.
V) Defesa do meio ambiente: O STF consolidou o entendimento de que é válida a política econômica que proibiu a importação de pneus usados, visto que prejudica a saúde pública e o meio ambiente.
VI) Defesa do consumidor: Tal princípio é extremamente recente na história constitucional brasileira, aparecendo apenas na CR/88 como direito fundamental e princípio da ordem econômica.
Trata-se de um princípio relevante, pois guarda relação direta com o princípio da soberania econômica, visto que tem influência direta no desenvolvimento do mercado interno brasileiro. A partir do momento que a Constituição enuncia que o Estado deve proteger o consumidor como princípio da ordem econômica, diversas práticas enganosas, abusivas e lesivas ficaram obstadas.
Porém um dos setores que mais resistiu à proteção ao consumidor foi o setor financeiro. De forma que foi proposta no STF a ADIN 2.591que se alegou a inconstitucionalidade do CDC. Por motivos óbvios tal ADIN foi improvida e em seus votos os ministros indagaram qual a razão para as instituições financeiras não desejarem se submeter ao código de defesa do consumidor, aduzindo que o motivo seria pelo fato de que são as instituições financeiras que mais lesam os consumidores.
Cabe ainda se ressaltar que tal princípio também se submete à lógica de restrições e complementaridades em que consiste o processo de concretização dos princípios e valores constitucionais, interpretados ao caso concreto. (MENDES, 2010, p.1543)
VII) Busca do Pleno Emprego: Grande parte da doutrina chegou a alegar que tal princípio tratava-se de uma norma programática de aplicação diferida. Até que o STF no julgamento do REsp 299.355 decidiu que em nome da manutenção de empregos e da dignidade humana, pode-se invalidar cláusula contratual abusiva que leve à falência de determinada empresa. O princípio em comento diz respeito ao emprego dos meios de produção, não se fala em desemprego zero, se fala em pleno emprego dos recursos e a perspectiva de um pleno emprego traduz que não devem ser adotadas políticas recessivas que vão contra o pleno emprego, que gerasse por siso desemprego e desestruturação econômica, como no exemplo supracitado.
Dispõe o artigo 172 da Constituição Federal que:
“A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.”
É importante observar que a Constituição, em nome do interesse nacional, trata de maneira diferenciada o capital nacional em relação ao estrangeiro, estabelecendo benesses ao primeiro, como, por exemplo, o tratamento favorecido de que trata o inciso IX do art. 170.
Da mesma maneira, objetivando preservar o capital no território nacional, a Constituição permite que a lei incentive os reinvestimentos, perpetuando-os no país, e regule a remessa de lucros, a fim de dificultá-la, evitando assim uma volatilidade excessiva na política cambial e monetária nacional em momentos de maior conturbação no cenário econômico.
Por outro lado no art. 173 da CRFB temos o tratamento sobre a exploração da atividade econômica pelo Estado, esta em seu sentido estrito, qual seja, a atuação direta do Estado como agente econômico, em área da titularidade do setor privado.
Da leitura do caput do art. 173, já é possível denotar que o Estado tem o poder de explorar diretamente a atividade econômica quando necessário for para a manutenção da segurança nacional ou para a efetivação de relevante interesse coletivo. A expressão interesse coletivo aqui abordado é diferente da ideia de justiça social enunciada no art.170 da Carta Magna. Interesses coletivos são determinados no plano da sociedade civil, expressando particularismos e interesses corporativos. Já a noção de justiça social do art.170 está ligada à coesão social, aferido no plano do Estado brasileiro e no plano da universalidade da nação.
Nota-se que a expressão atividade econômica empregada no art. 173 refere-se ao seu sentido estrito. Ainda que seja aqui o Estado realizando atividade econômica, ele o fará através das sociedades de economia mista e das empresas públicas, ambas as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que pontuadas com algumas características de direito público. Tal característica é importante, uma vez que o Estado, ao competir com o setor privado, o faz em desigualdade de condições, uma vez que é também agente normativo e regulador da atividade econômica.
É também buscando estabelecer a igualdade de condições que a Constituição estabelece que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Ressalvando que tais entes quando da prestação de serviço público gozarão dos mesmos benefícios da Administração Direta, autárquica e fundacional.
A nossa Constituição delineia três funções estatais no que tange a ordem econômica, quais sejam, a de organizar a estrutura política, a de limitar o poder estatal e a de promover políticas públicas. A Constituição requer uma postura ativa do Estado de forma que esse possa ser de fato, o agente da promoção e efetivação dos direitos e garantias nela prevista, que os seus fins, seus objetivos sejam cumpridos. Dentro dessa perspectiva, de acordo com o Ministro Eros Graus, podemos dizer que o Estado pode atuar de três formas na economia.
A primeira seria por absorção ou participação, ou seja, atuação direta. Certo é que a iniciativa privada é preceito constitucional, mas essa não tem caráter absoluto, dado que, o Estado, entendendo ser relevante sua atuação no mercado para consecução dos fins, das garantias e direitos constitucionais, pode atuar diretamente na Economia. Como por exemplo, nos casos das empresas públicas, caso do art. 173, da CR. Todavia ressalta-se que, para manter o equilíbrio e, em respeito a livre concorrência, tais empresas não podem ter benefícios fiscais de forma tornar desleal a concorrência com as empresas privadas.
A segunda forma de atuação estatal seria por indução. A indução ocorreria quando o Estado desejasse impulsionar, empurrar a economia privada para determinado comportamento, induzindo dos agentes econômicos certo comportamento. Tal indução, poderia ser feita pelo Estado por meio do manejo de certos instrumentos de política fiscal, monetária, juros.
A terceira função atribuída ao Estado compete com a direção, a qual, se difere da indução pelo fato de impor determinado comportamento, enquanto a segunda tem um caráter maior de orientação a ser seguida pelos agentes privados, do que uma imposição, posta como norma a ser cumprida.
O art. 174 mostra as formas com que o Estado em sua função de regulador da economia pode de acordo com a norma legal atuar. Tal dispositivo, elenca em seu caput as funções normativas/regulatórias de fiscalização, incentivo e planejamento, destacando que o último é determinante para o setor público e indicativo para o privado. Nos parágrafos do dispositivo indica de formas gerais de incentivo do Estado dentro dessa estrutura de direcionamento, orientação e impulsão que vislumbram o desenvolvimento da economia brasileira.
4. Modificações na Constituição Econômica
Com o passar dos anos certas previsões legais podem se tornar obsoletas, ou mesmo incompletas, sendo necessária uma revisão de seus artigos, de modo a adaptá-los a realidade e adequá-los a um novo contexto ou paradigma, em situações nas quais simples mudanças interpretativas se mostrem insuficientes para dar a atualidade fundamental da Carta Magna. A Constituição Econômica, que vem para disciplinar e limitar a atuação do poder econômico, tanto na esfera pública quanto na privada, também sofreu alterações em seu corpo legal, com as Emendas Constitucionais nº 6 de 1995, nº 42 de 2003, e 19 de 1998. Neste presente trabalho nos limitaremos a discutir apenas acerca das alterações realizadas nos artigos 170 a 175 da CR/88.
No artigo 170 da CR/88, houve apenas duas alterações em seus incisos, quais sejam, o inciso VI e IX.
O inciso VI deste artigo teve em seu texto normativo uma complementação, isto é, foi acrescentado em sua redação outras possibilidades e especificações, de forma a torná-lo mais abrangente e completo. Após sua modificação, a CR/88 deixa claro que a defesa do meio ambiente passa a ter uma maior importância no cenário econômico, seguindo toda a tendência mundial em busca de proteger o meio ambiente e garantir uma qualidade de vida saudável a todos os cidadãos. Assim, agora é previsto que o tratamento na questão ambiental pode ser diferenciado, de acordo com o impacto ambiental gerado pelos produtos e serviços, assim como com o seu processo de produção e elaboração, objetivando tornar mais efetiva e eficaz a proteção ambiental.
O inciso IX, por sua vez, sofreu uma alteração com o objetivo de tornar-se mais claro e conciso, substituindo a expressão “empresas brasileiras”, por “empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”. O entendimento do que são empresas brasileiras se mostrou um tanto quanto aberto, e inadequado para as pretensões modernas de proteção ao mercado interno, livre concorrência e globalização. O tratamento favorecido, que tem por objetivo preservar a necessária concorrência dos agentes de mercado, impedindo concentrações descabidas e contrárias à noção de competitividade, não deve, pois, ser limitado à noção de empresas brasileiras, mas sim das que funcionam sob o nosso ordenamento jurídico, instaladas e administradas no Brasil.
A completa revogação do artigo 171 vem obedecendo essa mesma lógica exposta acima, da incompatibilidade da conceituação de empresas brasileiras usada na CR/88 com a nova lógica econômica, e também demonstra o entendimento atual da desnecessidade de se prever no texto constitucional o que vem a ser capital nacional e internacional, evidenciando a coerência com o moderno cenário mercadológico, no qual tal divisão faz cada vez menos sentido.
Assim, o legislador optou por revogar completamente o artigo 171, por meio da Emenda Constitucional de número 6, de 1995, ao invés de simplesmente adaptar o texto à nova realidade. Tal atitude demonstra o total deslocamento em que tais preceitos se encontravam em nossa Carta Magna.
O artigo 173, por sua vez, foi alvo de profundas modificações, tendo sido alterado seu §1o, o qual recebeu cinco novos incisos, através da Emenda Constitucional número 19, de 1998.
As alterações trazidas por tal emenda demonstram o objetivo do Estado de não mais sujeitar as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias diretamente ao regime jurídico das empresas privadas, tendo exigido, por meio da nova redação dada ao §1o, que as regras a que estariam submetidas dependeriam de regulamentação posterior, haja vista suas especificidades e características únicas.
Dentre os objetivos fundamentais das referidas alterações, podemos citar:
a) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;
b) contribuir para a modernização do parque industrial do país, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia.
O que se extrai do atual texto constitucional é que as empresas estatais, assim como na redação anterior, sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas (inciso II do §1o), mas, como se trata de ente da administração pública, tal regime jurídico é parcialmente derrogado pelo direito público, naquilo que os textos legais ou constitucionais assim dispuserem.
Um ponto de extrema relevância que se verifica do inciso II, é a sujeição das empresas estatais ao regime de contratação de pessoal próprio das empresas privadas, isto é, o regime celetista. No entanto, o fato de serem celetistas e de pertencerem fundamentalmente ao regime jurídico das empresas privadas, a Constituição Federal de 1988 não abandonou a obrigação das empresas estatais de contratarem seus empregados públicos através de concurso publico.
Vale também citarmos a dicção do inciso III, que pretendeu simplificar o regime licitatório das empresas públicas, fixando que a licitação e contratação de obras, serviços, compras devem observar os princípios da administração pública. Tal já era o entendimento sob a égide dos dispositivo modificado. O que se pretende agora é que as empresas públicas estejam obrigadas a observar, tão somente os princípios básicos, regulamentando, segundo sua especificidade, a forma de licitar.
O artigo 173, § 1º, inciso III da CR/88, prevê a obrigatoriedade da licitação para as duas espécies de empresas estatais: as que exploram atividade econômica e as que prestam serviços públicos. Enfatiza, porém, que a licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações nestas empresas deverão observar os princípios da administração pública. Flexibiliza-se, assim, sem suprimir-lhe, o regime licitatório nestas agências econômicas do Estado. A licitação continua prevalecente nas empresas públicas, porém, de forma mais simplificada.
Vemos, desse modo, que as alterações trazidas pela EC 19/88 viabilizam a sujeição das empresas estatais ao princípio da legalidade, ao interesse público, e ao desenvolvimento social do país. Ocorre que até hoje, essas entidades carecem da regulamentação exigida no texto do §1oque, segundo a Constituição de 1988, deveria dispor sobre sua função social, fiscalização e controle, sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto aos direitos e obrigações, licitação e contratação, dentre outros assuntos não menos importantes.
5. Conclusão
Ante o exposto ao longo deste trabalho, percebe-se que o legislador constituinte atribuiu à República federativa do Brasil o modelo econômico embasado no liberalismo social democrata, o qual está fundamentado na livre iniciativa e no valor social do trabalho.
O Estado, nos ditames da Constituição Federal, deve se guiar nos termos em que se põe a ordem econômica constitucional, objetivando a realização da justiça social, seja como agente prestador de serviços públicos ou explorador de atividade econômica, seja como regulador, indutor, norteador da atuação econômica exercida pelo particular.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GANEM, Leandro Wehdorn. Considerações acerca da Constituição Econômica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51891/consideracoes-acerca-da-constituicao-economica. Acesso em: 02 nov 2024.
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