Resumo: o artigo se volta à análise da relação estreita entre o conceito de justiça e as profissões jurídicas da advocacia. Palavras-chaves: justiça. Ética. Advocacia.
Sumário: Introdução. 1. O conceito de ética profissional e a advocacia. 3. O advogado legal, isto é, leal com a justiça. 4. O advogado justo: a justiça como sentido e horizonte ético da Justiça com que colaboram os advogados. Conclusão. Referência bibliográfica.
Introdução
A justiça, parte muito importante da ética, não se circunscreve ao mero âmbito da ética; necessita encarnar-se, concretizar-se, institucionalizar-se no direito. Assim sendo, ética e direito devem colaborar interdisciplinarmente. Neste contexto, é proposta a busca de um caminho que evite, por um lado, cair no abismo das ocasiões solenes dos profissionais (inaugurações, homenagens, jubilações), e por outro, cair no ceticismo de considerar que o advogado não tenha nada a ver com a justiça.
Dessa forma, sobre a justiça, não só procedimental, mas também sobre a justiça material em geral e em concreto, é possível debater racionalmente e chegar a conclusões razoáveis ainda que nunca imóveis nem imutáveis. Para uma sociedade mais pacífica e justa, é sabido que nem tudo depende dos profissionais da advocacia, mas estes podem contribuir de várias formas, desde sua competência para tal até a lealdade necessária, não apenas com seus clientes, mas também com o conjunto de normas e institutos que chamamos Direito (também Justiça, com maiúscula).
As profissões se distinguem dos ofícios por duas razões principais: primeiro porque se supõe que o profissional não sabe fazer somente as coisas de sua profissão, mas também sabe dar razão de porque deve fazer as coisas assim e não de outra maneira. Segundo porque, ao profissional, uma vez adquiridos os conhecimentos básicos para seu exercício, é indispensável que ele continue se renovando, se atualizando, e pondo em dia suas habilidades.
Assim sendo, a primeira obrigação de um profissional é ser competente em resolver os assuntos de sua competência. Ele deve isso não apenas aos clientes e usuários dos seus serviços profissionais, mas também à profissão e aos colegas com quem comparte o compromisso profissional. A isso se acrescenta a questão da prática profissional e o que ela significa para o conjunto da vida humana e para sociedade, em uma compreensão global – pois, é nestes últimos dois níveis que se situa a ética profissional, que consiste em perceber, desde dentro, a razão última a serviço da qual está a profissão.
Aplicando isto à prática da advocacia, percebe-se que ela se caracteriza por cinco elementos constitutivos:
a) Baseia-se no conjunto de conhecimentos do Direito, tanto no que ele tem de corpus normativo de uma sociedade, como nos critérios interpretativos de sua aplicação.
b) Ao conjunto de conhecimentos, devem-se acrescentar as destrezas necessárias para executar os diferentes tipos de atuações que supõe o exercício prático da advocacia, incluindo-se também possibilidades de especialização e de divisão social do trabalho.
c) A terceira característica consiste no fato de que o bom profissional não é meramente o que repete rotineiramente o que aprendeu a fazer uma vez e por isso segue repetindo. Se não renova continuamente seus conhecimentos e cultiva suas habilidades, converte a profissão em mero ofício rotineiro. Dessa forma, ele deve ter condições de abordar, também, os casos novos que lhe possam ser apresentados. O bom profissional é, portanto, aquele que está em condições de inovar e resolver casos extraordinários.
d) Para fazer isso, é necessária a prática profissional, isto é, aqueles bens que só se podem alcançar mediante o exercício profissional bem feito. O profissional em sentido pleno conhece o sentido que tem essa prática em seus elementos constitutivos: a defesa, o assessoramento, a representação, todo o serviço da segurança jurídica e os direitos de seus clientes no marco institucionalizado da justiça em que ele desempenha seu papel.
e) Para realizar plenamente todas as dimensões da sua prática profissional, deve ter uma concepção do que significa o exercício da advocacia para a sociedade e para o conjunto da vida humana. É mais fácil perceber esse quesito quando se descreve essa prática em relação aos bens e serviços que ela proporciona à sociedade.
Percebe-se, portanto, que os três primeiros elementos definem o profissional da advocacia como “advogado competente”, que tem os conhecimentos necessários para tal. Não é razoável que alguém possa ser um profissional ético se é incompetente.
Nos dois últimos elementos constitutivos, são abordadas as concepções local e global da advocacia. A local especifica o que é a própria prática e o que está em jogo na mesma, tratando do advogado enquanto homem de leis. A compreensão global diz respeito à influência da prática da advocacia à convivência social – e é nesse ponto que se tem em conta a contribuição que a profissão de advogado pode e deve fazer à justiça.
2. Justiça e direito: o advogado competente em questões de justiça
O profissional da advocacia, para ser plenamente profissional e ser ético no exercício de sua profissão, tem que começar por ser competente como advogado. Isso é possível quando ele se compromete a se manter em dia e a melhorar as próprias capacidades e conhecimentos.
Nas sociedades complexas, há uma necessidade de conhecer com inteira precisão as normas jurídicas e os procedimentos estabelecidos, o que é impossível de ser feito pelos leigos em Direito. Estes, portanto, recorrem aos advogados para que os assessorem, representem, defendam em temas legais, ou simplesmente para que facilitem o encaixe do quadro jurídico vigente. Isso demonstra que a atuação competente dos advogados contribui para que as relações dentro da sociedade se desenvolvam em razão da Justiça, mas é preciso ter em mente que a competência profissional, por si só, não converte o advogado em um profissional justo.
Nesse ponto é importante ter em mente que há uma ambivalência na palavra justiça, assim como há na palavra direito. Direito se refere a um sistema normativo, enquanto direito faz alusão à atuação em conformidade com a justiça. Esta, por sua vez, quando grafada com letra minúscula, se refere à virtude, já com a maiúscula alude ao sistema institucional denominado Administração da Justiça, ou simplesmente “Justiça”. A primeira e mais básica contribuição que deve prestar um advogado à justiça, é ser bom conhecedor e desempenhar de forma correta o conjunto da Administração da Justiça. Dessa forma, o advogado deve lidar com a justiça e com a Justiça. É claro que não compete ao advogado transmitir ou administrar a justiça, isso é papel do juiz. Mas o ideal de justiça é tanto para juízes, como para advogados, e para todos, irrenunciável, ainda que nas sociedades complexas, esteja obsuro.
3. O advogado legal, isto é, leal com a justiça
Além das habilidades no manejo dos procedimentos, o advogado deve, ainda, ser legal, profundamente leal com a legalidade vigente. Da mesma forma em que há ações que contaminam o meio ambiente e ameaçam o equilíbrio ecológico, há também formas de atuar que contaminam profundamente o ambiente social e que contribuem para converter a vida social em uma selva onde impera a lei dos mais fortes.
Certamente a lei não pode ser considerada reveladora da justiça, mas também não cabe prescindir completamente da lei na hora de dizer em que consiste, de fato, a justiça: as leis são o ponto de encontro entre o direito de cada um e o direito de todos os demais.
A ética em geral, mas muito mais a Ética das profissões jurídicas, em relação com a lei, tem que fugir de dois extremos. Por um lado está a glorificação da lei como expressão final da vontade geral (Rousseau), e de outro lado está a lei como mero dado fático daquilo que os poderes públicos impõem a seu arbítrio. Nesse contexto, Hart assinala a diferença fundamental entre as normas jurídicas e as morais: as primeiras são suscetíveis de mudança deliberada, enquanto as segundas não o são. Assim, diante de qualquer norma jurídica cabe a pergunta: “isso é legal, mas é ético?”.
4. O advogado justo: a justiça como sentido e horizonte ético da Justiça com que colaboram os advogados
É sabido que a Ética nunca se reduz à legalidade. A justiça a todos afeta e todos estão obrigados a praticá-la. A justiça é a virtude (princípio ou valor) que consiste na disposição habitual a atuar dando a cada qual o que lhe corresponde em direito (Suum ius, em latim).
Antigamente, se considerava que a ordem moral que atribuía a cada qual o que lhe correspondia em direito era tão objetivo, racional e independente de apreciações subjetivas, que via essa ordem como algo natural, como direito natural. Hoje, embora exista um certo consenso acerca dos direitos humanos como núcleo irrenunciável daquilo a que toda pessoa em toda sociedade tem direito e que lhe deve ser reconhecido, esse consenso não chega a poder estabelecer normas claras para articular uns direitos com outros, e garanti-los. Na Ética atual se escreve muito sobre justiça, mas não o suficiente para aclarar sobre as concretizações aplicáveis às atuações profissionais.
A maneira de entender a relação entre moral e direito depende da maneira que se entende a moral e o direito em separado, e da maneira que se concebe a relação, real e desejável, entre os dois. Hortal Alonso propõe uma noção global de direito, com um sistema de normas com suficiente vigência social para regular uma convivência aberta aos ideais sociais dessa sociedade; além de uma maneira de conceber a moral o mais racional possível.
Em seu ato acadêmico de despedida, Hans Kelsen falou sobre justiça, citando a passagem da histórica bíblica em que Jesus é conduzido a Pilatos. Segundo o autor, por trás da pergunta de Pilatos sobre o que seria a verdade, seguido do sangue derramado por Cristo, se cometeu uma injustiça. Assim, o que ocorre em nível ético com a justiça e o Direito é que se encontram em um profundo ceticismo acerca da possibilidade de conseguir se aproximar da verdade em questões de justiça.
ALONSO, Augusto Hortal. Justicia, profesiones y profesión de abogado em Grande Yáñez, Miguel (Coord.). JUSTICIA Y ÉTICA DE LA ABOGACÍA. 1ª ed. Madrid: DYKINSON, 2007. P. 100-120.
Graduado em Direito pela UFPE. Pós-graduação em Processo Penal pela Universidade de Coimbra em parceria com o IBCCRIM; Pós-graduando em Direito Constitucional e em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Única.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PATRIOTA, CARIEL BEZERRA. A Justiça e o Advogado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/53961/a-justia-e-o-advogado. Acesso em: 23 dez 2024.
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