RESUMO: O presente artigo visa a debater acerca da responsabilidade civil dos juízes em caso de erro judicial, levando em consideração a decisão proferida pelo Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental no RE 429.518-1/SC. Para tanto, em sua primeira parte, será realizada uma breve síntese do caso em análise. Em seguida, em sua segunda parte, o artigo discorre acerca da responsabilidade objetiva do Estado. Por fim, em sua conclusão, o artigo visa a responder se os juízes devem ser responsabilizados por erros que cometerem em suas decisões.
PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade civil dos juízes; Responsabilidade objetiva do Estado; Erro judiciário.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO; 3. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
O caso em análise se trata de agravo regimental a respeito da decisão que negou seguimento ao RE à vista do crucial entendimento de que a responsabilidade objetiva do Estado não se estenderia aos atos praticados pelos juízes, malgrado nas hipóteses legais expressas. Além disso, entendeu-se que o dito erro judiciário (art. 5°, LXXV, da CF/1988) não se ajusta conceitualmente ao decreto judicial de prisão preventiva, independentemente da superveniente situação em que o réu, ao fim da ação penal, venha a ser absolvido.
O agravante suscitou que tal prisão injusta adveio da presença de erro e de má-fé no decorrer da investigação policial. O acusado sustentou que, em verdade, seria apenas homônimo de um traficante, no entanto, não haveria nenhuma substância entorpecente em sua residência. Outrossim, o juiz teria endossado tal fato inverídico decretando a prisão preventiva do acusado que, todavia, ao final da instrução, foi absolvido por falta de provas. Por fim, à luz do art. 37, § 6°, da Constituição Cidadã, o agravante expôs a existência de omissão da decisão agravada no que tange à responsabilidade objetiva do Estado por dano de seu agente.
O relator, Ministro Carlos Velloso, optou pelo não provimento do presente agravo sob o entendimento de que inexistiria a alegação de negativa de prestação jurisdicional, haja vista, por exemplo, a necessidade de ocorrência do prequestionamento mediante interposição de embargos de declaração. Além disso, optou pela inviabilidade do RE pelo fato de que, à luz da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade objetiva do Estado só seria aplicável aos atos dos juízes nos casos expressamente previstos em lei.
2. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO
Primeiramente, cabe ressaltar que a responsabilidade civil decorre de condutas que causem dano patrimonial, moral ou ambos.[1] Por sua vez, a responsabilidade civil do Estado se refere ao dever de o Estado ressarcir os danos causados por seus agentes a particulares.[2]
O fundamento básico da responsabilidade civil subjetiva, para fixar o dever de indenizar, é a culpa. Sendo assim, no Direito Privado, o sujeito que pleiteia a indenização tem o ônus de comprovar a conduta culposa do acusado; dano ou prejuízo e nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano sofrido. Ao adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva, não há necessidade de demonstrar culpa para a imputação da responsabilidade, de forma que o principal fundamento do dever de indenização passa a ser o risco. Sendo assim, o dever de ressarcir cabe àquele que desempenha atividade suscetível de causar danos a terceiros.[3]
A teoria do risco divide-se na teoria do risco administrativo e do risco integral.[4] A principal distinção entre elas é que a teoria do risco administrativo admite hipóteses de exclusão da responsabilidade do Estado e a do risco integral não. Essas excludentes de responsabilidade civil operam quando há culpa exclusiva do particular ou for um caso de força maior. Nesse ponto, é possível observar a inversão do ônus da prova. Ou seja, o particular não é obrigado a provar culpa do agente. No entanto, se o Poder Público produz provas de que o ocorrido resultou de culpa do particular, não somente se exime da responsabilidade, como também pode pleitear a indenização dos danos.
No ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é tratada no artigo 37, § 6° da Constituição Federal:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A partir dessa redação, evidencia-se que o Estado brasileiro adota a teoria do risco. Além disso, o particular que visa indenização pelo dano causado deve ingressar com ação contra o Estado, que detém a legitimidade passiva, como pacificado no RE n. 228.977/SP. Por fim, é possível concluir que os requisitos para a responsabilização civil do Estado são o dano, nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano produzido e a oficialidade da atividade causal.[5]
Tendo em vista o aludido art. 37, § 6°, da Constituição Federal, nota-se que houve o acolhimento da Teoria do Risco Administrativo.[6] Isso implica em dizer que o Estado acaba por responder objetivamente pelos danos causados a terceiros praticados pelos seus agentes, nessa qualidade. Assim, é necessária a existência de uma relação mínima de causalidade – causa e efeito – entre a atuação do agente público e o referido dano. Todavia, cabe salientar que, em casos de dolo e de culpa, é assegurado ao Estado, em face do agente causador do dano, o direito de regresso pelo qual visa-se reaver a quantia paga à vítima. À título exemplificativo, à luz do artigo 5°, LXXVIII, da CF/98, a demora excessiva na prestação jurisdicional pode gerar uma responsabilidade por parte do Estado, caso, nas circunstâncias concretas, note-se falhas estruturais e demoras desarrazoadas.
Como já exposto, o juiz apenas responde civilmente caso incorra nos atos previstos na própria lei. Assim, o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 143, preleciona que o magistrado irá responder, regressivamente, por perdas e danos nas seguintes hipóteses: (i) caso, no exercício de suas funções, ele proceda com dolo ou frade; (ii) caso ele recuse, omita ou retarde, sem justa razão, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte, neste caso sob o prazo de 10 dias.
No entanto, cabe ao menos ressaltar brevemente que o juiz pode, também, responder no âmbito administrativo, isto é, a partir de medidas disciplinares perante seu respectivo Tribunal ou respectiva Corregedoria, ou ainda perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ademais, ainda é possível falar-se em uma responsabilidade penal do magistrado, caso cometa, em sua atuação funcional, infrações abrangidas pela legislação penal.
Em casos de conduta dolosa, ainda, o lesado pode optar por ajuizar uma ação indenizatória em face do próprio magistrado, consoante ao artigo 133 do CPC e do artigo 49 da LOMAN. O caso em questão, todavia, delineia-se na esfera penal. Nessa, sob a égide do artigo 5°, LXXV, da CF/98, nas hipóteses em que haja conduta culposa, o Estado detém o dever de indenizar o condenado por erro judiciário, bem como caso o réu cumpra sua prisão para além do tempo fixado na sentença.
3. CONCLUSÃO
No que tange à aplicabilidade do decreto judicial de prisão preventiva, quando observados os pressupostos que o autorizam, bem como se devidamente fundamentado, não há de se falar em erro judiciário, sob pena de violação do princípio do livre convencimento do juiz. Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro, indenizar dano decorrente de decisão judicial implicaria em violar a regra da imutabilidade da coisa julgada, pois significaria inferir uma sentença proferida com violação da lei.[7]
Nesse diapasão, como bem preleciona Lucas Rocha Furtado, em caso de medida preventiva, se comprovado que houve falha do ato judicial por erro de instância administrativa – por exemplo, dos órgãos policiais – pode-se argumentar que houve dano decorrente da própria instância administrativa, podendo ser invocada a regra geral da responsabilidade objetiva do Estado. Contudo, faz-se mister frisar que essa responsabilidade sobre os atos judiciais que tenham causado prejuízo à população compete ao Estado, não ao magistrado, salvo quando este houver agido com dolo ou fraude. Nessa hipótese, o magistrado pode ser responsabilizado regressivamente, como supracitado.[8]
A atuação do magistrado é uma atividade de risco e traz consigo, de modo inerente, o erro. Equiparar os erros do juiz a infrações significa abalar gravemente a segurança de suas decisões. Dessa forma, no caso em comento, não se deve invocar a responsabilidade do juiz pelo erro cometido, haja vista a inexistência de dolo ou fraude.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 8. Ed. São Paulo: Método, 2015.
CAVALIERI FILHO, Sergio. A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do Estado. Rio de Janeiro: R. EMERJ, v.14, n. 55, 2011.
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
______. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 18. Ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
[1] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 8. Ed. São Paulo: Método, 2015, p. 311.
[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 815.
[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, pp. 819-820.
[4] MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 18. Ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 562.
[5] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 831.
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do Estado. Rio de Janeiro: R. EMERJ, v.14, n. 55, 2011, pp. 10-11.
[7] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 533-534.
[8] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 5. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, pp. 906-909.
Bacharelando em Direito pela UNB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITELLI, Valter Pedroso. A responsabilidade civil dos juízes: uma análise do Agravo Regimental no RE 429.518-1/SC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52150/a-responsabilidade-civil-dos-juizes-uma-analise-do-agravo-regimental-no-re-429-518-1-sc. Acesso em: 01 nov 2024.
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