MURILO BRAZ VIEIRA
(Orientador)[1]
RESUMO: Neste artigo, analisa-se a concessão do adicional de insalubridade disposto no art. 611-A, inciso XII da Lei 13.467/2017 instituído no âmbito da reforma trabalhista, disciplinando a possível negociação do enquadramento do adicional de insalubridade através de convenção e acordo coletivo de trabalho. Partindo deste ponto, o estudo dará ênfase ao princípio da proteção ao trabalhador, sendo este, fundamental para construção e aplicação das normas jurídicas, proporcionando a garantia do equilíbrio jurídico na relação trabalhista. A construção da pesquisa se desenvolveu firmado em fundamentações técnicas, legais, e a rica sustentação de referenciais bibliográficos que disciplinam doutrinariamente os princípios constitucionais de proteção ao trabalhador e sua aplicabilidade no Direito do Trabalho. Os resultados identificados na pesquisa evidenciam que a possibilidade da negociação do enquadramento do grau de insalubridade constitui uma ruptura de preceitos constitucionais que tutelam a proteção ao trabalhador, uma vez que, direitos relacionados a saúde e segurança não são passiveis de disposição ou transação.
PALAVRAS-CHAVE: Grau de Insalubridade; Negociação Coletiva; Princípio da Proteção ao Trabalhador; Reforma Trabalhista.
ABSTRACT: In this article, we analyze the concession of the unhealthy addition provided in art. 611-A, item XII of Law 13467/2017 established in the scope of the labor reform, disciplining the possible negotiation of the supplementary health insurance framework through a collective bargaining agreement. Starting from this point, the study will emphasize the principle of worker protection, which is fundamental for the construction and application of legal norms, providing the guarantee of legal balance in the labor relation. The construction of the research was developed based on technical and legal grounds and the rich support of bibliographical references that doctrinally discipline the constitutional principles of worker protection and its applicability in Labor Law. The results identified in the research show that the possibility of negotiating the framework of the degree of insalubrity constitutes a rupture of constitutional precepts that protect the worker, since health and safety related rights are not subject to disposition or transaction.
KEYWORDS: Degree of Unhealthiness; collective bargaining; Principle of Worker Protection; Labor Reform.SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO – 2 O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E TÉCNICOS – 3 OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO – 4 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO – 5 A APLICAÇÃO DO ART. 611-A, INCISO XII E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO – 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS – 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O direito trabalhista se encontra em um momento de grandes e importantes transformações, fala-se muito em reformas trabalhistas, flexibilização do trabalho, terceirização de mão de obra, e até mesmo da prevalência do acordado sobre o legislado. Dentro deste contexto, o adicional de insalubridade gerou e vem gerando inúmeras dúvidas e insegurança no mundo jurídico.
O presente artigo busca em sua construção, realizar uma análise da concessão do adicional de insalubridade face aos princípios constitucionais de proteção ao trabalhador, tendo como centro de estudo a possibilidade da manutenção do acordado sobre o legislado, em que a convenção e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a lei para tratar do enquadramento do grau de insalubridade, redação dada pelo artigo 611-A, inciso XII da Lei 13.467/2017. Diante da possibilidade apresentada, pode-se inferir que a supremacia do acordado sobre o legislado para dispor sobre o enquadramento do adicional de insalubridade fere princípios constitucionais? Com base no princípio da proteção ao trabalhador, este estudo tem como principal objetivo expor a inconstitucionalidade do art. 611-A, inciso XII da reforma trabalhista.
Considerando a Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1997, com a redação dada pela Lei nº 6.514 são instituídas pela portaria 3.214/78 as Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sendo a Norma Regulamentadora nº15 (Atividades e Operações Insalubres) responsável por dispor em seus anexos as atividades e exposição a agentes físicos, químicos e biológicos que poderão ser passíveis do pagamento do adicional de insalubridade, sendo este de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento) ou 40% (quarenta por cento) sob o salário mínimo da região, e a depender de alguns fatores, como o tipo de agente, intensidade e concentração acima dos limites de tolerância e tempo de exposição do trabalhador ao agente agressor, estipulando um enquadramento para a concessão do adicional de insalubridade.
Com a possibilidade do exercício da negociação do enquadramento do grau de insalubridade o disposto no artigo 192 da Consolidação das Leis Trabalhistas estabelecendo e assegurando os graus máximo, médio e mínimo, sendo estes respectivamente 40%, 20% e 10% deixariam de ser aplicados dentro dos critérios já estabelecidos na lei, uma vez que o negociado terá prevalência sobre o legislado, proporcionando possíveis desvantagens e até mesmo a diminuição da melhor condição social do trabalhador.
Diante deste cenário atual, sobretudo com fulcro na Reforma Trabalhista, pretende-se analisar mediante fundamentos técnicos, legais e doutrinários a negociação do enquadramento do adicional de insalubridade que expõem trabalhadores a situações de riscos à saúde e integridade física, relacionando os princípios constitucionais que tutelam a proteção ao trabalhador. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, realizando a coleta de dados em livros e artigos jurídicos, disponíveis por meios físicos ou virtuais. O processo de desenvolvimento se se deu de forma exploratória, buscando entender como o tema se relaciona e diverge em sua aplicabilidade. A apresentação dos resultados foram obtidos de forma qualitativa, demonstrando as percepções e análises evidenciadas no decorrer da pesquisa.
2. O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS, LEGAIS E TÉCNICOS
A revolução industrial iniciada fortemente no Brasil no final do século XIX e começo do século XX foi um marco para os aspectos econômicos e sociais, e de grande impacto na Saúde e Segurança no Trabalho. Se por um lado o país começava a se desenvolver na esfera industrial, por outro lado este crescimento se dava às custas da saúde e segurança dos trabalhadores. Para Martins (2016, p. 956), “com o advento da Revolução Industrial e de novos processos industriais – a modernização das máquinas –, começaram a surgir doenças ou acidentes decorrentes do trabalho”.
Os polos industriais se erguiam estruturalmente em galpões e locais improvisados sem as mínimas condições de higiene e qualidade. As máquinas eram rústicas e de grande porte, proporcionando condições inseguras para seus operadores. O uso indiscriminado de produtos químicos e agentes de riscos ocupacionais, como poeiras minerais e poeiras metálicas, expunham os trabalhadores sem a devida proteção a ambientes que hoje são caracterizados como insalubres. Os resultados deste cenário foram mortes, mutilações e adoecimentos dos trabalhadores.
No Brasil, o adicional de insalubridade foi criado pela Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936, permitindo que o salário mínimo dos trabalhadores que exerciam atividades em ambientes insalubres pudesse ser aumentado até a metade:
Art. 2º Salário mínimo e a remuneração mínima devido ao trabalhador adulto por dia normal de serviço. Para os menores aprendizes ou que desempenhem serviços especializados é permitido reduzir até de metade o salário mínimo e para os trabalhadores ocupados em serviços insalubres é permitido aumenta-lo na mesma proporção.
Para Daroncho (2012, p. 24), “assim como nos países centrais da Revolução Industrial, o adicional também surge atrelado ao propósito de assegurar a ração de subsistência dos trabalhadores”.
A lei supracitada foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, quando então foi esclarecido que o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio organizaria o quadro das indústrias insalubres que, pela natureza ou método de
trabalho, fossem suscetíveis a determinar intoxicações, doenças ou infecções (DARONCHO, 2012, p. 24):
Art. 4º Quando se tratar da fixação de salário mínimo a trabalhadores ocupados em serviços insalubres, poderão as Comissões de Salário Mínimo aumentá-lo até de metade do salário mínimo normal da região, zona ou sub-zona. § 1º O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio organizará, dentro do prazo de 120 dias, contados da publicação deste regulamento, o quadro das indústrias insalubres que, pela sua própria natureza ou método de trabalho, forem susceptíveis de determinar intoxicações, doenças ou infecções.
No ano de 1940 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 2.162, que instituiu o salário mínimo, e em seu artigo 6º dizia:
Art. 6º Para os trabalhadores ocupados em operações insalubres, conforme se trate dos graus máximo, médio ou mínimo, os acréscimos de remuneração, respeitada a proporcionalidade com o salário mínimo que vigorar para o trabalhador adulto local, será de 40%, 20% ou 10% respectivamente.
Já em 1940 é possível perceber que a legislação trabalhista brasileira começa a instituir uma porcentagem a título indenização pecuniária para o exercício de atividades laborais em ambientes considerados insalubres.
Em 22 de dezembro de 1977, através da Lei 6.514 foi alterado o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis Trabalhistas, versando sobre segurança e medicina do trabalho, dispondo redação nova que vigora nos dias atuais quanto à conceituação de atividades e operações insalubres:
Art. 189 – Serão consideradas atividades e/ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os trabalhadores a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Ainda no intuito de disciplinar o direito do trabalhador, estabelecendo características e competências para concessão do adicional de insalubridade, a Lei nº 6.514 nos artigos 190 e 192 adotam os seguintes dizeres:
Art. 190 O Ministério do Trabalho Aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.
Art. 192 O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Diante da redação dada pela lei nº 6.514 é possível destacar que para caracterização do ambiente insalubre são observados alguns critérios de competência do Ministério do Trabalho, sendo estes, o seu enquadramento, limite de tolerância fixados em razão da natureza e intensidade, bem como do tempo de exposição do trabalhador aos agentes nocivos. Luciano Martinez disciplina que:
A identificação do agente nocivo, a indicação da natureza, das condições e dos métodos nocivos e o estabelecimento dos limites de tolerância cabem, por força de lei (art.155, I, da CLT), ao Ministério do Trabalho e Emprego. É ele quem aprova, mediante atos administrativos, o quadro indicativo de atividades e de operações insalubres, sendo também o responsável pela adoção de normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, os meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes (MARTINEZ, 2016, p. 336).
A Constituição Federal de 1988, Carta magna em nosso ordenamento jurídico, dispõem sobre direitos e garantias fundamentais, e dentre o rol desses direitos destaca-se como um direito social, o elencado no art. 7º, inciso XXIII:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros de visem à melhoria de sua condição social:
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Avançando pelo ordenamento jurídico brasileiro, é preciso dar ênfase à Norma Regulamentadora nº 15 (Atividades e Operações Insalubres), instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego através da Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978, alterando o Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, disciplinado assuntos relativos à Segurança e Medicina do Trabalho. Passa-se a conhecer mais desta norma.
A insalubridade é classificada, de acordo com o tipo de agente, em:
Segundo a NR – 15, são consideradas como atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem:
Diante do estudo realizado acerca da legislação e dos aspectos técnicos que disciplinam a concessão do adicional de insalubridade, infere-se de maneira concreta e sistemática que em nosso ordenamento jurídico existem leis, metodologias e estudos técnicos capazes de subsidiar o enquadramento do adicional pecuniário de insalubridade.
3. OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Para o ramo do direito os princípios se tornam uma verdadeira primazia, o início e fundamento para construção e aplicação das normas jurídicas. Os princípios em sua essência trabalham com regras morais e de condutas, comportamentos que podem ou não fazer parte do ordenamento jurídico.
Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Luciano Martinez, define princípio como:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico (BANDEIRA DE MELLO citado por MARTINEZ, 2016, p. 107).
Para Martinez (2016) os princípios estabelecem condição de interpretação da norma jurídica, e estando positivado têm status normativo, fortalecendo de maneira substancial a justiça.
Contribuindo com a formação da tamanha importância dos princípios para o ordenamento jurídico, Amauri e Sônia Mascaro Nascimento falam dos princípios no âmbito do positivismo jurídico e da concepção jusnaturalista, disciplinando que:
Os princípios, segundo a concepção jusnaturalista, são metajurídicos, situam-se acima do direito positivo, sobre o qual exercem uma função corretiva e prioritária, de modo que prevalecem sobre as leis que os contrariam, expressando valores que não podem ser contrariados pelas leis positivas, uma vez que são regras de direito natural.
Para o positivismo jurídico os princípios estão situados no ordenamento jurídico, nas leis em que são plasmados, cumprindo uma função integrativa das lacunas, e são descobertos de modo indutivo, partindo das leis para atingir as regras mais gerais que delas derivam, restritos, portanto, aos parâmetros do conjunto de normas vigentes, modificáveis na medida em que os seus fundamentos de direito positivo são alterados. (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014, p. 467).
De acordo com Martins (2016, p. 126), “Os princípios inspiram, orientam, guiam, fundamentam a construção do ordenamento jurídico. Sob certos aspectos, podem até limitar o ordenamento jurídico, erigido de acordo com os princípios”.
Segundo o que disciplina Sergio Pinto Martins, os princípios são basilares do sistema jurídico, e sem eles, a instituição e aplicação das normas estariam prejudicadas, uma vez que tais princípios atuam como sustentação, favorecendo um misto de abrangência e certas limitações para aplicação norma jurídica.
Para Martins (2016, p. 129), os princípios têm várias funções. A função informadora tem o objetivo de inspirar o legislador, proporcionando fundamentos para as normas jurídicas. A função normativa nasce de forma a complementar, preencher lacunas ou omissões da lei. Por fim, a função interpretativa orienta os intérpretes e aplicadores da lei.
No estudo do direito do trabalho, a aplicação dos princípios se dá de forma estrutural, assumindo uma função protetiva aos direitos do trabalhador que na relação empregatícia se encontra submisso ao empregador, assegurando o mínimo de direitos que sobretudo não podem fazer parte de livre disposição ou negociação, pois são direitos individuais indisponíveis.
4. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
O princípio da proteção ao trabalhador é considerado por doutrinadores do direito como princípio basilar para construção e aplicação do direito do trabalho. Sua maior finalidade é proporcionar equidade e equilíbrio na relação trabalhista, vez em que o trabalhador é visto com inferioridade ante ao empregador que detém o poder econômico da atividade laboral.
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho (DELGADO, 2002, p. 193).
Segundo apresenta Delgado (2002), o princípio da proteção está presente, agindo de forma direta no direito individual do trabalho, manifestando-se como direito em toda sua propriedade. É evidente a influência deste instituto na busca constante de condições que possam favorecer e beneficiar o trabalhador na relação trabalhista.
Para Oliveira (2017), o princípio da proteção possibilita uma atuação por vias técnicas ou por regras, proporcionando um conjunto de garantias mínimas para o trabalhador, devendo ser aplicado em seu favor. Um exemplo de proteção técnica pode ser visto através da edição de normas técnicas para proteção do trabalhador.
Arnaldo Sussekind afirma que:
O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a instituição básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade (SUSSEKIND, 1993, p. 128 citado por OLIVEIRA, 2017).
Para Sussekind (1993), o princípio da proteção ao trabalhador é direito cogente no mundo do trabalho, e fundamental para garantia da igualdade, tendo o Estado como garantidor deste princípio o dever de criar mecanismos com objetivo de limitar a autonomia de vontade entre empregado e empregador.
O jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez (2000) se refere ao princípio da proteção como critério fundamental para orientação do Direito do Trabalho, dividindo este princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dubio pro operario, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica. Explica o autor:
a) a regra in dubio, pro operario. Critério que deve ser utilizar o juiz ou o intérprete para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador;
b) a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; e
c) a regra da condição mais benéfica. Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador (PLÁ RODRIGUEZ, 2000).
Para doutrinadores como Amauri e Sônia Nascimento (2014, p. 471 e 472), o in dubio pro operario é um princípio que procura, em sua essência, a interpretação do direito, que diante de lacunas identificadas em seu sentido e alcance, o interprete e julgador deverá adotar a hipótese mais benéfica para o trabalhador. A prevalência da norma favorável ao trabalhador diz respeito à hierarquia, manifestada quando duas ou mais normas disciplinarem o mesmo direito, tendo aplicação dominante aquela mais favorável ao trabalhador. Quanto ao princípio da condição mais benéfica, Amauri e Sônia Nascimento destacam que:
[...] tem a função de solucionar o problema da aplicação da norma no tempo para resguardar as vantagens que o trabalhador tem nos casos de transformações prejudiciais que podiam afetá-lo, sendo, portanto, a aplicação, no direito do trabalho, do princípio do direito adquirido do direito comum (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2014, p. 471 e 472).
Segundo a definição de Martins (2016), a aplicação da norma mais favorável pode ser dividida de três maneiras:
(a) a elaboração da norma mais favorável, em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. Com isso se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador; (b) a hierarquia das normas jurídicas: havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador; (c) a interpretação da norma mais favorável: da mesma forma, havendo várias normas a observar, deve-se aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador (MARTINS, 2016, p. 134).
Exposto o entendimento da aplicação da norma mais favorável, pode-se inferir que sua função é resguardar a condição mais benéfica e favorável ao trabalhador, independentemente do surgimento de lei nova ou hierarquia das normas jurídicas existentes em matéria de direito trabalhista.
5. A APLICAÇÃO DO ART. 611-A, INCISO XII E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR
A Reforma Trabalhista, trazendo em sua metodologia de construção a possibilidade de flexibilização das normas contidas no direito do trabalho, da prevalência do acordado sobre o legislado, instituiu no art. 611-A, inciso XII, da Lei 13.467/2017, que:
Art. 611 – A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
XII – enquadramento do grau de insalubridade.
Para elucidar a redação dada pelo artigo supracitado, faz-se necessário conhecer as definições de convenção coletiva e acordo coletivo de trabalho. Segundo Sergio pinto Martins (2016):
Convenção coletiva de trabalho é o negócio jurídico entre sindicato de empregados e sindicato de empregadores sobre condições de trabalho.
Acordo coletivo de trabalho é o negócio jurídico entre o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas pertencentes à categoria econômica sobre condições de trabalho (MARTINS, 2016, p. 1202).
Para Martins (2016), é comum nas duas modalidades de negociação a tratativa de assuntos relacionados com a melhoria das condições de trabalho.
O modelo de flexibilização apresentado pela reforma trabalhista é de longe a mais evidente deturpação do sistema constitucional que vela pelo princípio da proteção ao trabalhador. A Carta Constitucional estabelece direitos mínimos que são assegurados ao trabalhador, direitos que não podem ser objeto de negociação, e um desses direitos está relacionado à saúde e segurança no ambiente de trabalho.
Delgado (2017), faz um apontamento importante sobre o inciso XII do art. 611-A da Consolidação das Leis Trabalhistas, segundo o autor, tal artigo,
[...] entra em choque com a própria Lei da Reforma Trabalhista, uma vez que esta enfatiza que configuram objeto ilícito da negociação coletiva trabalhista a supressão ou redução de diversos direitos, entre os quais aqueles que resultem de “normas de saúde, higiene e segurança do trabalho prevista em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho” (novo art. 611-B, caput e inciso XVII, CLT) (DELGADO, 2017, p. 265).
A Constituição Federal em seu artigo 7º prevê a possibilidade da prevalência de acordos e convenções coletivas, desde que sejam mais benéficas e visem à melhoria da condição social do trabalhador.
Segundo Martins (2016, p. 134), “o art. 7º da Constituição estabelece direitos mínimos, que são completados ou melhorados pela legislação ordinária ou pela vontade das partes. O objetivo não é piorar, mas melhorar a condição de trabalho”. Tal artigo da Constituição Federal deixa claro que se o acordo ou negociação do enquadramento do grau de insalubridade disposto na Reforma Trabalhista proporcionar situação mais favorável ao trabalhador, este se torna plenamente aceito pelo ordenamento jurídico.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 190, disciplina a incumbência do Ministério do Trabalho para aprovar o quadro de atividade e operações insalubres, adotando normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes. No mesmo sentido, a Súmula 194 do Supremo Tribunal Federal dispõem a competência do Ministério do Trabalho para a especificação das atividades insalubres.
A Norma Regulamentadora nº 15, matéria já estudada até aqui, estabelece em seu subitem 15.4.1.1 que:
Cabe a autoridade regional competente em matéria de segurança e saúde do trabalhador, comprovada a insalubridade por laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, devidamente habilitado, fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização.
Souza Júnior (2017), define em sua análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017 que:
[...] a temática do enquadramento do grau de insalubridade constitui matéria eminentemente técnica, ligada a uma dimensão de proteção imaterial relacionada à própria existencialidade obreira (saúde e qualidade de vida), sempre a demandar análise profissional especializada. Não se trata, portanto de questão patrimonial comum passível de ser discutida em mesa de negociação, sob pena de odiosa monetização da saúde humana (SOUZA JÚNIOR; [et al], 2017, p. 290).
É evidente que o Ministério do Trabalho tem a competência técnica e legal para disciplinar sobre políticas e diretrizes envolvendo os aspectos relacionados à segurança e saúde dos trabalhadores, destinando também aos profissionais legalmente habilitados em matéria de saúde e segurança do trabalho a responsabilidade da elaboração de laudos técnicos, com objetivo de fixar adicional de insalubridade devido aos trabalhadores.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças realizadas pela Lei 13.467/2017 com objetivo de proporcionar uma modernização na relação de trabalho, alterou substancialmente preceitos destinados a Segurança e Saúde do Trabalho, sobretudo com a possibilidade da negociação do enquadramento do grau de insalubridade.
Com o presente estudo, foi possível identificar que em nosso ordenamento jurídico existe um conjunto de leis e normas técnicas elaboradas com objetivo de disciplinar o enquadramento das atividades e operações insalubres.
Verificou-se que o princípio da proteção ao trabalhador é mandamento constitucional basilar no direito do trabalho, responsável pela proteção de todo e qualquer ato que possa desfavorecer ou expor o trabalhador a situações de fragrante desvantagem na relação trabalhista.
Em seguida, demonstrou-se que embora a Consolidação das Leis Trabalhistas permita a negociação do enquadramento do grau de insalubridade, conforme disposto no art. 611-A, inciso XII, tal dispositivo legal não poderá ser utilizado como objeto de flexibilização na tentativa de reduzir o grau de insalubridade devido ao trabalhador exposto a ambientes insalubres, contrariando princípios constitucionais que velam pela proteção ao trabalhador, cabendo, exclusivamente a esses instrumentos de negociação coletiva buscar a melhoria contínua das condições de trabalho do trabalhador.
Diante ao exposto, é reprovável considerar a possibilidade de aplicação da reforma trabalhista para permitir que a Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo de Trabalho determine o enquadramento do grau de insalubridade, transgredindo princípios constitucionais de proteção ao trabalhador e violando direitos trabalhistas fundamentais e de indisponibilidade absoluta.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Murilo Braz Vieira. Advogado, graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás (2004) e Pós graduado em Direito Público (EPD-SP) e Direito Constitucional (UFG). É Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil(2015) Professor da Faculdade Serra do Carmo, Brasil. [email protected]
Bacharelando do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Ennio Marcos de Melo. Concessão do adicional de insalubridade e o princípio constitucional de proteção ao trabalhador: na perspectiva da nova reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51957/concessao-do-adicional-de-insalubridade-e-o-principio-constitucional-de-protecao-ao-trabalhador-na-perspectiva-da-nova-reforma-trabalhista. Acesso em: 02 nov 2024.
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