RESUMO: O presente trabalho demonstra a evolução do direito de família e das relações familiares ao longo da história. Como resultado dessa evolução, os idosos que já foram desvalorizados pela sociedade, ganharam proteção com o advento da Constituição Federal de 1988, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso. Entretanto surge uma nova preocupação: o abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos e a possibilidade de indenização por dano moral decorrente do desamparo imaterial. A grande discussão está no fato de comprovar a ilicitude da conduta do filho em negar afeto com o consequente dano ocasionado aos pais idosos. Diante disso, busca-se analisar todo o contexto que envolve a responsabilidade civil no âmbito familiar, as consequências que trazem o desprezo na vida da pessoa idosa e da possibilidade da vítima de receber indenização pelos danos morais sofridos.
Palavras-chave: Idoso. Abandono afetivo. Responsabilidade Civil.
RESUMEN: En este trabajo se muestra la evolución del derecho de familia y las relaciones familiares a lo largo de la historia. Como resultado de esta evolución, las personas mayores que han sido devaluada por la sociedad, la protección ganaron con el advenimiento de la Constitución Federal de 1988, la Política Nacional para las Personas de Edad y Mayores. Sin embargo surge una nueva preocupación: la negligencia emocional de los niños en relación con los padres de edad avanzada y la posibilidad de indemnización por daño moral resultante de impotencia intangible. El gran debate está en el hecho de demostrar la conducta del niño ilegal negar el afecto con el consiguiente daño causado a los padres de edad avanzada. Por lo tanto, buscamos analizar todo el contexto en el que la responsabilidad de la familia, las consecuencias que trae el desprecio de la vida de las personas mayores y la posibilidad de la víctima a recibir una indemnización por daños morales.
Palabras clave: Edad avanzada. Abandono emocional. Responsabilidad civil.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS RELAÇÕES FAMILIARES. 2.1 Breve Histórico. 2.2 Constitucionalização do Direito Civil. 2.3 Princípios Norteadores da Instituição da Família na Atualidade. 3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.1 Origem. 3.2 Conceito e Classificação. 3.3 Requisitos. 4 O ESTATUTO DO IDOSO (LEI Nº 10.741/2003) E DEMAIS DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO AO IDOSO. 4.1 Lei 10.741/2003 e a Constituição. 5 ABANDONO AFETIVO. 5.1 Origem do instituto e sua evolução na legislação brasileira. 5.2 Conceito e Características. 5.3 Jurisprudência. 6 DA POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO INVERSO. 6.1 Responsabilidade civil no âmbito familiar. 7 CONSIDERAÇOES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil por abandono afetivo inverso é um tema atual com grande repercussão no ordenamento jurídico. Entende-se por abandono afetivo inverso a falta do afeto, do cuidado, do carinho, dos filhos para com os pais, de regra idosos. O cuidado possui valor jurídico imaterial, servindo de estrutura para se estabelecer a solidariedade familiar.
Dessa forma, ao se analisar os institutos inerentes ao abandono afetivo, percebe-se que há um desvirtuamento da entidade familiar, haja visto que o cuidado, o carinho, a assistência material e moral são rompidos quando o idoso passa a carecer dos filhos o mínimo de uma atenção não dada. A responsabilização civil dos filhos que abandonam os pais afetivamente torna-se ilícito quando se configura o desrespeito, o desprezo e a indiferença.
De um lado, discute-se a responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais em relação aos filhos. Atualmente está tramitando no Senado Federal o projeto de Lei de autoria do Senador Marcelo Crivella, no qual prevê a modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente no sentido de caracterizar o abandono moral dos pais em relação às crianças como ato ilícito civil e penal, por outro lado, existe o silêncio do legislador com relação a incorporar essa mudança significativa no Estatuto do Idoso.
Pergunta-se, então: Qual a verdadeira responsabilidade dos filhos diante de um cenário de abandono afetivo dos pais idosos? Verificada essa circunstância, de abandono, seria possível identificar todos os requisitos inerentes à responsabilidade civil definidos na legislação brasileira?
Partindo-se da premissa que tanto as crianças quanto os idosos necessitam do amparo familiar como forma de se preservar a dignidade humana, muito se discute se é cabível ou não a indenização por abandono afetivo, mormente porque tal conclusão estaria relacionada a uma suposta patrimonialização do direito de família pela falta de amor, questão controversa dentre os estudiosos da área.
A pesquisa se embasará no Estatuto do Idoso, na Constituição Federal da República de 1988, no Código Civil de 2002, em artigos do Instituto Brasileiro do Direito da Família (IBDFAM) entre outros estudos que ajudam a elucidar o conteúdo do tema.
A proposta do trabalho é a sua divisão em partes, que serão apresentadas na seguinte sequência: Estudo acerca da evolução do instituto “família”, análise dos dispositivos constitucionais, do Estatuto do Idoso, da responsabilidade civil, aplicação dos mesmos ao tema abandono afetivo e posicionamentos doutrinários e jurisprudências.
Dessa forma, por meio da análise de toda a base principiológica, legal e doutrinária que norteia o tema, a presente pesquisa pretende não apenas discutir a temática, como também apresentar, ao final, os mais adequados posicionamentos acerca da possibilidade de indenização pelo abandono afetivo inverso e seu reflexo no âmbito do direito de família.
2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS RELAÇÕES FAMILIARES
O processo de socialização do ser humano se inicia através da família. É através dela que o indivíduo receberá os primeiros laços de afeto e afinidade, dando início a sua formação para o mundo.
A evolução do Direito de Família e das Relações Familiares aconteceu a partir das mudanças sociais. Essas trouxeram significativas transformações no conceito e estrutura familiar, propiciando que outros grupos, até então descriminalizados, fossem reconhecidos como entidades familiares.
Sendo assim, faz necessário conhecer as mudanças realizadas no Direito de Família no contexto histórico e o seu impacto na imagem destinada ao idoso.
2.1 Breve Histórico
Antigamente a família era vista como unidade de produção, com amplo incentivo a procriação. A união das pessoas pelo casamento era pautada pela manutenção da vida, e basicamente se estruturava em torno da religião e do patrimônio, pouco se importando os elos de afeto.
Na época, a sociedade conservadora estabelecia que os vínculos afetivos entre um homem e uma mulher, para serem aceitos socialmente, tinham que ser através da formalização do casamento, uma vez que a tornou como regra de conduta, legalmente capaz de permitir a multiplicação da população. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família corresponderia à desagregação da própria sociedade. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p.5)
Conforme as palavras de Dias (2015, p.29), “a família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito”.
Na Roma antiga, a família era vista como unidade econômica, política, militar e religiosa, (FIGUEIREDO, 2015, p.28). Característica que se estendeu até a Revolução Industrial. A necessidade pela mão de obra, fez com que a mulher se inserisse no mercado de trabalho, ajudando assim na fonte de renda familiar, que até então, era só do homem.
Assim, a estrutura familiar passa a ser alterada, tornando-se nuclear, restrita ao casal e a sua prole (DIAS, 2015, p.30). Nesse espaço de tempo, a família deixa o campo para viver nas cidades, aproximando os seus membros, selando o vínculo afetivo.
Com o avanço da sociedade, surge então, uma nova concepção de família, construída na base do amor e do carinho, passando a ficar evidente, a preocupação com a pessoa humana e o seu progresso social.
2.2 Constitucionalização do Direito Civil
O Código Civil de 1916 trouxe a concepção de família limitada ao casamento, sem previsão de sua dissolução, pelo contrário, continha normas discriminatórias dirigidas às pessoas unidas sem matrimônio e aos filhos gerados dessa relação. Segundo Dias (2015, p. 32), as referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos.
Promulgada a Constituição Federal de 1988 (CF/88), a família, passou a ter especial atenção do Estado, enfatizado no art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Desse modo, essa proteção ofertada pelo Estado, ampliou o conceito de casamento, pois a lei passa a reconhecer a união estável, bem como a família monoparental (formada por um dos pais e seus descendentes). Os filhos concebidos fora do casamento ou por adoção passam a ter os mesmos direitos e deveres.
Essas mudanças trazidas pela Constituição Federal de 1988, fez com que inúmeros artigos relativos ao direito de família, do Código Civil de 1916, não fossem recepcionados, haja vista que eram opostos a nova Carta Magna. Diante disso, entrou em vigor em 2002, o novo Código Civil, adequado com os dispositivos constitucionais e a nova formatação do direito de família, que deixou de ser matrimonializada e passou a ser pluralizada.
A proteção da pessoa humana passou a ficar evidente, após a democratização da família passar para a estrutura hierarquizada. As relações entre os familiares passam a ser entendida com igualdade e respeito, pautados com traços de lealdade. Nesse sentido Farias; Rosenvald (2015, p.804) concluem que “o escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e as demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e ao progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora”.
2.3 Princípios Norteadores da Instituição da Família na Atualidade
Os princípios estão presentes em todos os ramos do direito. E por meio deles, são estabelecidos valores que conduzem a interpretação necessária ao caso concreto.
No âmbito do direito de família, não se faz diferente, existem os princípios gerais como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e aqueles específicos ao direito de família, como o da solidariedade familiar e o da afetividade.
Alguns desses princípios serão destacados pela sua relevância no direito de família.
O primeiro é o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, que após as Guerras Mundiais e da vivência num período de governo totalitarista, o direito tornou-se humanizado e colocado o homem no centro das coisas, princípio este, manifestado originariamente dentro da família, lugar que requer uma convivência harmoniosa e em comunhão.
Tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 trouxeram em suas disposições o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, mas este foi efetivado somente a partir das Constituições Federais.
A partir da Carta Magna de 1988 que o princípio da dignidade humana elevou-se ao patamar máximo em relação aos outros, previsto no art. 1º, III da Constituição Federal e atrelado ao indivíduo, sujeito de direito e deveres, assevera uma vida minimamente digna, protegida contra situações degradantes e garantindo direitos básicos inerentes a todo homem. No direito de família, tem-se a doutrina:
[...] a dignidade da pessoa humana, da qual se extrai o direito de ser feliz, que envolve, inegavelmente, as relações afetivas, provocando uma "mudança do paradigma de família, o qual antes tinha como base o elemento genético ou biológico, passando a ter como fundamento e base o primado da afetividade, sendo, portanto, a verdadeira paternidade aquela resultante da relação de fato e de afeto, e não mais a de origem puramente biológica”. (JÚNIOR, 2012, p.65-66)
Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana determina que se estabeleça igualdade entre os familiares, repudiando qualquer forma discriminatória de tratamento quanto à filiação ou outras formas de constituição do escopo familiar.
O segundo é o da solidariedade que traz para o Direito de Família a ideia de amparo, assistência e cuidado uns com os outros. Numa melhor definição, tem-se:
[...] tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade (DIAS, 2015, p.48).
É visível a presença deste princípio no tratamento conferido ao idoso pelo próprio artigo 229 da CF/88, quando estabelece que os pais têm o dever de criar e educar os seus filhos, e os filhos têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 1988).
Trata-se de deveres recíprocos conferidos aos pais e filhos pela Constituição Federal, que uma vez violados, obriga o Estado a intervir nessa relação familiar, a fim de garantir os direitos inerentes a cada membro.
Em contrapartida, o princípio da afetividade cuida em promover o desenvolvimento da personalidade dos membros da família, propiciando que criam entre si laços de afeto e amizade, a fim de que os pais encontrem amparo na velhice e que os filhos estabeleçam um bom convívio com eles. Em brilhante explicação, Farias; Rosenvald (2015, p. 120) afirmam:
O afeto caracteriza a entidade familiar como uma verdadeira rede de solidariedade, constituída para o desenvolvimento da pessoa, não se permitindo que uma delas possa violar a natural confiança depositada por outra, consistentes em ver assegurada a dignidade humana, assegurada constitucionalmente.
Nessa perspectiva, é fundamental ressaltar, que o afeto é a base importante para a estrutura familiar, pois é através dele que nasce a confiança, e se consolida a ética e a responsabilidade em tais relações.
As relações de afeto são responsáveis por dar sentido e dignidade à existência humana. Devido a essa primordial importância dentro de uma relação familiar, o afeto tornou-se valor jurídico, não no condão de se tutelar a obrigatoriedade em amar, mas na seara de estabelecê-lo condizente com o cuidado, respeito, solidariedade, assistência, responsabilidade e convivência conferidos aos membros da família.
Assim, os princípios norteadores da Dignidade da Pessoa Humana, o da Solidariedade e da Afetividade se complementam entre si, pois desencadeiam dentro do Direito de Família uma nova construção familiar, totalmente diferente daquela estabelecida no Código Civil de 1916.
3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
É comum as pessoas encontrarem em situações do dia a dia casos que permitem fazer a pergunta: Quem é o responsável pelo evento danoso?
A resposta será obtida através da análise dos pressupostos que estruturam a responsabilidade civil. Dessa forma é necessário conhecer toda a temática que envolve o tema para se chegar à conclusão sobre aplicação da responsabilidade civil no abandono afetivo inverso.
3.1 Origem
A responsabilidade civil surgiu da necessidade de reparar o dano sofrido pela ação de uma pessoa em detrimento de outra. “Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.” (GONÇALVES, 2009, p.1). Para existir a necessidade de reparação, é preciso que se verifique a presença do dano, da culpa e do nexo causal.
Em Roma, sem a existência do direito, não se falava em culpa, pois haviam regras que estabeleciam o direito de indenizar pelo dano sofrido, tudo era resolvido de forma espontânea por meio da força e violência.
Com o surgimento das autoridades, foi banido que a vítima fizesse justiça com as próprias mãos. Passou a cogitar o uso da reparação com distinção entre os delitos públicos (que era o recolhimento aos cofres públicos da pena em dinheiro imposta ao infrator), dos delitos privados (a pena em dinheiro era destinada à vítima). Diante disso, a função de punir passou a ser do Estado com a consequente indenização à vítima.
No direito francês, a responsabilidade civil fundada na culpa foi amadurecida com o Código de Napoleão, que fez distinção entre “a noção da culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual.” (GONÇALVES, 2009, p.8).
Em Portugal, não se distinguiam a responsabilidade civil da criminal, tanto é que no Período Colonial, não havia qualquer diferença entre a aplicação da pena, multa e reparação.
No Brasil foi diferente, o Código Criminal de 1830 sofreu modificações, conforme explica Gonçalves (2009, p.9):
[...] transformou-se em um código civil e criminal fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade, prevendo a reparação natural, quando possível, ou a indenização; a integridade da reparação, até onde possível; a previsão dos juros reparatórios; a solidariedade, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros etc.
A teoria subjetiva foi adotada pelo Código Civil de 1916, que limitava o direito de reparo quanto à comprovação da existência de culpa ou dolo.
Com a evolução industrial e consequente número de danos sobrevindos das relações de trabalho, surge a teoria do risco, baseada na ideia do empregador indenizar o empregado, independentemente de culpa, pois aquele assume toda a atividade desempenhada pelo obreiro.
Como consequência desta evolução, o Código Civil de 2002 aderiu tanto à responsabilidade civil subjetiva quanto a objetiva. Agora, os danos advindos da conduta culposa e aqueles que independem da comprovação da culpa, são indenizáveis, restabelecendo juridicamente direitos outrora suprimidos.
3.2 Conceito e Classificação
A palavra responsabilidade se originou da expressão latina respondere, que no direito romano trazia a ideia de vincular o devedor nos contratos celebrados de forma verbal.
Entre vários autores que trouxeram o conceito da responsabilidade civil, é importante destacar o trazido pela Diniz (2007, p.35):
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Dessa forma, a responsabilidade civil caracteriza-se como uma imposição legal que obriga o reparo de eventuais danos causados a outrem.
Quanto à classificação, pode ser subdividida em: contratual, extracontratual, direta, indireta, subjetiva e objetiva.
A responsabilidade contratual está ligada nas relações jurídicas em que haja inadimplemento contratual. Já a extracontratual, pressupõe ao fato da violação de lei, cujo fundamento está estrito ao ilícito cometido por pessoas que não estejam interligadas por obrigação contratual.
Em seguida tem-se a direta, que comina o reparo da lesão atribuída ao próprio agente. Enquanto a indireta, diz respeito a ato de terceiro, seja através de animais ou objetos inanimados.
E por fim, chega-se na classificação que dará toda importância a este trabalho. A responsabilidade civil subjetiva está elencada na culpa por ação ou omissão do agente, ou seja, para que haja responsabilização é necessária a comprovação da culpa, conforme se depreende do artigo 186 e 187 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002)
Para a responsabilidade civil objetiva, a comprovação de culpa é insignificante, pois basta haver o risco para que se caracterize o direito a indenizar. Assim para essa teoria basta a comprovação do dano e do nexo causal e a necessidade de reparar o prejuízo advindo da atividade de risco, conforme estabelece o artigo 927 do Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002)
No âmbito de direito de família, também se aplica os preceitos oriundos da responsabilidade civil. Mas para isso, é preciso que incida as regras estabelecidas nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil.
3.3 Requisitos
Para se verificar a existência da responsabilidade civil, faz necessário observar se foram atendidos os requisitos que compõem sua estrutura. Dessa forma, para que ocorra o direito à reparação é preciso estar presentes, ao mesmo tempo, a culpa, o dano e o nexo causal.
A culpa é verificada quando o agente comete ato ilícito por meio de conduta inaceitável. Na definição de culpa, tem-se o conceito trazido por Diniz (2007, p.39):
A culpa em sentido amplo, com violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.
O art. 186 do Código Civil dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002)
Pode-se afirmar para que haja omissão é necessário que antes exista o dever de praticar certo ato. Da mesma maneira a voluntariedade se estabelece quando o agente deixou de praticar algum ato por exclusiva culpa ou risco.
Nesta seara, para que a culpa seja imputada ao seu autor, este necessariamente precisa ter o discernimento e a consciência do ato praticado, caso contrário não incorrerá em culpa, por lhe faltar vontade própria ou entendimento necessário de sua conduta.
Outros elementos importantes na descaracterização da culpa se encontram no exercício normal de um direito, que é lesão provocada através de exercício legal, a legítima defesa e o estado de necessidade.
Em sequência, tem-se o dano como outro elemento da responsabilidade civil, que é verificado pela presença de lesão decorrida da ação ou omissão do agente. O dano pode ter natureza tanto material quanto moral, o material está ligado à ideia de deterioração total ou parcial do patrimônio da vítima, podendo ainda se desdobrar em lucro cessante, que é aquilo que deixou de lucrar em virtude do ocorrido, e o dano emergente, que é o prejuízo real que a vítima teve.
Já o dano moral resulta da lesão aos direitos da personalidade ou de sua dignidade. Outro ponto importante é que a súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça prevê acumulação das indenizações por dano moral e dano material oriundos do mesmo fato.
Neste mesmo viés, vale destacar a perda de uma chance, considerada uma modalidade autônoma de dano, que se origina pela subtração em obter futuramente um benefício ou de evitar um prejuízo.
Ressalte-se que não necessariamente a chance futura a ser reparável precisa ser de cunho patrimonial, pois o objetivo é reparar a perda de uma oportunidade. Essa teoria é aplicada no Direito de Família conforme expõe Farias (IBDFAM, 2016, p.9):
Efetivamente, no campo das relações afetivas e patrimoniais de família é possível a prática de determinadas condutas, comissivas ou omissivas, que impliquem em subtrair de alguém oportunidades futuras concretas de obter situações favoráveis de conteúdo econômico, ou não – o que viabiliza o reconhecimento da perda de uma chance.
Dessa forma, para aplicação da perda de uma chance deve ser verificada a ocorrência de um ato ilícito, que particularmente no caso de abandono afetivo inverso, pode ser comprovada pela falta de convivência do filho com o pai, necessária para o bem estar e dignidade da pessoa idosa, o que pode resultar futuramente danos à saúde e psíquicos.
Já o nexo de causalidade se origina na responsabilidade subjetiva pela ligação entre a culpa e o dano, uma vez que “o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível” (DINIZ, 2007, p.107). Na responsabilidade objetiva, o nexo é formado pela conduta em detrimento da atividade de risco ou pela responsabilização sem culpa. Assim tudo que concorrer para a produção do dano será considerada causa.
Dessa forma, a responsabilidade civil está associada à ideia de atribuição das consequências danosas da conduta do agente. Para isso, faz necessária a existência do dano que consequentemente gerará o direito de indenizar por meio de uma conduta omissiva ou comissiva do agente.
4 O ESTATUTO DO IDOSO (LEI Nº 10.741/2003) E DEMAIS DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO AO IDOSO
Com o advento da sociedade e a necessidade de se criar dispositivos de proteção para as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos de idade, o poder público juntamente com as famílias e a sociedade vem estabelecendo medidas sócio protetivas em face da melhoria de vida dessas pessoas.
Dessa forma são estabelecidas políticas de proteção ao idoso que são normas de aplicação imediata, ou seja, os direitos dos idosos possuem caráter personalíssimo com garantia constitucional e na lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
4.1 Lei 10.741/2003 e a Constituição
Foi a partir da Carta Magna, que surgiram diversas leis garantidoras dos direitos dos idosos. A primeira foi a Lei nº 8.842/94, conhecida como a Política Nacional do Idoso, que tratou de assegurar os direitos sociais, promovendo sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Essa lei reflete um novo olhar para as pessoas idosas necessitadas de cuidados, proteção e respeito.
É importante frisar que envelhecer é um fator natural da vida, e que todos irão passar por este processo. O que se busca é garantir que na velhice, a qualidade de vida seja adequada a propiciar a dignidade e conforto. Estes serão garantidos mediante esforços do poder público juntamente com a população, que muitas das vezes infligem as normas de proteção destinadas as pessoas de idade.
Mediante a necessidade de regulamentar mais os direitos dos idosos foi criada a lei 10.741/2003 conhecida como o Estatuto do Idoso, sancionada pelo Presidente da República em 1º de outubro de 2003, tomando como diretrizes as mesmas regras da Política Nacional do Idoso, com garantia de cumprimento das normas por meio de fiscalização e sanção. Na definição trazida por DIAS (2015, p.654) o Estatuto do Idoso é considerado um “microssistema e tem o mérito de reconhecer as necessidades especiais dos mais velhos, estipulando obrigações ao Estado”.
Do mesmo modo como existem tutelas como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que protege os direitos das crianças, existem aqueles destinados aos idosos. E logo no art. 3º do Estatuto do Idoso, tem-se que:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2003)
Na mesma Linha, o art. 4º do Estatuto do Idoso traz a seguinte proteção: “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. Infelizmente existem inúmeros relatos de maus tratos aos idosos, alguns chegam ao conhecimento das autoridades e outros ficam impunes.
A Constituição Federal de 1988 além de trazer no art. 1º, III, o fundamento da dignidade da pessoa humana trouxe como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o compromisso de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A preocupação do legislador em fornecer maior amparo aos idosos inseriu no art. 229 do mesmo diploma legal, o princípio da solidariedade, no qual estabelece que os pais têm o dever de criar e educar os seus filhos, e os filhos têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. No art. 230 estabelece que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
É notório que a Constituição garantiu vários direitos aos idosos, entretanto, é necessário salientar que o direito à vida vai além do direito de viver, pois abarca o direito de envelhecer com dignidade, proteção e respeito.
No tocante a liberdade, cabe ao Estado, à família e a sociedade providenciá-la de modo que o idoso receba as prestações previdenciárias e assistenciais necessárias para a sua sobrevivência. Em razão disso, é garantido aos idosos um salário mínimo de benefício mensal, quando comprovarem que não têm condições de prover o seu próprio sustento. Também, é garantido aos que possuírem mais de 65 anos, o direito ao transporte público gratuito. Quanto ao direito a igualdade e a cidadania, os idosos possuem os mesmos direitos dos que vivem em sociedade, inclusive quanto à atuação na política pública.
A Constituição Federal trouxe em seu art. 230, § 1º o direito do idoso de ser acolhido em seu próprio lar, assegurando-lhe o direito à moradia digna (art. 37 do Estatuto do Idoso).
Pelo princípio da proteção integral, a família possui obrigação de garantir e prover os direitos dos idosos, de forma que é resguardada a todos os parentes a legitimidade de defesa e representação em juízo.
Com base na solidariedade familiar, o direito de receber alimentos dos filhos foi disciplinado pelo art. 1.696 do Código Civil de 2002, que dispõe: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Na falta de parentes próximos, a obrigação alimentar será imposta ao Estado por meio da assistência social, e para aqueles idosos que possuam acima de 65 anos, sem condições de arcar com a própria subsistência, fará jus a receber o valor de um salário mínimo mensal.
Os idosos possuem prioridade na tramitação dos processos e direito de demandar no foro do seu domicílio. Além dessa garantia, os idosos contam também com a reserva de 3% das unidades habitacionais para moradia própria, com acessibilidade para locomoção (art. 38, I, lei 10.741/03).
A lei garante reserva nas empresas de transporte público de 10% dos assentos para as pessoas idosas, assim como o direito a 5% das vagas nos estacionamentos públicos ou privados.
O art. 98 do Estatuto do Idoso estabelece como crime sujeito a pena de detenção, aqueles que vierem a “abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”. Incorre nas mesmas sanções aqueles que praticarem violência contra os idosos sejam em locais públicos ou privados, bem como ofertar prática discriminatória de impedi-los ou dificultando o acesso aos meios de transporte, nas agências bancárias, ao exercício de cidadania.
Torna-se importante salientar que é a através da Constituição Federal, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, que a família recebe um papel importante na proteção dos direitos dos idosos, pois resta configurado o papel essencial ligado à proteção, afetividade, respeito, alimentação, moradia, dentre outros.
5 ABANDONO AFETIVO
A correria do dia a dia faz com que inúmeras famílias vivam em um colapso de tempo. A visão de união que antigamente se tinha, sobretudo em um mesmo espaço físico, hoje dá lugar à relações marcadas pela falta de tempo compartilhado entre esses membros. Os pais trabalham o dia inteiro para trazer sustento e conforto para seus familiares e, em razão disso, saem de casa muito cedo e chegam muito tarde, o que se permite concluir que muito pouco se estabelece diálogo entre eles.
E os filhos como ficam nessa história? Sim, eles têm de tudo, desde a roupa mais cara até o último lançamento do brinquedo favorito! Não lhes faltam bens materiais, falta sim, o que mais uma criança necessita para a sua formação, o afeto aliado à atenção, deixaram os pais de oferecer.
Se o atual modelo de vida faz com que a sociedade aja assim com as crianças, como está sendo com os idosos? Estes passaram por tudo na vida e chegaram a um estado no qual se requer carinho, atenção, cuidado e proteção. Mas onde estão os filhos? Talvez ocupados, cada um cuidando de sua vida, fez com que, se não esqueceram, passaram a não ter tempo e a não conviverem com seus pais, ou pior, romperam totalmente o contato com estes.
O sentimento de abandono, de incapacidade e de tristeza é gerado nessas pessoas, mas o que pode vir a ser feito? Houve dano? Cabe responsabilidade civil pelo abandono afetivo?
Para responder as perguntas, faz necessário analisar o instituto do abandono afetivo, bem como conhecer posicionamentos de Tribunais e doutrinadores sobre o tema.
5.1 Origem do instituto e sua evolução na legislação brasileira
A evolução familiar propiciou que os seus membros criassem elos de afetos pautados na solidariedade e respeito mútuos. Verifica-se hoje, que tanto nas relações conjugais como o casamento, monogamia, poligamia, poliamor e uniões homoafetivas, assim como nas relações de parentalidade: filiação biológica, adotiva ou estado de filho, que a afetividade tornou-se elemento estrutural para a condição de existência desses vínculos.
O direito de família vem sofrendo significativas modificações no que diz respeito à proteção de diversas entidades familiares, antes esquecidas juridicamente, mas que vem alcançando proteção do Estado. Dentre essas mudanças, ressalta-se que a família deixou de ser reconhecida como uma instituição política e religiosa, passando a ser avistada no campo afetivo.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi estabelecido igualdade entre o homem e a mulher, sendo que as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direitos, tendo elas oportunidades para desenvolverem no campo físico, mental, moral e social. Após essas evoluções, o direito de família passou a ser reconhecido como Direito de Família Constitucional.
Dessa forma, o afeto é responsável por impulsionar as relações familiares, possuindo o papel importante para a existência humana, uma vez que se tornou fundamento importante nos litígios que envolvem família. Lira (2016, p.7), vice-presidente do IBDFAM, esclarece que:
A afetividade que gera efeitos jurídicos não é aquela vista apenas como valor psicológico ou social, mas sim a que invade a ciência jurídica, transcendendo aos aspectos exclusivamente psicológicos e sociológicos; como o ‘respeito e consideração mútuos’ (art. 1.566,V) e ‘lealdade e respeito’ (art. 1.724), o afeto e a tolerância são incorporados como valores jurídicos no âmbito das relações familiares.
O afeto recebe valor jurídico a partir do momento que é tratado na sua forma objetiva e não pela razão de seu aspecto subjetivo ou emocional. Para Lira (2016, p. 7), o afeto objetivo é considerado aquele em que se pode:
[...] mensurar juridicamente, é o que está relacionado com solidariedade, respeito, assistência, cuidado, responsabilidade e convivência, é, portanto, um dever recíproco entre os integrantes de um grupo familiar, conferido e imposto a todos, de acordo com o papel que cada um ocupa na entidade.
A partir do momento em que se estabelece a relação filiatória, nasce à obrigatoriedade dos pais arcarem com o sustento, a educação e a assistência moral e material dos filhos, conforme o art. 229 da Constituição Federal.
Mas a realidade nem sempre foi essa, existem pais que burlam o dever legalmente imposto, seja por ato irresponsável ou por desconhecer o significado do vínculo paterno-filial, o que acarreta o surgimento do que a doutrina determina como sendo o abandono afetivo.
Trata-se de uma questão polêmica que acende várias discussões sobre o assunto, pois doutrinas e jurisprudências divergem quanto à aplicabilidade de indenização pelo abandono afetivo.
5.2 Conceito e Características
A paternidade não é mais um conjunto de competência atribuída aos pais, pois passou ao interesse de atender ao melhor interesse do filho. Sendo assim, é ausente o pai ou a mãe que acredita que somente o sustento material é o suficiente para a criação de filhos. (PEREIRA, 2016, p. 3).
Vale ressaltar que pode acontecer de pais e filho não terem afeto uns com o outro, mas prevalece nessa relação o dever de assistência, cuidado e todo suporte necessário para a manutenção da vida.
Estudos revelam que o contexto familiar na qual a criança está inserida é fator fundamental para o seu desenvolvimento e formação. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever (DIAS, 2015). A falta deste convívio podem gerar sentimentos de dor e abandono, resultando em uma vida repleta de carências e traumas.
O abandono afetivo acontece quando se rompe esse dever de cuidado estabelecido constitucionalmente, ruptura que pode acontecer devido à falta de assistência moral e afetiva, ou até mesmo pelo inadimplemento das obrigações de cuidar, educar e de se fazer presente no cotidiano.
Diante disso, entende-se que é gerado o direito a reparação civil, pois a relação afetiva, uma vez não cumprida gera danos irreparáveis, sujeitos a indenização. Tal comprovação, não impõe um valor econômico ao amor, mas reconhece que o afeto é um bem de valor, cuja falta gera danos psicológicos.
No Brasil, tramita o Projeto de Lei no Senado Federal nº 700/2007 de autoria do senador, Marcelo Crivella, que visa tornar como crime o abandono afetivo dos pais em relação aos filhos, com alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente. No texto do projeto de lei, a conduta ilícita que ofenda direitos fundamentais da criança e do adolescente, inclusive em casos de abandono afetivo, está sujeita à reparação, além do dever dos pais em dar sustento, educação, convivência, guarda, assistência material e afetiva.
Outro Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados de nº 4.294/2008 de autoria do Deputado Carlos Bezerra, visa acrescentar parágrafo no art. 1.632 do Código Civil e ao art. 3º do Estatuto do Idoso, estabelecendo indenização por abandono afetivo. Na justificativa do projeto tem-se que:
O envolvimento familiar não pode ser mais apenas pautado em um parâmetro patrimonialista-individualista. Deve abranger também questões éticas que habitam, ou ao menos deveriam habitar, o consciente e inconsciente de todo ser humano.
Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação de auxílio material.
No caso dos filhos menores, o trauma decorrente do abandono afetivo parental implica marcas profundas no comportamento da criança.
[...] No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em eficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. (BEZERRA, 2008)
Sendo esses projetos de leis aprovados, será uma grande conquista para proteger os direitos das crianças e adolescentes, assim como também das pessoas idosas que também se encontram vulneráveis na questão do afeto.
5.3 Jurisprudência
Sobre a ótica que no Brasil é aceito a responsabilidade civil nas relações familiares, muito se diverge os estudiosos e aplicadores, sobre a possibilidade de se indenizar o abandono afetivo. Muito embora se saiba que não se pode obrigar ninguém a amar o outro, a questão vem sendo levantada cada vez mais pelos diversos tribunais do País.
Em 2004, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou o pai a pagar o valor de 200 salários mínimos em virtude do filho ter entrado com ação por danos morais, alegando abandono afetivo por parte do pai que se afastou definitivamente após a separação da sua mãe e nascimento da sua irmã fruto de outro relacionamento, eis a decisão reformada pelo Superior Tribunal de Justiça:
A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 (atual art. 186 do Código Civil de 2002) o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária (STJ, AC. 4a T., REsp. 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29.11.2005, DJU 27.3.2006).
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. I. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que ‘a indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária’ (REsp. 757.411/MG, 4a Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005). II. Recurso especial não conhecido (BRASIL, STJ, 2009).
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 567.164/MG manteve a mesma posição do Superior Tribunal de Justiça, negando indenização por abandono afetivo. Na referida ação, foi citado que a perda do poder familiar por abandono de guarda dos filhos possui punição específica que não seja através da indenização pecuniária.
Em 2012, na mesma vertente, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, da 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, teve entendimento diverso ao reconhecer que é devido indenização por abandono afetivo:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal,
exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido (BRASIL, STJ, 2012)
Nesta decisão, a Ministra Nancy Andrighi sustentou a tese que amar é faculdade, cuidar é dever, sob o seguinte argumento: “Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.” (ANDRIGHI, 2012)
Por outro lado, Farias; Rosenvald (2015, p.556) mantiveram posição contrária da Ministra, pois acreditam que é injustificável resolver a questão do afeto pela via de compensação monetária.
Nesta seara, existe divergência entre os doutrinadores quanto à possibilidade de ser cabível a aplicação da ilicitude no direito de família.
Em outra margem, Dias (2015, p.98) defende a ideia de que o abandono afetivo pode gerar obrigação indenizatória, pois o mesmo encontra respaldo legal (CC 952, parágrafo único), uma vez que atinge o sentimento de estima frente determinado bem.
Diante de tantos apontamentos favoráveis e desfavoráveis em relação ao direito de receber indenização pelo abandono afetivo, resta aguardar que os Tribunais Superiores pacifiquem entendimento quanto à matéria.
6 DA POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO INVERSO
Atualmente o Brasil possui em torno de 25 milhões de pessoas com idade acima de 60 anos, sendo o Rio de Janeiro, o Estado brasileiro, que concentra o maior número de idosos, aproximadamente 2,42 milhões, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em razão da melhoria de vida das pessoas, aliadas a mudanças sociais, a expectativa é que a população idosa no Brasil chegue a 41 milhões de pessoas até 2030, podendo chegar a 68,1 milhões de pessoas com 60 anos de idade em 2050.
Diante desse aumento da expectativa de vida, o Brasil se tornou um País popularmente idoso, e com isso surgiram consequências quanto ao cuidado e afeto que essas pessoas de idade merecem, pois são vistas e tratadas como doentes, incapazes e inúteis na maioria das vezes. Essa discriminação se origina em grande parte dentro da própria família e na sociedade cuja maior preocupação é voltada para a juventude.
Neste viés, milhares de denúncias são realizadas pela violação dos direitos da pessoa idosa. De acordo com os dados do Disque 100, mais de 68% das violações (cerca de 77 mil no total em um período de três anos) estão relacionadas a negligência e violência psicológica (59,3%), sendo mais de 50% dos infratores os próprios filhos.
Os casos mais frequentes de violação desses direitos estão relacionados ao abandono familiar, sendo o mais comum aqueles em que os filhos deixam os seus pais em asilos ou casas de saúde e não os visitam e nem se preocupam mais com o bem-estar. Essa atitude por parte dos filhos acontece quando os pais apresentam dificuldades em falar, se locomover, de comer, por aparecimento de doenças ou perda da vitalidade, o que pode resultar em abandono dessas pessoas.
O idoso que vive longe de sua família costuma apresentar sintomas de ansiedade, seja porque está morando em asilo (lugar desconhecido) ou porque está morando sozinho em casa, ambas opções despertam o sentimento de angústia e saudade.
O abandono traz consequências irreparáveis na vida dos idosos, seja no campo psíquico, afetivo ou moral. Leva ao sofrimento, contribui para o surgimento ou agravamento de doenças, e em casos mais graves pode resultar em morte.
Por sua vez, a China é considerada o País com maior índice de envelhecimento do mundo. E para amenizar os problemas do abandono do idoso, foi criada no ano de 2013, a lei que pune com cadeia os filhos que não visitam os pais idosos.
No Brasil, existe a carência de realização de projetos que aproximem a população e a família do idoso ao conhecimento das necessidades e direitos dessas pessoas, bem como a forma de prevenção e remediação dos abusos e agressões. Para PEREIRA (2016), Presidente do IBDFAM, o maior desafio, hoje, é:
Garantir um envelhecimento com dignidade e autonomia, de modo que é essencial que os programas criados tenham por norte o bem-estar do idoso e a manutenção de sua capacidade criativa e relacional, possibilitando a sua integração total no seio da sociedade. (PEREIRA, 2016, p.2)
Dessa forma, quando se rompe o afeto dos filhos com os pais, surge o que se denomina abandono afetivo inverso. Nesse sentido, Alves (IBDFAM, 2013) desembargador, entende que:
[...] abandono afetivo inverso a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família.
A expressão “inverso” é justamente colocada pela relação estabelecida na relação paterno-filial, no qual se extrai pelo art. 229 da Constituição federal o dever de solidariedade, que consubstancia os filhos maiores de ajudar e ampararem seus pais na velhice, bem como na carência e enfermidade.
O abandono afetivo inverso torna-se um problema jurídico, na medida em que o seu objeto central está na ideia de se abandonar afetivamente o pai ou mãe. A própria Constituição Federal estabelece no art. 230 o dever da família, da sociedade e do Estado de ampararem as pessoas idosas, com isso não há dúvida que são deveres dos filhos a prestação do auxílio material.
Comumente essa prestação material não é suficiente para garantir que as pessoas mais velhas sejam tratadas com carinho e respeito. Por mais que os filhos cumpram a obrigação de sustento dos pais, é impossível garantir que tenham uma convivência baseada no companheirismo, amizade e afeto. É nessa perspectiva que o abandono afetivo se torna mais grave que o abandono material, pois este pode ser suprido por qualquer pessoa ou até mesmo pelo Estado por meio dos seus programas sociais, já o carinho uma vez negado torna-se insubstituível.
Nesta seara surge a hipótese de indenização pelo abandono afetivo inverso, cuja ideia de reparação está atrelada a compensação dos danos extrapatrimoniais, ocasionados pela ruptura da assistência moral e afetiva. A reparação pode amenizar a sensação de dano, mas não apagará aquele construído e estabelecido durante anos.
É sabido que ninguém está obrigado a amar ninguém, pois o amor é um sentimento voluntário e sem escolhas. Entretanto, o dever de cuidado que a lei estabelece pode ser imposto por meio de sanções cíveis e penais.
Agora os papéis estão invertidos, quando o filho era criança o pai o ensinou a andar, a falar, deu-lhe banho e comida e muitas vezes participou das brincadeiras infantis. Hoje com o filho crescido e o pai com uma idade avançada, este necessita da atenção do filho para ouvi-lo com paciência, ajudá-lo a caminhar e a se higienizar.
O art. 2º do Estatuto do Idoso confere aos idosos:
[...] todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2003)
Desta feita, a lei assegura a responsabilização civil para aqueles que infringem os direitos dos idosos. Para Pereira (2016), a omissão no dever de cuidado dos filhos em relação aos pais idosos também constitui ilícito civil, gerando o dever de indenizar.
Assim, nasce um novo instituto denominado abandono afetivo inverso, no qual possibilita os idosos de receberem indenização dos seus filhos pelo abandono afetivo sofrido.
6.1 Responsabilidade civil no âmbito familiar
A questão central do tema, qual seja, a possibilidade de indenização pelo abandono afetivo inverso, gira em torno de uma análise sobre amor, dever e cuidado, bem como acerca de um possível caráter pedagógico da indenização.
A Teoria do desamor foi suscitada pela primeira vez pela Jurista Gisela Maria Fernandes Moraes, que defende a ideia de responsabilizar o pai que não amparou afetivamente o seu filho, mesmo dando-lhe toda a assistência material necessária para sua sobrevivência. Neste escopo, por haver semelhança de casos, essa teoria pode ser aplicada no abandono afetivo inverso, pois cada vez mais Tribunais têm reconhecido a necessidade de se tutelar a afetividade familiar em todos os graus de relação.
A responsabilidade civil sempre esteve atrelada ao direito obrigacional e nos contratos. Em razão de possuir caráter negocial, tal instituto começou a fazer parte da seara familiar a partir das mudanças sofridas no direito de família.
É sabido que o princípio da solidariedade familiar gira em torno da relação entre pais e filhos. E a grande discussão sobre a responsabilidade civil no direito de família está sobre o abandono afetivo e uma possível indenização pela ruptura desse laço de afeto. Assim inúmeras jurisprudências negavam a admissibilidade de indenização por dano moral, ou somente admitiam nos casos com reflexos pecuniários. Com o tempo isso foi mudando, e passou-se a admitir o dano moral puro, devido ao reconhecimento da necessidade de tutelar aquela espécie de direito.
É importante ressaltar que a responsabilidade civil no direito de família está associada no aspecto preventivo e educador que tal sanção pode apresentar no comportamento individual, além de tentar amenizar o sofrimento dos que sofrem desamor por parte dos parentes.
Em contrapartida para que seja aplicada a responsabilidade civil no âmbito familiar, é necessária a presença dos elementos caracterizadores, tais como: ação ou omissão, nexo de causalidade e dano.
A ação ou omissão está ligada na conduta de desamparo dos filhos com os pais. O nexo de causalidade se faz presente em virtude da verificação da relação familiar existente, seja por laços sanguíneos ou sócioafetivos. O dano, por sua vez, pode ser comprovado através de depoimentos de testemunhas, estudo social ou laudos psicológicos e psiquiátricos.
Deste modo, o dano moral pode ser configurado quando for atingidos a honra, a imagem, a intimidade e o sentimento. No caso dos idosos, qualquer indiferença recebida por parte da família fere a dignidade e a personalidade, resultando em aborrecimentos e tristezas. Sendo assim, ao se negar o direito a indenização, gera a contribuição para que estes atos continuem a acontecer, de modo a violar gradativamente a dignidade humana.
Por outro lado, Farias; Rosenvald (2015, p. 129) possuem entendimento diverso sobre a possibilidade de indenização por dano moral nas relações afetivas:
Afeto, carinho, amor, atenção... são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica. Reconhecer a indenizabilidade decorrente da negativa de afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui tal característica econômica. Seria subverter a evolução natural da ciência jurídica, retrocedendo a um período em que o ter valia mais do que o ser.
O objetivo da aplicação da responsabilidade civil no direito de família foge da ideia de patrimonializar as relações familiares e de impor um valor ao afeto, mas possibilitar que seja um conforto para aqueles que não possuem a oportunidade de ter uma convivência baseada na felicidade com sua família.
Neste viés, a indenização pelo dano moral decorrente do abandono afetivo não seria baseada na condenação do filho pela falta de amor, mas sim pelas suas atitudes que provocaram algum dano moral ou psíquico. Ressalte-se que ninguém é obrigado a amar os pais, por mais estranho que possa parecer, mas é obrigado a fornecer toda assistência que os pais careçam.
A problemática que surge e que faz ocorrer divergências entre Doutrinadores e Tribunais está no condão de identificar a presença dos pressupostos da responsabilidade civil e sua ligação com a ilicitude da conduta do agente, outro ponto seria o quantum debeatur das indenizações.
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça negou ação de indenização por abandono afetivo, pois não ficou comprovada a configuração do nexo causal entre o ato ilícito e o dano, eis a justificativa:
[...] 2. Considerando a complexidade dos temas que envolvem as relações familiares e que a configuração de dano moral em hipóteses de tal natureza é situação excepcionalíssima, que somente deve ser admitida em ocasião de efetivo excesso nas relações familiares, recomenda-se uma análise responsável e prudente pelo magistrado dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, principalmente no caso de alegação de abandono afetivo de filho, fazendo-se necessário examinar as circunstâncias do caso concreto, a fim de se verificar se houve a quebra do dever jurídico de convivência familiar, de modo a evitar que o Poder Judiciário seja transformado numa indústria indenizatória.
3. Para que se configure a responsabilidade civil, no caso, subjetiva, deve ficar devidamente comprovada a conduta omissiva ou comissiva do pai em relação ao dever jurídico de convivência com o filho (ato ilícito), o trauma psicológico sofrido (dano a personalidade), e, sobretudo, o nexo causal entre o ato ilícito e o dano, nos termos do art. 186 do CC/2002. Considerando a dificuldade de se visualizar a forma como se caracteriza o ato ilícito passível de indenização, notadamente na hipótese de abandono afetivo, todos os elementos devem estar claro e conectados.
4. Os elementos e as peculiaridades dos autos indicam que o Tribunal a quo decidiu com prudência e razoabilidade quando adotou um critério para afastar a responsabilidade por abandono afetivo, qual seja, o de que o descumprimento do dever de cuidado somente ocorre
se houver um descaso, uma rejeição ou um desprezo total pela pessoa da filha por parte do genitor, o que absolutamente não ocorreu.
5. A ausência do indispensável estudo psicossocial para se estabelecer não só a existência do dano mas a sua causa, dificulta, sobremaneira, a configuração do nexo causal. Este elemento da responsabilidade civil, no caso, não ficou configurado porque não houve comprovação de que a conduta atribuída ao recorrido foi a que necessariamente causou o alegado dano à recorrente. Adoção da teoria do dano direto e imediato.
6. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes legais e regimentais, pois além de indicar o dispositivo legal e transcrever os julgados apontados como paradigmas, cabia ao recorrente realizar o cotejo analítico, demonstrando-se a identidade das situações fáticas e a interpretação diversa dada ao mesmo dispositivo legal, o que não ocorreu.
7. Recurso especial não provido. (BRASIL, STJ, 2015).
Não a que se negar que o tema Responsabilidade Civil por abandono afetivo é um tema recente e que gera grandes debates, restando aguardar que o judiciário uniformize o entendimento sobre a matéria, cabendo aos doutrinadores e operadores de direito um aprofundamento sobre o tema a fim de resguardar os direitos dos idosos na construção de uma sociedade que realmente valorize a dignidade do ser humano.
7 CONSIDERAÇOES FINAIS
O Estatuto do Idoso, a Política Nacional do Idoso e os dispositivos constitucionais são instrumentos de proteção para resguardar a dignidade da pessoa humana e efetivar os direitos fundamentais. Com o aumento da expectativa de vida e o grande número de idosos que vivem no Brasil, faz necessário reforçar essas políticas de proteção ao idoso, para que amenize possíveis desigualdades de direitos.
Neste sentido, aumenta-se a discussão sobre a possibilidade de indenizar pelo abandono afetivo inverso, o que gera divergências de entendimento tanto entre doutrinadores quanto nos Tribunais. A grande parte entende que não se deve indenizar pela simples falta de afeto, uma vez que ninguém é obrigado amar ninguém. Por outro lado, a minoria (mesmo que crescente) revela um sentimento de justiça ao requerer a reparação pelo não cumprimento do dever de cuidado, o que pode vir a gerar danos à saúde ou psíquicos.
Para que se configure a Responsabilidade Civil no âmbito familiar, é preciso haver o ato ilícito derivado de uma conduta omissiva, negligente ou imperita aliados ao nexo causal. Assim, ao se considerar o dever dos filhos em zelar pelos pais, não é preciso demonstrar a presença da culpa, uma vez que se torna objetiva e faz com que esteja caracterizada na própria conduta.
Neste viés, os princípios da afetividade, da solidariedade familiar e o modelo de proteção integral fornecem amparo aos idosos para que busquem junto ao Judiciário o direito a indenização pelo danos sofridos pelo abandono afetivo de seus filhos, que por sua vez, resulta violação a integridade física e moral, a imagem e a intimidade, e nos piores casos pode gerar a morte.
Desta forma, a responsabilidade civil fica configurada com a possibilidade de requerer danos morais com o objetivo de amenizar o dano sofrido pelos pais idosos. A questão não é quantificar o amor, até porque este não tem preço, mas sim servir de alerta para que outros casos não voltem a acontecer, tendo verdadeiro cunho pedagógico.
Assim sendo, a questão de indenizar por abandono afetivo inverso é polêmica, pois gera diversos apontamentos. O intuito deste trabalho não foi esgotar o tema, mas discutir sobre o mesmo e demonstrar que, mesmo diante de divergências ainda existentes, é sim possível que os idosos venham a ser indenizados caso sofram pelo abandono afetivo.
Provavelmente, os Tribunais futuramente irão pacificar o entendimento. Enquanto isso se espera que seja estabelecida conscientização junto a sociedade e a família, para que indiferente dos dispositivos normativos e entendimentos que venham futuramente a prevalecer, sejam sempre os idosos tratados com a maior dignidade possível.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988
________ Lei nº 8.842 de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 de janeiro de 1994.
________ Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. 10 de janeiro de 2002.
________ Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União. 1º de outubro de 2003.
________ Superior Tribunal de Justiça. REsp. 757.411/MG. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%22FERNANDO+GON%C7ALVES%22%29.min.&processo=757411&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 15 de set. 2016
________ Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.159.242/SP (2009/0193701-9). Rel. Ministra Nancy Andrighi. Segunda Seção, julg. 24.04.2012. Disponível em: <www.stj.jus.br/>. Acesso em: 7 set. 2016.
________ Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1557978/DF. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=abandono+afetivo&data=%40DTDE+%3E%3D+20151103&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=5. Acesso em: 15 set. 2016
________ Supremo Tribunal Federal. Abandono Afetivo. RE 567164 ED/ MG – Minas Gerais. Relatora: Ministra Ellen Gracie, 18 agos. 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28abandono+afetivo%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ln5pjsh. Acesso em 03 mar. 2016.
CRIVELLA, Marcelo. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 700/2007. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/83516. Acesso em 08 set. 2016.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílas. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
DINIZ, MARIA HELENA. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007
FARIAS, C.C de; ROSENVALD, N. Curso de Direito Civil: Famílias. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, v. 6, 2015.
FARIAS, Cristiano Chaves de. A perda de uma chance. Revista IBDFAM: Abandono afetivo a parentalidade e o desamor, Minas Gerais, ed. 26, abr./maio 2016.
FIGUEIREDO, L; FIGUEIREDO, R. Sinopse de Direito Civil: Famílias e Sucessões. 2. ed, Bahia: Editora JusPODIVM, 2015.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, v.4, 2009.
IBDFAM. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 29 fev. 2016.
JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Bahia: Editora JusPODIVM, 2012.
LIRA, Wlademir Paes de. Afeto como valor jurídico. Revista IBDFAM: Abandono afetivo a parentalidade e o desamor, Minas Gerais, ed. 26, abr./maio 2016.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. O alimento imprescindível para a alma é o amor, o afeto. Revista IBDFAM: Abandono afetivo a parentalidade e o desamor, Minas Gerais, ed. 26, abr./maio.2016.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. TJMG: Abandono afetivo e a responsabilidade civil, 2014. Disponível em: http://www.rodrigodacunha.adv.br/tjmg-abandono-afetivo-e-responsabilidade-civil/. Acesso em 31 mar. 2016.
PEREIRA, Tânia da Silva. Abandono afetivo inverso. Revista IBDFAM: Abandono afetivo a parentalidade e o desamor, Minas Gerais, ed. 26, abr./maio 2016.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CYRIACO, Fernanda Cristina. Da possibilidade de indenização por abandono afetivo inverso: responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52594/da-possibilidade-de-indenizacao-por-abandono-afetivo-inverso-responsabilidade-civil-dos-filhos-em-relacao-aos-pais-idosos. Acesso em: 28 out 2024.
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: Tomas Guillermo Polo
Por: Luciano Batista Enes
Por: LUCAS DA SILVA PEDRO
Precisa estar logado para fazer comentários.