RAPHAELA LOPES RODRIGUES[1]
(Coautora)
Resumo: O presente artigo aborda de forma crítica a adoção ilegal, também conhecida como “’Adoção à Brasileira” por ser uma prática muito comum de adoção no Brasil. Busca-se demonstrar e analisar quais são os efeitos jurídicos dessa conduta e por que, mesmo havendo previsão expressa no Código Penal sobre isto, a prática não é punida quando a família adotiva garantiu uma vida digna para a criança. Cabe questionar por que vários brasileiros acabam optando por esta prática de adoção, preferindo não aguardar em uma lista de espera e por que muitas pessoas acabam aceitando o filho de outrem e registrando como seu.
Palavras chaves: Adoção. Ilegalidade. Afeto. Dignidade. Direito.
Sumário: Introdução. 1. A evolução histórica da adoção. 2. A adoção na atualidade. 3. A adoção à brasileira. 3.1 Possíveis fatores que levam à conduta da adoção à brasileira. 3.2 A prática da adoção ilegal atualmente. 3.3 Entendimento dos Tribunais. 3.4 Conduta lícita ou ilícita? . Conclusão. Referências.
Introdução
No mundo atual, a adoção possui duas definições; a definição jurídica e a social. Juridicamente, a adoção é um negócio jurídico extrapatrimonial que envolve dois indivíduos interessados em obter a guarda de uma criança por diversos motivos; esse processo é classificado como complexo, uma vez que para haver a guarda integral e absoluta de um menor impúbere são necessários diversos requisitos, entre eles: a adaptação do casal com a criança, o preenchimento de recursos necessários exigidos neste processo e até mesmo o lapso de tempo é influente nessa questão, pois todo o decorrer do negócio exige espera e principalmente paciência.
Para o ponto de vista social, chamar a adoção de "negócio jurídico" acaba soando de forma pejorativa, pois para qualquer indivíduo, esse ato nada mais é do que uma enorme demonstração de amor por um ser pequeno que não pertence originalmente à família, por isso mesmo há a questão de um afeto infinito por um filho que não é fruto de uma concepção natural entre homem e mulher, e sim fruto de uma relação de amor que envolve olhar para uma criança desconhecida e chamá-la de "meu filho".
A adoção à brasileira é mais uma forma de se realizar o sonho de ter um filho, entretanto, esta conduta não é privilegiada pelo nosso ordenamento jurídico, uma vez que constitui crime expresso nos artigos 242 e 297 do Código Penal, entretanto, muitas pessoas acabam optando por esta prática, sendo que, em muitos casos, o Estado sequer fica ciente da prática realizada. O ordenamento jurídico pune este ato com o fim de evitar que crianças venham a ser vendidas, exploradas e até traficadas e maltratadas. Embora exista uma preocupação em torno desta prática, cada história deve ser analisada concretamente.
Neste trabalho iniciar-se-á por um estudo da evolução histórica do instituto da adoção, chegando à sua conformação atual no Brasil. Em seguida serão estudados os fatores que levam à prática da adoção informal ou “à brasileira”, bem como o tratamento penal dado a essa conduta de acordo com as decisões jurisprudenciais e a orientação dogmática. A pesquisa será bibliográfica e o estudo será jurídico, mas marcado por uma interpretação humanística da questão.
Ao final, serão retomados os principais pontos expostos e apresentada uma síntese conclusiva.
1. Evolução histórica da adoção
Desde a Antiguidade o homem vivencia muitas cobranças que recaem sobre si em relação à sociedade, e uma delas é a cobrança de se estabelecer uma família com filhos para que não ocorra a extinção desse verdadeiro “culto” doméstico, e se esta concepção não advier de meios naturais, devia se optar pela adoção, como demonstra Monteiro (1980,p. 260):
O instituto da adoção tem sua origem mais remota no dever de perpetuar o culto doméstico. Como diz Fustel de Coulanges, é nesse sentimento religioso que ela tem seu princípio. A mesma religião que obrigava o homem a casar, que concedia o divórcio no caso de esterilidade e que por morte prematura, ou impotência, substituía o marido por um parente, oferecia ainda à família último recurso para escapar à desgraça tão temida da extinção. Esse recurso era o direito de adotar.
Como apresentado, a adoção não é um ato recente. Há milhares de anos que se constata esta prática no mundo e, para melhor esclarecer esta ideia, citamos o que diz Venosa (2014, p. 287-288):
A adoção, como forma constitutiva do vínculo de filiação, teve evolução histórica bastante peculiar. O instituto era utilizado na Antiguidade como forma de perpetuar o culto doméstico. Atualmente, a filiação adotiva é uma filiação puramente jurídica, baseando-se na presunção de uma realidade não biológica, mas afetiva (Carbonnier,1999:337).A Bíblia nos dá notícias de adoções pelos hebreus. Também na Grécia o instituto era conhecido, como forma de manutenção do culto familiar pela linha masculina. Foi em Roma, porém, que a adoção difundiu-se e ganhou contornos precisos. "Adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não pôde obter-se".
A ideia fundamental já estava presente na civilização grega: se alguém viesse a falecer sem descendente, não haveria pessoa capaz de continuar o culto familiar, o culto aos deuses-lares. Nessa contingência, o pater familias, sem herdeiro, contemplava a adoção com essa finalidade.
Como é possível perceber, a adoção visava preencher o vazio hereditário que haveria em uma família caso não houvesse nenhum descendente, pois o importante era preservar o culto familiar e levar adiante por muitos anos a cultura de um lar; foi apenas em Roma que a adoção ganhou uma definição mais sentimental do que um conceito de hereditariedade, a finalidade básica antiga da adoção que passou para o atual Direito Civil era de que ela pudesse imitar a natureza: adoptio naturam imitatur (VENOSA, 2014, p.288).
No Direito Romano havia duas modalidades de adoção: a "doptio" e a "adrogatio", consistiam, respectivamente: em uma pessoa capaz que abandonava publicamente o seu culto doméstico biológico para assumir o culto do adotante e a segunda modalidade, sendo a mais antiga e pertencente ao Direito Público, exigia uma forma mais solene para realizar a adoção (VENOSA, 2014, p.288). Para haver a adoção ‘’adrogatio’’, eram necessários alguns requisitos, sendo estes citados por Venosa (2014, p.288):
Os requisitos da ad-rogação eram estabelecidos pelos pontífices: o ad-rogante deveria ser um pater familias sem herdeiro masculino; era indispensável o consentimento do ad-rogando, que não podia ser mulher nem impúbere, uma vez que ambos não tinham acesso aos comícios; a ad-rogação somente podia ocorrer em Roma, pois fora da cidade os comícios não se reuniam.
Como é possível observar, a adoção ‘’adrogatio’’ era complexa, uma vez que se exigiam vários atos para a sua concessão, entretanto, é importante notar que as mulheres e os menores impúberes (tanto do sexo masculino como do feminino, menores de 16 anos de idade) não podiam ser adotados, uma vez que não tinham acesso aos comícios e também não eram a melhor opção para se continuar com a hereditariedade da família. Além dos requisitos já citados, também havia outros, tão importantes como estes, sendo: idade mínima de 60 anos do adotante, sem filhos biológicos, devendo o adotante ser no mínimo 18 anos mais velho do que o adotado. Durante esse período, apenas os homens podiam adotar, as mulheres só passaram a ter esse direito durante a fase imperial, todavia, apenas se houvesse a autorização do imperador (VENOSA,2014,p.289).
O Código de Hamurabi, escrito no século 18 a.c., também possuía suas próprias leis em relação à adoção; esta prática era permitida e o adotado não poderia mais ser reclamado, ou seja, voltar para à sua casa de origem, entretanto, existia a possibilidade de regresso se este se revoltasse contra os seus pais adotivos (artigos 185 e 186). Havia também drásticas punições para os filhos adotivos que não reconhecessem seus pais adotivos, podendo receber como castigo a punição de ter a língua cortada e até mesmo os olhos arrancados (artigos 192 e 193) (BUENO, 2012, p.37-38).
Durante a Idade Média, por conta do Direito Canônico, a adoção caiu em desuso; mas durante a Idade Moderna, graças à legislação da Revolução Francesa, a adoção voltou à baila, sendo inserida posteriormente no Código Napoleônico de 1804 (VENOSA,2014,p.289).
A adoção também sempre esteve presente no Brasil, entretanto, foi apenas em 1990 com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA que este ato ganhou uma nova regulamentação no nosso país, embora o Código Civil de 1916 já tratasse do tema; como ressalta Caio Mário Pereira (2010,p.411):
Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/90) nova regulamentação se deu para a adoção no Brasil. Prevaleceu, ainda, por destacado período a ideia da adoção como meio jurídico para assegurar descendência para aqueles que não a tinham de seu próprio sangue. A partir da década de 1990 novo paradigma passou a orientar a adoção: a busca de uma família para aqueles que não tinham a possibilidade de permanecer na família biológica, prevalecendo, assim, o melhor interesse da criança e do adolescente como orientação jurídica.
O Código Civil de 1916 considerou a adoção como uma relação jurídica entre adotante e adotado, havendo entre eles apenas um parentesco meramente civil, possuindo como objetivo proporcionar filiação para aqueles que não pudessem ter filhos biológicos. Alguns dos requisitos para a adoção eram que o adotante tivesse 30 anos ou mais e, se fosse casado, deveria ter decorrido cinco anos após o seu matrimônio; isto nada mais era do que uma forma de garantia para as partes deste negócio jurídico, pois com estes requisitos, o adotante seria considerado maduro o suficiente para amparar a criança e não lhe causar nenhum dano psicológico em decorrência da ausência de experiência por parte dos pais adotivos (PEREIRA, 2010, p.411).
Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227,§ 6º assegura que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Mas nem sempre foi assim, no Código Civil de 1916 os filhos adotivos eram tratados de maneira diferente, como demonstra Pereira (2010,p.413):
Quando o adotante tinha filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolvia a sucessão hereditária (Código Civil, art.377, na redação advinda da Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957).Daí resulta esta situação: com filhos supervenientes à adoção, sucedia o adotado na forma do art. 1.605, § 2º. Não tinha direito sucessório se à sucessão do adotante se habilitassem filhos legítimos, legitimados ou naturais reconhecidos, já existentes quando se efetuou a adoção. Reversamente, o adotado tinha de prestar alimentos ao adotante, na condição de filho, e segundo os princípios gerais pertinentes. Se falecesse o adotado sem descendência, e lhe sobreviessem os pais e o adotante, a herança ia por inteiro aos primeiros, mas na sua falta passava aos pais adotivos, embora existissem colaterais.
Muitos anos se passaram e atualmente a adoção está presente no nosso dia a dia, tal ato não ocorre mais exclusivamente por conta da ausência de prole, mas sim porque algumas pessoas se apaixonam por uma criança, uma vez que possuem o desejo de ter uma família maior ou simplesmente porque o amor pela filiação é tão grande que há a necessidade de se ter um ou mais filhos.
A bem da verdade, inobstante o tratamento legal da matéria, esse liame de afeto sempre permeou a grande maioria dos atos de adoção; o que a legislação moderna ordinária e constitucional fizeram foi somente reconhecer esse aspecto fundamental e humano do instituto jurídico. Na Carta Maior de 1988 há direitos fundamentais para que toda criança possa crescer feliz e saudável (artigos 6º e 227), sem qualquer forma de discriminação, logo, tanto crianças oriundas de um processo natural como aquelas provenientes de adoção merecem as mesmas garantias.
A adoção é um ato afetivo que pode mudar tanto a vida do adotado como a vida do adotante, mas para que tudo ocorra dentro dos parâmetros da lei, atualmente contamos com a Lei nº 12.010 de 2009, conhecida como Lei da Adoção e o atual Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069 de 1990; ou seja, a adoção passou por muitas fases ao decorrer dos séculos, sempre tentando se aperfeiçoar um pouco mais, todavia uma definição antiga de Justiniano perdurou ao longo dos séculos: a adoção deve imitar a filiação natural (VENOSA, 2014, p.289), ou seja, mister que o filho adotivo seja tão amado e protegido como o filho biológico, e assim se faz hoje em dia.
2. A adoção na atualidade
A adoção nada mais é do que um ato jurídico com suas devidas formalidades que, obedecendo aos requisitos legais, estabelece entre duas ou mais pessoas, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo de filiação, trazendo para a família um estranho na condição de filho (DINIZ, 2011, p. 546).
Atualmente no nosso ordenamento jurídico podemos encontrar três grandes leis que tratam e regulam o instituto da adoção: o Código Civil (Lei Nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002), o Estatuto da Criança e do Adolescente, também conhecido como ECA (Lei Nº 8.069/90) e a nova Lei Nacional da Adoção (Lei Nº 12.010 de 03 de Agosto de 2009). Embora atualmente a adoção esteja regulamentada e consolidada por leis específicas, nem sempre foi assim. A adoção talvez seja o instituto do Direito de Família que mais sofreu alterações e retalhos ao longo da história da legislação brasileira, podendo – se concluir assim, que o tema da adoção nunca foi estável no Brasil (TARTUCE, 2014, p.420).
Embora essas leis tratem da adoção, considera-se que a problemática só ficou claramente consolidada e firmada no Estatuto da Criança e do Adolescente, como aponta Tartuce (2014, p.420-421):
Além de tudo isso, contribuindo com a situação de dúvidas, o Código Civil de 2002 tratou do assunto. Mais ainda, como uma peça da colcha, foi promulgada a Lei 12.010, em 3 de agosto de 2009, conhecida como Lei Nacional da Adoção ou Nova Lei da Adoção. O que se nota é que o tema adoção nunca teve no Brasil uma estabilidade legislativa consolidada, o que se espera ocorrer com a novel legislação.
A nova norma revogou vários dispositivos do Código Civil que tratavam da adoção (arts. 1.620 a 1.629), alterando, ainda, os arts. 1.618 e 1.619 da atual codificação privada. Em síntese, pode-se afirmar que a matéria ficou consolidada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/1990), que também teve vários dos seus comandos alterados (grifos do autor).
Antes do advento da Lei 12.010 de 3 de Agosto de 2009, o Código Civil Brasileiro era responsável para tratar sobre a adoção, mas como cita Gonçalves, isto mudou após a promulgação desta nova lei (2011, p. 384):
No sistema da Lei 12.010 de 3 de agosto de 2009, que dispõe sobre adoção e alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente o instituto da adoção compreende tanto a de crianças e adolescentes como a de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos (ECA, art. 47; CC, art. 1.619, com a redação dada pela Lei n. 12.010/2009). Descabe, portanto, qualquer adjetivação ou qualificação, devendo ambas ser chamadas simplesmente de adoção.
Visando dar estabilidade ao instituto da adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu medidas para este e esclareceu que o objetivo principal é dar um lar para a criança que se encontra em abrigos, como menciona Pereira (2010, p.420-421):
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/90) estabeleceu rigoroso sistema para a adoção de menores de 18 anos, cujos requisitos foram recepcionados, em grande parte, pela Lei Civil de 2002. A Lei nº 12.010, de 2009, conhecida como "Lei Nacional da Adoção", fez alterações significativas no "Estatuto", visando, especialmente, criar incentivos para que crianças e adolescentes retornem para o convívio familiar ou encontrem um lar adotivo, evitando que permaneçam, de forma permanente, em instituições de acolhimento (abrigos).
Outro marco fundamental da Lei Nacional da Adoção foi estabelecer prazos para dar rapidez ao processo de adoção e consequentemente garantir a dignidade da criança que se encontra em um abrigo, como menciona Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.382):
A referida Lei Nacional da Adoção estabelece prazos para dar mais rapidez aos processos de adoção, cria um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados por pessoas habilitadas e limita em dois anos, prorrogáveis em caso de necessidade, a permanência de criança e jovem em abrigos. A transitoriedade da medida de abrigamento é ressaltada na nova redação dada pelo art. 19 do ECA, que fixa o prazo de seis meses para a reavaliação de toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional. O cadastro nacional foi definido em resolução do Conselho Nacional de Justiça.
Como destaca o § 1º do artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ‘’A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa(…) ‘’, ou seja, a adoção é contemplada pelo ordenamento jurídico, entretanto, para que uma criança seja encaminhada para a adoção, é de suma importância que todos os recursos de manutenção da estabilidade desta estejam esgotados, isto garante que aquele menor possa ter a sua dignidade humana respeitada, uma vez que ele não foi simplesmente desprendido de sua família biológica sem nenhuma chance de se estabelecer uma situação melhor.
Depois de tantas transformações nesse instituto jurídico, sempre com o objetivo de agilizar o processo de adoção para que as crianças não permaneçam tanto tempo nos abrigos, infelizmente no Brasil ainda há vários menores em abrigos e, paralelamente a isso, também há vários “pais em potencial” que desejam acolher no seio familiar um novo membro, entretanto, em vista da morosidade e cansaço de tal procedimento, muitos (in)felizmente optam por uma adoção mais rápida e sem qualquer burocracia social ou jurídica, a adoção ilegal, prevista no Art. 242 no Código Penal, também conhecida como “adoção à brasileira”.
3. Adoção à Brasileira
A adoção à brasileira, também conhecida como adoção ilegal caracteriza-se quando a genitora ou a família biológica simplesmente entrega a criança a um indivíduo estranho, onde este muito provavelmente registrará a criança como filho próprio, sem sequer ter passado por um processo judicial de adoção. Ao nos depararmos com tal situação, é mister questionar por que tal ato ilegal é tão comum no nosso país, mesmo havendo legislações específicas para a regularização de tal procedimento e possuindo previsão no Código Penal ao descrever a conduta no Art. 242: ‘’Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.”, com pena cominada de 2 a 6 anos de reclusão.
3.1 Possíveis fatores que levam à conduta da adoção à brasileira
Como já destacado, independentemente do procedimento escolhido para se adotar um estranho e torná-lo como filho, o objetivo da adoção nada mais é do que aumentar a família, seja por amor ou simplesmente em razão de querer continuar com a genealogia; entretanto, mesmo existindo amparo jurídico para a consolidação de tal ato, é importante levarmos em consideração alguns fatores que conduzem a tal prática da adoção ilegal, como o desejo de ter para si um novo membro na família, a sensibilidade em face do abandono infantil que ocorre em nossa sociedade e o afeto com crianças (NASCIMENTO,2014).
De acordo com o relatório de pretendentes cadastrados para a adoção, fornecido pelo site do Conselho Nacional de Justiça – CNJ , atualmente há no Brasil exatamente 43.891 mil pessoas na fila da adoção aguardando pela obtenção da guarda de uma criança, sendo que 20.721 mil destas pessoas estão concentradas na região sudeste. Por outro lado, no Cadastro Nacional da Adoção – CDA , também é fornecido que exatamente 8.889 mil crianças ainda estão disponíveis para a adoção; ora, por uma obviedade, há mais possíveis adotantes do que crianças para serem adotas, mesmo assim, tanto a morosidade do processo judicial, como exigências dos possíveis pais em relação a criança (raça, cor, idade etc.) acabam por dificultar ainda mais tal procedimento, fazendo com que estes se esgotem e acabem por optar por uma solução mais fácil, uma vez que o desejo de obter uma nova prole é gigantesco.
Como bem destaca o Art. 226 da nossa Carta Maior, a família é a base da sociedade e merece proteção especial do Estado; é fato que com o passar dos anos o conceito de família ficou mais amplo, abrangendo não só a família patriarcal, mas também outras modalidades desta, como bem preceitua Lobo (2009):
a)união com vínculo do casamento, com filhos biológicos;
b)união com vínculo de casamento, com filhos biológicos e não biológicos ou somente com filhos não biológicos,
c)união estável com filhos biológicos,
d)união estável com filhos biológicos e não biológicos ou somente não biológicos,
e)entidade monoparental composta de pai ou mãe e filhos biológicos;
f)entidade monoparental composta de pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos ou somente adotivos,
g)grupo parental de irmãos ou de avós e netos, ou de tios e sobrinhos,
h)entidade formada por pessoas sem vínculo de parentesco, em convivência permanente com laços de afetividade e auxílio mútuo, sem fins sexuais ou econômicos,
i)união homoafetiva com finalidade sexual e afetiva,
j)união concubinária, na qual ocorre impedimento para o casamento de um ou ambos conviventes, com ou sem filhos,
k)famílias recompostas, formadas por padrasto e madrasta e enteados.
Assim, podemos notar que o ser humano está cada vez mais disposto a se inserir em novos meios sociais familiares, para que possa ser aceito como membro de uma família estruturada, entretanto, como a maioria das famílias possuem filhos, aquelas que não possuem sempre buscam meios de complementá-la, e quando a prole não chega através de vias biológicas, a adoção torna-se uma opção para concretizar tal desejo. Percebe-se que a adoção não se trata apenas de um ato isolado de caridade, mais sim da satisfação de um desejo subjetivo relacionado à maternidade/paternidade.
Como mencionado, no Brasil há 8.889 mil crianças esperando para serem recebidas em uma nova família. Como a adoção, segundo o ECA, trata-se de medida excepcional, percebemos que de fato há uma realidade que demonstra que milhares de menores de idade não podem conviver com sua família biológica, gerando consequentemente um abandono afetivo que reflete nas condições emocionais destas crianças, fazendo com que, paralelamente, outros milhares de adultos se comovam com tal situação, optando estes por trazerem alguma destas para seu seio familiar.
Em uma matéria realizada pelo jornal “Estadão”, é relatado de forma simples, porém objetiva, o maior dilema daqueles jovens que não conseguem ser adotados: o que fazer após completar 18 anos de idade? Várias pessoas ao tomarem conhecimento da realidade de um abrigo e, principalmente a realidade daqueles que serão expulsos deste ao atingirem a maioridade civil faz com que nasça o desejo da adoção, impedindo que aquela criança cresça sem perspectiva de vida. Conjuntamente a isto, percebemos que adotar, além de exigir afeto em face das crianças, também exige coragem e disponibilidade de garantir uma vida digna para elas.
Percebe-se que o sentimento em face de crianças abandonas, se somado ao desejo de se aumentar a composição familiar faz com que várias pessoas optem pela adoção, sendo este um ato nobre. Entretanto, embora existam várias crianças em abrigos, muitas delas deixam de ser adotadas, uma vez que o processo de adoção exige tempo e paciência. Assim, aqueles que desejam a adoção acabam por optar por uma mais fácil, mesmo se tratando de um ato ilegal.
3.2 A prática da adoção ilegal atualmente
Tal conduta é praticada há vários anos em nosso país, não podendo se dizer ao certo quando começou e quantas pessoas ingressaram no seio familiar através desta prática, mas uma coisa é certa, a adoção à brasileira existe e (in)felizmente ainda existirá enquanto existirem pessoas dispostas a realizar tal procedimento, seja com boas ou más intenções.
Ora, é fato que estes “pais ilegais” optam pelo procedimento mais fácil por não acreditarem no sistema oferecido pela legislação, realizando todos os atos à margem da lei, sem se preocuparem (naquele momento) com as consequências deste ato, que poderá ser descoberto um dia, ou não. No mundo social esta prática de adoção sequer é conhecida como crime, pelo contrário, acredita-se que a sua realização é um ato nobre, não devendo de forma alguma ser investida de ilegalidade. Na realidade e de acordo com a legislação, tal ato sequer pode ser chamado de adoção, uma vez que não preenche os requisitos legais, sendo na verdade, uma simulação errônea de filiação (CAVALCANTE,2013).
Em geral, aqueles que optam pela prática desta adoção possuem boas intenções, apenas desejam tornar para si aquele ser como filho e ao mesmo tempo, impedir que mais uma criança venha a se isolar e até mesmo permanecer por anos em um abrigo, sem qualquer expectativa de vida digna, assim percebemos que estas pessoas diferem daquelas que jamais optariam por tal procedimento, por ferir a legislação, sendo classificadas em dois grupos, como demonstra Moreira (2011, p. 19):
As pessoas que realizam a “adoção à brasileira”, podem ser divididas em dois grupamentos distintos do ponto de vista de móvel psicológico para o ato: os que precipitadamente realizam essa colocação indevida por medo de constarem na fila de interessados em adoção. Com eventual demora na chamada por especificação excessiva das características da criança pretendida (geralmente branca, recém-nascida e do sexo feminino), poderia haver o medo de envelhecimento dos interessados, com profundo distanciamento em relação à faixa etária do “adotado” (quebra da mística de geração natural no seio familiar) ou frustração decorrente de situação não resolvida (mito do tempo perdido, que poderia ser aproveitado com uma criança já inserida na família); os que recorrem à “adoção à brasileira” com apreensão de desaceitação do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados. Há pessoas que têm insegurança em suas atitudes, imaginando que o Juiz de Direito (ou o Promotor de Justiça) possa criar dificuldades à colocação adotiva com objeções variadas (falta de recursos financeiros, anomalias psíquicas, inadequação para os cuidados de uma criança etc.).
Vê-se que não se trata apenas de um ato egoístico ilegal, mas sim de medo, medo de nunca ter um filho ou de demorar mais do que o normal para tê-lo, fazendo com que várias pessoas optem por vias ilegais para constituir uma família, se importando apenas com o resultado, e não com os meios utilizados e sua (i)legalidade.
Conforme já destacado, realmente tal conduta é tipificada pelo ordenamento jurídico, entretanto, ao mesmo tempo em que há a tipificação, também há uma excludente prevista no parágrafo único do Art. 242, CP: Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. Vemos que a própria legislação exclui a imposição de pena quando o delito é praticado por reconhecida nobreza, ou seja, quando a conduta está revestida de boas intenções, visando uma vida digna para aquele pequeno ser, logo, percebe-se que de fato há a tipificação para se evitar que crianças sejam adotadas com fins maléficos, e ao mesmo tempo, se reconhece que há casos em que o objetivo é garantir a dignidade daquele indivíduo. Como menciona Assis (2014, p. 49):
Tal conduta configurava o delito insculpido no art. 299, parágrafo único (falsidade ideológica em assentamento do Registro Civil), do Código Penal. Todavia, a jurisprudência firmava-se pela ausência de tipicidade do fato quando praticada a conduta com motivo nobre, já que ausente o fim “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” (elemento subjetivo do injusto). Apesar do propósito inicial de beneficiar os autores daqueles registros, a alteração trazida pela Lei 6.898/1981 não mais permite o reconhecimento da atipicidade da conduta, mas sim a aplicação da forma privilegiada ou a extinção da punibilidade pelo perdão judicial desde que praticado o delito por motivo de reconhecida nobreza.
Podemos perceber que prevalece o melhor interesse para a criança, pois se esta não fosse adotada, teria grandes chances de viver exposta a perigos ou crescer em um abrigo sem a menor chance de ser adotada e de ter uma vida digna.
3.3 Entendimento dos Tribunais
Os Tribunais superiores mantêm entendimento de que deve prevalecer o melhor interesse do menor nas práticas de adoção à brasileira, não há de forma alguma nenhuma inconstitucionalidade nestas decisões, uma vez que o parágrafo único do Art. 242, CP permite a não aplicação da pena e, além do mais, o que importa é o bem-estar do adotado, uma vez que este terá seus direitos mínimos estipulados pelo Art. 227 da Carta Maior garantidos, sendo assim, vejamos:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR.
2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 27/02/2018. HC 385507/PR. Ministra Nancy Andrighi)
HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. MEDIDA LIMINAR PROTETIVA DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇA EM ABRIGO. GRAVE SUSPEITA DA PRÁTICA DE "ADOÇÃO À BRASILEIRA" EM DUAS OCASIÕES DISTINTAS. INDÍCIOS DE ADOÇÃO DE CRIANÇA MEDIANTE PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO AFETIVA. GRAVIDEZ FALSA. INDUZIMENTO A ERRO. AMEAÇA GRAVE A OFICIAL DE JUSTIÇA. CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ABRIGAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO FLAGRANTEMENTE ILEGAL OU TERATOLÓGICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
2. A jurisprudência desta eg. Corte Superior tem decidido que não é do melhor interesse da criança o acolhimento temporário em abrigo, quando não há evidente risco à sua integridade física e psíquica, com a preservação dos laços afetivos eventualmente configurados entre a família substituta e o adotado ilegalmente. Precedentes. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 05/12/2017. HC 418431/SP. Ministro Moura Ribeiro)
O próprio STJ vem decidindo pela permanência da criança na família adotiva, mesmo que isto tenha ocorrido por meios ilegais; o que se leva em consideração é o melhor interesse para este menor, uma vez que, se a finalidade do Estado é o bem social, deixar que o menor permaneça em seu lar onde houve a criação do vínculo afetivo, é respeitar o adotado.
Partilhando do mesmo entendimento, os Tribunais inferiores também proferiram decisões que não condenam tal prática ilegal de adoção, sempre enaltecendo o melhor interesse do menor, além de levarem em consideração que com a criação do vínculo sócio-afetivo, não há por que descaracterizar tal ato, pois na maioria das vezes, o reconhecimento de paternidade/maternidade é feito de maneira voluntária, por parte daquele que adota:
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA -APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS. RECURSO IMPROVIDO.
1. O reconhecimento voluntário de paternidade, com ou sem dúvida por parte do reconhecente, é irrevogável e irretratável (arts.1609e 1610do Código Civil), somente podendo ser desconstituído mediante prova de que se deu mediante erro, dolo ou coação, vícios aptos a nulificar os atos jurídicos em geral. (AC Nº 70040743338, TJRS).
2. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento da ré pelo pai registral, mantém-se a improcedência da ação. (TJPI. Data do julgamento: 26/05/2015. AC nº 201000010064408 PI 201000010064408. Relator Desembargador Brandão de Carvalho.)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. MENOR QUE ESTÁ SOB A GUARDA FÁTICA DOS AUTORES DESDE O NASCIMENTO. ARREPENDIMENTO MATERNO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VINCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR INTERESSE E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA.
Não merece reparo a decisão que destituiu o poder familiar, e concedeu a adoção do menor, que convive com os autores desde tenra idade. Em que pese o arrependimento materno, o infante, atualmente com 5 anos de idade, está adaptado à família adotante, reconhece-os como pai e mãe, já consolidado o vínculo afetivo. Manutenção deste arranjo familiar, considerando o melhor interesse da criança. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS. Data do julgamento: 26/11/2014. Apelação Cível Nº 70062283361, Relatora Liselena Schifino).
Vê-se que está consolidado entre os diversos Tribunais que a prática conhecida como adoção à brasileira, embora seja ilegal, não é desclassificada como adoção e muito menos punida, posto que se leva em consideração a voluntariedade do agente que pratica tal conduta e principalmente o melhor interesse do menor, pois este é o pilar de toda esta discussão.
3.4 Conduta lícita ou ilícita?
Além do posicionamento jurisprudencial, a doutrina também entende e exemplifica tal situação. Damásio de Jesus expõem por que há a diminuição da pena e também o perdão judicial (2011, p.253):
O parágrafo único do art. 242 do CP prevê uma causa de diminuição de pena, consistente em o agente realizar a conduta impelido por motivo de reconhecida nobreza. O privilégio aplica-se a todas as modalidades de conduta descritas no caput. Reconhecida nobreza significa motivo que demonstre humanidade, altruísmo, generosidade por parte do agente. Existindo tais motivos, é possível ao juiz atenuar ou até conceder o perdão judicial. Embora o CP empregue a expressão “podendo o juiz deixar de aplicar a pena”, o perdão judicial constitui um direito do réu e não simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder aplicá-lo ou não, segundo o seu puro arbítrio. Desde que presentes circunstâncias favoráveis ao réu, o magistrado está obrigado a não aplicar a pena.
Ainda nesta mesma linha de raciocínio, Rogério Greco também menciona a atitude do legislador em atenuar a pena ou conceder o perdão judicial, em casos que realmente há motivo nobre (2014, p. 701):
Existem situações, que não são incomuns, em que o agente pratica o delito tipificado no art. 242 do Código Penal, em qualquer de suas modalidades, impelido por um motivo nobre, que denota generosidade, altruísmo, humanidade, enfim, sentimentos que merecem ser considerados para efeito de aplicação da lei penal, ou mesmo para que seja evitada sua aplicação. Imagine-se a hipótese em que uma mulher grávida, vivendo em condições de extrema miséria, morando em um vilarejo muito pobre no interior de uma cidade de nosso país, resolva abortar, oportunidade em que é impedida por uma família de condições pouco melhores do que as dela, mas que, movida por um sentimento de solidariedade, a convença a levar a gravidez a termo, sob promessa de que ficaria com a criança assim que ela nascesse. Depois do nascimento, dada a pouca cultura, a família registra o recém-nascido como filho.
Nesse caso, a lei fornece ao julgador duas opções: a primeira delas, depois de concluir que o fato é típico, ilícito e culpável, condenar o agente pela prática do delito previsto pelo parágrafo único do art. 242 do Código Penal, que prevê uma modalidade privilegiada de parto suposto; a segunda opção, que dependerá da sensibilidade do julgador no caso concreto, será a concessão do perdão judicial, deixando de aplicar a pena. O juiz deverá, portanto, analisar, principalmente, a culpabilidade do agente, a fim de concluir, entre as opções que lhe são fornecidas pela lei, qual delas é a que melhor se aplica ao caso concreto, ou seja, aquela que melhor atende aos critérios de uma boa política criminal.
Destaca o doutrinador ao dizer que, embora exista esta possibilidade de atenuação ou exclusão da pena, deverá o magistrado agir de acordo com a culpabilidade do agente, ou seja, deve este analisar por que aquela conduta foi realizada, se por real motivo nobre, por vaidade ou para gerar outra conduta ilícita, como por exemplo, tráfico de criança. Não pode a legislação comparar aquele indivíduo que pratica a adoção à brasileira visando à promoção da dignidade da criança com aquele que deseja se aproveitar da situação de miserabilidade da família biológica. Brilhantemente o legislador soube reconhecer o dolo do agente, pois tal prática é muito comum em nosso país, sendo realizada por aqueles que não querem passar por um longo processo judicial.
Não há que se falar em exclusão da ilicitude, pois o fato continua sendo ilícito, apenas não haverá a aplicação da pena quando o dolo do(s) agente(s) realmente estiver caracterizado pelo motivo nobre (MIRABETE, FABRRINI, 2014, p.23). Quando estivermos diante da comprovação da conduta por conta de um ato nobre, o magistrado tem o dever de conceder o perdão judicial. (BITENCOURT, 2006, p.151).
Ao se reconhecer que esta prática é algo muito comum no Brasil, o legislador buscou ao mesmo tempo punir aquele que a pratica com más intenções e deixar de punir o indivíduo que apenas visa o bem da criança, devendo-se levar em consideração que na maioria das vezes, quem pratica esta adoção ilegal, sequer conhece o seu caráter criminoso.
Conclusão
Ao abordarmos o assunto referente à adoção ilegal, também conhecida como “adoção à brasileira”, percebe-se que, embora esta seja ilegal, possuindo previsão expressa no Código Penal, entende-se que, na verdade, não se trata de um crime (pensando-se no sentido material do termo, independentemente da previsão positivada), mas sim de um gesto nobre e humano, onde o indivíduo resolve levar para o seu convívio familiar uma criança estranha para ser tratada como seu filho.
Os Tribunais e principalmente o Superior Tribunal de Justiça já pacificaram entendimento de que deve prevalecer o melhor interesse da criança, não sendo justo desconstruir um laço familiar já consolidado. É mister destacar que esta conduta apenas deixará de ser punida quando estiver claro que a conduta do agente foi realizada com a finalidade de garantir uma vida digna em face daquele menor, sendo este um direito inerente a todo pequeno cidadão, mas que, infelizmente, nem todos possuem.
Referências
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MIRABETE, Julio Fabrini, FABBRINI RENATO N. Manual de Direito Penal, volume 3. parte especial, arts. 235 a 361 do CP. 28 edição. São Paulo: Atlas, 2014
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[1] Graduanda do curso de Direito do Unisal e Estagiária em Direito.
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós - graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós - graduação da Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
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