ANTÔNIA MARIA DA SILVA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso objetiva fazer um estudo sobre a diferença do tratamento da companheira no direito de família frente ao direito sucessório com o do cônjuge. Traça a evolução histórica da formação da família desde a antiguidade até o surgimento do concubinato, chegando ao reconhecimento da união estável previsto na Constituição Federal de 1988, tratando o instituto ora em apreço como família, equiparando-o ao casamento. Acerca da Lei nº 8.971/94, que permitiu à companheira direito aos alimentos em caso de separação, meação sobre os bens deixados pelo “de cujus” e o direito a habitação sob o imóvel considerado como residência familiar. A Lei nº 9.278/96, “Lei da União Estável”, que trouxe alterações ao artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, como a não comprovação de 5 anos de convívio, como também esclarece o instituto da partilha no direito sucessório. Será realizado um estudo à luz do artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que fixou regime sucessório próprio para a união estável e controvérsias no meio jurídico, quanto incompatibilidades e lacunas deste dispositivo com o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal. Mesmo após atualizações na nossa legislação pátria, percebe-se lacunas que devem ser revistas em atenção ao princípio da isonomia e dignidade da pessoa humana no que se refere a companheira sobrevivente comparando ao cônjuge. Finalizando o trabalho, conclui-se que apesar da nossa magna carta reconhecer e dar proteção jurídica às uniões aos conviventes, o artigo 1.790 CC/2002 apresenta discrepâncias com o previsto no artigo 1.829 do mesmo diploma legal, referente a vocação hereditária da companheira em contrário aos princípios norteadores da Constituição Federal de 1988, motivando a doutrina majoritária pleitear do legislador reforma em tal dispositivo.
PALAVRAS-CHAVE: União Estável, Sucessão da Companheira, Família.
ABSTRACT: The present work of conclusion of course, is titled, Stable Union and the Succession Law of the Companion. The general objective is to make a study about the difference of the treatment of the companion in the family right before the inheritance right with the one of the spouse. It traces the historical evolution of family formation from antiquity to the emergence of concubinage, reaching the recognition of the stable union established in the Federal Constitution of 1988, treating the institute now in appreciation as family, equating it to marriage. About Law No. 8.971 / 94, which allowed the companion the right to food in case of separation, a statement on the assets left by the "de cujus" and the right to housing under the property considered as a family residence. Law 9.278 / 96, "Law of the Stable Union", which brought significant changes to article 226, paragraph 3 of the Federal Constitution of 1988, as not proving 5 years of living, as also clarifies the institute of sharing in law succession. A study will be carried out in the light of article 1,790 of the Civil Code of 2002, which established inheritance regime for stable union and controversies in the legal environment, as well as incompatibilities and shortcomings of this mechanism with article 226, paragraph 3 of the Federal Constitution. Even after updates in our country legislation, we can see gaps that need to be reviewed in accordance with the principle of isonomy and dignity of the human person with regard to the surviving partner comparing to the spouse. At the end of the work, it is concluded that despite our great letter to recognize and give legal protection to the unions to the coexistence, article 1,790 CC / 2002 presents discrepancies with what is foreseen in article 1,829 of the same legal document, referring to the hereditary vocation of the opposite partner to the guiding principles of the Federal Constitution of 1988, motivating the majority doctrine to plead of the legislator reform in such device.
KEY WORDS: Stable Marriage, Succession of the Companion, Family.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo geral realizar um estudo sobre a norma (artigo 1.790 do CC/2002), que trata sobre o direito sucessório da companheira em concorrência com os filhos havidos em comum na constância da união e com os filhos exclusivos do falecido, analisando suas lacunas e falhas, bem como o Estado se posiciona quanto ao direito da companheira na constância da união estável, no direito de família, em nível nacional.
A união estável e o casamento são institutos distintos e assim são tratados, cada qual com suas peculiaridades. Em que pese, a união estável trata-se de uma modalidade familiar informal, diferente do casamento, sendo reconhecida constitucionalmente e muito comum entre os brasileiros.
O legislador estabeleceu tratamento diversificado para os cônjuges e os conviventes, principalmente ao tratar da sucessão da companheira sobrevivente, mais especificamente no art. 1.790 e incisos do CC, deixando a companheira sobrevivente fora da ordem de vocação hereditária, ao contrário do que ocorria na Lei 8.271/94, que inseriu a companheira sobrevivente na 3ª ordem de vocação hereditária especial, ocorrendo retrocesso dos direitos das companheiras.
O problema enfrentado no presente trabalho está na diferença de tratamento da companheira no direito de família frente ao direito sucessório, mais especificamente sobre a diferença do direito sucessório da companheira e cônjuge. E ainda, referente à concorrência sucessória da companheira com outros parentes, onde, de acordo com o art. 1.790, inciso III, do Código Civil de 2002, terá direito a apenas um terço da herança.
A elaboração deste trabalho justifica-se após a percepção de ainda existir algumas discussões no âmbito sucessório da companheira. A doutrina diverge acerca da isonomia do direito sucessório na união estável, se comparada ao casamento. Diante de tal situação, é notável a importância de tratar sobre o tema e assim tentar alcançar um amadurecimento acerca do instituto da União Estável.
A metodologia utilizada para a concretização deste trabalho, será a pesquisa bibliográfica, através de consulta de livros, eletrônica e julgados dos tribunais. Classificada como pesquisa descritiva e explicativa, procurou-se descrever ou discorrer sobre o tema em comento, tendo como principais fontes, doutrinas diversas que versam sobre o instituto, a jurisprudência, o ordenamento jurídico brasileiro e publicações de materiais que abordam sobre o tema e a legislação pertinente, focando-se principalmente na Constituição Federal de 1988, no Código Civil Brasileiro de 2002 e ainda nas Leis 8.971/94 e 9.278/96.
Aponta a evolução histórica das relações familiares, características, conceito de família, o surgimento do concubinato e a repercussão negativa que este novo modo familiar trouxe à sociedade da época, pois na ocasião do Código Civil de 1918 em vigência, o concubinato não era reconhecido como entidade familiar, conquista proteção e respaldo legal somente após a Constituição Federal de 1988.
Aborda os direitos adquiridos com o advento da Lei 8.971/94 que proporciona o direito a alimentos, meação e direito real de habitação sobre o imóvel utilizado como residência do casal; a Lei nº 9.278/96, que inovou acerca da não comprovação do período de 5 anos de convivência mínima e a necessidade de morarem sob o mesmo teto.
A partilha no direito sucessório, que encontra respaldo legal nos artigos 2.013 a 2.027 do Código Civil de 2002, cita conceito e natureza jurídica do instituto, bem como as pessoas que estão habilitadas a pedirem a partilha, que são os herdeiros necessários, o cessionário e os credores. Aponta a possibilidade que tem o autor da herança em fazer a partilha de seus bens em vida, ou por meio de testamento, por ato de última vontade, contanto que tais atos não venham prejudicar a legítima dos herdeiros necessários conforme o artigo 2.018 do Código Civil de 2002.
Trata ainda de situações em que o herdeiro seja pessoa incapaz ou esteja ausente, em local incerto. Nessas situações, o juiz nomeará curador especial, pois não é permitido ausente declarado sem um curador que o represente.
O direito sucessório da companheira sobrevivente, tratado no artigo 1.790 do Código Civil de 2002, se restringe aos bens adquiridos na constância da união estável e a título oneroso. Ressalta ainda sobre a concorrência da companheira com os filhos havidos em comum, previsto no inciso I, tendo a parceira sobrevivente, direito à quota parte equivalente a que a lei atribui ao filho. Aborda também, sobre a concorrência da companheira com os descendentes só do autor da herança, previsto no inciso II, cabendo ao convivente apenas metade do que couber a estes.
Traz a questão não trazida pelo artigo anteriormente citado, que é a possibilidade de haver filhos comuns e exclusivos do falecido, ilustrando as possibilidades oferecidas pelos principais doutrinadores civilistas, bem como, novos meios de se resolver esta lacuna na lei.
UNIÃO ESTÁVEL: HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS
Preliminarmente faz-se necessário traçar o conceito de família que, conforme aduz o artigo 226 da CF de 1998, família é a base da sociedade que merece total proteção estatal.
Entende Carlos Roberto Gonçalves que (2007, p. 1): “a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.”
A família, é um agrupamento de pessoas, ligados pelos laços consanguíneos, afetivos e amorosos, que juntos dividem o mesmo espaço físico, com idênticos interesses morais, tendo em mente, a intensificação dos laços de carinho, companheirismo, respeito mútuos e cumplicidade.
Antigamente, família só era constituída pelo casamento, só possuía corpo familiar aquela que possuísse a figura paterna, a figura materna e a prole. Com a evolução dos costumes, comportamentos e o modo de vida da sociedade contemporânea, as relações familiares foram adquirindo novas formas e modelos, passando a não ser mais constituída apenas pelo casamento, embora a lei assim determinasse.
Segundo Venosa (2005, p. 19), o conceito, a compreensão e a extensão da família entre os vários organismos sociais e jurídicos são os que mais vêm se modificando no decorrer dos tempos. Isto devido ao desenvolvimento na mentalidade cada vez mais urbanizada e globalizada, que vem definindo modalidades familiares cada vez mais distintos daqueles vistos nas civilizações do passado.
Transformações ocorrem na realidade cultural das famílias brasileiras, como a aprovação em 15/12/2010, pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 2.285/2007, de autoria do Deputado Sérgio Barradas e elaboração do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Tal projeto é conhecido como Estatuto das Famílias. O texto foi aprovado em caráter terminativo na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça, sob a relatoria do Deputado Eliseu Padilha (PMDB- RS).
O principal objetivo do Estatuto das Famílias é proteger juridicamente todas as formas familiares hoje existentes (casamento, união estável, famílias monoparentais, etc.), bem como a mais nova forma de relação familiar, as homoafetivas, que foi reconhecida pelo STF em 05/05/2011, por maioria absoluta como entidade familiar, sendo resguardadas pelos mesmos direito dos casais que convivem em união estável.
Dentre os novos modelos familiares daquela época surgia a união estável, que segundo o art. 1.723 CC/2002, pode ser entendida como a união livre entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família.
Nessa perspectiva o autor Carlos Roberto Gonçalves conceitua a união estável como “a união prolongada entre homem e mulher, sem casamento” (Gonçalves, 2007, p. 539).
Ressalta-se que a convivência de casais sob o mesmo teto, sem celebração oficial de matrimônio não é recente, antes mesmo de ser reconhecida pela Carta Magna vigente no País e regrada pelo Direito de Família, essa modalidade familiar já era praticada por muitos casais, com a nomenclatura de concubinato ou família ilegítima.
Monteiro (2004, p. 30) traz em sua obra a diferença entre união estável e concubinato: “União estável é a relação lícita entre um homem e uma mulher, em constituição de família, chamados os partícipes desta relação de companheiros (CC, art. 1.723). Concubinato é a relação que não merece a proteção do direito de família, por ter caráter adulterino, denominados concubinos os seus participantes (CC, art. 1.727).
Concubinato é previsto no art. 1727 do CC de 2002, conhecido também como a união de pessoas impedidas de casar (causas de impedimentos estão previstas no art. 1523 do CC/2002), e não somente como a união de pessoas que convivem sem casamento civil. Diverge da união estável, uma vez que esta ocorre sempre entre pessoas desimpedidas ou livres, separadas de fato ou judicialmente. O concubinato falta-lhe vocação hereditária, não cabendo à concubina, direito algum aos bens do falecido.
As relações concubinárias eram consideradas um meio ilegal de vivência. Até os anos 80, as relações familiares eram regidas pelo Código Civil de 1016, que reconhecia como família juridicamente protegida apenas aquelas derivadas do casamento civil, conhecido como “casamento de papel passado”. O código citado, impedia inclusive que o homem casado beneficiasse a concubina com qualquer tipo de doação, testamento ou da inclusão desta como beneficiária de contrato de seguro de vida.
Com a CF/88, a união estável recebeu reconhecimento de fato e de direito como entidade familiar. O legislador constitucional inseriu o art. 226, § 3º, que reconhece a união estável como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Por força do artigo acima, o termo concubinato foi totalmente abolido e a união estável adquiriu forma legítima e poder constitucional, encontrando-se tais casais com seus direitos juridicamente resguardados.
Em conformidade ao artigo 1.723 CC/2002, pode-se dizer que as principais características para o reconhecimento da união estável são: a distinção de sexos, a convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituir família.
Por sua vez, as relações homossexuais ainda não têm previsão na legislação brasileira que as resguardes.
O artigo 226 da CF, § 3º, prevê o reconhecimento da união estável entre homem e mulher. Tal instituto está também expresso na Lei nº 8.971/94 e na Lei nº 9.278/96, não deixando dúvida quanto à admissibilidade ou possibilidade de ser considerada como entidade familiar a união entre casais de sexos idênticos.
Tal entendimento foi aprovado por unanimidade de 10 ministros votantes no STF, que reconheceram a união de casais do mesmo sexo como entidades familiares, dando a estes os mesmos direitos que anteriormente eram inerentes apenas aos casais de sexo oposto. A partir de tal reconhecimento, os conviventes de mesmo sexo podem ter direito a pensão por morte, inclusão em planos de saúde, dependentes em algumas entidades, o dever de alimentos, direito de herança, etc.
Como consequência, houve revogação dos artigos do Código Civil de 2002 e demais normas que determinavam como requisito para reconhecimento da união apenas casais de sexos opostos.
Outra característica da união estável é a convivência pública, que de acordo com este requisito para que a união estável possa ser configurada é indispensável que os conviventes se apresentem aos membros de sua família como também a toda sociedade como se fossem marido e mulher. Devendo agir com publicidade e notoriedade, de modo que a convivência aos olhos da sociedade, não constituem união estável.
Há ainda o requisito da contínua e durabilidade que se configura como uma das características mais importantes da união estável, é por meio delas que a entidade familiar é denominada “ESTÁVEL”.
A lei 8.971/94 estabelecia como requisito de reconhecimento de união estável o prazo mínimo de 5 anos de convivência. Com o advento da lei 9.276/96 não há mais um tempo mínimo a ser comprovado. Ainda assim deve haver a estabilidade e sua permanência sem interrupção, ou grandes afastamentos. Isto porque, assim como pode ocorrer separações e desentendimentos nas relações matrimoniais, de igual modo pode ocorrer na união estável, porém tal separação não pode acontecer por um longo período de tempo, de modo que tais interrupções não provoquem o desconhecimento do relacionamento na sociedade.
O requisito da continuidade é uma complementação da estabilidade, pressupondo que a relação deve sempre ser contínua, sem grandes interrupções e sobressaltos. Nem sempre uma interrupção ou separação no relacionamento acarretará no afastamento do reconhecimento da união. Com isso, a continuidade dependerá muito da prova que for apresentada em juízo, sendo, portanto, variável em cada caso concreto (VENOSA, 2005, p. 59).
Deve haver ainda o objetivo de constituir família, não necessariamente tendo que haver filhos entre o casal. O elemento ora abordado, está relacionado aos interesses que o casal constituirá em comum, bem como ainda a vida em comum.
Diante disso, ficam excluídos do contexto da união estável os relacionamentos passageiros, bem como aqueles de caráter meramente afetivo e as relações sexuais, mesmo que a longo prazo, isto devido ao seu caráter corriqueiro, que não criam na sociedade a aparência de casamento, bem como não preencheram o requisito da coabitação.
O namoro também não é considerado união estável, mesmo os de longa data. Não preenche o requisito de coabitação, ou seja, o casal não tem uma vida a dois sob o mesmo domicílio, nem se apresenta a população como marido e mulher.
Washington de Barros (2004, p. 31) leciona que a coabitação é via de regra, elemento primordialmente indispensável para que haja a caracterização da união estável, mesmo sem expressa previsão legal.
A coabitação possui exceção trazida através do artigo 2º da Lei 9.278/96, que não prevê como concretização de companheirismo o dever da companheira viverem sob o mesmo teto, entretanto, deverá os conviventes comprovar motivo justificável e plausível para viverem em domicílios separados. Tal entendimento é facilmente suprido, no caso de casais que precisam se deslocar para localidades distintas por motivo de exercício profissional.
Há ainda, outras características previstas em lei que devem ser seguidas para o reconhecimento da união estável, entre eles estão: capacidade civil entre ambos os casais, a inexistência de impedimentos para o matrimônio e a relação deve ser monogâmica.
A capacidade civil está prevista no art. 5º, caput do CC/2002. Adquire-se quando o indivíduo completa 18 anos, cessando a menoridade e dando ao sujeito a capacidade de praticar todos os atos da vida civil. Há exceções a essa regra contidas no parágrafo único do mesmo ditame legal, que traz as hipóteses de emancipação, ou maioridade antes dos 18 anos completos, ocorrendo:
(i) pela concessão de ambos os pais, ou apenas um deles mediante instrumento público (I);
(ii) pelo casamento(II);
(iii) pelo exercício de emprego público efetivo (III);
(iv) pela colação de grau em curso de ensino superior (IV), e;
(v) pelo estabelecimento civil ou comercial (V).
Outra característica para configurar a união estável é a inexistência de impedimentos para o matrimônio, previstas no artigo 1.723 § 1º do CC/2002, exceto o inciso VI, no caso da pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA PARTILHA NO DIREITO DAS SUCESSÕES
A partilha só poderá ocorrer após o óbito do autor da herança, com a abertura da sucessão e estando encerrado o processo de inventário. Após o óbito do falecido, seus bens serão transmitidos aos herdeiros legítimos ou testamentários diretamente, onde estes receberão a posse e a propriedade de todo o acervo de bens deixado pelo finado.
Trata-se do princípio da Saisine. A propriedade e posse da herança são transmitidos pelo próprio defunto com sua morte. (GONÇALVES, 2009, p. 19).
O Código Civil de 2002, apresenta esse princípio, no artigo 1.784, das disposições gerais do direito das sucessões, e refere-se da seguinte forma:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
O citado artigo expressa claramente que os bens são transmitidos aos herdeiros desde o momento da abertura da sucessão, que ocorre no momento no instante da morte do autor da herança.
A partilha está prevista nos artigos 2.013 a 2.027 do Código Civil de 2002, que trata das pessoas que estão habilitadas a pedirem a partilha e os tipos de partilha, garantias dos quinhões hereditários e da anulação da partilha. O artigo 2.013, do Código Civil de 2002, oferece aos herdeiros, a faculdade de requerer partilha dos bens, a qualquer tempo, permitindo também, as cessionários e credores, assim:
Art. 2.013. O herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.
Porém, em casos de haver apenas um herdeiro, todo patrimônio do de cujus será transmitido a ele. Uma vez que é herdeiro único, receberá todos os bens.
Isto ocorre porque a partir do momento da morte do autor da herança, com a abertura do processo de sucessão, o patrimônio do falecido é transferido para os seus herdeiros. E a partilha vai definir a parte de cada herdeiro conforme a ordem de vocação hereditária. E antes disto, os bens que são deles por direito, se encontram indivisíveis.
Quanto a natureza jurídica da partilha, a doutrina majoritária defende ser declaratória, tendo em vista a transmissão do patrimônio do de cujus ocorrer com o óbito e abertura da sucessão. (GONÇALVES, 2009, p. 530).
Daí por diante, os herdeiros passam a deter o acervo de bens. Porém, a divisão do quinhão de cada um, somente ocorrerá, após a partilha. Por isso justifica ser a partilha declaratória, pois declara o montante daquilo que couber a cada herdeiro do falecido.
Depois de efetuado o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação e juntada aos autos a certidão negativa de dívida, o juiz emitirá a sentença, que após de transitada em julgado, os herdeiros deverão receber os bens que cabe a cada um, no documento chamado formal de partilha.
Na partilha, o juiz decide por meio de sentença homologatória, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão, efeito ex-tunc (GONÇALVES, 2009, p.30).
A partilha pode ser pedida após realizado o inventário e tiver se encerrado a liquidação das obrigações (RIZZARDO, 2009, p. 723).
É imprescindível abordar sobre o instituto da partilha, que trata da anulação, conforme elencadas no Art. 2.027 do Código Civil de 2002:
Art. 2.027. A partilha é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos. (Redação dada pela Lei nº 13.105, de 2015).
Parágrafo único. Extingue-se em um ano o direito de anular a partilha.
O artigo em comento expressa claramente que após julgamento da partilha, essa só poderá ser anulada em casos de vícios e defeitos que ocasionam sua invalidação.
Após sentença transitada em julgado, a anulação da sentença extinguirá em um ano, sendo este prazo prescricional, pois após esse lapso de tempo, perderão os herdeiros, do direito de reclamar tal prestação.
É importante lembrar ainda, que em casos de algum herdeiro vir a ser excluído no processo de inventário, ocorrerá nulidade da partilha. O herdeiro poderá ajuizar ação de nulidade da partilha cumulada com petição de herança e para isso, o prazo prescricional é de 10 (dez) anos. Assim aduz o artigo 205 do CC/2002:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
As pessoas habilitadas a pedirem partilha dos bens inventariados são os herdeiros necessários, o cessionário e os credores. Conforme prevê o artigo 2.013 do CC/2002, qualquer herdeiro está legitimado a requerer a partilha dos bens:
Art. 2.013. O herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.
Ainda que a norma não tenha citado de forma expressa a companheira sobrevivente, esta pode requerer a partilha dos bens inventariados, conforme determina o artigo 1.790 do mesmo Código Civil. A companheira sobrevivente, figura como herdeira do falecido, podendo participar da sucessão dos bens adquiridos na constância da união. Por isso, tem direito e legitimidade de pedir a partilha dos bens que foram inventariados. É a literalidade da norma:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Quanto à administração da herança, o parágrafo único do artigo 1.791 do CC/2002 reza até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Há a faculdade de um ou mais herdeiros conforme acima, ceder seus direitos hereditários, podendo oferecer aos demais herdeiros, seguindo a ordem de preferência, conforme regras do condomínio que regula o processo sucessório até o momento da partilha.
No mesmo diploma, que trata da ausência, da curadoria dos bens do ausente, no seu artigo 22, consta expressamente:
Em situações em que o herdeiro esteja ausente, em local incerto e não sabido, ou pessoas incapazes, o juiz nomeará curador especial, observando que não é permitido ausente declarado sem um curador que o represente. (DINIZ, 2005, p. 428).
O DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA SOBREVIVENTE
O artigo 1.790 do CC/2002 determina expressamente como deverá ocorrer a divisão sucessória entre a companheira e companheiro com os demais sucessores do de cujus, podendo ser descendentes, ascendentes e outros parentes sucessíveis. Eis:
A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I- Se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II- Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III- Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV-Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
O direito sucessório dos conviventes é tratado em um único artigo, e localizado no Título I, que trata das disposições gerais da sucessão.
Sobre o tema assim aponta Cahali e Giselda Hironaka (2003, p. 228):
Impropriamente, foi incluído o direito sucessório do companheiro em “disposições gerais” do Livro destinado ao Direito das Sucessões, em vez de se fazer a previsão na ordem de vocação hereditária. Mas sem dúvida a regra destina-se à convocação do companheiro sobrevivente, interferindo diretamente naquela ordem, de tal sorte que a sucessão legítima se faz pela conjunção desta previsão.
Ao introduzir o artigo 1.790 na parte das disposições gerais da sucessão do CC/2002, houve por parte do legislador brasileiro, discriminação a respeito dos companheiros, não tendo lhes proporcionado os mesmos direitos sucessórios que foram dados aos cônjuges.
Ao tratar da matéria sucessória dos conviventes, esse instituto não foi equiparado ao do casamento, criou-se um sistema sucessório de forma isolada para os casais em união estável, de forma que a companheira não foi equiparada à figura do cônjuge, e também não desenvolveu regras claras para o processo sucessório destes casais (VENOSA (2005, p. 150).
Há que se notar, que no casamento no CC/2002, os cônjuges passaram a serem herdeiros necessários, ao passo que aos conviventes não foi dado igual direito. Não houve igualdade de direitos para as duas modalidades familiares, onde, à união estável, cabe apenas direito sucessório no que se refere aos bens adquiridos onerosamente enquanto perdurou a união, assim aduz o caput do artigo 1.790 do CC/02.
Tal regra é diferente do previsto no artigo 2º da Lei 8.971/94, que possibilitava à companheira sobrevivente herdar a herança total em caso de inexistir descendentes ou ascendentes do de cujus.
O inciso IV do artigo 1.790 do CC assumiu o mesmo contexto: “não havendo parentes sucessíveis, terá direito a totalidade da herança”, alguns doutrinadores entendem que deve ser interpretado como a totalidade dos bens adquiridos na constância da união de forma onerosa. Não participando deste rol, os bens que o de cujus obteve antes da união estável, ou aqueles adquiridos a título gratuito durante a vida do convivente falecido.
Já o entendimento a ser tomado a partir do caput do mesmo artigo, é que o companheiro a companheira sobrevivente não terá direito de participar da herança integralmente, de todos os bens do falecido, mas apenas de uma parcela restrita referente ao patrimônio adquirido na constância da união estável e a título oneroso (CAHALI E HIRONAKA 2003, p. 229).
Prevê o artigo 1.844 do CC/2002, que o município ou o Distrito Federal quando se localizar nas respectivas circunstâncias, ou a União quando situada em Território Federal, terá direito a receber a totalidade da herança do falecido, nos casos em que não sobreviver cônjuge, companheiro, nem algum parente sucessível.
A norma é clara ao afirmar que ao Poder Público somente caberá o direito à herança nos casos em que “não sobreviver cônjuge ou companheiro”. Portanto, o casal que não adquiriu bens na constância da união, enquanto perdurou e possuindo o falecido bens conseguido antes da união, não existindo nenhum parente, a companheira terá direito à herança total, uma vez que é sucessora do falecido.
Maria Helena Diniz (2005, p. 143) ao comentar sobre o assunto, ensina:
[...] Se houver herdeiro ou sucessor regular, afasta-se o Poder Público da condição de beneficiário dos bens do de cujus, na qualidade de sucessor regular. Daí o nosso entendimento de que, não havendo parentes sucessíveis ou tendo havido renúncia destes, o companheiro receberá a totalidade da herança, no que atine aos adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável, recebendo, portanto todos os bens do de cujus que irão ao Município, Distrito Federal oi à União, por força do disposto no art. 1.844, parágrafo 1ª parte do Código Civil, que é uma norma especial, sobrepondo-se ao art. 1.790 (norma geral).
Esta é a solução melhor justificada no sentido de favorecer, proteger e reconhecer o direito da companheira que esteve convivendo sempre ao lado do de cujus, cuidando e se dedicando anos a fio. A ela deve ser dado que lhe é de direito.
Equivocou ainda o legislador quando trata do trata do direito sucessório dos companheiros em apenas um artigo, e quatro incisos, pois, restou dúvidas, omissões e lacunas no que se refere à divisão da herança entre os herdeiros.
Se o casal estipular regime diferente do estabelecido no caput dos artigos 1.790 e 1.725 de CC/2002, deverão considerara o previsto no contrato acordado entre si.
Com entendimento contrário, Venosa (2005, p. 156) aduz que para o convivente adquirir patrimônio além do previsto no artigo 1.790 do CC/2002, para ter direito aos bens do falecido diferente do regime de comunhão parcial de bens, ocorreria se o falecido houvesse deixado por escrito tal desejo, informando os bens que deseja deixar para a companheira.
Em conformidade com o caput do artigo 1.790 do CC/2002, a companheira sobrevivente figura na sucessão apenas como sucessora regular, e não como herdeira necessária, como deveria ter acontecido, uma vez que se reconheceu como entidade familiar igualado ao casamento.
O Código Civil/2002 não trata expressamente acerca do direito real de habitação em favor da companheira sobrevivente, é omisso nesse quesito. Porém está previsto no artigo 7º parágrafo único da Lei 9.278/96 e artigo 2º, incisos I e II, da Lei 8.971/94. Ocorre que, como o Código Civil não tratou do tema, os dispositivos citados não se encontram revogados, uma vez que a lei anterior permanece vigente no que o Código Civil não tratou, conforme prevê o artigo 2º parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, assim: “a lei posterior revoga a anterior enquanto expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regulamentar inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”
Há quem sustente a continuação do artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96, com argumento de não ter sido revogado expressamente, e que não há incompatibilidade com o CC/2002. Por essa razão deve ser considerada a vigência do artigo em comento, que prevê o direito real de habitação sob o imóvel utilizado como residência familiar ao companheiro sobrevivente (GONÇALVES, 2009, p.170).
CONSIDERAÇÕES
Após estudo e análise expostos no presente artigo, conclui-se que apesar da Constituição Federal Brasileira no artigo 226, parágrafo 3º, reconhecer e dar proteção jurídica às uniões formadas pelos laços de afeto e da convivência duradoura sem o formalismo legal, torna-se lamentável a posição adotada pelo ordenamento jurídico, em relação à diferenciação no plano sucessório entre as famílias surgidas a partir do casamento e a originada da união estável, afrontando o princípio constitucional da isonomia.
O legislador ao elaborar a norma relativa ao direito sucessório dos companheiros, previsto no artigo 1.790 do Código Civil de 2002, tratou de seus direitos com diferenciação em relação aos cônjuges, limitando os direitos sucessórios da companheira, aos bens adquiridos onerosamente enquanto durar a relação de convivência, sendo considerada, mera herdeira facultativa, podendo até ser excluída do processo sucessório caso seja provado que não houve bem adquirido na constância da união. No contexto, herda a totalidade da herança do falecido, apenas na falta dos colaterais.
Restou comprovado que na norma se procede o direito sucessório da companheira com inferioridade atribuída ao direito em relação ao cônjuge. A companheira não está inclusa na ordem de vocação hereditária, tratando de seus direitos no capítulo das disposições gerais.
O entendimento contido no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988 é que os filhos havidos ou não da relação do casamento terão os mesmos direitos. O artigo 1.596 do Código Civil de 2002, prevê que, para os filhos havidos ou não do casamento terão reconhecidos os mesmos direitos. As duas normas são claras ao expressar onde houve casamento, havidos ou não da união estável.
Em todo o exposto, observou-se a necessidade de reformar o artigo em comento, com algumas alterações no seu texto, devido as diferenciações entre os vínculos matrimoniais e os vínculos da convivência em união estável, principalmente no que tange ao direito sucessório da companheira em concorrência com os filhos havidos em comum, bem como com os filhos exclusivos do falecido na constância da união estável.
Quanto ao novo entendimento do STF em relação à inconstitucionalidade do artigo 1.790 CC/2002, espera que os aplicadores do direito possam atuar com justiça respeitando a igualdade, paridade como prega os princípios norteadores da Constituição Federal, surgindo no mundo jurídico uma nova era para o direito das sucessões que vem se moldando as necessidades da sociedade moderna.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
CAVALCANTE, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. As implicações dos impedimentos matrimoniais na união estável. Rio Grande, 13 de maio de 2011. Disponível em: < www.ambitojuridico.com.br.>. Acesso em 21/04/2018.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. VI. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
______ . Lei 8.971/94. Regula o direito dos companheiros a alimentação e a sucessão. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 29 de dezembro de 1994.
______ . Lei 9.278/96. Regula o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 29 de dezembro de 1994.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. 2. 37 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
VENOSA, Silvio de Sá. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2005.
NOTA:
[1] Antônia Maria. Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Professora de Direito Tributário na Faculdade Serra do Carmo. Docente da área de Direito no Instituto Federal do Tocantins. Mestra em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Tributário pela Unisul e Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]
Mestranda em Educação Superior, pela Universidade Internacional Iberoamericana - UNINI Puerto Rico. Pós-Graduada em Administração Educacional, pela Universidade Salgado de Oliveira/ UNIVERSO. Pedagoga- Supervisão Escolar, pelo CEULP/ULBRA. Acadêmica de Direito pela Faculdade Serra do Carmo/ FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Rita de Cássia Motta. União estável e o direito sucessório da companheira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52457/uniao-estavel-e-o-direito-sucessorio-da-companheira. Acesso em: 31 out 2024.
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