RESUMO: No presente estudo busca-se explanar acerca do instituto da nacionalidade, bem como a distinção entre este e os termos “cidadania” e “naturalidade”. Ademais, têm-se o intuito de expor as variadas formas de aquisição de nacionalidade, bem como os critérios utilizados, a possibilidade de mudança de nacionalidade e, sobretudo, analisar os casos em que poderá haver a perda desta, principalmente no que diz respeito ao direito pátrio brasileiro. Serviram de base para construção deste estudo, sendo analisadas em conjunto com o disposto na Carta Magna da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei n.º 6.815/1980, que discorre sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e a Lei nº. 818/1949, cujo conteúdo regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos.
PALAVRAS-CHAVES: Nacionalidade. Aquisição. Perda. Ius soli. Ius sanguinis. Ius domicilii.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Nacionalidade e suas distinções; 2.1. Aquisição da nacionalidade; 2.2. Mudança de nacionalidade; 3. Nacionalidade originária no âmbito do direito brasileiro; 3.1. Hipóteses de polipatridia e apatridia; 4. Perda de nacionalidade; 5. Caso Cláudia Cristina Sobral (Cláudia Hoerig); 6. Considerações finais; 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Como é cediço, o estudo do regime jurídico da nacionalidade está afeto ao direito constitucional, ao direito internacional público e direito internacional privado. Embora as questões inerentes a este instituto estejam ligadas à disciplina do direito constitucional, por exemplo, as mesmas refletem também no estudo do direito internacional público e relacionam-se, diretamente, com o direito internacional privado.
Consoante ensina Beat Walter Rechsteiner (2010, p. 48), a razão principal de o regime jurídico da nacionalidade ser tratado como disciplina de direito internacional privado está no fato de a nacionalidade refletir sobre dois temas básicos de direito internacional privado, quais sejam: os elementos de conexão e a questão prévia.
De acordo com os ensinamentos de Castro (1996, p. 20), se constituirá problema saber a nacionalidade da parte quando a norma de Direito Internacional Privado a indicar como circunstância de conexão predominante. O autor conclui que se pode admitir, no máximo, que a determinação da nacionalidade é uma questão preliminar àquela da possível aplicação de um direito estrangeiro qualquer, sendo, portanto, uma questão prévia.
Assim, sob a ótica do Direito Internacional e Constituição, o presente estudo terá como objetivo geral expor as possibilidades de perda de nacionalidade, bem como suas consequências, sobretudo no que diz respeito às situações previstas no ordenamento jurídico brasileiro, a luz da Constituição da República Federativa do Brasil, da Lei nº. 818/1949, cujo conteúdo regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos e, não menos importante, da Lei n.º 6.815/1980, a qual discorre sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.
A importância do tema tratado se revela a partir do momento em que, no caso dos brasileiros, tanto os natos quanto os naturalizados possuem direitos e deveres perante o país ao qual se vinculam. Será a nacionalidade o fator determinante para saber à qual Estado caberá à proteção diplomática destes indivíduos.
Buscou-se, ainda, explanar acerca da distinção entre os conceitos de nacionalidade, naturalidade e cidadania. Ademais, fez-se necessário, para o melhor entendimento de como se coaduna o processo de perda da nacionalidade, explicar as formas de aquisição desta, bem como esclarecer acerca mudança de nacionalidade.
Por fim, o estudo fará breves considerações ao caso Cláudia Cristina Sobral, o qual teve grande atenção midiática, ficando conhecido por tratar-se do caso em que o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão inédita no sentido de que brasileiro nato que perde a nacionalidade poderá ser extraditado.
2 NACIONALIDADE E SUAS DISTINÇÕES
Cumpre, desde logo, esclarecer a distinção precípua entre os termos nacionalidade, naturalidade e cidadania, posto que tal conceituação, não raramente, pode gerar confusão e dúvida.
O dicionário define nacionalidade como qualidade, caráter do que é nacional e, ainda, como conjunto de características que distinguem uma nação, a condição particular dos habitantes de uma nação. Ademais, o conceito engloba noções associadas a fatores sociais, espaciais, culturais e políticos.
É certo dizer, portanto, que a nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um determinado Estado, fazendo dele um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado.
Nas palavras de Allemar (2007, p. 29):
A nacionalidade não está necessariamente relacionada à crença, religião, condição social ou ideologia. É o elo jurídico porque o nacional de um determinado Estado encontra-se compulsoriamente vinculado à obediência de seu ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que faz jus aos seus direitos civis. E é também elo político, porque o devidamente registrado como nacional goza de todos os direitos políticos inerentes à condição de cidadão, como, por exemplo, o ato de votar e ser votado, limitados estes apenas pelo ordenamento jurídico a que está vinculado.
Em contrapartida, a naturalidade seria o simples vínculo territorial pelo nascimento (DEL’OLMO, 1999, p. 43), constituindo-se em um termo mais amplo, uma vez que todo ser humano será necessariamente natural de algum lugar. Neste comparativo, a nacionalidade seria um instituto mais restrito, pois o estrangeiro dela não usufrui (DEL’OLMO, 2001, p. 31).
Del Plácido e Silva (1998, p. 550) argumenta que a palavra naturalidade é empregada para:
[...] designar a qualidade natural da localidade em que nasceu, em seu próprio país. Mostra, pois, a condição natural ou de nascido de uma região. Assim, tendo sentido mais restrito que nacionalidade, porquanto naquela se inclui o seu próprio sentido, embora determinado pela localidade, enquanto que a nacionalidade atinge a todas as localidades integradas no país.
A cidadania, por sua vez, só poderá ser exercida por aqueles que, dentre os nacionais, adimpliram certas condições, como idade e capacidade, para dela usufruir. Embora possa existir nacionalidade sem cidadania, não poderá existir cidadania sem nacionalidade.
Consoante ensina Jacob Dallinger (2011, p. 44), a cidadania pressupõe a nacionalidade: para ser titular dos direitos políticos, haverá de ser nacional, enquanto o nacional pode ter seus direitos políticos suspensos e até mesmo perdê-los, deixando de ser cidadão. Assim, conclui-se que todo cidadão será nacional, mas nem todo nacional será cidadão.
2.1. Aquisição da Nacionalidade
A nacionalidade pode ser adquirida de dois modos: primário ou originário e secundário ou derivado.
O modo primário decorre do nascimento e se materializa através de dois critérios, quais sejam: o ius soli e o ius sanguinis. O primeiro diz respeito à aquisição da nacionalidade do país de onde se nasce, enquanto o segundo trata-se da aquisição da nacionalidade dos pais à época do nascimento.
O critério territorial, ius soli, se manifestará através da nacionalidade primária, a qual se estabelecerá pelo lugar do nascimento, não importando a nacionalidade dos pais.
O emprego deste critério tem sido um dos mais relevantes para atribuição da nacionalidade originária no ordenamento pátrio, mas não o único. Inclusive, cumpre salientar que este critério nunca foi absoluto no Direito Brasileiro. Desde a primeira Constituição brasileira já havia a ressalva de que só possuiria a condição de brasileiro aquele que nascesse no território nacional, porém desde que os pais não residissem no país em razão da prestação de serviços à sua própria nação.
Já o ius sanguinis, o critério sanguíneo, deriva do sistema pelo qual os filhos adquirem a nacionalidade de seus pais. Cumpre destacar que parte da doutrina defende que a denominação mais adequada seria “critério da filiação”, uma vez que não é o sangue que fixa a nacionalidade do filho, e sim a nacionalidade dos genitores.
Este critério, por sua vez, sempre teve espaço no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, sempre se levou em consideração a condição de brasileiro daqueles que mesmo nascidos no exterior, possuíam pais brasileiros, procurando manter e resguardar o vínculo especial desses com o país.
O modo secundário ou derivado é aquele que decorre da naturalização, seja mediante ato voluntário da pessoa, a qual de livre e espontânea vontade adquire uma nova nacionalidade, ou em razão de imposição de certos países e, ainda, através do casamento. Assim, cumpre destacar dois institutos ligados a este modo de naturalização: ius domicilii e ius laboris.
Assim, em relação ao ius domicilii, cumpre destacar que o domicílio é componente tanto da nacionalidade originária quanto da nacionalidade derivada. Na derivada, o domicílio constitui-se como elemento da naturalização, podendo servir como critério autônomo para aquisição de nacionalidade, como que um “usucapião aquisitivo” a favor de quem se encontre domiciliado em país por tempo determinado (DOLINGER, 2011, p. 47).
No caso do ius laboris, existem legislações de países em que há previsão de que aquele que trabalhar em prol do Estado poderá diminuir o espaço de tempo considerado como domicílio no país do qual pretende se adquirir a nacionalidade.
O Brasil, por exemplo, fazendo uso do critério ius laboris, previu no art. 113, III, parágrafo único, da Lei nº 6.815/80 que:
Art. 113. O prazo de residência fixado no artigo 112, item III, poderá ser reduzido se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições:
[...] III - haver prestado ou poder prestar serviços relevantes ao Brasil, a juízo do Ministro da Justiça;
Parágrafo único. A residência será, no mínimo, de um ano, nos casos dos itens I a III; de dois anos, no do item IV; e de três anos, no do item V. (grifos nossos).
Assim, inúmeras são as formas de se adquirir determinada nacionalidade. Seja através da forma originária ou da forma derivada, deverão ser observados e respeitados os critérios e as formas de aquisição peculiares a cada país.
2.2. Mudança de Nacionalidade
Direito de mudar de nacionalidade correlaciona-se com o direito de perder (renunciar) e com o direito de adquirir a nacionalidade. Em contrapartida, o direito de não mudar está ligado ao direito de não adquirir e ao direito de não perder a nacionalidade.
O direito de perder, previsto na maioria das legislações, poderá ser observado como alguém solicita a naturalização em determinado país, caso em que poderá ser exigido que este indivíduo renuncie à nacionalidade anterior.
O direito de adquirir nacionalidade costuma depender da concessão dada pelos governos, cuja decisão, em regra, constitui-se em ato discricionário e unilateral de um Estado, no exercício do seu poder de império. No entanto, há casos em que a própria legislação determinará a naturalização constitucional, a qual não se submeterá a discricionariedade do ente governamental.
O direito de não adquirir ocorre quando determinado território passa de uma soberania para outra. Hodiernamente, caso isso ocorra, caberá à pessoa optar pela nacionalidade atual, permanecer com a nacionalidade original ou, até mesmo, tornar-se apátrida, ficando sob a jurisdição dos instrumentos internacionais que protegem os que se encontram em tal posição.
Por fim, o direito de não perder certa nacionalidade consiste na escolha que a pessoa tem de manter sua nacionalidade original, diante de um caso de anexação de território, por exemplo. Caso isso ocorra, elas têm o direito de não optar pela nacionalidade do estado “anexante” e, consequentemente, de manter sua nacionalidade original, desde que o respectivo Estado não tenha desaparecido com a anexação (DOLLINGER, p. 49, 2011).
3. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO
O Direito à nacionalidade se apresenta, hodiernamente, de forma muitíssimo relevante diante da comunidade internacional e suas relações, tendo em vista a perspectiva atual da cidadania como forma de estender cada vez mais a tutela do Estado aos indivíduos.
No Brasil, além das regras constitucionalmente previstas, o instituto da nacionalidade tem observado a regulamentação através, sobretudo, de leis ordinárias. Atualmente, a matéria está regulamentada pelo art. 12, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pela da Lei nº. 818/1949, cujo conteúdo regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos e, não menos importante, pela Lei n.º 6.815/1980, a qual discorre sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.
Em sede constitucional, insta destacar a Carta Magna de 1824, a qual estabeleceu acertadamente como critérios para aquisição da nacionalidade o ius soli, bem como o ius sanguinis e, por último, a possibilidade de combinarem-se os critérios do ius sanguinis com o elemento funcional. Explica-se. A respeito do critério territorial, a Constituição do Império previu em seu art. 6º, inciso I, serem cidadãos brasileiros, a citar, em redação original:
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
Em relação ao critério sanguíneo, o inciso II:
II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio.
E, por fim, o inciso III estabeleceu a possibilidade de combinação entre os critérios ius sanguinis com o elemento funcional:
III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em sorviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil.
Hodiernamente, no Brasil, aquisição de nacionalidade é decorrente do fato do nascimento, observando a regra do ius soli. Assim, toda criança nascida no território brasileiro automaticamente é brasileira, salvo nos casos de filhos de pais estrangeiros e que estejam ambos a serviço público de seu país de origem. Neste sentido, o art. 12, da Constituição Federal, a citar:
Art. 12. São brasileiros:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
Em relação ao critério sanguíneo combinado com o critério funcional, ensina Mazzuoli (2011, p. 674):
Excluem-se da atribuição da nacionalidade jus soli os filhos de agentes de Estados estrangeiros (como diplomatas, cônsules, chefes de missão diplomática, etc.), por entender-se que tais indivíduos estão mais intimamente ligados à nacionalidade de seus pais (jus sanguinis) e à sua respectiva função pública. Assim, por uma presunção de índole social, os filhos de agentes de Estados estrangeiros nascidos no Brasil não terão sua nacionalidade atribuída pelo critério jus soli, mas sim pelo do jus sanguinis, tendo em vista a função pública exercida pelos seus pais, representantes de determinado Estado estrangeiro no Brasil [...].
Desta forma, a Constituição Federal também tratou das situações em que os nascidos no exterior, sendo filhos de pais brasileiros, serão também considerados brasileiros natos pelo critério do ius sanguinis. Incidirão tais hipóteses, portanto, no caso da criança nascida no estrangeiro ser filha de pai ou mãe brasileira e estes estejam a serviço do Brasil. Ocorrerá, ainda, no caso dos nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros, os quais optem por realizar o registro de nascimento em repartição brasileira competente. E, por fim, no caso dos indivíduos nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileira, que venham a residir no país e, a qualquer tempo após alcançarem a maioridade, optem pela nacionalidade brasileira.
3.1 Hipóteses de polipatridia e apatridia
O fenômeno jurídico da polipatridia trata-se de um conflito positivo de nacionalidade. Nada mais é do que aquele que possui dupla nacionalidade. Tal fenômeno ocorre quando do nascimento do indivíduo duas legislações com base em critérios diferentes, uma ius soli e a outra ius sanguinis, conferem, simultaneamente, nacionalidade primária ao indivíduo.
Consoante ensina Jacob Dollinger:
A dupla nacionalidade é um fenômeno decorrente da diversidade de critérios existentes sobre a aquisição da nacionalidade. Assim, se uma criança nasce em um país que adota o ius soli, filha de pais cuja nacional adota o critério do ius sanguinis, ela terá duas nacionalidades, a do país do seu nascimento e a do país da nacionalidade de seus pais.
Desta forma, a adoção de critérios distintos dos Estados para aquisição da nacionalidade poderá acarretar inúmeras situações em que o indivíduo, já no nascimento, estará sujeito a mais de uma nacionalidade.
A concepção moderna não mais repudia a polipadridia, também chamada de dupla nacionalidade ou de plurinacionalidade. Neste sentido é pertinente a observação feita por AKEHURST (p. 104, 1985):
A dupla ou múltipla nacionalidade foi considerada no passado como indesejável, e esta concepção correspondia à regra de que a aquisição de nova nacionalidade implicava automaticamente a perda da anterior. O fato de tal regra ter sido abandonada por muitos Estados reflete a convicção atual de que a dupla ou múltipla nacionalidade não é tão indesejável como se costumava crer, sendo possível a sua generalização no futuro.
No Brasil, tal possibilidade foi excepcionada e prevista no art. 12, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, diante da modificação realizada pela Emenda Constitucional de Revisão n. 3, de 7 de junho de 1994:
Art. 12, § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
A apatrídia, por sua vez, é o fenômeno inverso ao da dupla nacionalidade, que ocorre, sobretudo, em razão de um conflito negativo de nacionalidade. Conforme ensina Florisbal de Souza Del’olmo (p. 68, 2001), as pessoas que nascem privadas da nacionalidade ou que a perdem em qualquer fase da vida são chamadas de apátridas. Neste sentido, ensina:
A principal fonte de apatridia está na própria existência dos dois sistemas empregados pelos países na atribuição, originária, da nacionalidade. Assim, uma criança que nasça em um Estado que adota o ius sanguinis, sendo seus países oriundos de país que tem o ius soli em seu ordenamento jurídico, sentir-se-á impedida de receber a nacionalidade.
Assim, haverá casos em que o indivíduo não terá a nacionalidade do país onde nasceu, caso este país atribua aos filhos a nacionalidade dos pais, tampouco terá adquirido a nacionalidade dos genitores, porque a legislação do país destes não a concede aos filhos de seus nacionais que nascem em território de outro país (DOLLINGER, p. 81). Neste caso, ocorrerá o fenômeno da apatrídia.
Destarte, além das circunstâncias do nascimento e do conflito de legislações entre os critérios jus soli e o jus sanguinis, diversos fatores podem originar a apatrídia, como por exemplo, o caso em que o indivíduo se naturaliza nacional de um Estado, perde sua nacionalidade originária e, posteriormente, a naturalização que lhe foi concedida é retirada, ou, ainda, fatores políticos, como a legislação da revolução comunista, que retirava a nacionalidade russa dos emigrados (FRAZÃO, 2010).
A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas foi firmada em 1954, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas e aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 38/1995 e promulgada através do Decreto Legislativo nº 4.246/2002. Esta, em seu artigo 1º, conceituou apátrida como sendo toda pessoa não considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional.
Em contrapartida, o artigo 2º da referida Convenção exclui do conceito de apátridas aqueles que cometeram crimes de guerra, crimes contra a paz ou a humanidade, ou praticaram um grave crime de direito comum fora do país de residência antes da admissão no referido país, ou ainda os que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Por fim, cumpre destacar o artigo 31, o qual previu que os apátridas legalmente fixados em território de um país não podem ser expulsos, exceto por motivo de ordem pública ou de segurança nacional. Assim, Os Estados Contratantes devem criar um ambiente favorável à adaptação dessas pessoas, além de facilitar a integração e naturalização das mesmas reduzindo eventuais taxas e encargos burocráticos.
4. PERDA DA NACIONALIDADE
A nacionalidade, assim como pode ser adquirida, também pode ser perdida. A doutrina majoritária ensina que a nacionalidade pode ser perdida em razão das seguintes situações: por mudança de nacionalidade, pelo casamento, pela naturalização, por cessão ou anexação territorial, pela renúncia pura e simples, por algum ato incompatível com a qualidade de nacional, pela presunção de renuncia em consequência de residência prolongada em país estrangeiro, sem intenção de regresso.
Em contrapartida, Ricardo Gama classifica a perda da nacionalidade em dois tipos:
[...] A voluntária é marcada pelo ato da pessoa em não mais querer manter a nacionalidade, enquanto a involuntária conta sempre com o decreto estatal determinando a perda. Motivadamente, como é mais comum ocorrer, o Estado extingue a sua ligação com a pessoa. Mas, é possível que a pessoa decida por não mais manter determinada nacionalidade, ensejando a ruptura do vínculo. (2002, p. 147-148).
Assim, a Constituição Federal discriminou em seu art. 12, §4º as situações nas quais haverá perda da nacionalidade brasileira. Desta forma, os brasileiros natos, em determinadas situações, também poderão perder sua nacionalidade brasileira.
Sobre o tema, se posiciona Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 928):
As hipóteses de perda da nacionalidade são aquelas taxativamente enumeradas no texto constitucional, inadmitindo-se que venham a ser ampliadas por lei ordinária. A ela cabe apenas prever o procedimento de apuração das causas ensejadoras da perda da nacionalidade.
Portanto, conforme dispõe a redação do art. 12, §4° da Carta Magna, dada após Emenda Constitucional de Revisão n. 3 de 1994, a perda da nacionalidade brasileira dar-se-á em duas situações: quando tiver cancelada a naturalização por sentença judicial, em virtude da atividade nociva ao interesse nacional; ou quando adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária, salvo nos casos de: a) reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício dos direitos civis.
Há ainda uma hipótese não expressa na Constituição, pela qual também haverá possibilidade de perda da nacionalidade se essa foi adquirida com fraude à lei, nos termos da legislação civil ordinária.
O inciso I, do art. 12, §4°, que trata da perda-punição do indivíduo que tiver cancelada a naturalização por sentença judicial, em razão da atividade nociva ao interesse nacional, só alcançará os brasileiros naturalizados, não os brasileiros natos. A Lei nº. 818/1949 regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade brasileira. Neste sentido, o artigo 24 e seguintes da referida lei trata das regras pertinentes ao devido processo para que a perda da nacionalidade derivada brasileira se concretize.
Desta forma, a Ação de Cancelamento de Naturalização deverá ser proposta pelo Ministério Público Federal, devendo o cancelamento da naturalização ocorrer através de processo judicial regular, assegurado contraditório e ampla defesa, o qual tramitará na Justiça Federal, devendo ter como base atividade nociva ao interesse nacional (DEL’OLMO, 2001, p. 53). Em relação ao conceito de atividade nociva ao interesse nacional, embora a lei não a tenha definido, Oscar Tenório ensina que esta deveria ser considerada a atividade contra o interesse nacional segundo a base do direito penal e seus postulados essenciais de anterioridade do ato e da fixação das penas (1968, p. 240).
Uma vez perdida a nacionalidade mediante sentença transitada em julgado desta ação, somente será possível readquiri-la caso a sentença que a declarou seja rescindida por meio de ação rescisória e não mais por novo processo de naturalização.
Acerca do cancelamento da naturalização e dos efeitos ex nunc produzidos por esta, Florisbal de Souza Del’olmo ensina:
Não se trata de ato anulável – o precedente ao de concessão da naturalização, agora em processo de cancelamento – nem nulo, que geraria, este último, efeitos ex tunc, já que ocasionaria sua desconstituição no mundo jurídico. O indivíduo foi brasileiro até então, com todas as consequências jurídicas dessa situação, quer em relação a si, quer a seus familiares.
O segundo caso, chamado de perda-mudança, o qual encontra previsão no inciso II, do § 4º do art. 12 da Constituição Federal, trata da perda da nacionalidade pela aquisição de outra nacionalidade.
No entanto, o próprio texto constitucional faz a ressalva de que é necessário que a aquisição de outra nacionalidade não se dê por imposição do país estrangeiro, conforme ensina Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 722), a citar:
A Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 1994, introduz significativa alteração no art. 12, §4º, II, b, ao estabelecer que não ocorrerá a perda da nacionalidade brasileira no caso de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para exercício de direitos civis.
Acerca do tema, Jacob Dallinger (2011, p. 80):
[...] a perda de nacionalidade se dá por força da naturalização, porque ai ocorre uma substituição, uma renúncia à nacionalidade de origem. Quem se naturaliza deliberadamente escolhe uma outra nacionalidade que deseja adquirir, que lhe é atraente, o que implica em um abandono da nacionalidade de origem.
Insta salientar, entretanto, que a aquisição de outra nacionalidade por brasileiros natos por consanguinidade, através do critério ius sanguinis, por ascendência ou ainda por imposição do governo para exercício dos direitos civis ou como condição para permanecer naquele território, não acarretará a perda da nacionalidade brasileira. Resta claro, portanto, que perderá a nacionalidade o brasileiro que demonstre inequivocamente o desejo mudar de nacionalidade.
Desta forma, diante do desejo inequívoco de mudar de nacionalidade, pouco importa os motivos pelos quais o indivíduo decidiu adquirir outra nacionalidade. O que é relevante, neste momento, é que o brasileiro nato a tenha adquirido voluntariamente, desprovida de quaisquer tipos de coação. Ademais, não faz diferença se o brasileiro nutre desejo de manter a nacionalidade brasileira ou não, pois a perda da nacionalidade brasileira dar-se-á como punição pela deslealdade com o país, independente do desejo do agente.
Esta perda ocorre por meio de um processo administrativo, assegurado contraditório e ampla defesa, que tramita no Ministério da Justiça, após o qual, a perda efetivar-se-á através de Decreto do Presidente da República.
Neste caso de perda de nacionalidade, a reaquisição será possível por meio de pedido dirigido ao Presidente da República, sendo o processo instruído no Ministério da Justiça. Caso seja concedida a reaquisição, esta é feita por meio de Decreto. A doutrina não firmou consenso acerca da situação a qual pertecenterá o brasileiro que perde a nacionalidade e depois readquire. Parte da doutrina defende que o brasileiro nato que havia perdido e readquire sua nacionalidade, passa a ser brasileiro naturalizado, perdendo o status de brasileiro nato. Outra parte da doutrina, em contrapartida, afirma que o readquirente recupera a condição que perdera: se era brasileiro nato, voltará a sê-lo; se naturalizado, retomará essa qualidade.
5. CASO CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL (CLÁUDIA HOERIG)
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que brasileiro, inclusive o nato, pode perder a nacionalidade brasileira e ser extraditado, desde que venha a optar, voluntariamente, por nacionalidade estrangeira. A decisão inédita foi tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por 3 votos a 2, ao confirmar, em julgamento de mandado de segurança, portaria do Ministério da Justiça, de julho de 2013, que declarou a “perda da nacionalidade brasileira” de Claudia Cristina Sobral, também conhecida como Cláudia Hoerig, nascida no Rio de Janeiro, 51 anos.
Cláudia Hoerig adquiriu voluntariamente a nacionalidade americana em setembro de 1999, mesmo já sendo portadora de um green card; jurou fidelidade e lealdade aos Estados Unidos, renunciando à cidadania brasileira. Posteriormente, casou-se depois com o cidadão americano Karl Hoerig, o qual foi assassinado, em 12 de março de 2007, no mesmo dia em que Claudia Sobral, principal suspeita do crime, retornou ao Brasil.
O Ministério da Justiça declarou a perda de sua nacionalidade considerando que ela optou pela nacionalidade norte-americana a partir de 28 de setembro de 1999.
Com processo de extradição em curso, a defesa de Claudia ajuizou o Mandado de Segurança n. 33.864 contra a portaria do Ministério da Justiça, alegando a prevalência do inciso LI, do artigo 5º da Constituição Federal, a citar:
Art. 5º, LI: nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
O STJ atendeu pedido de declinação ajuizado por Rodrigo Janot, que alegou ser do STF a competência para decidir sobre questão relacionada à matéria afeto à extradição. Na decisão, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho atendeu ao pedido do Procurador Geral da República, reconhecendo a incompetência do STJ para apreciar o feito, determinando a remessa dos autos ao STF. No entanto, o ministro relator manteve a liminar para suspender, provisoriamente, a eficácia da Portaria do Ministro da Justiça.
Ao chegar ao Supremo Tribunal Federal, a maioria dos cinco ministros da Primeira Turma considerou válida a portaria do Ministério da Justiça, e cassou liminar do Superior Tribunal de Justiça favorável à autora, considerando legítima a decretação da perda da nacionalidade, com fundamento, também, em outro dispositivo constitucional (parágrafo 4º do artigo 12), segundo o qual “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que (…) adquirir outra nacionalidade”, salvo em dois casos (reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; imposição de naturalização por norma estrangeira a brasileiro residente em Estado estrangeiro).
Assim, a decisão negou o mandado de segurança interposto por Cláudia Sobral contra o ato do Ministro da Justiça que declarou a perda da sua nacionalidade brasileira. Tal decisão só foi possível porque a maioria dos ministros entendeu que, ao optar voluntariamente pela nacionalidade norte-americana, a autora do mandado de segurança deixou de ser brasileira e, portanto, pode ser extraditada, no procedimento próprio, em decisão inédita em nosso ordenamento pátrio vigente.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema ora tratado está afeto ao estudo do Direito Constitucional, bem como do Direito Internacional Público e Privado. Tal premissa se explica no fato de a nacionalidade ser o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um determinado estado, fazendo um indivíduo um componente do povo, sujeitando-o a deveres e direitos, razão pela qual seu estudo é pertinente em todas as disciplinas ora citadas.
A nacionalidade poderá ser adquirida de forma originária e de forma derivada, oportunidades em que serão observados os critérios tais como: ius soli, ius sanguinis, ius domicilis e ius laboris.
Ademais, da mesma forma que o indivíduo poderá adquirir a nacionalidade, também poderá perdê-la. Assim, o art. 12, §4º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 previu as hipóteses de perda de nacionalidade, quais sejam: quando o indivíduo tiver cancelada a naturalização por sentença judicial, em virtude da atividade nociva ao interesse nacional; ou quando adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária.
O próprio dispositivo constitucional ressalva que, no caso de perda em que o indivíduo que adquire outra nacionalidade, não haverá a perda, caso a nacionalidade adquirida seja através de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira ou caso seja adquirida por meio de imposição de naturalização ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, pela norma estrangeira, como condição para permanência em seu território ou para o exercício dos direitos civis.
7. REFERÊNCIAS
AKEHURST, Michael. Introdução ao Direito Internacional. Trad. Fernando Ruivo. Coimbra: Almedina, 1985.
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Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil, na Escola de Advocacia do Amazonas - OAB/AM. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: POSSIDONIO, Carine Teresa Lopes de Sousa. Perda de nacionalidade brasileira - breves comentários sobre o caso Cláudia Cristina Sobral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 out 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52346/perda-de-nacionalidade-brasileira-breves-comentarios-sobre-o-caso-claudia-cristina-sobral. Acesso em: 31 out 2024.
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