LILIANE BORGES[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo a análise do critério de miserabilidade do Benefício de Prestação Continuada da Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), que assegura o valor mensal de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que esteja em estado de miserabilidade. Também visa esclarecer que para concessão do benefício assistencial esta Lei estabelece o critério de renda per capita familiar inferior a 1/4 do salário mínimo, que por sua vez não atende sua função social, porquanto afasta grande parcela da sociedade que se encontra acima do limite exigido. Com isso, utilizar-se-á de técnicas de pesquisas bibliográficas e métodos comparativos confrontando a Lei Orgânica da Assistência Social com o entendimento do INSS e o Poder Judiciário, quanto ao requisito de miserabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Assistência Social, Benefício de Prestação Continuada, Requisito de miserabilidade.
ABSTRACT: The present work has the objective of analyzing the criterion of miserability of the Benefit of Continuous Provision of Law n. 8,742 / 93 (Organic Law of Social Assistance), which assures the monthly value of a minimum wage to the disabled person and to the elderly person who is in a state of miserability. It also aims to clarify that for the granting of welfare benefits this Law establishes the criterion of per capita family income less than 1/4 of the minimum wage, which in turn does not serve its social function, since it removes a large part of society that is above the limit required. With this, it will be used bibliographic research techniques and comparative methods confronting the Organic Law of Social Assistance with the understanding of the INSS and the Judiciary, regarding the requirement of miserability.
KEYWORDS: Social Assistance, Continuous Benefit Benefit, Miserability Requirement.
1. INTRODUÇÃO
A seguridade Social foi concebida para proporcionar equilíbrios econômicos e sociais nos pilares do Estado Democrático de Direito, assegurando garantias à dignidade humana e bem-estar social nos aspectos que permeiam o nosso ordenamento jurídico, a fim de se alcançar a construção de uma sociedade menos injusta, proporcionando a efetivação dos princípios constitucionais e fundamentais em aspectos assistenciais sociais (MARTINEZ, 2011).
Portanto o presente estudo trata em analisar o Benefício de Prestação Continuada trazido pela Lei Orgânica de Assistência Social fundamentado na Lei 8.742/93, destinados a garantir as necessidades básicas daqueles considerados necessitados por doenças incapacitantes, sendo idoso ou mesmo deficiente físico, no recebimento de ao menos um salário mínimo, conforme reza o texto constitucional em seu art. 203, inciso V (“garantia de um salário mínimo de benefício mensal”), independentemente de contribuição a Seguridade Social.
Um dos critérios para que seja concedido o benefício de Prestação continuada é a aferição da hipossuficiência econômica do cidadão, cujo limite da renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo (§ 3º do artigo 20 da lei n º 8742/93).
Logo, no decorrer deste artigo será apresentada de forma geral a avaliação acerca do direito do indivíduo que comprove sua miserabilidade, porém a renda per capta ultrapassa o limite legal de ¼ de salário mínimo. Ressaltando as divergências existentes no parâmetro que é utilizado pela Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS.
Assim, frente à diversidade de entendimento jurídico, o Supremo Tribunal Federal vem relativizando o critério estabelecido na Lei Orgânica da Assistência Social, precisamente em seu art. 20§ 3º, observando que a renda per capita não deve ser considerada a única forma de se comprovar a capacidade da pessoa em prover seu sustento (KRAVCHYCHYN, 2016).
Desta forma, surge a problemática que se discute aqui, quer seja, a discordância do entendimento firmado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS por interpretar restritivamente o critério de miserabilidade para idosos e deficientes em situação de vulnerabilidade social, em discordância ao posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.
Tal situação tem ocasionado injustiça à sociedade, uma vez que muitas pessoas em condição de extrema pobreza tem seu direito negado em decorrência de sua renda ultrapassar o valor definido pela LOAS, destacando ainda que esta falta de cumprimento do critério, muitas vezes ultrapassa em valores insignificantes, e não representa a ausência de miserabilidade. O que torna o sistema de concessão de benefício arbitrário e injusto (STF, Reclamação 4.374/PE).
O presente estudo buscou apresentar um aprofundamento histórico do Benefício de Prestação Continuada – BPC com a exposição do problema, a fim de defender a tese de flexibilização do critério de miserabilidade.
Serão apresentados também os critérios para concessão do Benefício Assistencial ao idoso e Deficiente, bem como a Legislação específica que norteia o Benefício Assistencial.
A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho foi a revisão bibliográfica, baseando-se em livros doutrinários, textos legislativos, artigos científicos e decisão judicial, com base em abordagem qualitativa e método comparativo, confrontando a Lei 8.742/93 com o entendimento do STF, quanto ao requisito de miserabilidade.
Ao final, o estudo mostra a possibilidade de amenizar a problemática utilizando a figura do assistente social, como investigador da situação de miserabilidade do indivíduo que socorre-se ao Poder Público como última esperança para garantir o mínimo para a sua subsistência.
2. A HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
Para melhor entendimento da História da Assistência Social no Brasil é importante descrever os elementos históricos e o percurso dos Serviços Sociais iniciados no Brasil.
Ao longo da História da Civilização já se identificavam ações coletivas de assistência social, as quais visavam garantir a quem se encontrava em situação de extrema necessidade, como por exemplo, nos casos de desemprego, doença e invalidez o socorro era prestado pelos demais membros da comunidade (MARTINS, 2013).
Assim, precisamente no final da Idade Média, segundo Abe (2014,) iniciou-se a frequente participação de entidades religiosas na assistência social que resultou em grande contribuição para história da assistência social. Porém, somente no decorrer da conhecida sociedade industrial que se alcançou de forma considerada uma proteção aos incapacitados, em decorrência do reconhecimento da sociedade no quesito solidariedade (Castro e Lazzari 2016).
Como bem descreve Andrade (2003), “o primeiro tipo de proteção social que podemos reconhecer no mundo é o tipo liberal, em que predomina a assistência aos pobres enquanto uma preocupação do Estado. Então, o Estado dá assistência; e o mercado o resto”.
Carvalho e Iamamoto (1982) mencionam que no período do século XIX, iniciou os surgimentos dos movimentos operários e com eles as primeiras associações, como socorro mútuo e caixa beneficente (com fins assistenciais e cooperativos), ligas operárias, bem como, a sociedade de resistência e sindicatos.
Em decorrência, teve como marco no Serviço Social no Brasil a criação do Centro de Estudos e Ação Social - CEAS, ano de 1932. Logo em 1937, criou-se o Conselho Nacional de Serviço Social — CNSS e no ano de 1940 houve a criação da Fundação Legião Brasileira de Assistência — LBA. Este período foi marcado pela denominada Ditadura Varguista (1937-1945).
Após a década de 1940 até os anos 80, a assistência social não era vista como política pelo Estado. No período pós-ditadura militar conhecido como Nova República, sob a gestão do presidente da república José Sarney (1985-1990) houve uma importante conquista no campo dos direitos, através da Constituição Federal de 1988, que passou a contemplar a assistência social como parte da seguridade social, formando assim um tripé, juntamente com a previdência social e a saúde.
Assim, de acordo com Martins (2005) com o surgimento da constituição de 1988, foram inseridos os direitos como uma espécie de garantia permanente, considerando o valor do benefício equivalente a um salário mínimo. Contudo, sem requisitos para sua concessão, carecendo de regulamentação própria.
Por conseguinte, em 07 de dezembro de 1993, a Assistência Social foi regulamentada pela Lei 8.742/93, garantindo o atendimento às necessidades básicas do cidadão, os mínimos sociais, através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade.
3. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL E ASSISTÊNCIAL NO BRASIL
Inicialmente, Vieira (2005) conceituou a terminologia “princípios”, como um conjunto de normas que dão base para qualquer enunciado, sendo tomadas como verdades absolutas, afim de, não serem questionadas para que não afete a lógica do sistema, bem como referiu-se como parte do princípio da seguridade social brasileira o art.194 da Constituição Federal de 1988, qual evidencia a metodologia do percurso pelos quais a seguridade social deve trilhar.
Na mesma linha, Castro e Lazzari (2016) mencionam os sete incisos do art. 194 CF como os princípios da seguridade social, descrevendo eles:
I – Universalidade da cobertura e do atendimento – Que entende-se como a entrega das ações dos serviços da seguridade social a todos que necessitem.
II – Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais – Como menciona no art. 7º da CRF, para tratar de maneira uniforme os trabalhadores urbanos e rurais, decorrendo assim a uniformidade nos benefícios e serviços e equivalência para os mesmos casos envolvidos pelo sistema.
III – Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviço – Que tem como parâmetro a concessão dos benefícios a quem necessitar e distribuição de renda e bem-estar social;
IV - Irredutibilidade do valor dos benefícios – Pressupõe que o benefício concedido, não pode ser reduzido, e ser objeto de desconto;
V - Equidade na forma de participação no custeio - Que busca garantir a proteção social ao hipossuficiente, exigindo uma contribuição correspondente ao valor recebido.
VI - Diversidade da base de financiamento - Estabelece que a receita da Seguridade Social possa ser arrecadada de várias fontes pagadoras.
VII - Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados - Tem como a participação da sociedade em discursões sobre a gestão dos recursos, programas, planos, serviços e ações (ANO 2016).
Martins 2016, por sua vez, igualmente aos demais doutrinadores, narra a determinação do poder público, em organizar a Seguridade Social, com base em objetivos que são os verdadeiros princípios da Seguridade Social, nos termos do parágrafo único do art. 194 da CRF e acrescenta ainda cinco princípios da Assistência Social:
a) Supremacia do atendimento as necessidades sociais sobre a exigência de rentabilidade econômica. Verifica-se que o que importa na assistência social é o atendimento as necessidades sociais;
b) Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
c) Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à conveniência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
d) Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
e) Divulgação ampla de benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (art. 4 da Lei n. 8.742/93). A assistência social não tem característica universal, pois não atinge a todos (ANO 2016).
Visto alguns princípios que regem a seguridade social brasileira, é indispensável analisar a política pública definida pela CRF, a Assistência Social em seu serviço de proteção social.
4. A ASSISTÊNCIA SOCIAL
De acordo com a Constituição Federal (em seu artigo 203) a Assistência social, tem como propósito, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e promovendo o bem de todos. Devendo a assistência social ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social.
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Abe (2014) define a Assistência social como um conjunto de ações, direito do cidadão e dever do Estado em amparar uma política de Seguridade Social não contributiva que oferece uma sociedade mais livre, justa e solidária. Conforme também expõe Horvath Júnior (2005): “[...] Os sujeitos protegidos são todos aqueles que não têm renda para fazer frente a sua própria subsistência, nem família que o ampare”.
A lei 8742/93, estabelece em seu art. 1º que a assistência social, é:
Direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Portanto, a Assistência Social é um conjunto de princípios, em atenção a população menos favorecida e hipossuficiente, socorro a quem tem necessidade, na concessão de pequeno benefício independentemente de contribuição ao poder público.
5. OS BENEFÍCIOS DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
A prestação continuada é um benefício que garante um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família (art. 20 da Lei 8.742/93).
O beneficiário não precisa ter contribuído para Seguridade Social, para fazer jus ao recebimento do benefício, bastando que o necessitado preencha os requisitos da Lei para ser assegurado por ela.
Por ser de caráter personalíssimo os benefícios, não geram direito a 13º e pensão por morte conforme art. 20§ 4º da Lei 8.742/93 e art. 23 do Dec. nº 6.214/2007.
O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem e cessa no momento em que forem superadas tais condições (art. 21 e seu §1º da Lei 8.742/93).
O pagamento cessa a partir do momento que constar irregularidades na sua concessão ou utilização, ou em caso de morte do beneficiário.
O benefício de prestação continuada tem o dever de ser concedido sempre com o objetivo de facilitar a integração da pessoa idosa ou com deficiência na vida social. Conforme elucida Santos (2018):
O que se busca, principalmente com as pessoas com deficiência, é encorajá-las a se desenvolverem plenamente, inclusive como profissionais. Por isso, há situações em que, após a concessão do benefício, a pessoa com deficiência apresenta melhora no seu estado de saúde e chega, até, a conseguir emprego. Nessas hipóteses, nem sempre o pagamento do benefício é suspenso:
a) quando desenvolve capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras.
b) quando for contratada como aprendiz. Porém, o recebimento da renda mensal do BPC em concomitância com a remuneração de aprendiz não poderá ultrapassar o prazo de 2 anos (art. 21-A, § 2o). Independentemente da causa de cessação do pagamento do benefício, a pessoa com deficiência terá novamente direito ao BPC se preencher os requisitos legais (2018, PAG 154).
5.1 DO AMPARO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
Para fins de concessão deste benefício à pessoa com deficiência que se enquadra como aquela incapacitada para o trabalho e a vida independente, que não possui meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família (art. 203, inciso V da CRF).
Um dos requisitos necessários para concessão do benefício é a renda mensal, que deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. (art, 20 §3º da Lei 8.742/93).
Considere pessoa portadora de deficiência, aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (§2º do art. 20 da Lei 8.742/93). Ocorre que atualmente não deve ser somente considerado a incapacidade indicada em tal dispositivo, devendo ser associada a fatores sociais sobre o contexto em que vive a pessoa.
Sobre o tema, a súmula 29 da TNU-Turma Nacional de Uniformização aborda que, para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover seu próprio sustento.
O art. 20, §10º por sua vez expressa como impedimento de longo prazo aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de dois anos.
Os beneficiários ficam sujeitos ao exame médico pericial realizado pelo Instituto Nacional de Previdência Social – INSS em uma de suas unidades; caso assim não existirem serviços no município de residência, fica assegurado o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura (art. 20 §7º).
5.2 AMPARO AO IDOSO
Para fins de concessão deste benefício à pessoa idosa com 65 anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Art. 203, inciso V da CRF).
Um dos requisitos necessários para concessão do benefício é a renda mensal, que deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. (Art. 20 §3º da Lei 8.742/93).
O benefício continuado, amparo ao idoso tem natureza assistencial a qual independe de contribuição para a Seguridade Social.
Considerando o art.34 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), não deve ser computado para fins de renda familiar o amparo social concedido por um integrante familiar, conforme menciona Tsutiya (2013):
Assim, numa família composta de duas pessoas com 65 anos ou mais, se uma delas recebe o benefício assistencial, a outra também terá? direito de receber, haja vista que, não entrando na composição da renda mensal o benefício, a família será? considerada sem renda.
Assim, não deve ser levado em consideração o referido benefício para fins de renda familiar, haja vista a eventual lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse passo, em razão do princípio da igualdade, as pessoas portadoras de deficiência também teriam direito a essa flexibilização.
6. REQUISITO E FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PARA CONCESSÃO DO BENEFICIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E DEFICIENTE
De acordo com o art. 20 §3º da Lei 8.742/93, regulamenta o requisito de miserabilidade que “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.”
Desta forma é necessário entender o conceito de Família pelo art. 20 §1º da Lei 8.742/93 para fins de concessão do benefício assistencial, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ocorre que o INSS é o responsável administrativamente na verificação das condições devidas a concessão ao benefício assistencial, entendendo como o critério de miserabilidade para os benefícios assistenciais, somente a legalidade do art. 20 §1º da Lei 8.742/93, que tem por objetivo a soma da renda do grupo familiar e divide-se por todos os integrantes da família. Vejamos alguns exemplos:
Tabela1- Exemplo da aplicação da Lei 8.742/93 segundo o entendimento do INSS.
Valor do salário Mínimo ano 2018: R$ 954,00. |
Valor de ¼ do salario mínimo ano 2018: R$ 238,50 |
Grupo Familiar 1 |
Composição familiar que vivam sob o mesmo teto: 5 |
Renda familiar: R$ 954,00. |
Renda per capita (954÷5 =?): R$ 190,80 |
Grupo Familiar 2 |
Composição familiar que vivam sob o mesmo teto: 3 |
Renda familiar: R$ 954,00. |
Renda per capita (954÷3 =?): R$ 318,00 |
Fonte: Autor.
Logo, observa-se que administrativamente o requerente do benefício assistencial ao idoso ou deficiente deve comprovar a renda dos integrantes da família, ou seja, daqueles que vivam sob o mesmo teto, uma renda inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, conforme explanado em exemplos acima, somente o grupo familiar 1 teria direito a concessão do benefício assistencial.
Diante de tais fatores o alcance do princípio da dignidade humana passou a ser limitado, não atendendo sua função social a qual foi destinado, excluindo os cidadãos que necessitam do benefício de prestação continuada as pessoas idosas e portadoras de deficiência, por não flexibilizar o critério de miserabilidade.
A jurisprudência vem entendendo que a renda per capita de ¼ do salário mínimo não é absoluta para aferir a miserabilidade do requerente do benefício assistencial.
Do mesmo modo devem ser levados em consideração outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade para concessão do benefício assistencial. (Art.20 §11º da Lei 8.742/93).
Diante das inúmeras ações ajuizadas, que teriam sido indeferidas pelo órgão administrativo (INSS) em razão da aplicação do critério específico da renda per capita de ¼ do salário mínimo, o Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (RE 567.985 e RE 580.963) julgou o mérito, reconhecendo a inconstitucionalidade do §3° do art. 20 da Lei 8.742/93, entendendo que devem ser analisadas as condições específicas do indivíduo e outros parâmetros para definição da tal miserabilidade.
Desta forma, conforme dispõe Leitão, Grieco e Meirinho:
Tudo isso levou à constatação de que o critério objetivo de miserabilidade sofreu um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (politicas, econômicas e social) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)
Isto porque em muitos casos algumas famílias se tornam mais miseráveis que outras, devido despesas auferidas, como por exemplo, medicamentos, alimentação própria, não devendo levar em consideração somente o limite previsto em Lei, mas a condição específica de cada família para definir tal critério.
Podendo, o requerente comprovar judicialmente a hipossuficiência econômica de acordo com a súmula 79 da TNU, que nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessário a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal.
Segundo Magalhães 2003, o laudo de assistente social serve de ponto de apoio para as duvidas não sanadas, não bastando somente descrever a situação, mas analisa-las pelo conhecimento especifico.
Assim, o Assistente Social tem grande importância na esfera judicial na comprovação da miserabilidade do postulante, pois ao serem requisitados pelo juiz, realizam visitas e estudo social, com base nos fundamentos teórico-metodológicos, ético-político e técnico operativo, próprios do serviço social, com a finalidade de oferece elementos de base social para formação de um juízo e tomada de decisão que envolve direitos fundamentais e sociais. (CFESS, 2007)
Neste sentido, diante do princípio da dignidade da pessoa humana vê-se a necessidade de flexibilizar o critério de miserabilidade dos benefícios assistencial, trazendo uma nova interpretação ao §3° do art. 20 da Lei 8.742/93 e o entendimento do STF que leva em conta outros parâmetros para definir o critério de miserabilidade, revogando assim o que traz o critério específico da renda per capita de ¼ do salário mínimo ao deficiente e idoso. Vejamos o comparativo:
Figura1- Comparativo LOAS entendimento Lei 8.742/93 X STF
Fonte: Autor
Deste modo, diante da análise do fluxograma apresentado, resta claro a necessidade da alteração legislativa, para se alcançar um bem maior, a dignidade da pessoa humana na garantia de condições básicas ao idoso e ao deficiente.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Nesse passo, foi demonstrada a história e criação da Seguridade Social, que tem como um dos seus papéis assegurar os direitos relativos à Assistência Social, sendo uma das formas de garantir direitos e igualdade a todos.
Assim, a fim de assegurar os mínimos sociais, o Estado regulamentou a Lei Orgânica de Assistência Social 8.742/93 - LOAS, que instituiu os Benefícios de Prestação Continuada no valor de um salário mínimo, às pessoas em estado de miserabilidade, sendo eles: idosos e/ou deficientes, prestados a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social.
Destarte por determinação do artigo 20, parágrafo 3º, da Lei n. 8.742/93, para que o indivíduo seja considerado em estado de miserabilidade, deverá possuir renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, critério este utilizado pela LOAS.
Essa é a problemática que perfaz o critério de miserabilidade, que como abordado no decorrer deste trabalho, além de não ser utilizado pela maioria dos magistrados, o STF entendeu também como sendo um dispositivo inconstitucional para aferição econômica do postulante do benefício.
Tal fato é considerado como injustiça social, tendo em vista que por mais que estas famílias não atendam ao critério estabelecido pelo INSS, não significa que as mesmas não possuem direito a este benefício, já que outros parâmetros deveriam ser considerados para definir o estado miserabilidade, por exemplo, despesas auferidas com medicamentos, aluguel e outros tantos de cunho social e econômico que denotam a vulnerabilidade social deste indivíduo que socorre-se ao Estado para sobreviver.
Como sugestão para solucionar o problema, de forma a flexibilizar o critério de miserabilidade, propõe-se, o uso da figura do profissional do assistente social a fim de descrever a condição de miserabilidade do postulante junto ao entendimento defendido pelo Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, acredita-se que o Benefício de Prestação Continuada da Lei 8.742/93 poderá ser alcançado por todas as pessoas que de fato necessitem, garantindo, assim o princípio da dignidade da pessoa humana.
7. REFERÊNCIAS
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ANDRADE, Eli Iôla Gurgel. Estado e Previdência no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu, 2003.
HORVATH Júnior, Miguel. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982.
KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis. Lei Orgânica de Assistência Social fundamentado na lei 8.742/93. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 36 ed. São Paulo: Atlas, 2016.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 5 ed. São Paulo: LTr, 2011.
SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado.8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito previdenciário. 19 ed., rev. atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MAGALHÃES, Selma Marques. Avaliação e linguagem: relatórios, laudos e pareceres. São Paulo: Veras Editora,2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8742.htm>
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 567.985/MT.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 580.963/PR.
BRASIL. Dec. nº 6.214 de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso. Disponível em:
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em:
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Resolução CFESS Nº. 512/2007 de 29 de setembro de 2007. Reformula as normas gerais para o exercício da Fiscalização Profissional e atualiza a Política Nacional de Fiscalização. Disponível em: < http://www.cfess.org.br/arquivos/pnf.pdf>
[1] Professora universitária, mestre na Faculdade Serra do Carmo.
bacharelanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Danielle Damasceno Abreu. A flexibilização do critério de miserabilidade do benefício de prestação continuada da Lei n. 8.742/93 às pessoas idosas e deficientes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52469/a-flexibilizacao-do-criterio-de-miserabilidade-do-beneficio-de-prestacao-continuada-da-lei-n-8-742-93-as-pessoas-idosas-e-deficientes. Acesso em: 30 out 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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