RESUMO: A internet se tornou ferramenta básica para o ser humano, fundamental para as sociedades modernas. Com a evolução da rede mundial de computadores, a internet ultrapassou os limites da comunicação e da pesquisa e passou a ser utilizada como facilitadora de relações comerciais, nascendo assim uma nova espécie de comércio, o e-commerce. Aliada às inúmeras vantagens trazidas pelo comércio eletrônico, há também desvantagens, como a maior vulnerabilidade do consumidor em um ambiente propicio a fraudes. Diante desse contexto, surgem as questões centrais do presente trabalho, qual sejam, como ocorre a responsabilização civil por danos derivados da relação de comércio eletrônico? O site intermediador responde por danos causados aos seus usuários? Qual a legislação aplicável às relações de comércio eletrônico internacional? O presente artigo tem, portanto, objetivo principal de responder a tais questionamentos.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Comércio eletrônico. Direito do Consumidor. Relação de Consumo. Site intermediador.
1. INTRODUÇÃO
Desde o surgimento das sociedades há a imensa necessidade de realização de trocas comerciais. Com o passar do tempo, inúmeras facilidades foram se apresentando, contribuindo para um comércio mais simples, fácil e rápido. A internet, que inicialmente era utilizada como fonte de pesquisa e meio de comunicação, passou a possibilitar também a realização de compras e vendas virtuais, configurando-se o e-commerce.
Esta modalidade de comércio é sujeita a inúmeros tipos de fraude, o que pode resultar em prejuízos e lesões para as partes envolvidas, principalmente para o consumidor, que na relação de consumo é marcado por uma grande vulnerabilidade.
O presente artigo se propõe a esclarecer as principais questões a respeito da responsabilidade civil dos envolvidos no comércio eletrônico. Para isso, discutir-se-á em um primeiro momento sobre o que é a internet e o comércio eletrônico, elucidando quais as regras aplicadas na compra e venda virtual.
Em um segundo momento tratar-se-á especificamente sobre o Código de Defesa de Consumidor, elucidando os conceitos de consumidor e fornecedor e concluindo se aqueles que compram e vendem por meio virtual enquadram-se nesses conceitos.
Argumentar-se-á, em um terceiro momento, a respeito da responsabilidade civil, fazendo um paralelo sobre a adotada pelo Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Neste ponto, será também discutida a responsabilidade civil de sites intermediadores.
Finalmente, dispor-se-á sobre o comércio eletrônico internacional, enfatizando-se a legislação aplicável em situações de danos sofridos nesse meio. Além disso, para fundamentar o presente estudo, serão exibidas decisões jurisprudenciais a respeito do tema em questão.
2. INTERNET
A internet surgiu a partir de pesquisas militares no auge da Guerra Fria, quando por iniciativa do governo americano, pesquisadores dos EUA foram incumbidos de projetar um sistema informatizado de defesa que fosse capaz de resistir a um ataque inimigo. A solução encontrada foi um sistema baseado em uma rede de computadores, capaz de continuar em operação mesmo quando um ou mais computadores fossem destruídos.
No Brasil, a internet inicialmente tinha seu acesso restrito a professores e funcionários de universidades e instituições de pesquisas. Entretanto, na década de 90 teve inicio o processo de divulgação dos benefícios da internet entre os estudantes e empresas privadas, sendo liberada sua operação comercial no ano de 1995.
Segundo o Ibope Media, o Brasil ocupa a terceira posição em quantidade de usuários ativos na internet, tendo 52,5 milhões de usuários. No primeiro e segundo lugar estão Estados Unidos, com 198 milhões de usuários, e Japão, com 60 milhões. A expectativa é de que o Brasil seja o quarto país mais conectado, ultrapassando o Japão, o que demonstra a disseminação do acesso á internet, de modo que a mesma se apresenta hoje como o principal meio de comunicação da atualidade, além de ser amplamente utilizada como fonte de pesquisas.
Todavia, essa rede mundial de computadores ultrapassou os limites da comunicação e da pesquisa e começou a ser utilizada como facilitadora de relações comerciais, criando uma nova espécie de comércio, o e-commerce.
3. COMÉRCIO ELETRÔNICO
O comércio consiste na troca voluntária de produtos, de mercadorias, e está presente na sociedade há muito tempo. Inicialmente ele era realizado através da troca direta de produtos de valores reconhecidamente diversos, no qual cada integrante da relação de consumo valorizava mais o produto do outro. Já na atualidade, as trocas comerciais são efetivadas utilizando-se o dinheiro como meio indireto, o que facilitou a realização de compras e vendas.
Com toda a evolução tecnológica vivenciada nos últimos tempos, em especial a disseminação do acesso à internet, desenvolveu-se com bastante força uma nova modalidade de comércio, o comércio eletrônico, que traz inúmeras facilidades, entre elas o fato das partes não precisarem estar fisicamente presentes para realizar a compra e venda.
De acordo com o conceito trazido pelo sítio eletrônico ecommercenews.com.br (2015) “o comércio eletrônico ou e-commerce é uma modalidade de comércio que realiza suas transações financeiras por meio de dispositivos e plataformas eletrônicas, como computadores e celulares”. Em palavras mais simples, o comércio eletrônico é aquele realizado pelo meio virtual.
É fácil notar que a compra e venda virtual deixa o consumidor em uma situação na qual a sua vulnerabilidade é ressaltada. Isso porque, o contato físico entre consumidor e fornecedor não acontece, não tendo como verificar a veracidade da oferta do produto ou serviço.
Além disso, a facilidade de concluir a compra com apenas um clique acaba por fazer o consumidor agir por impulso, adquirindo produtos que não necessita e sem realizar uma prévia pesquisa de mercado. Dessa maneira, são muito comuns situações em que o consumidor se sente lesado, sendo necessário determinar qual aparato jurídico ele pode utilizar para se defender.
3.1 AS REGRAS DE COMPRA E VENDA VIRTUAL
Diante do aumento do número de compras e vendas realizadas virtualmente, o Brasil editou o decreto número 7.962, em 15 de março de 2013, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Este decreto complementa o Código de Defesa do Consumidor e o ordenamento jurídico pátrio, que não traz regras de proteção específicas para esse tipo de comércio.
É importante ressaltar que o não cumprimento de alguma norma contida no decreto pelo e-commerce pode resultar nas penalidades que são aplicadas pelo Código de Defesa do Consumidor aos estabelecimentos comerciais físicos.
Isso demonstra que o comércio eletrônico configura uma relação de consumo, mesmo tendo características próprias. Logo, nas situações em que a compra e venda virtual resulta em danos ao consumidor, surge possibilidade de responsabilização civil do fornecedor.
Dentre as regras contidas no decreto, observa-se a grande ênfase que se faz a respeito da responsabilidade do fornecedor em disponibilizar informações claras e precisas a respeito do produto ofertado, dos prazos para reclamações e das medidas a serem tomadas em caso de erro.
Além disso, no artigo 5o do mesmo dispositivo determina-se a grande importância do fornecedor informar devidamente o consumidor a respeito do seu direito de arrependimento. É fato que os sites de e-commerce, em sua grande maioria, não informam de forma clara e ostensiva a possibilidade de arrependimento do consumidor, o que já configura uma grande falha do fornecedor e a possibilidade da devida responsabilização civil.
Recorda-se que o artigo 49 do CDC determina como prazo de desistência sete dias a contar da assinatura do ato ou do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, como por exemplo nas contratações feitas por internet.
Segundo Nunes (2015, p.721) :
O consumidor está garantido de sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial, nos vários sistemas de vendas existentes. Nesse tipo de aquisição o pressuposto é que o consumidor está ainda mais desprevenido e despreparado para comprar do que quando decide pela compra e, ao tomar a iniciativa de fazê-la, vai até o estabelecimento.
Não é difícil perceber que como o risco do empreendimento é do fornecedor, todos os custos com a devolução do produto ou serviço são de responsabilidade exclusiva dele.
Apesar de não ter uma legislação específica tutelando o comércio eletrônico no ordenamento jurídico brasileiro, o consumidor que realiza uma compra pelo meio virtual não estará desamparado caso sofra um dano na relação de consumo. Isso porque, como se verá a seguir, é possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que é uma norma protetiva e extremamente benéfica ao consumidor.
4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
4.1. O CONCEITO DE CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor traz definições bem abrangentes a respeito de consumidor, fornecedor, produtos e serviços. Para o presente artigo se faz necessário analisar tais conceitos a fim de se concluir pela caracterização da e-commerce como uma real relação de consumo.
No artigo 2o do dispositivo acima citado, define-se consumidor como:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Assim, aquele que adquire produtos por meio do comércio eletrônico será considerado consumidor quando for destinatário final, ou seja, analisando com base na teoria finalista seria aquele que é destinatário fático e econômico do produto ou serviço, não podendo utilizar o produto com fins lucrativos, e com base na teoria maximalista seria qualquer destinatário fático, independentemente de utilizar o produto com fins lucrativos e econômicos. Lembra-se que a jurisprudência e doutrina majoritárias adotam preferencialmente a teoria finalista.
Equipara-se também a consumidor, segundo o artigo 17 do CDC, todas as vitimas do evento, ou seja, todos aqueles que foram lesados por um acidente de consumo ( fato do produto ou serviço), de modo que esses terão igualmente direito de ressarcimento pelos danos sofridos.
Logo, quando um produto vendido por meio eletrônico gerar um acidente de consumo, será considerado consumidor também aquele que foi vítima do acidente, mesmo não sendo proprietário ou usuário do produto. Essa possibilidade de equiparação de consumidores aumenta a quantidade de pessoas que podem pleitear uma indenização por danos causados por uma relação de comércio eletrônico.
4.2. CONCEITO DE FORNECEDOR
O Código de Defesa do Consumidor em relação a definição de fornecedor foi consideravelmente mais abrangente, elucidando em seu artigo 3o que :
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e prestação de serviços.
Lages (2015, p.27), expõe que “essa noção de fornecedor passa pela mesma ideia de empresário, ou seja, alguém que detém os meios de produção e, por isso, disponibiliza produtos e serviços no mercado de consumo”. Assim, aquele que disponibiliza produtos e serviços no meio virtual é claramente considerado fornecedor.
Fica evidente que a relação entre a empresa que oferece o produto virtualmente e aquele que o compra é qualificada como relação de consumo, sendo este o consumidor e aquele o fornecedor, podendo ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor para proteger e tutelar a atividade comercial entre eles.
Não obstante observar que a relação em voga, justamente por ser realizada fora do estabelecimento comercial, sem um contato direto entre fornecedor e consumidor, faz com que a vulnerabilidade inerente a todo e qualquer consumidor, fique ainda mais forte, uma vez que ele baseia seu convencimento apenas em propostas, ofertas e promessas de produtos que não tem como analisar fisicamente, o que o torna ainda mais suscetível de sofrer danos e de ter a necessidade de responsabilizar civilmente o vendedor.
Em relação a essas ofertas e promessas, Lages (2015, p.231) afirma que “mesmo não havendo menção expressa ao comércio eletrônico, via interpretação teleológica é possível aplicar-se o artigo 33 ao referido comércio”. O artigo citado expõe que “em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial”. Ou seja, a possibilidade de aplicação do artigo 33 do CDC ao comércio eletrônico demonstra a prioridade em se preservar o consumidor que está tão distante do produto ofertado.
5. A RESPONSABILIDADE CIVIL
Com o avanço das sociedades as interações humanas começaram a se tornar cada vez mais frequentes. Uma vez se relacionando com outras pessoas, a possibilidade de tal ligação resultar em danos à alguma das partes é considerável. Não obstante alegar que praticamente todos os atos humanos acabam por invadir o campo da responsabilidade.
O ato humano gerador de dano pode ensejar uma responsabilidade tanto no âmbito penal quanto no âmbito civil. O presente artigo debruçar-se-á na análise da responsabilidade civil por danos ocasionados nas relações de comércio eletrônico.
De acordo com entendimento trazido por Gagliano e Pamplona Filho (2012, p.54):
A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola a norma jurídica preexistente( legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)[...] A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando-se, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária a vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.
Nesse sentido, quando um dano é causado na esfera cível, surge a possibilidade de uma responsabilização civil, pressupondo-se o dever de reparar o lesado e o direito dele ter sua lesão reparada, visando restituí-lo ao estado quo ante, ou pelo menos minimizar os prejuízos suportados, melhorando sua situação através do ressarcimento pecuniário.
O atual Código Civil disciplina a responsabilidade civil em seus artigos 927 e seguintes, em um título próprio, denominado “da Responsabilidade Civil”.
O artigo 927 do dispositivo supracitado traz sintaticamente que a responsabilidade civil será apurada mediante a comprovação de culpa do autor do dano (responsabilidade subjetiva), salvo nos casos em que a lei expressamente prevê que a responsabilidade se dará independentemente de comprovação de culpa ou quando a atividade desenvolvida colocar em risco a sociedade (responsabilidade objetiva).
A responsabilidade civil subjetiva, adotada como regra pelo Código Civil de 2002, é aquela que tem como fundamento a culpa em sentido amplo, ou seja, é a que exige a comprovação de um ato intencional, negligente, imprudente ou imperito como causador do dano.
Já a responsabilidade civil objetiva, adotada excepcionalmente pelo Código Civil de 2002, tem como fundamento o risco, não sendo necessária a comprovação de culpa do provocador do dano. Essa responsabilidade objetiva surgiu diante do grande número de pedidos indenizatórios nos quais a parte lesada não conseguia comprovar a culpa do outro, então, como o grande objetivo de uma reparação civil é melhorar a situação da vítima, começou a ser aceita em determinadas situações a responsabilização sem comprovação de culpa.
É importante ressaltar que a responsabilidade civil pode ser desmembrada em três elementos essências, de modo que só se pode falar nela quando estiverem simultaneamente presentes a conduta humana, o nexo causal e o dano.
A partir de uma simples análise do artigo 186 do Código Civil que determina que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, é possível extrair os elementos configuradores da responsabilidade civil.
6. A RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5o, XXXII, determina que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Diante desta determinação constitucional, uma lei especial de proteção ao consumidor foi desenvolvida, entrando em vigor em 1990 o Código de Defesa do Consumidor.
Este Código passou a reger todas as relações de consumo, sendo aplicado com prioridade em detrimento do Código Civil, uma vez que se trata de uma norma especial, devendo-se observar o princípio da especialidade.
Sendo desenvolvido a partir de uma forte necessidade de uma legislação protetiva do vulnerável da relação consumerista, o consumidor, o Código de Defesa do Consumidor traz inúmeros dispositivos que protegem e beneficiam esta parte da relação.
Tentando melhorar a situação do consumidor, o CDC trouxe como regra geral de responsabilização civil nas relações de consumo a responsabilidade objetiva, ou seja, não há necessidade de comprovação de culpa do fornecedor, salvo em casos excepcionais em que este Código determina uma responsabilização subjetiva, como quando o fornecedor do serviço é um profissional liberal.
De acordo com Cavaliere (2012, p.18):
A responsabilidade estabelecida no Código de Defesa do Consumidor é objetiva, fundada no dever de segurança do fornecedor em relação aos produtos e serviços lançados no mercado de consumo, razão pela qual não seria também demasiado afirmar que, a partir dele, a reponsabilidade objetiva, que era exceção em nosso Direito, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria responsabilidade subjetiva.
Isto posto, uma vez configurado um dano em uma relação de comércio eletrônico, o consumidor poderá acionar o judiciário visando uma reparação civil pelo dano sofrido, e a responsabilização do fornecedor se dará objetivamente, ou seja, independerá de comprovação de culpa.
Destarte, constata-se que o Código de Defesa do Consumidor disciplina a matéria de responsabilidade civil de forma contrária ao Código Civil de 2002. Isso porque, enquanto este determina como regra a responsabilidade subjetiva e como exceção a objetiva, aquele adota de forma contrária, sendo a regra a responsabilidade objetiva e a exceção a subjetiva.
6.1. A RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO
Para a adequada delimitação da responsabilidade civil no âmbito das relações consumeristas, em especial na relação de e-commerce, é primordial fazer a diferenciação entre vício e fato do produto ou serviço.
O vício consiste em uma falha no dever de adequação, de modo que o produto apresenta um mau ou não funcionamento, o que diminui a sua qualidade ou quantidade e acaba por causar um dano de natureza patrimonial ao consumidor.
Já o fato do produto ou serviço é conhecido também como acidente de consumo, e consiste na exteriorização do vicio do produto, ocorrendo uma quebra no dever de segurança, ocasionando uma dano efetivo à vida, saúde e segurança do consumidor.
A responsabilização por fato do produto ou serviço está prevista nos artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor, enquanto que a responsabilização por vício do produto ou serviço está nos artigos 18 a 25 do mesmo dispositivo.
Frente uma análise desses artigos, fica claro que a regra de responsabilização por fato e vicio de produtos e serviços é a da reponsabilidade objetiva e solidária entre todos os fornecedores, salvo a do comerciante quando se tratar de fatos do produto, que nessa situação será subsidiária. Isso porque, o comerciante não participa da linha de produção do produto, assim, não seria correto responsabilizá-lo por algo que não poderia ser evitado por ele.
6.2. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR
O artigo 12, § 3o, CDC, expressa um rol de excludentes de responsabilidade civil do fornecedor. Desta maneira, uma vez conseguindo comprovar que não colocou o produto no mercado, que, embora tenha colocado o produto, o defeito inexiste ou que a culpa pelo dano ocorrido é exclusiva do consumidor ou de terceiro, o fornecedor não terá que indenizar o consumidor pelos prejuízos sofridos.
A doutrina diverge a respeito da taxatividade ou não taxatividade desse rol de excludentes. Todavia, a doutrina majoritária concorda com a não taxatividade, uma vez que ocorrendo fatos imprevisíveis e inevitáveis (caso fortuito ou força maior) que acabem por gerar danos ao consumidor, não deverá ocorrer a responsabilização do fornecedor, pois a imprevisibilidade e inevitabilidade extrapolam o limite do controlável, sendo impossível evitar o dano.
7. A RESPONSABILIDADE CIVIL DE SITES INTERMEDIADORES
É muito comum, no contexto do e-commerce, a atuação de sites intermediadores, que se intitulam como meros aproximadores dos consumidores e fornecedores, facilitando a compra e venda virtual. Um site intermediador muito utilizado pelos brasileiros em suas negociações é o Mercado Livre.
De acordo com o conceito trazido pelo site wikipédia.org (2015) “o Mercado Livre é uma empresa de tecnologia que oferece soluções de comércio eletrônico para que pessoas e empresas possam comprar, vender, pagar, anunciar e enviar produtos por meio da Internet”, ou seja, ele atua possibilitando a compra e venda virtual em sua totalidade e em troca aufere lucro com a sua utilização como intermediador.
Percebe-se que o site ocupa uma posição de intermediador, auxiliando tanto os consumidores quanto os fornecedores para que a relação de consumo seja efetivada.
Esses sites intermediadores, em tese, geram uma maior segurança aos consumidores e fornecedores, por se tratarem de sítios eletrônicos que submetem seus usuários à um processo mais burocrático de efetivação de cadastros.
Entretanto, mesmo com os benefícios trazidos por esses tipos de site, são comuns as situações em que consumidores se acham lesados, enfrentando prejuízos como a não entrega dos produtos adquiridos ou o recebimento de algo diverso do ofertado, a demora e até mesmo a entrega de produtos ou serviços com vícios de qualidade ou quantidade.
Isto posto, é importante averiguar se a empresa intermediadora terá alguma responsabilidade por tais inconvenientes, e caso a resposta seja positiva, como se dará a responsabilização.
Nos termos e condições gerais de uso do site Mercado Livre, é determinado que:
O Mercado Livre não é fornecedor de quaisquer produtos ou serviços anunciados no site […] O Mercado Livre não se responsabiliza, por conseguinte, pela existência, quantidade, qualidade, estado, integridade ou legitimidade dos produtos oferecidos, adquiridos ou alienados pelos Usuários, assim como pela capacidade para contratar dos Usuários ou pela veracidade dos dados pessoais por eles inseridos em seus cadastros.
O termo tenta eximir o site de qualquer responsabilidade civil, no entanto, por se tratar de um contrato de adesão (os contratos eletrônicos interativos são contratos de adesão) não pode trazer cláusulas restritivas ou exclusivas de direito.
O próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 25 determina que é vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar por vícios e fatos dos produtos ou serviços, sendo inadmissíveis as cláusulas que afirmam a não responsabilização do sítio eletrônico intermediador. Assim, fica evidente que a cláusula retratada não é válida, não tendo nenhuma aplicabilidade prática.
É fácil perceber que os sites intermediadores, como o Mercado Livre, se enquadram perfeitamente no conceito de fornecedor de serviços e os seus usuários no de consumidores, ficando sujeitos ás regras do CDC quanto á responsabilização pelos serviços prestados.
Neste seguimento, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco:
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. MATÉRIA LEVADA AO COLEGIADO. SUPERAÇÃO DE EVENTUAIS NULIDADES. NA ORIGEM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA PELA INTERNET-RESPONSABILIDADE DA EMPRESA INTERMEDIADORA DANO MATERIAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. 1. O STJ entende de forma iterativa que eventual incorreta aplicação do art. 557 do CPC, resta sanada pelo julgamento colegiado. 2. A presente hipótese trata-se de responsabilidade civil objetiva, vez que a responsabilidade pela segurança das operações negociais (compra e venda em meio eletrônico), ainda que a prestação do serviço seja a disponibilização de espaço virtual em site para tais transações. 3. Mercado Livre uma empresa que aufere lucros com as vendas realizadas em seu sítio, está ela submetida ao risco do empreendimento, possuindo, pois, o dever de responder pelos vícios e defeitos decorrentes da prestação do serviço[…] (TJ-PE - AGV: 3632397 PE , Relator: Josué Antônio Fonseca de Sena, Data de Julgamento: 17/03/2015, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 24/03/2015).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também decidiu pela responsabilidade do site intermediador no caso de produto não entregue, como se observa na seguinte decisão:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPRA E VENDA PELA INTERNET "MERCADO LIVRE" VIA MERCADO PAGO. PRODUTO NÃO ENTREGUE. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS INTERMEDIADORAS DAS NEGOCIAÇÕES. RISCO DA ATIVIDADE. DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR ADIMPLIDO PELO PRODUTO NÃO RECEBIDO. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS CONTRAÍDOS EM NOME DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS INOCORRENTES. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005028485, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 11/09/2014)
(TJ-RS - Recurso Cível: 71005028485 RS , Relator: Silvia Muradas Fiori, Data de Julgamento: 11/09/2014, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/09/2014).
Com tudo isso, é evidente que o posicionamento majoritário recentemente adotado pelos tribunais superiores consiste em afirmar a legitimidade passiva dos sites intermediadores em ações de indenização por danos sofridos pelo consumidor, uma vez que são fornecedores de serviço, respondendo objetivamente segundo o Código de Defesa do Consumidor.
8. O COMÉRCIO ELETRÔNICO INTERNACIONAL
Como já explanado no presente artigo, as relações de comércio eletrônico que tem como parte consumidores e fornecedores brasileiros estão sujeitas às regras e princípios aplicáveis aos demais contratos celebrados no Brasil.
Todavia, é completamente possível que uma das partes ou o próprio site intermediador seja estrangeiro, o que gera uma dúvida a respeito de qual legislação deverá ser aplicada em caso de lesões resultantes da relação de consumo.
Segundo Gonçalves (2014,p.114):
O contrato de consumo eletrônico internacional obedece ao disposto no art.9o, § 2o, da Lei de Introdução ao Código Civil, atualmente denominada “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”( Lei n.12.376, de 30 de dezembro de 2010), que determina a aplicação, à hipótese, da lei do domicílio do proponente. Por essa razão, se um brasileiro faz a aquisição de algum produto oferecido pela Internet por empresa estrangeira, o contrato então celebrado rege-se pelas leis do país do contratante que fez a oferta ou proposta.
Logo, o consumidor brasileiro deve atentar para o domicílio do ofertante, uma vez que este local irá determinar qual legislação será aplicada na relação de consumo. Então, nas situações que o ofertante for estrangeiro, o consumidor brasileiro não estará sujeito às normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor pátrio, o que lhe pode ser bastante prejudicial.
Isso porque, a legislação a ser aplicada pode não ser tão benéfica ao consumidor quanto o CDC é, e pode até mesmo nem existir uma legislação específica para tutelar as relações de consumo.
Dessa maneira, o consumidor brasileiro, ao realizar compras virtuais em sites internacionais, pode estar adentrando em uma relação de comércio na qual seus direitos estarão obscuros, sendo necessário uma prévia e cuidadosa análise da legislação do país com o qual contrata, para que se possa evitar problemas e dificuldades futuras.
9. CONCLUSÃO
Com o presente artigo evidenciou-se que a evolução da internet contribuiu inovando as relações de consumo com uma modalidade específica de comércio, o e-commerce. Esse comércio, além de fácil e rápido, podendo ter compras efetivadas com apenas um clique, apresenta também inúmeros pontos negativos, exatamente por não sujeitar suas partes à um contato físico, o que propicia um ambiente extremamente sujeito à fraudes.
Dessa forma, os consumidores e fornecedores que compõe a relação de compra e venda virtual estão a todo momento sujeitos à lesões. Uma vez configurados danos à alguma dessas partes, deve-se aplicar as regras do Código de Defesa do Consumidor, como já explanado no tópico seis do presente estudo.
Nas hipóteses em que a relação de consumo aqui tratada envolver um site intermediador, este também será responsabilizado, independentemente do que é contratualmente determinado, pois é um fornecedor de serviços que aufere lucro com a intermediação, sendo aplicadas as regras do Código de Defesa do Consumidor.
O presente artigo remata, finalmente, a ideia de que é preciso observar se a relação de consumo envolve um fornecedor estrangeiro, pois, uma vez o tendo, não serão aplicadas as regras do direito brasileiro, e sim as do domicílio do ofertante. Assim, nenhuma das garantias protetivas ao consumidor, disciplinadas pelo CDC, serão aplicáveis à relação de comércio eletrônico internacional.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Agravo no 3632397 PE. Tribunal de Justiça. Relator: Josué Antônio Fonseca de Sena. Julgado em 17 de março de 2015. Disponível em: <http://tj-pe.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/176667783/agravo-agv-3632397-pe>. Acesso em 04 de nov. 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL. Decreto nº 7962, de 15 de março de 2013. Decreto no 7962. Brasília, DF, 15 mar. 2013.
BRASIL. Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF,1990.
BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF, 2002.
BRASIL. Recurso Cível nº 71005028485 RS. Tribunal de Justiça. Relator: Min. Silvia Muradas Fiori. Julgado em 11 de jan de 2014. Disponível em:<http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/139210009/recurso-civel-7100 71005028485-rs>. Acesso em 02 de nov. de 2015.
CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. rev. e ampl. São Paul: Atlas, 2012.
E-COMMERCE. Disponível em: . Acesso em 25 set. de 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
IBOPE MÉDIA. Disponível em:< http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Brasil-e-o-terceiro-pais-em-numero-de-usuarios-ativos-na-internet.aspx>. Acesso em: 28 de out. de 2015.
LAGES, Leandro Cardoso. Direito do Consumidor: A lei, a jurisprudência e o cotidiano. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. 453 p.
MERCADO LIVRE. Disponível em: <http://contato.mercadolivre.com.br/ajuda/Termos-e-condicoes-gerais-de-uso_1409>. Acesso em: 05 de nov. de 2015.
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 936.
Bacharela em Direito pelo Instituto de Ciências Sociais e Jurídicas Prof. Camillo Filho (ICF). Pós-graduanda em Direito Tributário pela UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Mariana Antunes. A responsabilidade civil e o comércio eletrônico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52132/a-responsabilidade-civil-e-o-comercio-eletronico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
Precisa estar logado para fazer comentários.