Resumo. Na contemporaneidade, o Estado Democrático de Direito, último paradigma da modernidade, se pauta no equilíbrio da dicotomia público-privado. É certo que, em muitos países, a transição do Estado do Bem-Estar Social ao terceiro paradigma ainda se encontra em curso – o que aparenta ser o caso brasileiro -, ou seja, ainda há primazia da esfera estatal na medida em que o Estado, intervencionista, mantém-se protagonista no âmbito público, ao tempo em que burocratiza as movimentações do mundo privado. Hoje, a evolução científica é contínua e acelerada e a assimilação de novos produtos, serviços e tecnologias se revela um desafio à sobrevivência do Estado Democrático. Neste projeto, é analisada a recepção do aplicativo Uber no Brasil, abordando-se, ainda que de modo superficial, a incorporação do serviço em grandes cidades estrangeiras, como forma de ilustrar a delicada relação entre direito e economia em consonância com o cumprimento das diretrizes constitucionais que tratam da ordem econômica e financeira.
Palavras-chave: Inovação. Regulação. Taxi. Uber.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Desenvolvimento – 3. Conclusão – 4. Referências Bibliográficas
1 Introdução
Os dias de hoje são marcados por inovações tecnológicas que impactam o mundo, derrogando modelos tradicionais de serviços, políticas e produtos. A energia elétrica substituiu os lampiões. O Spotify afetou o mercado de discos. O Netflix afetou a venda de DVDs. O disquete foi derrogado pelo pendrive, que foi ultrapassado pela criação de nuvens de compartilhamento. O airbnb veio competir com a indústria hoteleira. As livrarias e bibliotecas são cada vez mais ultrapassadas pela disponibilização de livros digitais. Quase não mais há cartas, mas e-mails. Os processos judiciais físicos são gradativamente convertidos em versões eletrônicas. O Uber impactou o mercado de transportes públicos individuais.
É certo que as revoluções vêm para otimizar as operações mundanas, tornando o dia-a-dia das pessoas mais célere e proveitoso. Os objetos tradicionais são substituídos por outros mais eficientes e essa mutação impacta diretamente direito e economia, de formas diversas: simples, complexa, gradual, repentinamente.
No presente artigo, pretende-se demonstrar, por meio da análise da assimilação política, jurídica e socioeconômica do Uber, a interação entre os sistemas jurídico e econômico e o desafio do Estado contemporâneo de acompanhar as revoluções industriais e tecnológicas, regulamentando devidamente os produtos que delas surgem e que geram novas formas de organização das relações sociais.
2 Desenvolvimento
2.1 Contextualização histórica: A Relação entre Direito e Economia
A ligação entre direito e economia é claramente percebida no estudo histórico.
“Em cada fase da evolução dos povos são concebidas doutrinas filosóficas que oferecem seus axiomas para compatibilizar as formas de direção do Estado com os interesses econômicos. Quando alguma construção doutrinária é alterada quanto aos fatores políticos, são irremediáveis os reflexos que provocam na ordem econômica. E a recíproca é verdadeira”.[1]
O Estado Liberal, primeiro dos paradigmas da modernidade, veio para consolidar os direitos fundamentais de primeira geração, pautados nos princípios da igualdade e liberdade, ainda que de natureza formal, sem a devida concretização prática. Era Estado mínimo, com gênese marcada pela Revolução Francesa, e tinha diretrizes consonantes à teoria do liberalismo econômico, de Adam Smith.
A ideia liberal atendia aos interesses da burguesia, classe social em ascensão à época, e pregava a passividade do Estado diante dos fenômenos dos mundos econômico e social. A famosa máxima laissez faire, laissez passer, ilustração da filosofia, remete à fluidez mercantil possibilitada a partir de um Estado que atua apenas para proteger os direitos de propriedade.
Os contratos eram vistos como instrumento de livre intercâmbio de riquezas e a autonomia da vontade era o princípio supremo de realização. Em contraponto à facilidade da constituição de negócios jurídicos, o cumprimento era obrigatório, a qualquer custo - pacta sund servanda –, servindo o Estado meramente para garantir essa consumação, caso não espontânea.
A liberdade excessiva conferida aos indivíduos surtiu efeito contrário, causando aumento do abismo entre as classes sociais e tornando o rico cada vez mais abastado e o pobre progressivamente mais miserável. O Estado Liberal entrou em colapso e eclodiram movimentos sociais.
Com a crise do primeiro paradigma, que deu ensejo a ampla desigualdade social, ocorreu o fenômeno de hipertrofia do Estado, que ficou conhecido como de Bem-Estar Social, o Welfare State. A ideia de um modelo interventivo estatal encontrou na doutrina marxista sua maior expressão, propositora que era da ideia de eliminação das classes sociais como meio de proteção ao trabalhador.
O governo passou de indiferente a atuante e fiscalizador. Os direitos fundamentais de segunda geração, atinentes à igualdade, vieram à tona, impactando o ambiente jurídico com a mitigação da vontade dos cidadãos, intercedendo o Estado sempre pelo lado mais fraco da relação jurídica. Nesse sentido assinala Tepedino:
“O direito civil – assim como os outros ramos do chamado direito privado, o direito comercial e o direito do trabalho – assiste a uma profunda intervenção por parte do Estado. Procurou-se com êxito evitar que a exasperação da ideologia individualista continuasse a acirrar as desigualdades, com a formação de novos bolsões de miseráveis - cenário assaz distante do que imaginaria a ideologia liberal no século anterior, ou seja, a riqueza das nações a partir da riqueza da burguesia-, tornando inviável até mesmo o regime de mercado, essencial ao capitalismo. Estamos falando, como todos sabem, da consolidação do Estado Social.”[2]
Com a inauguração da fase do dirigismo econômico, em que o Estado passou a participar ativamente dos fatos econômicos e da igualdade social, o interesse público foi sobrelevado em relação às vontades individuais e ao próprio sistema capitalista.
Observou-se o fenômeno de constitucionalização normativa da ordem econômica. Várias leis fundamentais, que antes se restringiam aos assuntos políticos, passaram a conter capítulos dedicados à disciplina da economia – é o caso da Constituição mexicana de 1917, da Constituição de Weimar de 1919 e da Constituição brasileira de 1934. Na vigente Constituição de 1988, a disciplina da ordem econômica e financeira está prevista no Título VII, dividida em quatro capítulos – um sobre os princípios gerais da atividade econômica, outro sobre a política urbana, o terceiro sobre a política agrícola e fundiária e a reforma agrária e o último sobre o sistema financeiro nacional.
O Estado Social também implodiu por ineficiência devido ao excesso de burocracia e deu origem ao Estado Democrático de Direito. No terceiro paradigma, contemporâneo, surgiram valores fundamentais ligados à solidariedade e ao desenvolvimento, no qual o desafio da sobrevivência passou a ser o equilíbrio da dicotomia público-privado. Assim, por exemplo, nesse Estado contemporâneo a liberdade contratual é condicionada ao cumprimento da função social e ao equilíbrio econômico: combina-se fluidez de mercado à realização dos direitos fundamentais.
Percebe-se que os dois primeiros paradigmas da modernidade se revelam extremos contrários e a ruína pode ser explicada justamente pela falta de harmonia entre as esferas pública e privada. Hoje, entende-se inviável a sustentação de um Estado em que esses sistemas, que em viés mais amplo podem ser encarados como direito e economia, não dialoguem. Assim, o Estado Democrático de Direito se pauta no sopeso entre as forças do Estado Liberal e do Estado Social, liberdade e igualdade, economia e direito, autonomia e garantia.
2.2 Tecnologia e o Papel do Estado
O mundo do século XXI, cada vez mais digital, globalizado e interconectado, opera com velocidade superior às mudanças normativas. As inovações tecnológicas desafiam os Estados a cumprirem suas constituições, adequando a legislação infraconstitucional às revoluções sucessivas do meio.
O Estado Democrático de Direito, como dito, pautado no equilíbrio público-privado, é provocado a assimilar novas tecnologias garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos componentes do setor “ultrapassado”, ao mesmo passo que permitindo a realização de postulados básicos como o progresso, o direito do consumidor, o desenvolvimento.
No Brasil, o ideal de ponderação pode ser facilmente depreendido da leitura da Carta da República, na qual os postulados básicos da ordem econômica brasileira, materializados no artigo 170, são descritos como (i) a valorização do trabalho humano e (ii) a livre iniciativa.
O Brasil, democracia recente, ainda revela muitos vestígios característicos do segundo paradigma moderno, o Estado Social. Apesar de, na Constituição de 1988, como supradito, estarem estampados muitos princípios de desenvolvimento econômico, o país ainda se mostra extremamente protecionista e intervencionista, operando muitas vezes com a manutenção de práticas tradicionais e desatualizadas.
O problema surge quando esse excesso de atuação do Estado atinge as relações comerciais em malefício do cidadão e do interesse púbico, afastando inovações tecnológicas favoráveis ao país e perpetuando modelos ultrapassados de serviços e de política.
2.3 O Caso Uber
Um caso interessante para ilustrar a dificuldade da assimilação de novidades é o Uber. A plataforma trouxe avanço tecnológico significativo, dirimindo falhas de mercado por excesso de regulação do setor outrora dominado por taxistas, setor esse que não mais atingia o fim social nem satisfazia inteiramente o consumidor.
O aplicativo pode ser visto como inovação disruptiva - termo de Clayton Christensen, professor de Harvard, para a novidade que cria novo mercado e desestabiliza os concorrentes, em uma "destruição criativa", expressão cunhada pelo economista austríaco Joseph Schumpeter em 1939 para explicar os ciclos de negócios. Segundo este autor, o capitalismo funciona em ciclos, e cada nova revolução (industrial ou tecnológica) destrói a anterior e toma seu mercado.
A atuação da empresa no Brasil sofreu forte rejeição do setor atingido, qual seja, dos taxistas, e provocou a regulação pelos entes políticos, tanto na esfera federal quanto na municipal, bem como a realização de estudos pelos mais diversos órgãos estatais e privados, material que fomenta interessante discussão para entender a fragilidade da realização do Estado Democrático e da intervenção do direito na ordem econômica.
2.3.1 A lei e a dinâmica de transportes no Brasil
A Constituição Brasileira de 1988 assim disciplina a dinâmica de transportes:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
XI - trânsito e transporte;
Art. 30. Compete aos Municípios:
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
Assim, à União cabe desenhar o modelo e as diretrizes do funcionamento do setor de transporte, incumbindo ao município a regulação para efetivar aquelas regras gerais, com a criação de normas práticas e fiscalização de seu cumprimento.
É o que explicita a Lei n. 12.587/2012, a lei de mobilidade urbana, em seu artigo 12:
"Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas. (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)".
A mencionada lei funciona como norma fundamental da regulação do trânsito no Brasil, sendo continente dos princípios e direitos fundamentais no âmbito da matéria. Vejamos alguns exemplos:
Art. 5º A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios:
I - acessibilidade universal;
II - desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;
IV - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano;
VI - segurança nos deslocamentos das pessoas;
VIII - equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e
IX - eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.
Art. 6º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:
IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade;
V - incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes;
Art. 7º A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos:
I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;
II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;
III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade;
IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e
V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.
Art. 14. São direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade
Urbana, sem prejuízo dos previstos nas Leis nos 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995:
I - receber o serviço adequado, nos termos do art. 6o da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
II - participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana;
III - ser informado nos pontos de embarque e desembarque de passageiros, de forma gratuita e acessível, sobre itinerários, horários, tarifas dos serviços e modos de interação com outros modais; e
IV - ter ambiente seguro e acessível para a utilização do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, conforme as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Depreende-se dos enunciados colacionados que a lei de mobilidade urbana realiza a essência constitucional, idealizando um modelo de dinâmica de transportes inclusivo, acessível, ágil e sustentável. A concretização dessas diretrizes, como vimos, depende do município, que regula na prática o transporte.
2.3.2 O modelo anterior: dominação do transporte público individual pelos táxis
Tanto o táxi quanto o Uber se enquadram no que a lei de mobilidade urbana designou, no artigo 4º, como transporte público individual:
“Para os fins desta Lei, considera-se: VIII - transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas”.
A Lei n. 12.468/11, que regulamenta a profissão de taxista, por outro lado, estabelece no artigo 2º que: "É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros.".
Antes da entrada do Uber, o mercado de transportes públicos individuais era carente de concorrência, uma vez que era dominado por oligopólios, ou seja, havia manutenção do poder nas mãos de poucos grupos. Com a intenção de reduzir as falhas de mercado existentes até então, tais como assimetria de informações e demais externalidades negativas, a atuação de táxis encontrava-se extremamente regulamentada, excesso que sufocava a economia e a manifestação dos princípios concorrenciais.
A regulação de taxis se dá pelo controle do número de taxistas, com a expedição de alvarás e licenças pelos municípios e Ddistrito Federal, além da criação de regras de padronização do serviço, como higiene, preços, segurança, entre outros, de forma a tentar garantir a qualidade do serviço prestado.
O município estabelece a quantidade de licenças de táxi a fornecer, sendo os interessados em realizar o serviço submetidos a filas de espera para obter permissão própria ou ao aluguel ou compra da licença de permissionários estabelecidos, prática na maior parte das vezes que ocorre à margem da lei e com preços exorbitantes de transferência, tendo o documento chegado a custar R$ 170 mil no Brasil e US$ 1 milhão em Nova York. Assim, se o governo resolve interromper ou desacelerar a outorga de licenças de táxi, fica o cidadão sujeito ao arbítrio daqueles que já dominam o setor, em clara ofensa à livre iniciativa.
Além disso, os taxímetros, aferidos periodicamente pelo ente político, fixam o preço das corridas, sendo os motoristas que atuam em municípios com mais de cinquenta mil habitantes, segundo a Lei n. 12.468/11, obrigados a utilizar o instrumento.
Em algumas cidades, como Recife e Rio de Janeiro, a tarifação é feita por zona ou tabelamento. Em outras, como Brasília, é instituído preço máximo, o que dá abertura a promoções. Na cidade, algumas empresas forneciam desconto de trinta por cento ao passageiro, mas o ato foi proibido administrativamente – e restabelecido pelo Judiciário – sob a justificativa de que não impactaria positivamente a demanda e contrariaria as leis de mercado, argumentos frágeis e sem sustento, diametralmente contrários à livre concorrência.
Uma regra interessante a ilustrar a (não) concorrência estabelecida no setor é que os táxis de rua, se desejam utilizar um ponto de táxi, teriam de respeitar fila, sendo vedado o intermédio de porteiros, por exemplo, a favorecer um motorista conhecido e a escolha pelo consumidor do veículo ou profissional de maior agrado, de acordo com suas prioridades.
As restrições de natureza econômica são claramente constatáveis nesses exemplos. Afinal, como seriam realizadas as leis de mercado e concorrência com preços fixos, desrespeito ao direito de escolha do consumidor e proibição de promoções?
O consumidor e, muitas vezes, o próprio taxista, não estavam satisfeitos com o modelo da atividade. As condições de serviço não eram fiscalizadas satisfatoriamente e muitas vezes deixavam a desejar, principalmente pela exorbitância dos preços e pela falta de cordialidade de muitos motoristas acomodados àquele cenário, além do pouco acesso à informação, como itinerários, e da redução do direito de escolha. Muitos cidadãos dispostos a trabalhar não conseguiam entrar corretamente no mercado ou não tinham opção que não aceitar condições abusivas dos dominadores do setor, sem anuência de lei, para laborarem. O preço era fixo, com forte atuação de entidades de classe e manutenção de oligopólios, o que comprometia o livre fluxo da economia. .
2.3.3 Uber e revolução
O Uber revolucionou o mercado dos transportes e o próprio mundo dos negócios. Trouxe preços competitivos, se propôs a garantir a satisfação do consumidor com a atribuição de notas e comentários ao serviço prestado por cada motorista. Criou estratégias para personalizar o serviço e proteger a escolha do cidadão - que tanto pode optar por veículos de luxo (Uber Black), quanto por carros populares (Uber X), e até pela sistemática de carona compartilhada (Uber Pool), por exemplo, de acordo com o gosto, a necessidade e a intenção de custo.
O aplicativo, pioneiro, foi seguido por vários outros com propostas semelhantes, como o Cabify, e chocou os oligopólio existentes, ressuscitando a livre concorrência e a livre iniciativa, preceitos tão saudáveis à consumação do sistema econômico. Como se pode esperar, essa característica de inovação disruptiva desestabilizou o mercado e atraiu onda de rejeição e de protestos pelo grupo outrora dominante, que demandou ação política urgente, pedindo intervenção do governo sob o argumento de concorrência desleal.
Rachel Lopes Teléforo demonstrou estatisticamente que, ao redor do mundo, o regulador adotou semelhante atitude frente ao aplicativo: primeiro, proibiu, depois, regulou adotando padrões similares aos tradicionais, ignorando as diferenças desse novo modelo.
A autora estudou a chegada do Uber em 23 megacidades (municípios com mais de 7 milhões de habitantes, conforme padrão da Organização das Nações Unidas - ONU) e constatou que, em todas elas, inclusive as brasileiras São Paulo e Rio de Janeiro, houve a imediata proibição do aplicativo. Informou também que nove de dez cidades do Brasil em que o Uber foi disponibilizado, ele foi proibido e, na outra, tramitava projeto de lei proibitivo.
No segundo ciclo regulatório, segundo Rachel Telésforo, houve a confecção de normas reguladoras do aplicativo que, em síntese, propunham a perpetuação do modelo antigo, como a exigência de licenciamento, dentre outros requisitos, e veladamente consistiam em proibição indireta, vez que afetavam o ideal da economia de colaboração. O Judiciário brasileiro, por outro lado, adotou o padrão mundial judicial de acolher o Uber e impedir liminarmente atos abrasivos dos outros poderes.
Além da esfera municipal, na Câmara dos Deputados, já foi aprovado o projeto de Lei n. 5587/16, que trata da regulamentação de serviços de transporte remunerado individual por meio de aplicativos, como o Uber e o Cabify. . O esboço, que foi fortemente criticado por ter elementos retrógrados ainda não foi apreciado no Senado Federal. O projeto, aos moldes do segundo ciclo regulatório supra explicado, prevê a necessidade de autorização específica pelas Prefeituras para a operação do Uber, além da fiscalização, cobrança de tributos e contratação de seguro obrigatório junto ao ente político distrital ou municipal.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, o Ministério da Fazenda e o Ministério Público Federal, por outro prisma, evidenciam a criação de um novo mercado, destacando que a rivalidade fomenta a competição e possibilita mais opções ao consumidor, sendo o menor preço convergente com o interesse público. O Parquet, inclusive, propôs a desregulação da sistemática dos táxis, sugerindo políticas como o aumento do número de licenças de funcionamento a fornecer e a vedação de atos proibitivos de descontos, para liberar o livre fluxo de preços.
O terceiro ciclo de regulação, que coaduna com as percepções desses atores, indica a abertura às inovações, para benefício do interesse público, de forma a realocar recursos, minimizar custos e promover melhor qualidade de vida ao cidadão. É entender que haverá inovações e melhora da malha logística das cidades para acompanhar a tecnologia, zelando pelo interesse público e pelo desenvolvimento da nação, sem aniquilar direitos fundamentais.
3 Conclusão
Direito e Economia são ciências interligadas e sempre terão o diálogo fomentado pelo Estado. A assimilação de inovações, matéria tão atual e propulsora de estudos, é essencial para a plena realização do Estado Democrático de Direito. As transformações tecnológicas são cada vez mais frequentes, o mundo cada vez mais globalizado, as informações cada vez mais acessíveis e a economia cada dia mais aberta a novos atores e produtos.
As inovações disruptivas, com seu teor revolucionário, ainda tendem a atrair pedidos de atuação interventiva do governo. A tendência global, no entanto, é a de intervenções estatais cada vez menores, de maneira que o Estado só é chamado para operar garantir a consolidação dos preceitos fundamentais, intervindo no sistema econômico quando houver abusos e violações aos direitos humanos e ao arcabouço legal, que deve ser voltado a coibir práticas excessivas, e não a burocratizar os movimentos socioeconômicos. A economia, em si, funciona bem quando se autorregula. Os serviços são melhor prestados com menor intervenção política, pois uma vez que há espaço à livre concorrência, à livre iniciativa, à oferta e à demanda, mais há preços competitivos e produtos diferenciados.
O Uber trouxe um novo modus operandi para o setor de transportes, levando os taxistas a implementar métodos de aprimoramento dos seus serviços. As inovações que o aplicativo proporcionou representam uma tendência irreversível na medida em que expressam como as recentes tecnologias são capazes de facilitar a vida das pessoas e a segurança dos transportes, estimulando a participação dos usuários em sua avaliação e aperfeiçoamento. O Poder Público deve rever sua atuação político-administrativa, desregularizando os serviços de transporte e estimulando os contratos privados trazidos pelo Uber, de modo a superar o modelo arcaico das cooperativas de táxi ora existentes.
4 Referências Bibliográficas
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BERNARDES, Marciele Berger. Democracia na sociedade informacional: o desenvolvimento da democracia digital nos municípios brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2013. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Legislação: concursos e OAB. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. Lei 12.468, de Agosto de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12468.htm. Acesso em: 28 set. 2015. Lei 12.587, de Janeiro de 2012
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[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015
[2] TEPEDINO, Gustavo. A Constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo código. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília - UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Julia Gomes. A intervenção do direito na economia à luz da análise da incorporação de novas tecnologias pelo Estado com base no caso UBER Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52152/a-intervencao-do-direito-na-economia-a-luz-da-analise-da-incorporacao-de-novas-tecnologias-pelo-estado-com-base-no-caso-uber. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
Por: LARISSA DO NASCIMENTO COSTA
Por: Sergio Baptista Pereira de Almeida Filho
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