O artigo traça consideração acerca da filiação biológica, jurídica na ação investigatória de paternidade. A Constituição Federal de 1988 provocou uma importante alteração no Direito de Família através do princípio da igualdade da filiação.
A investigação tem por finalidade identificar os ascendentes de determinada pessoa. Há diversos meios de prova, no entanto, com o advento do exame de DNA, o julgador opta, na maioria das vezes, por somente esse meio de prova.
A prova pericial não deve ser vista como meio absoluto de determinação de paternidade, devendo levar em conta a falibilidade do exame de DNA. Enquanto técnicas atuais não tiverem caráter de certeza absoluta, atingindo cem por cento de veracidade, elas continuarão a ser um meio de exclusão e não identificação. Ou seja, a exclusão é categórica e a inclusão probabilística. Foi utilizado método de revisão bibliográfica, a fim de viabilizar esse estudo.
Neste alvorecer de milênio, o Direito de família passa por intrínsecas transformações, espelhando a mudança de valores que regem a sociedade e a própria família. Assim, várias situações novas surgem, as quais o Ordenamento Jurídico deve disciplinar.
Uma das questões centrais dessa nova fase do direito de família é o problema do reconhecimento da paternidade e seus efeitos. Tal tema tem sido tratado com exaustão pelos grandes doutrinadores do País, em face da mudança ocasionada pela Carta Magna de 1988, que igualou em direitos os filhos havidos, ou não, fora do casamento.
Entretanto, se o tema focado não é tão novo, ele toma, atualmente, novos contornos, em conseqüência dos avanços da ciência no que se refere à comprovação da paternidade, bem como do princípio do melhor interesse da criança que vem sendo implementado pela doutrina e pela jurisprudência.
O presente estudo versa sobre a influência do exame de DNA nas ações de investigação de paternidade as quais eram instruídas a partir de exames de sangue muito mais simples, que não possuíam o índice de certeza oferecido pelo exame de DNA. Tal método científico mostra-se capaz de identificar algumas informações genéticas herdadas pelo indivíduo que, na verdade, são combinações de genes do pai e da mãe.
Após o seu advento, a análise do DNA tornou-se o meio de prova mais utilizado nas ações de investigação de paternidade, transformando muitos conceitos do ordenamento jurídico; principalmente, aqueles inerentes ao reconhecimento do estado de filho.
Essa inovação, no entanto, não é aceita de forma unânime entre os pensadores de Direito, gerando dois posicionamentos principais, abordados neste trabalho: a prova pericial como meio absoluto de determinação da paternidade e a falibilidade do exame de DNA.
Os principais pontos referentes à possibilidade, ou não, de se afirmar que a prova genética, e apenas ela, é capaz de decidir de forma absoluta o vínculo familiar liga-se ao fator mais importante deste trabalho, cujo principal objetivo é demonstrar as transformações geradas pelo ingresso do teste de DNA nas ações de investigação de paternidade.
O Direito de Família Pátrio e, por conseqüência, a acepção jurídica de entidade familiar passou, no período compreendido entre 1916 e 1988, por um decisivo processo de transformação. Neste interregno, visualizam-se duas relevantes abordagens: a primeira, compreendida pelo Código Civil brasileiro de 1916, era de cunho patriarcal, contemplando a "família-instituição", diretamente ligada ao casamento, conforme depreende-se da seguinte definição: "Direito de Família é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento ou pelo parentesco.” (GOMES, 1978, p. 13).
Vale lembrar que a família sofreu, nas últimas décadas, profundas mudanças de função, natureza, composição e, conseqüentemente, de concepção, sobretudo após o advento do Estado Social.
O Estado Legislador passou a se interessar de forma clara pelas relações de família, em suas variáveis manifestações sociais. Daí a progressiva tutela constitucional, ampliando o âmbito dos interesses protegidos, definindo modelos nem sempre acompanhados pela rápida evolução social, a qual engendra novos valores e tendências que se concretizam a despeito da lei.
Esse tipo patriarcal, ao longo dos anos, sofreu modificações devido às desigualdades dentro das famílias, em conseqüência do surgimento da liberdade de escolha.
A família atual parte de princípios básicos, de conteúdo mutante, segundo as vicissitudes históricas, culturais e políticas: a liberdade, a solidariedade, o respeito ao outro. Sem eles, é impossível compreendê-la.
A família tradicional era centrada no matrimônio, voltada para suas crenças e divisão de seus papéis. O homem exercia poder sobre a mulher e os filhos; assim a paternidade era exercício de poder.
A família patriarcal, que nossa legislação civil brasileira tomou como modelo, ao longo do século XX, entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição de 1988.
A instituição atual passou a ter a proteção do Estado, constituindo essa proteção um direito subjetivo público, oponível ao próprio Estado e à sociedade. A proteção do Estado à família é, hoje, princípio universalmente aceito e adotado, nas constituições da maioria dos países, independentemente do sistema político ou ideológico. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, assegura às pessoas humanas o “direito de fundar uma família”, estabelecendo no art. 16. 3: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e do Estado”.
O casamento apresentava-se como fonte única de sua constituição. Inclusive, trazia o reconhecimento pela religião e concedia o direito à prática do ato sexual, pretendendo que os cônjuges não buscassem a satisfação de seus instintos fora do casamento. Revela-se, assim, no modelo codificado, a regra da indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Desta forma, a garantia da estrutura familiar apresentada se dava pela observação tanto da necessidade de matrimonialização, como no modelo de legitimidade dos filhos. Tal preceito pautava-se na proibição do reconhecimento dos filhos extramatrimoniais e na atuação da presunção pater is est.
Dessa forma, verifica-se a grande preocupação da lei no que dizia respeito à proteção da entidade familiar, através do aspecto da legitimidade da união e dos filhos dela havidos. Ainda, outro fator relevante na análise das normas da época, consiste o patrimonial, justificativo da função primordial de transmissão do nome paterno: "A família, como rede de pessoas e conjunto de bens, é um nome, um sangue, um patrimônio material e simbólico, herdado e transmitido”. Nesse contexto, a família evidencia um fluxo de propriedades que depende primeiramente da lei.
Vale ressaltar que uniões sem casamento foram gradativamente aceitas pela sociedade, ao passo que novas famílias estruturaram-se independentemente das núpcias, conduzidas por um único membro, o pai ou a mãe. Diante disso e das demais transformações sociais, o modelo legal codificado tornou-se insuficiente, cada vez mais distante da pluralidade social existente. Na verdade, os fatos concretos opuseram-se ao Direito, exigindo maior proteção.
A regulamentação legal da família voltava-se, anteriormente, para a máxima proteção da paz doméstica, considerando-se a família fundada no casamento como um bem em si mesmo, enaltecida como instituição essencial. Hoje, ao revés, não se pode ter dúvida quanto à funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, devendo a comunidade familiar ser preservada, como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana.
Por sua vez, o modelo contemporâneo tem destacado o seu aspecto pessoal e igualitário, valorizando os interesses individuais dos seus membros e buscando a felicidade como mola propulsora de sua continuidade. Na verdade, a família e o casamento visam ao desenvolvimento da pessoa.
Nessa conjuntura, então, surgiram normas asseguradoras de ampla igualdade entre todos os filhos, nascidos antes ou depois, dentro ou fora do casamento. Tal visão propiciou respaldo constitucional para aqueles que desejassem ser reconhecidos como filhos, carregar o nome e apelido de família do genitor e exercer todos os direitos e deveres atribuídos aos descendentes. Como disse o Professor Caio Mário da Silva Pereira: “filhos fora do casamento sempre existiram e sempre existirão” (PEREIRA, 1998, p. 52-53).
Cabe ressaltar que não apenas a redução na extensão da família, mas ainda a mudança dos papéis, além do descompasso entre o modelo legislado e da pluralidade social existentes resultaram na proteção jurídica à figura da família nuclear, centrada na tríade pai-mãe-filho, bem como a formada por um só dos pais e seu filho. Oportunamente, a Constituição Federal recepcionou-as e reconheceu-as, em seu art. 226. O objeto da proteção estatal é a pessoa humana e o desenvolvimento de sua personalidade.
O primeiro destaque é o art. 226, caput, da Constituição segundo o qual "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado"; assim, compromete-se pela sua integridade. Adota, ao longo de seus parágrafos, a concepção eudemonista, equiparando-a e reconhecendo efeitos jurídicos à união estável entre homem e mulher (§ 3º) e ao grupo monoparental, em que vive apenas um dos genitores e descendentes, filhos ou netos (§ 4º). Assim, evidencia-se uma Constituição de cunho marcadamente compromissário, mas que erigiu a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento de nosso Estado democrático de Direito.
Nesse ideal de família-modelo do Estado Social Democrático de Direito, a filiação também resta protegida com a chegada da Constituição de 1988, que estabeleceu igualdade de tratamento entre os filhos provenientes de matrimônio ou não. Traçado o perfil da família codificada importa, então, conhecer o papel nela desempenhado pela filiação, dada sua importância na sustentação do modelo patriarcal.
Do latim, filiatio traduz-se pela relação de parentesco que se constitui entre pais e filhos em linha reta, gerando o estado de filho. Ou seja, filiação é o vinculo de parentesco que une os filhos aos pais. Esta não decorre unicamente da consangüinidade; há também outros institutos como adoção.
Todo ser humano, ao ser gerado, precisa de um pai e de uma mãe; todos os filhos procriados são plenos para exercerem seus direitos e deveres, em um grupo social como a família que, por sua vez, é célula da sociedade. Esta representa a continuação da espécie, daí que a filiação constitua objeto de apreciação de diversas áreas do saber, entre elas, a genética, que procura descobrir os traços comuns transmitidos de pai para filho.
O direito ao reconhecimento da origem genética é personalíssimo da criança, não sendo passível de obstacularização, renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai, inexistindo, portanto, a possibilidade de se ter presumido o vínculo paternal.
O artigo 27 da Lei 8. 069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estabelece o seguinte: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.
Na definição da Professora Maria Helena Diniz, “filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida (DINIZ, 2002, p. 372). Já o Jurisconsulto Pontes de Miranda sustenta que:
filiação é a relação que o fato da procriação estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascidas da outra. Chama-se paternidade, ou maternidade, quando considerada com respeito ao pai, ou à mãe, e filiação, quando do filho para qualquer dos genitores (MIRANDA, P., 2000, p. 45).
Após o advento da Magna Carta, em 1988, não há mais que se falar em filhos legítimos, ilegítimos, naturais, adulterinos e incestuosos. Aliás, essas duas últimas designações deixaram de existir em nosso direito, pois com o advento da CF/88, reconhecida a paternidade, vigora o princípio da isonomia entre os filhos, não podendo haver discriminação sob qualquer aspecto.
Dispõe o parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que, in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Os romanos proclamavam: mater semper certa est (a mãe sempre é certa), pois a maternidade se evidencia fisicamente pela gravidez e pelo parto. Já a paternidade, dada sua incerteza, estabelece-se através de indícios e presunções. O pragmatismo dos romanos fez valer a regra pater is est quem justae nuptiae demonstrant, fazendo presumir que o pai é o marido.
Quanto à paternidade, não há total certeza do vínculo com o filho, uma vez que a paternidade era sempre incerta – pater semper incertus est. No afã, então, de se criar um meio para a fixação da paternidade, originou-se o instituto da presunção da paternidade, mais conhecido como pater is est.
Sobre o instituto da presunção pater is est, preleciona o eminente Luiz Edson Fachin (1992, p. 21):
[... ] diante da certeza da maternidade, o eixo do estabelecimento da paternidade gira em torno da figura da mãe: se esta for casada, opera presunção pater is est; se a mãe não for casada, a filiação paternal pode ser estabelecida pelo reconhecimento voluntário ou por investigação.
Sempre houve dificuldades em se atribuir a paternidade ou maternidade a alguém, principalmente a paternidade. Com isso, nas mais diversas legislações do mundo, começou-se, com base no Direito Romano, a se estabelecerem presunções de maternidade e paternidade.
O sistema de presunção da paternidade fincou a premissa de que o marido da mãe seria o pai dos filhos dela, concebidos durante o casamento, a qual foi chamada de presunção pater is est.
Exceções à parte, a mulher casada é fecundada pelo marido e, mormente, o pai jurídico, o esposo, é o pai biológico de seus filhos. Diante disso, a presunção de paternidade encontra no casamento o critério da filiação.
O preceito pater is est não foi revogado no novo Código Civil Brasileiro, uma vez que pelo art. 1. 597 presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; os nascidos dentro de trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; os havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga e os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Pater is est consiste numa presunção legal dita juris tantum ou relativa, dado que pode ser afastada por iniciativa do marido que detém, segundo o art. 1601 do novo Código Civil, o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação, agora, imprescritível.
Segundo Veloso (1997, p.52), a presunção pater is est está inserida em uma concepção patriarcal e hierarquizada da família e da família matrimonializada, que produzia filhos “legítimos”, conforme um modelo multissecular, que foi profundamente abalado, revisto, reavaliado, principalmente, na segunda metade do século passado. Desta forma, tanto no espaço europeu, como no brasileiro, a aludida presunção não tem mais a força e o vigor do passado e, mesmo assim, não foi revogada pelo novo Código Civil. Embora continue admitida, vem sendo acompanhada de ressalvas, limitações, restrições, por obra de jurisprudência construtiva e renovadora.
No Direito Brasileiro, a investigação de paternidade só surgiu no projeto Bevilácqua, presente no artigo 363 do Código Civil de 1916.
Antes de 1916, a investigação de paternidade era terminantemente proibida. Por volta do século XVII, os juristas começaram a admitir a prova da paternidade ilegítima por diversos meios, inclusive pelo juramento da mãe, perante autoridades e pela confissão expressa e espontânea do pai. Nessa época, tal procedimento era chamado “reconhecimento forçado da filiação”. Na atualidade, esse processo visa à declaração judicial de vínculo paternal, no qual figuram, no pólo ativo da demanda, o nascituro, o filho ou o Ministério Público e no pólo passivo, os pais ou herdeiros consoante os dizeres do Estatuto da Criança e do Adolescente
Constitui-se uma Ação de Estado por excelência, visto que se encontra o filho numa situação juridicamente indeterminada, no aguardo da pronúncia estatal, a qual declarará o seu efetivo status no seio familiar. Como decorrente do estado de família, é uma ação intransmissível, imprescritível, irrenunciável e personalíssima. Trata-se de ação de estado, como já explícito anteriormente, porquanto o indivíduo encontra-se numa situação jurídica indeterminada, sem status familiae.
Enfatiza-se que a investigação de paternidade sempre mereceu especial atenção da Justiça. Vários métodos foram empregados para obtenção de dados que sugerissem a hipótese da paternidade, mas somente no século passado foi possível o estudo científico dessa matéria, o que foi feito através dos primeiros marcadores genéticos.
A descoberta do sistema ABO (1901) foi o marco inicial no sentido de prova na investigação de paternidade. Esse sistema, juntamente com outros (Rh, Mn, Ss Duuffy, Kidd), compõem os marcadores eritrocitários e recebem tal denominação por serem estudados nos glóbulos vermelhos do sangue. Depois, outro marco importante foi o sistema HLA (1952), por meio de estudos dos glóbulos brancos do corpo humano. Na atualidade, o mais completo de todos os sistemas é o estudo de regiões específicas do DNA (1985). Com ele, completou-se o conjunto de todas as provas destinadas a determinar o vínculo genético. O ácido desoxirribonucléico constitui-se na sede de todas as informações genéticas que herdamos de nossos pais e transmitimos aos nossos filhos.
O exame de HLA, muito utilizado no passado e ainda hoje, quando não se dispõe da moderna tecnologia do DNA, vem sendo rapidamente substituído pelo de DNA, nos últimos anos.
O próprio custo do exame de DNA já é igual ao do exame de HLA, em vários laboratórios. O uso do sistema HLA em testes de paternidade possui em duas limitações: a primeira refere-se ao seu baixo poder de exclusão quando comparado ao DNA; a segunda limitação é que o HLA, nos casos em que este exame não demonstra exclusão de paternidade, não consegue atribuir a paternidade, ou seja, afirmar que aquele individuo é o pai biológico, e mais nenhum outro da população.
Não há limite de idade para a análise de DNA. Pode ser efetuado em bebês, recém-nascidos ou ainda durante a gravidez. O exame em DNA pode ser feito com sangue tirado há semanas, meses, ou até mesmo anos. Isto porque o DNA é uma molécula estável que pode ser extraída e congelada por períodos prolongados, dando maior flexibilidade ao exame. Permite, também, fazer o teste na ausência de pessoas-chave como, por exemplo, a mãe e o próprio suposto pai.
Com o avanço da biologia genética, a análise em DNA evidencia-se o teste de paternidade mais preciso, completo e eficaz, possível, atualmente. A chance do teste em DNA por P. C. R detectar um homem que esteja falsamente acusado de ser o pai biológico é superior a 99, 999%.
A esse avanço científico-tecnológico convencionou-se chamar de Medicina Genética e o cerne de todas essas mudanças está assentado na molécula de DNA, uma proteína que confere traços hereditários a cada indivíduo. Descoberto na segunda metade do século XX, dez anos depois, em 1953, o biólogo norte-americano Jonas Watson e o físico inglês Francis Crick, revelaram a estrutura do DNA
No entanto, é imprescindível que se tenha uma série de controles da qualidade do exame, desde a etapa de identificação dos indivíduos, até a elaboração e entrega do laudo.
Esse procedimento cauteloso é realizado como mais um controle para evitar trocas de amostras, seja na coleta, ou na remessa do material ao laboratório que fará a parte analítica.
O padrão de DNA de um individuo não é alterado por drogas, álcool, medicamentos, alimentos, idade ou modo de vida. Também não há necessidade de jejum, nem mudanças na rotina.
De uma maneira geral, os operadores do direito deparam-se com esses procedimentos na busca de soluções de crimes ou casos de investigação de paternidade.
Antes, os outros métodos somente podiam concluir quem não era o pai verdadeiro (exclusão de paternidade); hoje com DNA, por exemplo, pode-se afirmar a possibilidade que o indivíduo é o pai de uma criança (inclusão de paternidade).
Fonseca (1958, p.168) prenunciava uma inclinação em defesa dos filhos, os quais, dizia, não tinham nenhuma culpa pelo envolvimento espúrio de seus pais, entendendo devesse lhes ser assegurada a investigação da sua paternidade, desde que condicionada a uma prova robusta.
Conforme preceitua Simas Filho (1996, p.54) “prova é a demonstração da verdade dos fatos, pertinentes e controvertidos, em que se fundamenta a ação ou a resposta. Prova não é meio; é resultado”.
Art 332: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados nesse código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que funda a ação da defesa”.
A Constituição Federal de 1988 também não relegou o tema, dizendo no artigo 5°, LVI, o seguinte: “São admissíveis no processo as provas obtidas por meios lícitos”.
Desse modo, há de se concluir que todos os meios legais, como ainda os moralmente legítimos, ainda que não especificados na lei, são instrumentos capazes de provar a verdade dos fatos, em que funda a ação da defesa.
Transcrevem-se alguns aspectos e passagens do voto do Min. Francisco Rezek.
Provas documental e testemunhal são quase sempre impossíveis. No campo pericial o desenvolvimento científico facilita a busca da verdade, mas obstáculos como a recusa à submissão ao exame podem ocorrer. Deve o julgador saber valorar com os demais elementos de prova, a insubordinação. A recusa mesma induz à presunção de paternidade, facilitando o desfecho da demanda, mas resolvendo de modo insatisfatório o tema da identidade do investigante.
Propositalmente, iniciar-se-á pela prova através de documentos. Isso porque passar-se-á a analisar o meio de prova de maior valor, antes, é claro, da evolução da prova através do exame de DNA. A relevância da descoberta da prova genética, no entanto, não significa dizer que a prova documental tenha perdido a sua nobreza, porque continua sendo a própria declaração de vontade, expressa de forma escrita, porquanto há manifestação de vontade inequívoca, comprovadamente produzida pelo suposto pai, que assume a paternidade do autor. Mostra-se incabível, em princípio, deferimento de prova pericial pela parte contrária.
Segundo Lopes (1999, p. 102), “documento é toda representação de um fato ou de um ato”. Theodoro Júnior (1999, p. 444), por sua vez, conceitua documento como “o resultado de uma obra humana que tenha por objetivo fixação ou retratação material de algum acontecimento”.
São vários os documentos passíveis de utilização em juízo, entre eles: declarações, cartas, cartões de aniversário, bilhetes, emails ou telegramas enviados pelo suposto pai à mãe do investigante que evidenciem ter havido relacionamento íntimo entre ambos, coincidir a época da concepção. Esses constituem instrumentos valiosos na instrução da causa.
Esse meio surge quando se faz necessária a presença de pessoas, que não as partes conhecedoras dos fatos. Nesse momento do processo, as testemunhas vêm à juízo e relatam tudo aquilo que lembram; por isso, muitos estudiosos dizem que a prova testemunhal é a mais falível entre todas as outras.
Consiste na acolhida pelo juiz, com reserva, pelo fato de se deixarem as testemunhas influenciar pela amizade. Como qualquer situação fática, a paternidade pode ser provada por testemunhas. O valor da prova testemunhal também é relativo. As testemunhas, nesse caso, pela natureza do fato a ser provado, fazem parte do círculo de convivência e amizade das partes, podendo ser suas declarações influenciadas por essas relações. Além disso, a paternidade é fato biológico, devendo ser comprovada por meios capazes de verificar essa vinculação.
Na definição de Lopes (1999, p. 131), “é a que é produzida mediante inquirição de pessoas estranhas ao processo, que têm conhecimento dos fatos ou atos já demonstração interessa à solução da causa”.
As testemunhas têm como função reproduzir os acontecimentos que ficaram presentes em suas memórias, sempre através de depoimento oral, na presença do juiz e das partes.
Cabe ressaltar que as relações sexuais ocorrem, em, geral de forma secreta, reservada; não comportam, pois, prova direta. Beccaria ensinava que “a testemunha diz a verdade, quando não tem interesse de mentir”.
Apesar de ser o meio de prova mais antigo e mais utilizado pela justiça, a grande maioria dos litígios não pode ser solucionado exclusivamente através do testemunho. O maior exemplo dessa situação é exatamente nos casos de investigação de paternidade, nos quais não se pode admitir que a declaração de estado de filho seja baseada unicamente em testemunhos, ante à existência de provas mais confiáveis, como a pericial.
No entanto, as testemunhas, muitas vezes, são peças fundamentais para solucionar inúmeros litígios deduzidos em juízo.
EXAME DE SANGUE: adequado para excluir a paternidade, se o filho e o pretenso pai pertencerem a diversos grupos sanguíneos. É prova negativa; portanto, só serve para excluir a paternidade.
EXAME PROSOPOGRÁFICO: consiste na ampliação de fotografias do investigante e do investigado, justapondo-se uma a outra, inserindo alguma das partes de uma na outra (nariz, olhos, orelha, raiz do cabelo). Verifica-se a semelhança física entre o investigante e o investigado, realizada pela justaposição de fotografias por corte longitudinais e transversais. Esse meio de prova também é fraco, não autorizando à certeza quanto à paternidade, pois pessoas que não possuem relação de parentesco alguma podem ser fisicamente semelhantes.
Lembra-se que Posse de estado de filho é a situação de fato estabelecida entre o pretenso pai e o investigante, capaz de revelar tal parentesco, desde que o filho use o nome do investigado, receba tratamento como filho e goze do conceito do suposto pai (fama).
Em épocas passadas, o Judiciário não dispunha de métodos científicos capazes de identificar, com certeza, a paternidade. Assim, restava ao julgador a análise minuciosa das provas contidas nos autos, tais como, documental e, principalmente, testemunhal.
Com a criação e desenvolvimento do exame de DNA, a Investigação de Paternidade perdeu a natureza investigatória. Note-se nos casos em que os juízes deferem a produção probatória, através do exame de DNA.
Utilizando-se dos artifícios tecnológicos, como o exame de DNA para verificação correta e exata de vínculo paternal, o Judiciário economiza muito tempo e dinheiro para os cofres públicos. Da produção de provas pelo exame de DNA, na investigação de paternidade, utilizando-se, caso necessário, da coação estatal, restará desembaraçado o judiciário, pois verificar-se-á que as decisões de mérito na Ação de Investigação e Paternidade serão oriundas da mera recepção do Exame de DNA. Então, ficam as ações judiciais, restritas a uma declaração judicial, sem necessidade de grandes dilações probatórias.
O fato é que no Direito Processual Civil Brasileiro inexiste hierarquia entre as provas; portanto, se a parte apresentar somente a referida prova pericial, corre o risco do magistrado rechaçá-la e considerar as outras provas constantes dos autos para alicerçar sua decisão.
Faz-se correta a asserção segundo a qual só deve haver o julgamento do mérito nas aludidas ações, quando esgotados todos os meios probatórios na fase de instrução processual, eis que a sentença de mérito nessas ações é extremamente séria, já que envolve o direito natural, constitucional e indisponível da personalidade. Isso se constitui um verdadeiro óbice ao reconhecimento da paternidade, alicerçado somente na verdade formal. Diante disso, o juiz deve determinar todas as provas necessárias a sua própria convicção para calçar sua sentença sempre na verdade material. Evitará, dessa maneira, decisões que frustrem outros direitos.
Um dos principais escopos do Estado consiste na solução de conflitos de interesses existentes na sociedade.
Tal tema versa, principalmente, sobre a desconcórdia que pode ocorrer entre princípios da necessidade social da definitividade das decisões judiciais e os princípios da dignidade e da personalidade, quando do julgamento de uma ação de investigatória de paternidade. Isto é, tratar-se-á mais especificamente da possibilidade de relativização do instituto jurídico da res judicata.
Conforme ensina Theodoro Junior (2000, p. 463):
A diferença entre a coisa julgada material e formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra sentença.
Na investigação de paternidade, os magistrados devem valer-se dos avanços científicos da perícia genética, para tentarem atingir a verdade material, posto que esta ação envolve questões de cunho psicológico, além de vários direitos tutelados constitucionalmente.
Mesmo quando estiverem presentes todos os requisitos necessários, as sentenças prolatadas nas mencionadas ações devem ter a força de sua coisa julgada, relativizada.
Essa assertiva procede devido ao fato de que, apesar da coisa julgada existir para suprir a necessidade social da definitividade das decisões, há algumas eivadas de equívocos. Esse direito está em um plano mais elevado na escala normativa, qual seja, o direito do indivíduo saber sobre sua ascendência ou descendência biológica.
Sem dúvida, se for atribuída a determinada pessoa uma paternidade que não é a sua, esse indivíduo pode sofrer danos morais e materiais irreversíveis. Deve-se, pois, dar a ele a oportunidade de impugnação da sentença a qualquer tempo, visto que, além de tratar-se de direitos imprescritíveis, é matéria de ordem pública. Então, o formalismo do processo não deve ser obstáculo para se buscar a verdade real, devendo sim, ser flexibilizada a força da coisa julgada, em nome dos valores mais altos, isto é, aqueles que dão direito do indivíduo saber quem são os seus ancestrais e descendentes biológicos.
A segurança jurídica não pode ser óbice à verdade, sob pena de se criarem ficções jurídicas absurdas, prejudicando as partes, bem como toda a sociedade, posto que uma sentença equivocada ou alicerçada em fatos inverídicos poderia gerar direitos e obrigações sucessórias, negociais e familiares para duas pessoas que não têm, na realidade, nenhum laço familiar.
Configurada a colisão entre o direito à segurança jurídica, decorrente da coisa julgada e os direitos fundamentais da personalidade e dignidade, devem prevalecer os dois últimos, eis que se a coisa julgada for considerada um direito fundamental absoluto, estar-se-á destruindo por completo o direito ao respeito e à convivência familiar.
Nas ações em que a paternidade não foi declarada por ausência de provas, antes da possibilidade da realização do teste do DNA e que a ação rescisória já não possa mais ser proposta, é que surgem divergências sobre a possibilidade da propositura de uma nova demanda.
Os que negam essa possibilidade defendem, principalmente, a segurança jurídica trazida pela coisa julgada, fundamentando a impossibilidade de julgamento da nova ação pelo disposto no art. 5°, da Constituição Federal e no art. 471 do Código de Processo Civil. Para essa corrente, o valor preponderante é a estabilidade trazida pela coisa julgada, não interessando o surgimento de novo meio de prova. Essa corrente é majoritária.
Outra parte da doutrina entende ser possível a propositura de uma nova ação de investigação de paternidade, com base, agora, no exame de DNA. O fundamento principal dessa corrente está ligado à prevalência da verdade real sobre a verdade formal.
Nesse sentido Almeida (2001, p.98-99) aduz que:
[... ] há a possibilidade de revisar um julgado no qual não se tenha utilizado do critério cientifico na apuração da verdade para torná-lo cientificamente seguro, isto porque a sentença proferida pode, ou não, coincidir com a verdade real, dada a sua estabilidade jurídica como furto da persuasão íntima do julgador, e não uma convicção cientifica.
Salienta-se não ser o instituto da coisa julgada enfoque central desse trabalho, porém admitindo-se a relevância do exame de DNA em diversos ordenamentos do direito de família, e, conseqüentemente, do direito processual, justifica-se a breve explanação acima.
A respeito dessa matéria, todas as ações de estado (filiação, estado civil, investigação de paternidade, etc. ), que objetivam a alteração, não admitem a confissão pela parte demandada, conforme proibição expressa no artigo 351 do Código de Processo Civil: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.
A presunção que interessa, nesse momento, é a legal, isto é, aquela estabelecida pela própria lei, a qual se subdivide em absoluta e condicional. A primeira é a conseqüência que a lei deduz, de forma expressa, de certos atos ou fatos, desinteressando a existência de prova em contrário (juris et jure). Quanto à presunção condicional, pode-se dizer que é aquela em que o ato ou fato são verdadeiros, até que se prove ao contrário (juris tantum).
Com relação à investigação de paternidade, a aplicabilidade desses conceitos aparece, principalmente, naqueles casos em que o pai não aceita se submeter à perícia através do exame de DNA.
Com a Constituição de 1988, houve uma busca frenética pelo reconhecimento da paternidade; concomitante a isso, conforme mencionado anteriormente, o surgimento do exame de DNA, que trouxe para o campo jurídico a certeza, ou quase ela, da paternidade biológica. A paternidade passou, pois, a ser vista, antes de mais nada, como vínculo de sangue.
Através da verdade biológica, pai e filho buscam uma certa face de sua identidade; o primeiro, sabendo-se perpetuado; e o segundo, conhecendo um pouco de si.
O DNA pode ser detectado no núcleo (centro) de qualquer célula de um organismo, dentro de pequenos pacotes genéticos chamados cromossomos, com exceção das células vermelhas do sangue (hemáceas) que não têm núcleo; portanto, não têm DNA. Assim, o DNA das células brancas de sangue de um indivíduo é exatamente igual ao DNA das células de pele desse indivíduo, dos tecidos, da raiz do cabelo, dos ossos, do sêmen, da saliva, dos músculos, das células contidas na urina.
Veloso (2000, p. 388) cita também um artigo de Rolf Madaleno a ser publicado sob título A sacralização da presunção na investigação de paternidade” que enuncia:
a minimização dos clássicos meios processuais de prova, o que pode ser facilmente deduzido das decisões jurisprudenciais, sacralizando a perícia genética, como sendo a suprema das provas, tornando-se as outras provas inúteis e dispensáveis. Já é momento de evitar o endeusamento do resultado pericial, convertendo o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior a de qualquer outra modalidade de prova judicial.
Salienta-se serem sérios os riscos da sacralização da presunção pela mera recusa na submissão ao exame de DNA. Isso ocorre especialmente quando essa negativa está escorada numa justificada oposição do investigado, quando nada lhe foi revelado acerca da infalibilidade do perito e do laboratório a que está vinculado em detectar o nexo biológico ao índice de uma probabilidade de paternidade igual a 99, 99999%.
Ademais, é preciso haver muita cautela, quando as ações investigatórias apenas relatam superficial relação duvidosa de correspondência fática, denotando em seu ventre uma demanda prenhe de ódio, rancor ou pura maldade. Também, quando não consignam mera malícia por um lucro exclusivamente material, sem que a inicial apresente informes mais sérios, e de razoável consistência, capazes de sustentar uma precipitada ordem de realização judicial de pericial genética.
Por sua vez, o alto grau de certeza dos exames de DNA transformou o Direito brasileiro, derrubando algumas de suas paredes e abalando outras, que permanecem, mas como ruínas.
A par de outras repercussões em esferas jurídicas distintas, sem dúvida, haverá grande ressonância no campo das ações jurídicas que questionam a paternidade, em que exame de DNA se tornou a prova máxima e decisiva, nos casos de investigação de paternidade. E com muito mais ênfase, quando na questão abordada, discute-se a obrigatoriedade ou não do investigado em submeter-se ao exame hematológico para a comprovação da paternidade discutida.
Sem dúvida, o exame de DNA evidencia-se uma prova indispensável à fiel obtenção da verdade, no processo de investigação de paternidade.
A verdade que se busca em juízo, seja pelas partes, seja pelo próprio magistrado, deve ser manipulada da forma mais ampla possível, porém sem exceder as barreiras e os limites do razoável, de modo a não colidir com os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, fundamentalmente assegurados nos Estados Democráticos de Direito. Mesmo para a busca dessa verdade, os postulados maiores condicionam limites. E, como diziam os romanos: Est modus in rebus – há um limite entre todas as coisas.
Na verdade, tem-se percebido que o exame do DNA passou a ser, para muitos operadores do Direito, condição sine qua non para a comprovação da paternidade, ao argumento de uma certeza, quase inabalável, não pode prosperar, principalmente quando se noticia diariamente pelos meios científicos acerca da imprestabilidade de alguns resultados e métodos de exames hematológicos. Isso decorre do fato de muitos deles serem confeccionados em laboratório não qualificados, despreparados e sem recursos científicos suficientes para a efetivação desses procedimentos.
Para Veloso (2000, p. 387), a “rainha das provas” suplantou todas as perícias sorológicas empregadas até então no debate judiciário civil e penal. Alerta o autor que muitos operadores e usuários do Direito assumem uma posição de adoração e submissão aos laudos periciais. Entretanto, já não é possível prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA, que não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.
O autor concorda com a importância do estudo do perfil genético do DNA, na investigação do vínculo de paternidade e maternidade, mas interroga se os seus resultados apresentam a condição de certeza absoluta e de fato inquestionável. Enfatiza que, mesmo sendo a análise do polimorfismo do DNA uma prova de grande futuro, na sua essência, seus métodos e técnicas não podem ser considerados, sob o prisma científico, uma prova infalível e de conclusões absolutas, capazes de transformar o magistrado em prisioneiro de seus resultados, “sacralizando” esse exame em detrimento de outros meios usuais e processuais de prova.
Se assim se procedem, tornar-se-á o julgador prisioneiro de seus resultados. É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova, cujo resultado permite uma certa margem de erro.
Prescreve Moraes (1997, p. 184), em preocupante vaticínio que: “a certeza científica, oferecida pelo exame de DNA, para determinação da paternidade encontra hoje um único obstáculo: a recusa do suposto pai a entregar o material necessário ao teste”.
Enfatiza-se que, conquanto o exame de DNA tenha adquirido enorme credibilidade entre os profissionais do Direito e a população leiga, ele não é infalível. Devem ainda ser consideradas as falhas humanas na aplicação do exame e mesmo na fiscalização dos laboratórios, como fatores capazes de comprometer o resultado.
Segundo os defensores dessa medida, a submissão a tal exame não demanda sacrifícios corpóreos consideráveis, que sejam legítimos a respaldar uma recusa fundada na alegação de que a parte deve ter respeitada a sua inviolabilidade corporal. Na verdade, a extração de uma amostra de sangue, ou mesmo de alguns fios de cabelo não causam sofrimento considerável.
A favor da condução coercitiva argumenta-se que não se pode desprezar a produção da prova genética do DNA, na busca da verdade.
Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que a extração desse material genético originasse sofrimento corporal significativo, deve-se entender que a busca da verdade real em relação à paternidade de um indivíduo e evidencia-se valor que se sobrepõe ao direito que se tem à inviolabilidade do corpo.
Quanto ao direito à intimidade, caso alguém alegue que não quer ter exposto seu código genético, sob o argumento de que tal exposição poderia resultar-lhe, por exemplo, preconceitos relativos a doenças congêneres, dever-se-ia entender que essa possibilidade perde em relevância para a busca da verdadeira informação quanto à paternidade de um indivíduo.
Além disso, importa ter em mente que o resultado de um exame de DNA, feito em um processo de investigação de paternidade, deve estar resguardado de outros usos (indevidos) pelo instrumentário do segredo de justiça, previsto, inclusive, constitucionalmente. Diante disso, as justificativas, também sob esse aspecto, mostram-se improcedentes para embasar uma recusa ao exame.
Da mesma forma, não é legítima a alegação de que alguém estaria escusado de se submeter ao exame de DNA, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Não se pode concordar com a consideração de que a prova efetiva de uma relação de paternidade, inicialmente suspeita, é prova produzida contra si. O direito que ganha relevância, aqui, é o direito de se ter certeza a respeito da existência ou não de tal vínculo familiar. O interesse da parte em omitir a informação que seria necessária e suficiente para estabelecer tal verdade é subjugada, nesse ponto, pelo interesse da sociedade em ver desvelada tal informação.
Então, a partir da recusa da parte em se submeter ao exame médico-pericial, como é o caso do exame de DNA, é que deverá se inverter o ônus da prova em relação àquela matéria objeto do exame. Cria-se, assim, uma presunção de que o exame recusado provaria, caso realizado, aquilo que é desfavorável a quem recusou. Mas essa presunção, conforme argumentamos, é iuris tantun, ou seja, é presunção que admite a possibilidade de prova em contrário, a partir de fatos carreados aos autos em fase de instrução.
Irrefutavelmente, filho tem direito de saber quem é seu pai, de portar o nome da família do pai, resguardando-o do constrangimento de ser filho de pai desconhecido, de se sentir rejeitado pelo pai que negou o reconhecimento da paternidade e das obrigações para com o filho. É preciso fortalecer vínculos de sangue, afeto e de direitos sucessórios, porque poderão ocorrer conseqüências sociais e psíquicas da inexistência ou ausência do pai. Origem biológica é de interesse da pessoa, uma vez que apresenta as características pessoais, doenças hereditárias, potencial de personalidade e até de direitos patrimoniais.
Na verdade, é justificável o sacrifício do direito do investigado, de modo que deve, na verdade, ser admitida a condução coercitiva deste para a realização da prova do DNA.
Para alguns críticos, tal coerção representa uma violação ao direito à intimidade, já que esse material que comporta informações individuais da parte, tais como propensões a doenças ou doenças já contraída (como a AIDS, por exemplo) estariam sendo expostas, sem o seu consentimento.
Da mesma forma, argumentam que discrepa das garantias constitucionais de preservação da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano.
Na verdade, tanto a identidade genética quanto a intimidade e a intangibilidade do corpo humano são componentes da dignidade da pessoa que estão em confronto.
A recusa do investigado à realização do exame de DNA deve gerar a presunção relativa do exame de DNA.
Embora admitida a obrigatoriedade da prova genética do DNA, a recusa do investigado à realização do exame de DNA não pode ser interpretada como confissão ficta do investigado. Essa reação não é suficiente para se admitir a presunção de paternidade. Apesar de apresentar forte indício, é necessário existir alguma evidência de ter havido um relacionamento entre o suposto pai e a mãe da criança para que fique comprovada a paternidade.
Aplica-se, como garantia de não estar o acusado obrigado a fazer prova contra si, o direito ao silêncio. Pode-se entender ainda que o silêncio do réu não pode ser mais interpretado em prejuízo da defesa; o mesmo deve acontecer em relação à recusa em doar material para o exame de DNA.
Vale enfatizar que essa confiança no exame científico conduz ao desdém e à profunda e quase insuperável descrença sobre os demais meios processuais de prova. Isso demonstra cega aceitação da perícia do DNA o que acarreta um perigoso e deletério efeito de influenciar sobre os outros meios legítimos e esclarecedores de prova judiciária. Mostra-se decisivo, portanto, evitar o endeusamento do resultado pericial, convertido o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior à de qualquer outra modalidade de prova judicial.
Trachtenberg (1995, p. 326) atenta para a possível falibilidade do teste de DNA, pelo fato de os laboratórios carecerem de dados estatísticos tão caros e próprios da população brasileira, composta por uma raça mista, de características singulares, divergentes dos levantamentos estatísticos realizados com os povos dos Estados Unidos e os da população européia.
Segundo os opositores à coerção, não se deve prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA. Estes não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.
Em uma questão sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu, por maioria:
INVESTIGAÇÃO DE Paternidade - Exame de DNA - Condução do Réu “Debaixo da Vara”. Discrepa, a mais não poder, das garantias constitucionais implícitas e explicitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução especifica da obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável a feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. STF – HC 71. 373-4 RGS – Tribunal Pleno – Rel. p/o acórdão: Min. Marco Aurélio – j. 10. 11. 1994 – v. m. – DJ 22. 11. 1996.
“Não basta ao interessado na investigação do seu nexo biológico louvar-se no exame de DNA, que deve ser lido num conjunto probatório muito mais denso e verdadeiramente seguro” (VIANA, 1998, p. 27)
Os votos vencidos dessa decisão argumentam pela existência de dois interesses em conflito: o da criança investigante à sua real identidade e o do suposto pai à sua incolumidade física. Entendem esses ministros que deveria prevalecer o interesse superior da criança.
Apesar de todas essas alegações, contrárias à coerção, deve-se partir do princípio de que a recusa do investigado implica descumprimento de um dever processual de colaboração, disposto no artigo 339 do CPC brasileiro, in verbis: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”
A prova pericial realizada do exame de DNA pode gerar resultados de exclusão e de inclusão, ou seja, o resultado do exame pode excluir a possibilidade de paternidade, não encontrando no suposto pai uma combinação entre o seu DNA e o material do sedizente filho; por outro lado, pode demonstrar que o material coletado do investigado apresenta seqüência compatível com o filho.
Nesse momento, porém, é preciso cautela na utilização única da prova pericial, uma vez que, embora incontestável sua utilidade para o Direito, é impossível ignorar inúmeros fatores que podem comprometer e prejudicar os resultados ditos inquestionáveis.
Um dos principais motivos que colocam em dúvida a sacralização da prova pericial através do exame de DNA é a qualidade dos laudos, porquanto realizados com apuro técnico podem atingir índices de acertos superiores a 99, 9999%; mas boa parte dos laboratórios oferece técnicas menos complexas e mais baratas, aumentando a margem de erro.
Pode-se, então, deduzir que essa matéria encontra entendimento diverso entre os doutrinadores. Uns entendem que a margem de erro da análise do DNA é insignificante, e, por isso, essa prova pericial oferece ao julgador em elemento sólido e determinante para a construção da verdade. Outros, no entanto, notam ser impossível negar a relevância do exame de DNA no conjunto probatório, salientando, porém, que existe uma distância entre reconhecer o exame como prova importante que traduz a evidência da paternidade.
Ainda cabe salientar o fato de, no Brasil, não haver fiscalização oficial dos laboratórios que realizam o exame de DNA.
A indigitação leviana de paternidade pode causar sérios transtornos à vida do suposto pai. Inclusive, a Ministra Nancy Andrighi, argumentou que a recusa do réu em realizar a prova pericial de DNA implica a presunção de existência de relação de paternidade; no entanto, presunção é de natureza relativa, não absoluta, porque, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedência do pedido.
A CF diz, em seu art. 5° que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude da lei”. E não existe lei que obrigue o suposto pai a se submeter ao exame. E, ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
Em princípio, mostra-se relevante esclarecer que se adota a consagrada classificação estrutural das normas de direito fundamental, qual seja, a de princípios e regras jurídicas como espécies de normas dentro do ordenamento jurídico. Segundo Alexy (1997, p. 82), os princípios e as regras são espécies de normas dentro do ordenamento jurídico, cuja distinção é “uno de los pilares fundamentales del edificio de la teoria de los derechos fundamentales”. Ambos são espécies do gênero norma porque dizem o que deve ser. A característica diferenciadora entre ambos é qualitativa e consiste em serem os princípios mandados de otimização, ordenando que algo seja realizado na medida do possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas.
Os princípios, portanto, impõem otimização de eficácia à luz das circunstâncias, sendo harmonizados, permitindo o balanceamento conforme o seu peso e ponderação com outros princípios, de forma a coexistirem, conviverem mutuamente, podendo ser cumpridos em diferentes graus. Por outro lado, as regras prescrevem exigências que se impõem, ou não, excluindo-se mutuamente quando houver antinomia ou conflitos entre as mesmas (ALEXY, 1997, p. 86-).
O sistema constitucional é tendencialmente principialista, porque este evidencia suporte rigoroso para solucionar a colisão de direitos fundamentais, além de permitir que o sistema se mova através da textura aberta dos princípios.
Para Jorge Miranda (2000, p. 180), a dignidade da pessoa humana confere unidade de sentido às constituições, confirmando a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do Estado. Significa que não se trata unicamente de sistema, e sim de unidade de pessoa, exatamente porque:
o homem situado do mundo plural, conflitual e em acelerada mutação do nosso tempo encontra-se muitas vezes dividido por interesses, solidariedades e desafios discrepantes;só na consciência da sua dignidade pessoal retoma unidade de vida e de destino.
Cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana não depende de reconhecimento expresso da ordem constitucional, mas, indubitavelmente, de sua força jurídica. Em conseqüência, sua efetiva realização e promoção estão diretamente relacionadas ao seu grau de reconhecimento pelo ordenamento constitucional. Daí ser de tamanha relevância o estudo aprofundado acerca do conteúdo jurídico dessa dignidade.
O reconhecimento expresso da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, bem como sua posição privilegiada no texto constitucional, são, sem sombra de dúvidas, manifestações inequívocas de que para o nosso constituinte este princípio é basilar e informa todo o ordenamento jurídico. A dignidade, como valor inerente à pessoa, é inalienável e irrenunciável. Como princípio fundamental, goza do status de norma jurídica e reclama proteção e promoção pelo poder público e particulares.
O que temos em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade ou do indigitado pai à sua intangibilidade física.
Tratando-se de colisão entre direitos fundamentais, tanto os da criança, como os do suposto pai, quais sejam o direito à identidade e à integridade física, deve visar-se a resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo. Deve prevalecer, portanto, a interpretação que preserve ambos os direitos, não havendo a possibilidade de que um deles seja totalmente suprimido, sob pena de estarmos descumprindo a norma constitucional.
No entanto, quando uma sobrepõe a outra, é mister analisar a relevância do direito em voga.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, resguardou a criança e o adolescente, lançando como princípio o dever da família:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Art. 229 da CF/88 diz que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
A condução coercitiva do réu para a efetivação do teste de DNA revela-se medida arbitrária, desprovida de qualquer amparo legal. Determinação Judicial desta natureza viola direitos fundamentais do ser humano, afrontando a Constituição Federal. Denota medida excessiva, passível de habeas corpus, por ferir a liberdade do indivíduo em descompasso com a ordem jurídica nacional.
Na investigação de paternidade, a condução forçada do investigado para a realização do exame de DNA com a retirada de sangue ou outro tecido de seu corpo sem o seu consentimento, ofende direitos protegidos pela Constituição, direitos da personalidade, fundamentais. A ordem judicial que determina a condução debaixo da vara fere a liberdade, a integridade física e a intimidade do suposto pai. Assim agindo, autoridade judicial extrapola limites, age com abuso de poder. Revela-se o ato desprovido de juridicidade, inconstitucional, a medida em que colide com direitos fundamentais do indivíduo, contra os quais é vedada a interferência lesiva do poder público. O constrangimento causado ao réu é incompatível com o Estado de Direito, fundado historicamente na submissão ao império da lei e na garantia dos direitos individuais.
O direito à integridade física decorre do direito à vida. A incolumidade física da pessoa não pode ser invadida para a realização de uma perícia judicial, mesmo que seja para o teste de DNA.
A seu turno, direito à intimidade encontra-se disposto no art. 5º, X, sendo inviolável. Constitui a esfera íntima e secreta do indivíduo, dentro da qual lhe são garantidos o resguardo e a proteção contra a invasão de terceiros, inclusive do Estado.
A inviolabilidade de direitos fundamentais é garantia consagrada de maneira expressa pela Constituição, em seu art 5°. São direitos garantidos a homens e mulheres, sem qualquer distinção, essenciais para a formação individual. Dos direitos fundamentais do homem desencadeiam-se todos os demais que ele possui ou venha a possuir. Formam a base, o início de toda a constituição de direitos individuais.
O direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem são direitos decorrentes da condição de pessoa, defluem automaticamente da própria existência do ser humano. Seguindo Bittar (1991, p. 11): “Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extra patrimoniais intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios. A declaração de garantia dos direitos da personalidade, no texto da Lei Fundamental, de forma pormenorizada, reflete a preocupação do Constituinte de 1988 e de todo povo brasileiro com a proteção aos direitos básicos do homem, renegados durante um longo período dentro da história política nacional”.
A sociedade brasileira vive um Estado Democrático de Direito. Mais do que uma simples denominação, tal enunciado demonstra o tipo de estrutura de poder vigente. A legitimidade da atuação do Estado é verificada pelo respeito e cumprimento da Constituição e da lei. Os direitos e garantias individuais limitam a interferência do Estado no âmbito de atuação do particular, protegendo os valores primordiais, indispensáveis à construção de uma sociedade livre, justa e solidária
O presente artigo abordou a influência do exame de DNA nas Investigatórias de Paternidade. A partir de uma visão mais humana dessa atividade, notadamente, da condução coercitiva do exame de DNA, fez-se uma explanação de considerações a respeito do DNA como prova suprema da paternidade.
Constatou-se, no entanto, ainda não haver uma unanimidade entre pensadores e aplicadores do Direito, porquanto a procedência ou improcedência da ação de investigação de paternidade, baseada unicamente na prova genética, não esclarece, definitivamente, todas as dúvidas.
Para muitos estudiosos, a descoberta das impressões genéticas trouxe para o mundo Jurídico a certeza da paternidade, transformando o exame de DNA em prova inequívoca e suprema dentro do conjunto probatório, a qual ingressou no nosso ordenamento como uma solução para o reconhecimento da paternidade.
Outros contrariam, alegando quanto à sacralização da prova pericial, através da analise do DNA. Desse modo, é preciso muita cautela nesse processo de endeusamento do exame, principalmente, tendo em vista implicações de ordem ética e legal. No mundo real, tudo é incerto; há que se ressaltar que a medicina não é uma ciência exata, não se pode falar em certeza absoluta, o que ratifica o entendimento geral de que tudo é relativo, principalmente quando se sabe que a perícia é ato praticado pelo homem e, portanto, sujeito a erro.
Na prática, ainda não se alcançou um patamar de certeza inquestionável, visto que se constatam, ainda, lacunas no tocante às novas descobertas médico-científicas. É certo, no entanto, que o avanço genético representa um meio capaz de solucionar problemas inerentes ao vínculo de filiação. Dessa maneira, fica muito difícil, para o julgador, negar a existência do estado de filho apontado no laudo pericial, decorrente do exame de DNA, ou afirmar que o vínculo genético existe, se os resultados apontam que a realidade é outra.
Por sua vez, é inegável que a aplicação das descobertas da Engenharia Genética, no tocante à identificação humana, produziu grandes efeitos no mundo jurídico.
O exame de DNA, dada a confiabilidade que inspira, acaba por superar todos os métodos anteriormente utilizados para reconhecimento de paternidade.
Ressalta-se que, dadas as vantagens que essa técnica oferece, criou-se um novo mito: o da “infalibilidade do DNA”, confluindo no emprego ilimitado dessa prova.
É certo que a norma jurídica precisa ir ao encalço dos avanços científicos, mas é certo também que o emprego da prova de DNA deva se dar com cautela, pois apesar do grau de certeza e segurança que pode gerar, não está tal técnica imune a erros. Nesse sentido, urge a edição de dispositivo legal que zele pela fiscalização dos laboratórios que a realizam, fazendo com que prime a qualidade dos exames de DNA.
Contudo, melhor irão proceder os tribunais brasileiros se, daqui para frente, decidirem pela realização de perícia técnica de verificação biológica da paternidade quando presente alguma prova mínima de verossimilhança entre o relato da petição inicial e os fatos aprioristicamente demonstrados.
Nesse contexto, o exame de DNA não pode continuar a ser tratado como prova insofismável, incontestável e suficiente; ao contrário, deve ser recebido com reservas, sob pena de, mesmo tendo tal metodologia os aplausos incansáveis de seus defensores e os encantos que a mídia propaga, alguns resultados contribuírem, para transformar a sentença numa tragédia, fazendo de um inocente culpado ao atribuir-lhe um filho que não é seu.
Ter ou não ter filhos é uma opção individual. Entretanto, a partir do momento em que um filho é gerado, desde a fecundação o pai já tem deveres; não há mais opções, e sim, responsabilidades. Reconhecer o filho constitui-se uma das principais responsabilidades. O pai deve cumprir com os deveres dando assistências devidas, para sua criação e formação moral e intelectual de seus filhos. No entanto, é necessário frisar que não há hegemonia de princípios, prevalecendo sempre o resguardo aos interesses da criança, visto que esta sempre estará em situação inferior ao do suposto pai, principalmente por ficar em situação vulnerável perante ao genitor. Essa circunstância trará prejuízo a formação do menor. Cumpre destacar que a Ordem Jurídica determina o princípio de resguardo aos interesses da criança, como uma das normas fundamentais. Mas o genitor tem o direito de obter a certeza do vínculo biológico entre ele e o suposto filho.
Convém salientar que a dignidade do ser humano deve ser resguardada pelo Estado, desde o nascimento, sendo ela inviolável.
Com base nos argumentos expostos, salienta-se que o Poder Judiciário deve emitir suas decisões baseadas no Princípio da Dignidade da pessoa humana, em conformidade com o melhor interesse da criança, observando o caso concreto.
É momento, portanto, de grandes realizações nessa área, porquanto a descoberta da tipagem genética evidencia-se uma realidade médica que, certamente, precisa embasar-se numa legislação específica e profunda que regule a matéria e seus tópicos especiais. Os direitos e garantias individuais limitam a interferência do Estado no âmbito do particular, protegendo os valores primordiais, indispensáveis à construção de uma sociedade livre, equânime e solidária. Apenas dessa maneira será viável a adaptação do DNA à realidade atual, em consonância com o estado democrático vigente.
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Graduada em Bacharel em Direito pela Ucpel, Pós Graduada em Direito Público pela Uniderp. Advogada atuante nas áreas cível e trabalhista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCAGLIONI, Veronica Bettin. Filiação no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51964/filiacao-no-ordenamento-juridico. Acesso em: 02 nov 2024.
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