RESUMO: O presente artigo pretende discutir a importância do benefício do auxílio reclusão para que os processos de desenvolvimento atinjam seus objetivos e tornem-se eficaz e relevantes, bem como o longo caminho para a consolidação do auxílio reclusão como política pública com a finalidade de suprir as carências básicas dos dependentes do encarcerado, e, ainda, possibilitar a compreensão de seus objetivos e seu alcance, desmistificando a sua incidência. Além do mais, discute-se a importância da intervenção e da participação da sociedade para a Proposta de Emenda a Constituição número 304/13, que pretende o fim do auxílio reclusão e a criação de benefício para a vítima de crime e seus dependentes, diante dos resultados da pesquisa de opinião dos internautas formulada pela Câmara de Deputados.
Palavras chave: Auxílio Reclusão; Desenvolvimento; Encarcerado; Esfera Pública.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. O LONGO CAMINHO ATÉ A CONSOLIDAÇÃO DO AUXÍLIO RECLUSÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA. AUXÍLIO RECLUSÃO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA PARA A ELIMINAÇÃO DE CARÊNCIAS BÁSICAS. A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO PARA O FIM DO BENEFÍCIO AUXÍLIO RECLUSÃO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Segundo os ensinamentos do economista Sérgio Boisier (2010), as propostas de desenvolvimento, sejam elas nacional, regional ou local, tem como objetivo principal gerar condições para que os indivíduos alcancem o status de pessoa humana e, para que isso ocorra, é importante que este indivíduo possa alcançar dignidade, ou seja, supõe-se que inexistam carências básicas.
Partindo desse ensinamento, para que o desenvolvimento seja, de fato, relevante e eficaz, deve possibilitar a todos os indivíduos uma existência digna, com a eliminação de carências como alimentação, saúde e educação. Deverá proporcionar uma melhoria na qualidade de vida daqueles que pertencem a região em processo de desenvolvimento.
Numa leitura contrária, onde se constatem a existência de carências básicas, é possível afirmar que o desenvolvimento desta região tem-se mostrado ineficiente, uma vez que não alcança seu objetivo principal, de fazer com que todos se reconheçam como pessoas humanas, dotadas de dignidade, bem como não proporciona melhoria na qualidade de vida dos indivíduos diante das carências encontradas naquela sociedade.
Desta forma, para iniciar um estudo sobre situações que digam respeito ao desenvolvimento regional, é necessário entendê-lo não apenas por um viés estritamente econômico. O fator econômico é, sim, relevante quando estudando o desenvolvimento, mas não será o único viés responsável para que alcance seus objetivos.
Neste sentido, Dallabrida, na obra “Desenvolvimento Regional: por que algumas regiões se desenvolvem e outras não?” (2001, p.18) esclarece:
Primeiro é necessário distinguir crescimento econômico de desenvolvimento. Não existe concordância entre os autores. Uns até consideram crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento. No entanto, para um maior número de autores, o crescimento econômico é condição indispensável para o desenvolvimento, mesmo admitindo não ser condição suficiente.
Apresenta-se assim, de forma inequívoca que desenvolvimento não está limitado ao viés econômico. Por mais que uma região apareça desenvolvida economicamente, sem que haja bem estar da população, não se poderá falar em desenvolvimento regional, uma vez que este não terá alcançado seu objetivo de possibilitar a melhoria na qualidade de vida da população inserida naquela região em processo de desenvolvimento.
Siedenberg (2008), esclarecendo melhor a diferença entre desenvolvimento e crescimento econômico bem identifica que os locais são mais do que orçamentos e simples negócios, são mais que o viés econômico. Locais abrangem também pessoas, culturas, herança histórica, patrimônio físico e oportunidades. Assim, os locais são avaliados em todas as dimensões possíveis para que se possa afirmar que o processo de desenvolvimento atingiu seu objetivo inicial de proporcionar melhoria na qualidade de vida da população.
Ainda neste sentido, Dallabrida (2010, p.17) aponta que desenvolvimento pode ser entendido como:
(...) um processo de mudança estrutural, situado histórica e territorialmente, caracterizado pela dinamização socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida de sua população. Assim entendido, como processo, o desenvolvimento não se apresenta como um estágio a ser galgado, um modelo a ser seguido. Talvez seja até equivocado falar-se em regiões desenvolvidas e não desenvolvidas, ou subdesenvolvidas! Ou seja, seria mais adequado falar-se em regiões em processo de desenvolvimento, onde em algumas encontramos um maior dinamismo, com um projeto de futuro definido, construído coletivamente em todos os momentos de sua história, logo, com maior capacidade de proporcionar condições socioeconômicas qualificadas e uma boa qualidade de vida ao conjunto de sua população.
Dessa maneira, o desenvolvimento, embora possa ser constatado de forma objetiva, é, também, uma questão subjetiva e multissetorial, é antes de tudo, um estado, e não uma condição. Assim, a melhoria da qualidade de vida, com a eliminação das carências daqueles pertencentes a região em processo de desenvolvimento é um dos objetivos das propostas de desenvolvimento, além do progresso econômico.
Assim, no momento do encarceramento de um indivíduo, seus dependentes podem acabar privados das condições mínimas para a sobrevivência. Desta forma, o auxílio reclusão, destinado às famílias dos encarcerados contribuintes, tem como objetivo suprir as carências básicas dos dependentes, possibilitando existência digna, contribuindo para que o desenvolvimento alcance seu objetivo principal e torne-se eficaz.
Buscando analisar uma das políticas públicas que afetam os encarcerados e, especificamente a família deste, este estudo está pautado em revisão bibliográfica e análise da legislação, com o objetivo de compreender o que se denomina por Auxílio Reclusão. A escolha do objeto e a elaboração deste artigo se deu pelo fato de que existe pequena literatura abordando o tema, e, na medida em que tal temática demonstra-se relevante socialmente, torna-se ainda mais importante quando confrontado com os objetivos do desenvolvimento regional.
A busca por referências bibliográficas, bem como das leis que regem o auxílio reclusão ocorreu nos sites oficiais do governo, bem como na biblioteca particular desta pesquisadora e na biblioteca digital da Universidade do Contestado e, ainda, com a análise de textos estudados no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, campus Canoinhas.
O LONGO CAMINHO ATÉ A CONSOLIDAÇÃO DO AUXÍLIO RECLUSÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA
É preciso, antes de mais nada, enfrentar o fato de que a conquista do território brasileiro, por um povo com diferente estado de desenvolvimento e detentor de novas tecnologias, traz consigo a consequente dominação do povo que aqui habitava, bem como o seu extermínio, quando necessário. Este é o início da história brasileira.
Aliás, o termo “conquista” mostra-se mais apropriado, quando comparado com o termo “colonização”, correntemente utilizado na literatura. Isso se dá pela forma como ocorreu a conquista, um processo forçado de dominação do povo que habitava o território brasileiro.
Neste sentido, Marchant (apud CUNHA, 2012, p. 18)
Durante o primeiro meio século, os índios foram sobretudo parceiros comerciais dos europeus, trocando por foices, machados e facas o pau-brasil para tintura de tecidos e curiosidades exóticas como papagaios e macacos, em feitorias costeiras (...)
Assim, nos cinquenta anos iniciais da história do processo de colonização, os índios habitantes do território tornaram-se parceiros comerciais dos europeus aqui chegados. Após este período, ocorreu a dominação e exploração da mão de obra do povo indígena.
Com relação ao período colonial, este foi marcado pelo trabalho escravo, tanto nas atividades rurais quanto nas atividades urbanas (MARQUESE, 2006). A exploração dos negros vindos da África e, em seguida, a exploração do trabalho dos imigrantes, deixou para os dias atuais, como herança, o preconceito e a discriminação dos indivíduos de cor ou das classes mais pobres da população brasileira.
Quanto as propriedades de terra durante o Brasil Colônia, são traços marcantes o latifúndio, grandes propriedades, muitas vezes não exploradas de forma suficiente, bem como a existência de senhores proprietários de grandes somas (NOZOE, 2006).
Esta é a origem da atual concentração de terras e da desigualdade social ainda enfrentada, já que a questão social não estava presente no pensamento colonial e durante muito tempo na história do Brasil.
Com a abolição da escravatura, e a mudança no tratamento do trabalho daquele ex escravo, que agora não viveria mais em senzalas, mas teria que buscar alternativas, constituem-se as favelas (SILVA, 2012).
A preocupação com a questão social surge na Europa, somente no século XIX, com a emergência do sistema capitalista (PEREIRA, 2010), mas sua evolução lenta chega ao Brasil, principalmente, no início do século XX.
Durante a Primeira Guerra Mundial, nos anos de 1910, o Brasil sente a necessidade de produzir internamente seus produtos, uma vez que parte do mundo encontrava-se nas batalhas da Guerra corrente. Por este motivo, a indústria brasileira se desenvolve de forma rápida, e, como consequência, a população urbana aumenta, diante da oferta de empregos. Segundo Giannotti (2007), com o passar do tempo, a classe trabalhadora se forma mais politizada, dando início ao movimento operário, buscando e exigindo uma legislação social para a proteção da classe trabalhadora. No início, esta formação da classe trabalhadora que reivindica direitos era reprimida pela polícia, com o uso da força. Com o passar do tempo, o Estado cede às exigências, garantindo direitos aos trabalhadores.
Durante os anos de 1917, até 1920, o movimento dos trabalhadores se amplia de forma considerável, principalmente pela influência do jornal “A Plebe”, que dissemina informações sobre o movimento para toda a população. Diante da pressão exercida pelo movimento operário, em 1919 é criada a Lei de acidente de trabalho, através do Decreto nº 3.724 - de 15 de janeiro de 1919, que regulava as obrigações decorrentes dos acidentes de trabalho, prevendo indenizações aos acidentados.
Em 1922, no governo de Artur Bernardes, ocorreu uma forte repressão do movimento operário, mas em 1923, a Lei Eloi Chaves, criada pelo Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, cria a Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias. É uma das principais leis para a constituição futura da Previdência Social. Com Getúlio Vargas na presidência, em 1930, é instituído o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para a orientar e supervisionar a Previdência Social, decorrente da pressão exercida pelo movimento dos trabalhadores, aliada a política populista de Getúlio.
Mesmo durante a ditadura, as leis trabalhistas vem fortemente estabelecer direitos aos trabalhadores. Em 1943 é criada a Consolidação das Leis do Trabalho, a chamada CLT. Por ela, garante-se aos trabalhadores o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8 horas diárias, férias, descanso semanal remunerado, a previdência social à todos os trabalhadores e institui a regulamentação do trabalho do menor e da mulher.
É com a LBA, de 1942, com a atenção a criança e ao idoso, e ações comunitárias para geração de emprego e renda que se tem o sistema precursor da assistência social. Mas somente no ano de 1960, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social, é que são instituídos benefícios aos trabalhadores contribuintes.
Entre os benefícios dispostos na lei 3.807/60, está o auxílio reclusão, política pública do Estado, criada com o objetivo de garantir subsistência a família do segurado encarcerado. Tem como fundamento, desta forma, a necessidade de se amparar a família do segurado, que está privada da fonte de assistência, garantindo-lhes dignidade no momento em que preocupa-se com a eliminação da carências básicas dos dependentes.
AUXÍLIO RECLUSÃO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA PARA A ELIMINAÇÃO DE CARÊNCIAS BÁSICAS
Por políticas públicas, pode-se entender a linha de ação coletiva que concretiza direitos garantidos em lei, sejam eles dispostos na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional. Segundo Teixeira (2002), políticas públicas podem ser entendidas como:
Diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediação entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento) que orientam as ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos.
Dentro da categoria de políticas públicas, ainda buscando efetivar direitos dispostos na legislação, encontram-se as políticas sociais, que intervém nos desequilíbrios da distribuição em favor da acumulação e em detrimento da satisfação de necessidades básicas. Ou seja, intervém nos desequilíbrios oriundos da relação entre capital e trabalho.
Atuam como linha de ação coletiva que concretizam os direitos sociais que já foram declarados em lei, como aqueles trazidos pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, entre eles, educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, e exigem uma atuação positiva das instituições, principalmente do Estado, para que assim seja satisfeitas as necessidades sociais, principalmente nos mecanismos de distribuição e redistribuição de bens e serviços sociais, que decorrem das demandas da sociedade em sua relação de reciprocidade e antagonismos com o Estado.
Para entender a relevância do benefício do auxílio reclusão, enquanto política pública, necessário entender que crime nada mais é do que um fato humano que lesa bens ou interesses que a sociedade considera relevantes (CAPEZ, 2010). Esta lesão aos bens ou interesses é juridicamente tutelada com a ameaça de punição, com dois objetivos: a prevenção geral, como intimidação que se dirige aos membros da sociedade; e para prevenção especial, no sentido de retribuição do mal causado pelo agente que o cometeu, bem como para reeducá-lo (CAPEZ, 2010).
Em que pese a ameaça da pena, é recorrente a prática de crimes na sociedade e, ocorrendo um crime a ameaça da pena será pelo Estado efetivada, iniciando a fase de execução desta, com a reclusão do condenado, no regime determinado na sentença penal condenatória, que pode ser fechado, semi aberto, ou aberto.
Ocorrendo a prisão do segurado, seja antes ou depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, desde que em regime fechado ou semiaberto, é devido aos dependentes deste o auxílio reclusão. Este benefício foi disposto pela primeira vez na Lei Orgânica da Assistência Social, no seu artigo 22, inciso II, alínea “b”, como prestação assegurada pela previdência social em forma de benefício aos dependentes do segurado encarcerado.
Daí resulta a queda de um dos mitos sobre o auxílio reclusão. Não se trata de valor pago ao encarcerado pela sua privação de liberdade. É um benefício concedido aos dependentes deste, quando o segurado encontrar-se em situação de privação de liberdade.
Importante definir quem são os segurados da previdência social para que se saiba quem são os destinatários do benefício auxílio reclusão. Segundo o Ministério da Previdência Social[1], os segurados estão enquadrados em uma das categorias seguintes:
Empregado – Trabalhador com carteira assinada que presta serviços de natureza não eventual a empregador, mediante recebimento e salário.
Empregado doméstico – Trabalhador com carteira assinada, que presta serviço em residência de outra pessoa ou família, como cozinheira, governanta, jardineiro, caseiro etc., desde que a atividade não tenha fins lucrativos para o empregador.
Trabalhador avulso – Trabalhador que presta serviço a diversas empresas, sem vínculo de emprego, contratado por sindicatos ou órgãos gestores de mão-de-obra, como estivador, amarrador de embarcações e ensacador de cacau, entre outros.
Contribuinte individual – Pessoa que trabalha por conta própria, sem vínculo de emprego. Entre os contribuintes individuais, está o Empreendedor Individual – empresário ou empresária que tenha auferido receita de até R$ 60 mil (anual), optante do Simples
Nacional, que tenha até um empregado e não possua mais de um estabelecimento, nem participe de outra empresa como titular, sócio ou administrador. São exemplos: ambulante, cabeleireiro, manicure, esteticista, costureira, artesão, borracheiro, sapateiro, mecânico e diversos outros.
Segurado especial – Agricultor familiar e o pescador artesanal, que exercem atividade individualmente ou em regime de economia familiar.
Segurado facultativo – Pessoa maior de 16 anos de idade que não tem renda própria, mas contribui para a Previdência Social, como o estudante, a dona de casa, o síndico não remunerado etc[2].
Em resumo, somente se enquadra como segurado da previdência social, aquele que se encontra contribuindo para com a própria previdência social. Outro mito sobre o auxílio reclusão aqui é exposto: além de não ser pago diretamente ao encarcerado quando da sua privação de liberdade, o auxílio reclusão somente será devido para os dependentes do encarcerado que se encontre na qualidade de segurado da previdência social no momento em que ocorrer o encarceramento. Do contrário, seus dependentes não receberão qualquer benefício da previdência social para a subsistência.
Por dependentes do segurado, conforme o artigo 16 do Decreto 3048/99, entendem-se o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido, os pais, ou o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido. Nenhuma outra pessoa poderá receber o benefício, uma vez que trata-se de prestação com o objetivo de suprir carências básicas oriundas da privação de liberdade do segurado contribuinte da previdência social.
Ainda, outro requisito é essencial para o deferimento do benefício aqui tratado. Este somente será devido aos dependentes do segurado cujo salário-de-contribuição seja igual ou inferior a R$ 1.319,18 (um mil, trezentos e dezenove reais e dezoito centavos), conforme a Portaria MF nº 15 de 16 de janeiro de 2018. Desta forma, será devido o auxílio reclusão aos dependentes de segurado encarcerado de baixa renda, apenas.
Sabendo que a questão social constitui-se numa relação dialética entre as demandas advindas das manifestações da questão social, ou seja, de tudo aquilo que diz respeito a vida dos indivíduos, todas as suas necessidades, com as respostas do poder público, através de uma política pública, esta pode ser dividida em várias categorias, uma vez que trata-se do foco pelo qual se decide olhar a realidade.
A questão social deve ser vista como uma condição da sociedade de mercado e da ordem social burguesa estabelecida por consequência do sistema capitalista instituído, assim será possível entender as desigualdades, os antagonismos e as lutas das classes sociais para que todos os grupos adquiram força política (MONTAÑO, 2012).
Desta forma, pode-se dividi-la em desigualdade social, vulnerabilidade socioeconômica, política, ética, etc. Nesse contexto, é preciso considerar a vulnerabilidade, situação na qual o indivíduo estar à mercê da ação, marcado pela fragilidade perante as situações. Importante frisar que vulnerabilidade não diz respeito apenas a desigualdade econômica, mas, sim, a múltipla vulnerabilidade, uma vez que outras restrições sociais também são consideradas para esta caracterização (PADOIN; VIRGOLIN, 2010).
E desta forma pode ser encarada a situação da privação de liberdade de um indivíduo para os seus dependentes. O seio familiar encontra-se impossibilitado de ação diante da situação de encarceramento do provedor de suas necessidades básicas, e se vê desprovido de condições para prover a sua subsistência e garantir a própria dignidade.
Como dito, a existência de carências básicas, como alimentação, saúde, moradia vem de encontro aos objetivos de toda proposta de desenvolvimento, uma vez que não permite aos indivíduos reconhecimento do estado de pessoa humana, retirando-lhes a dignidade, impedindo que as propostas de desenvolvimento alcancem seus objetivos.
Assim, o benefício concedido pela previdência social, aos dependentes do segurado de baixa renda, privado de liberdade, em regime fechado ou semi aberto, contribui para que seus dependentes vejam supridas suas necessidades básicas, conferindo-lhes dignidade de tratamento, lançando-os ao status de pessoa humana.
A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO PARA O FIM DO BENEFÍCIO AUXÍLIO RECLUSÃO
É imprescindível, na discussão sobre a questão social, problematizar as vulnerabilidades, a justiça social, o papel do Estado no processo de constituição da igualdade e a responsabilidade pública na eliminação das vulnerabilidades. O que não pode ser diferente quando tratada a questão do benefício auxílio reclusão concedido aos dependentes do segurado que se encontre em situação de privação de liberdade.
A intervenção, que nada mais é do que uma prática sempre partida da reflexão sobre a realidade social, é necessária em todas as políticas públicas, inclusive nas políticas sociais e, para que isso ocorra, é necessária a interação com os movimentos sociais - ação histórica dos grupos -, constituindo-se de espaços não institucionalizados onde ocorre a ação coletiva, além do controle social por parte de toda a sociedade civil.
Assim, reside importância no conceito de esfera pública para a melhor compreensão das políticas públicas, principalmente das políticas sociais. Por esfera pública, então, pode-se entender um espaço comum de encontro dos membros da sociedade, da seguinte forma:
A esfera pública é um espaço comum em que, supostamente, os membros da sociedade se encontram através de uma variedade de meios – imprensa, electrónica e também encontros face a face – para discutirem assuntos de interesse comum e, deste modo, serem capazes de formar a seu respeito uma mente comum. (TAYLOR, 2010, p. 4)
A esfera pública é constituída por dois elementos essenciais: a visibilidade social, pela qual se faz necessária a publicidade das informações que orientam as decisões políticas nos espaços públicos, para que assim possam ser discutidas as políticas públicas e sociais e, ainda, o controle social, que exige participação da sociedade civil na pactuação das regras sociais, nas decisões e avaliação destas regras pactuadas.
A participação popular é importante dentro dos processos de ação e decisões, uma vez que estes processos criam e modificam as estruturas básicas da própria sociedade, como a infraestrutura econômica, na produção de bens e serviços; a superestrutura, ou seja, as instituições políticas responsáveis pela gestão; e as estruturas de distribuição do consumo.
Desta forma, a discussão sobre o benefício do auxílio reclusão se faz altamente necessária, pois tem impacto econômico e social. Esta discussão tem ocorrido nos últimos tempos. Como exemplo, a Câmara dos Deputados, pesquisando a opinião dos internautas sobre o possível fim do benefício auxílio reclusão e a consequente criação de benefício para as vítimas de crimes, elaborou enquete. Esta enquete, que conta com mais de um milhão de respostas e, deste total, 95% (noventa e cinco por cento) aprova o fim do auxílio reclusão para a criação de novo benefício voltado às vítimas de crimes, sugere a necessidade de saber o pensamento da população sobre Proposta de Emenda a Constituição – PEC 304/13, de autoria da deputada Antônia Lúcia (PSC-AC).
Esta Proposta de Emenda a Constituição, se aprovada, destinaria os recursos atuais do auxílio reclusão às vítimas de crimes, quando esta sobreviver, ou aos seus dependentes, em caso de morte. Ou seja, extinguiria a atual política pública voltada aos dependentes do encarcerado segurado da previdência social, e criaria uma nova política, desta vez voltada às vítimas de crimes, enquanto segurados da previdência social ou aos seus dependentes.
Esta proposta prevê que deve ser pago determinado valor, através de um benefício da previdência social, à vítima de crime pelo período em que esta ficar afastada da atividade que provê seu sustento. Em caso de morte da vítima do crime ocorrido, o benefício seria convertido em pensão aos dependentes da vítima, conforme o texto da PEC 304/13.
Como visto na tabela anterior, a grande maioria dos internautas (noventa e cinco por cento) concorda com o fim do beneficio do auxílio reclusão e a consequente destinação de seus recursos para às vítimas dos crimes cometidos. Ocorre que a formulação da questão na enquete não permite a discussão separada entre a extinção do auxílio reclusão e a nova política pública voltada às vítima de crimes, no momento em que coloca a criação da nova política pública condicionada à extinção do atual auxílio reclusão.
Desta forma, a necessidade de se discutir o benefício atual, para a melhor compreensão de seu alcance, objetivos e resultados contribuirá para que o diálogo sobre a Proposta de Emenda a Constituição que corre no Congresso Nacional que lhe extingue possa ser racional e efetivo.
Para que isto ocorra, a participação de toda a sociedade na esfera pública, e a intervenção nesta política pública são imprescindíveis para que a Proposta de Emenda a Constituição reflita os anseios da sociedade e ocorra a consequente adaptação da legislação.
O presente artigo se propôs a tomar como objeto o benefício denominado auxílio reclusão, enquanto política pública. Num primeiro momento, mostra-se a ligação do benefício com as propostas de desenvolvimento. Esta ligação surge quando se compreende que toda proposta de desenvolvimento tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida da população.
Em que pese a necessidade de melhoria dos indicadores econômicos da região para que o desenvolvimento aconteça, a melhoria na qualidade de vida da população é seu objetivo último. Para tanto, é essencial criar condições para que os indivíduos se reconheçam como pessoas humanas, dotadas de dignidade.
Para que se possa afirmar que um indivíduo possui dignidade, é importante que sejam supridas as suas carências básicas, entre elas, alimentação, educação e saúde. Neste sentido, o benefício do auxílio reclusão servirá, justamente, para garantir que estas carências básicas da família do contribuinte privado de liberdade sejam supridas, garantindo tratamento digno, auxiliando para que o processo de desenvolvimento alcance seu objetivo.
Para que fosse possível a instituição do auxílio reclusão como política pública voltada para a família do encarcerado, longos anos de evolução foram necessários, uma vez que, já durante o processo de colonização, havia a marca da exploração do povo indígena pelos colonizadores.
Este processo se estende para o tempo da colônia, período marcado pela exploração da terra e do trabalho dos negros e, pouco mais tarde, dos imigrantes. Este período lega aos dias atuais o preconceito e a discriminação com as classes mais pobres da população, bem como a concentração de terras do período origina a desigualdade social enfrentada até a atualidade.
A preocupação com a questão social, no Brasil, tem início somente no século XX, com a Primeira Guerra Mundial, principalmente, uma vez que é neste momento que a produção industrial brasileira se fortalece, e com ela tem início o movimento operário, reivindicando direitos aos trabalhadores. Inicialmente o movimento é reprimido pela polícia, mas acaba por ganhar força e conquistar uma série de direitos.
Apenas em 1960 é aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social, onde se instituem benefícios aos trabalhadores contribuintes. Entre estes benefícios, é encontrado o auxílio reclusão, destinado à família do contribuinte encarcerado em regime fechado ou semi aberto, ainda que antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Entendendo que política pública é uma linha de ação coletiva para a concretização de direitos e que política social está nesta incluída, como atuante nos desequilíbrios e satisfação das necessidades, pode-se incluir o auxilio reclusão nesta categoria.
Importante é ressaltar que se trata de benefício concedido aos dependentes do encarcerado segurado, ou seja, somente o contribuinte, seja ele empregado ou doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual, segurado especial ou facultativo. Os dependentes do encarcerado que não sustente a condição de segurado não receberão o benefício.
Além do mais, restou claro que somente o segurado de baixa renda, com salário de contribuição inferior a R$ 1025,81 (um mil e vinte e cinco reais e oitenta e um centavos) é que terão direito ao benefício. Assim a vulnerabilidade social advinda do encarceramento do segurado será suprida pelo auxílio reclusão.
Por fim, é visto a essencialidade de se problematizar as políticas públicas, principalmente pela necessidade de intervenção, que nada mais é do que a prática refletida. Assim, a interação dos movimento sociais e a participação da sociedade, por meio de discussões é primordial para a conquista e manutenção das políticas públicas.
Partindo desta afirmação, está corrente uma enquete elaborada pela Câmara dos Deputados, onde se questiona os internautas a opinião sobre o possível fim do auxílio reclusão, para a criação de um benefício em favor das vítimas de crime e seus dependentes.
Desta enquete, resulta que 95% daqueles que responderam a pergunta, concordam com o fim do auxílio reclusão, concordando com os termos da Proposta de Emenda a Constituição número 304/2013, demonstrando que neste ponto, a discussão sobre a política pública objeto deste artigo deve continuar em pauta, para que se possa adequar a legislação aos anseios da sociedade.
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[1] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_120516-092041-086.pdf em 13 de abril de 2018.
Doutoranda em Filosofia (PUC/PR); Mestre em Desenvolvimento Regional (UnC); Pós-Graduação em Ciências Penais (ANHANGUERA-UNIDERP) Graduação em Direito. Advogada Criminalista. Professora na UnC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Jilia Diane. Auxílio reclusão: política pública voltada para família do encarcerado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/53170/auxilio-reclusao-politica-publica-voltada-para-familia-do-encarcerado. Acesso em: 19 out 2024.
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