RESUMO: Este é um estudo de teor cientifico acadêmico. Assim, tem-se por base a análise da responsabilidade civil na odontologia, mais especificamente na odontopediatria, para com seu paciente/cliente, destacando sua conceitualização, características atuais e históricas do juízo de responsabilidade civil no Brasil e, bem como exposição de situações vivenciadas em meio a profissão de cirurgião-dentista pediatra. Para tanto, foi realizado uma revisão de literatura a respeito da responsabilidade civil, das características jurídicas da profissão de odontopediatra e dos códigos legais que pontuam as responsabilidades da profissão, por meio de livros e artigos científicos. Em soma, este estudo foi moldado de modo a ter um teor qualitativo, tendo a exposição da legislação vigente sobre o caráter jurídico da responsabilidade odontopediatrica. Ao fim, constatou-se a obrigatoriedade, por parte do profissional em questão, de possuir o conhecimento técnico e científico para exercer a profissão adequadamente, dentro dos limites éticos que a profissão lhe impõe, tendo sempre a consciência de que seu trabalho tem a função de estabelecer a saúde bucal dos seus pacientes e não de causar-lhe danos e transtornos.
PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; odontólogo; odontopediatra; direito.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos houve um grande aumento nas situações em que os pacientes, nos diversos meios de atendimento em saúde, sentindo-se prejudicados de alguma forma, por ocasião de um tratamento, por conseguinte fazem uso da via judicial para ressarcirem-se de um dano que julgam ter sofrido. Tal fato se enquadra também na Odontopediatria, sendo o cirurgião-dentista alvo de processos judiciais, no terreno da responsabilidade civil, para que indenize o paciente de uma lesão, patrimonial ou extra-patrimonial, da qual ele julga ser vítima em virtude de um tratamento odontológico.
O trabalho possui um enfoque sistemático, com base na atração dos tribunais, perante a situação do cirurgião-dentista de ressarcir, ou não, um paciente de eventual dano que tenha sofrido em consequência da sua atuação profissional.
Responsabilidade civil significa recomposição, é uma obrigação do agente causador do dano de repará-lo, visando restabelecer o equilíbrio afetado pelo dano através da indenização pecuniária. Nas palavras de Noronha (2003, p. 484), a responsabilidade civil é a obrigação de reparar danos resultantes da violação do ordenamento jurídico.
Segundo Silva (2007, p. 7), “a responsabilidade civil guarda em si um sentimento social e humano, que fundamenta, no plano moral, a sujeição do causador do dano à reparação da lesão”.
O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 927, preceitua que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Assim, comete ato ilícito quem violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, nos termos do artigo 186 do mesmo diploma legal. Havendo uma relação de causalidade entre o mal sofrido e o fato que o causou/gerou, a pessoa que praticou esse ato está sujeita a repará-lo (Minervino; Souza, 2004, p. 93).
Assim, para restar caracterizada a responsabilidade civil, faz-se necessária a verificação de três pressupostos gerais: a ação ou violação a um direito, o dano, seja ele material ou moral, e o nexo de causalidade entre a ação e o dano (Silva, 2007, p. 59).
Desse modo, pode-se dizer que a responsabilidade civil consiste em um juízo de imputação civil, sendo uma obrigação de reparar os danos causados a outrem.
2. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
Para que haja a responsabilidade subjetiva, é necessária a verificação e comprovação da culpa em qualquer de suas modalidades, e a reparação do dano tem como pressuposto a prática de um ato ilícito.
A culpa possui três modalidades, que são a imperícia, a imprudência e a negligência. Rodrigues et al. (2012, p. 125-126) muito bem as explica: “Imperícia é a falta de habilidade para praticar determinados atos que exigem certo conhecimento. É a ignorância, incompetência, desconhecimento, inexperiência, inabilidade, imaestria na arte ou profissão. Imprudência, por sua vez, consiste na precipitação, na falta de previsão, em contradição com as normas do procedimento sensato. [...] Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam a agir com atenção, com capacidade, solicitude e discernimento”.
O agente, na responsabilidade subjetiva, deve agir com vontade própria e consciência. Nas palavras de Cavalieri Filho (2013, p. 16), “a ideia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva”.
Já a responsabilidade objetiva, tratada por alguns autores como responsabilidade legal, não exige a comprovação da culpa, basta apenas a existência do dano e do nexo de causalidade. Para Konrad; Konrad (2015, p. 26), a responsabilidade objetiva justifica-se pelo risco da atividade desenvolvida; constitui uma atividade lícita que causa risco de dano a outrem.
Esta responsabilidade é imposta por lei a certas pessoas e em determinadas situações. A responsabilidade do odontopediatra é subjetiva, ou seja, há a necessidade da existência e da comprovação de culpa.
3. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade contratual, também chamada responsabilidade ex delicto, é caracterizada pela verificação de uma relação jurídica pré-existente entre as partes, que se dá por força de um contrato. A partir da inexecução do contrato, seja parcial ou total, tem-se o dano e daí surge o dever de indenização.
Como diz Silva (2012, p. 200), na responsabilidade contratual as obrigações são preestabelecidas entre as partes, tendo em vista a existência de um contrato anterior entre as mesmas.
Para Konrad; Konrad (2013, p. 24), o agente causa o dano em virtude do descumprimento de uma obrigação assumida, razão pela qual o prejuízo é decorrente das relações contratuais. Ainda segundo o autor, quanto ao ônus da prova, cabe ao credor provar que a obrigação não foi cumprida e ao devedor, que o inadimplemento não foi culposo.
Já na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, não há uma relação anterior entre as partes. Aquele que age em contrariedade ao ordenamento jurídico praticando um ato ilícito é que comete o dano, e a partir daí decorre a responsabilidade civil, ensejando uma possível indenização.
A lesão, nessa modalidade de responsabilidade civil, é advinda de uma relação extracontratual, e o dever de indenizar surge de uma lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima exista qualquer relação jurídica (Konrad; Konrad, 2013, p. 24).
No tocante ao ônus da prova da responsabilidade extracontratual, cabe ao lesado/vítima demonstrar a culpa do causador do dano.
Com isso, o contexto histórico e político atual, sob a ótica de Pereira (2013) a Odontologia brasileira passa por um momento de transição. Se antes da década de 1980, existia uma prestação de serviço odontológico infantil no qual o vínculo de confiança do cliente.
4. CARACTERES DA RESPONSABILIDADE ODONTOLÓGICA
Em relação aos aspectos específicos da Responsabilidade Civil do Dentista e sua natureza equiparada com a responsabilidade medica pode-se expor:
A responsabilidade civil do cirurgião-dentista está vinculada a uma relação obrigacional (Minervino; Souza, 2013, p. 92), já que o profissional deve responder pelos atos praticados no exercício da profissão. A responsabilidade objetiva, tratada por alguns autores como responsabilidade legal, não exige a comprovação da culpa, basta apenas a existência do dano e do nexo de causalidade.
Para Konrad; Konrad (2013, p. 26), a responsabilidade objetiva justifica-se pelo risco da atividade desenvolvida; constitui uma atividade lícita que causa risco de dano a outrem.
Esta responsabilidade é imposta por lei a certas pessoas e em determinadas situações. A responsabilidade do cirurgião-dentista é subjetiva, ou seja, há a necessidade da existência e da comprovação de culpa.
Sempre que o profissional assegurar o resultado e este não for atingido, responderá objetivamente pelos danos causados ao paciente. Contudo, nem sempre a obrigação do odontólogo é de resultado.
Se a priori, a responsabilização médica surge por uma obrigação de meios, só em caráter excepcional manifestando-se em forma de obrigação de resultado, não se pode atribuir o mesmo a responsabilidade adquirida pelo Odontólogo. Não é possível dizer o mesmo da responsabilidade do cirurgião-dentista. Mostra-o incisivamente Menegale (2012) pontuando, com total propriedade, que a obrigação profissional do cirurgião dentista abarca acentuadamente uma obrigação de resultados ³.
Outro aspecto tocante à atividade do cirurgião-dentista diz respeito à obrigação de meio e de resultado. Segundo Silva et al. (2013, p.69), “no ato em que o cirurgião-dentista aceita alguém como paciente, estabelece-se entre as partes um contrato de prestação de serviços, que deve ser entendido como obrigação de resultado ou obrigação de meio. A de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, enquanto, na de meio, o devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certos serviços para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo”.
Na obrigação de resultado, o devedor se obriga a atingir uma finalidade, e o alcance dessa finalidade depende somente do prestador de serviços. Ao passo que, na obrigação de meio, o devedor se obriga a utilizar todos os meios necessários e possíveis para alcançar o objetivo, e depende também das condições do contratante para atingir esse fim (Silva 2012, p.15).
5. CÓDIGOS E CONDUTAS MÉDICAS DA ODONTOPEDIATRIA
No Brasil, a odontopediatria é regulamentada e reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) como a “especialidade que tem como primordial intuito o diagnóstico, a prevenção, o tratamento e o controle dos problemas oriundos da saúde bucal do bebê, da criança e do adolescente; a educação para a saúde bucal e a integração desses procedimentos com os dos outros profissionais da área da saúde”.
Possuindo papel fundamental no resguardo tanto o paciente, como o profissional, haja visto a necessidade que ambos possuem de obter amparo em situações de adversidade, advindas dos procedimentos ,além de possuir papel regulamentador nesta mediação .
Para que possa se considerar especialista em Odontopediátria, o profissional cirurgião-dentista ter devidamente concluído um curso com credenciamento pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) ou validado pelo Ministério da Educação, possuindo ao todo durabilidade mínima de setecentas Horas, ou obter o titulo de Mestre ou Doutor na especifica área de atuação (CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA, 2013).
³ [...] à patologia das infecções dentárias corresponde etiologia específica e seus processos são mais regulares e restritos, sem embargos das relações que podem determinar com desordens patológicas gerais; consequentemente, a sintomatologia, a diagnose e a terapêutica são muito mais definidas e é mais fácil para o profissional comprometer-se a curar (MENEGALE, 2012).
É impossível que se torne profissional na área sem o devido conhecimento oriundo de uma universidade, haja visto que é nesta onde o futuro profissional irá complementar seus conhecimentos e adquirir novos métodos de tratamento, de modo que o constante aperfeiçoamento é indispensável neste segmento.
6. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A lei n.º 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 3º, considera fornecedores todas as pessoas físicas e as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, e os entes despersonalizados, que praticam atividade de produção, montagem, criação, construção ou transformação, importação ou exportação, distribuição ou venda de produtos ou que prestem serviços.
No tocante à pessoa física, tem-se como figura primordial de fornecedor o profissional liberal prestador de serviços.
Configurada está a relação de consumo, porque de um lado existe o cirurgião-dentista que presta serviço e de outro uma pessoa física que utiliza esse serviço como destinatária final, razão pela qual o cirurgião-dentista é enquadrado como fornecedor de serviços (Silva et al., 2013, p. 67).
Lisboa (2012, p. 288) define o profissional liberal como aquela pessoa que “desempenha atividade remunerada em favor de outrem, sem manter perante aquele que o remunera qualquer vínculo de subordinação”.
O artigo 14, § 4º, do CDC, refere que a responsabilidade civil dos profissionais liberais prestadores de serviços é subjetiva, sem fazer menção específica ao ramo da odontologia.
Entretanto, Lisboa (2012, p. 289) afirma que a responsabilidade do profissional liberal apenas será subjetiva nos casos de responsabilidade pelo fato do serviço. Em se tratando de responsabilidade pelo vício do serviço, que gere dano econômico ou patrimonial, a responsabilidade será objetiva (ou seja, independente da existência de culpa), por força do disposto no artigo 20 do CDC.
Já Silva (2013, p.199) refere que, da interpretação do artigo 14, § 4º, do CDC, “exclui-se expressamente a aplicação da responsabilidade objetiva das relações entre dentista e paciente”, cabendo, nessa hipótese, a aplicação da responsabilidade subjetiva mediante a verificação de culpa.
A maioria dos doutrinadores adota posicionamento semelhante a Silva, defendendo a responsabilidade subjetiva do cirurgião-dentista.
7. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ODONTOPEDIATRA
Machado (2012) nos traz, A cautela que deve ser adotada na criança não possui limitação quanto ao apenas diagnóstico e à terapêutica específicos, mas também concorre para o processo de desenvolvimento de sua conduta. É assim que a Psicologia se entrelaça com a Odontopediatria. Estas considerações permitem a tentativa de enumerar os mais evidentes objetivos da Odontopediatria:
• Orientar e motivar pais e/ou responsáveis, quanto à promoção e manutenção da saúde bucal das crianças.
• Ajudar a criança e o adolescente a desenvolver comportamentos e hábitos que conduzam à saúde bucal, conscientizando-os dessa responsabilidade.
• Avaliar o crescimento e o desenvolvimento a fim de detectar possíveis desvios com repercussão nas estruturas dento-faciais.
• Identificar os fatores de risco, em nível individual, para as principais doenças da cavidade bucal, e implementar estratégias preventivas e de mínima intervenção.
• Reabilitar, morfológica e funcionalmente, o aparelho estomatognático lesado pelas doenças mais comuns que atingem a cavidade bucal da criança e do adolescente.
• Encaminhar o paciente para serviços adequados de especialidades odontológicas ou afins, sempre que as necessidades ultrapassem as limitações próprias da Odontopediatria.
• Integrar, quando as oportunidades se apresentem, as equipes de Odontologia em Saúde Coletiva, a fim de contribuir para a promoção de saúde bucal (MACHADO, 2012).
Rocha (2013) pontua que deve o profissional antes de realizar quaisquer procedimentos se resguardar, questionando o paciente sobre os possíveis riscos do procedimento a ser feito, em como verificar se há reações alérgicas a algum medicamento.
Todo organismo humano possui suas particularidades, algumas pessoas possuem aversão a substancias que em outras podem levar a cura, deste modo ,antes que qualquer procedimento é necessário a realização de testes que comprovem a imunidade do paciente para com os medicamentos e procedimentos a serem aplicados
Existem dois tipos de consentimentos: o expresso e o implícito. O consentimento implícito é obtido através da análise do comportamento somado as atitudes do paciente durante o atendimento, quando o profissional presume que o mesmo está de acordo ou desacordo com o tratamento oferecido (MACHADO, 2012).
O consentimento expresso pode ser escrito ou oral, e ocorre quando, após receber as orientações sobre o tratamento que será realizado, ao paciente e/ou responsável declara, de maneira escrita ou verbal, estar de acordo ou não com o tratamento proposto pelo profissional. É indispensável que o paciente seja capaz de compreender os esclarecimentos e de consentir. Juridicamente, em termos formais, em se tratando de crianças ou adolescentes, o consentimento será dado por seus representantes legais, normalmente os pais.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao que se refere ao paciente/cliente de atendimento odontológico infantil cabe o ônus de comprovar que o cirurgião-dentista, pelo seu proceder ou pela técnica empregada, deu azo aos danos sofridos, pois a odontopediatria é uma atividade que, na sua relação contratual de prestação de serviços odontológicos aos pacientes, tem, como regra geral, por objeto destes contratos obrigações de meios e não de resultado.
Com base no exposto, observa-se a tendência dos julgadores em nosso país e levando em consideração, na avaliação da lide, a inclusão em um ou outro grupo, no que se refere à qualidade da obrigação contratual, de meios ou de resultado, que se estabelece entre o cirurgião dentista e o paciente, é avaliar as características do caso concreto, como acontece nas lides jurídicas, ao tratar-se o processo no que tange as postulações judiciais de ressarcimento, pelos pacientes, em casos de insucessos em tratamentos odontológicos.
Assim, cabe ao odontopediatra ter obrigatoriamente, o conhecimento técnico e científico e, sobretudo, deve saber atender dentro dos limites éticos que a profissão lhe impõe. Em soma, tendo a consciência de que seu trabalho tem a função de estabelecer o a saúde bucal da criança e do adolescente e não de causar-lhe danos e transtornos que resultem no sistema judiciário brasileiro, devendo, assim prestar esclarecimentos aos responsáveis legais do paciente menor de idade.
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Acadêmica do curso de Direito na Faculdade Guanambi - FG/CESG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Tayse Gleyse de Jesus. Estudo da responsabilidade civil aplicada à Odontopediatria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52062/estudo-da-responsabilidade-civil-aplicada-a-odontopediatria. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
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