SUMÁRIO: O presente artigo busca abordar as diferenças entre os regimes sucessórios de cônjuges e companheiros previsto no texto original do Código Civil de 2002, bem como a posterior declaração de inconstitucionalidade do at 1790 do mesmo diploma legal.
Palavras-chave: Cônjuge. Companheiro. Direito das Sucessões. Direito de Família.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. REGIME SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 3. REGIME SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO ANTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL. 4. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CC. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O Direito das Sucessões está inevitavelmente ligado ao Direito Constitucional e ao Direito de família em um processo de evolução conjunta. O artigo 226 da Constituição de 1988 representa a ligação entre os três ramos do direito, uma norma de teor programático e principiológico cujas definições elegeram o caminho a ser trilhado pelo posterior Código Civil de 2002[1]. Eis a redação do dispositivo:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Decisão do STF que estende os dispositivos relativos à união estável entre homem e mulher àquelas homoafetivas, notadamente entre casais do mesmo sexo)
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.[2]
A CF elencou novos paradigmas para o direito de família, pois nem sempre as famílias foram reguladas por critérios de afetividade, solidariedade, livre planejamento familiar e, principalmente, dignidade da pessoa humana. Tais mudanças estruturais acabaram repercutindo na histórica configuração das sucessões de cônjuges e companheiros.
É bastante perceptível, a priori, da análise do referido artigo, que o constituinte de 1988, deliberadamente, optou por um conceito amplo de família para não apenas incluir diferentes formas de organização familiar, mas também colocá-las em patamar equânime. Ao longo do século XX, inúmeras foram as transformações no Direito de Família decorrentes do aprofundamento doutrinário e, sobretudo, da emancipação frente aos preceitos religiosos em torno da matéria (no caso do Brasil, a tradição judaico-cristã). As mudanças só foram possíveis através separação instrumental entre e os conceitos jurídicos e religiosos.
Pelas disposições originais do Código Civil de 1916[3], o casamento era a única forma de constituir família regulada pelo direito e, ainda assim, bastante diferente do que temos atualmente sobre a união conjugal. Àquele tempo, ainda seguindo o dogma do direito canônico, o casamento era união indissolúvel, sendo apenas possível desvincular-se quando algum dos cônjuges viesse a falecer. Tratava-se, portanto, de uma visão sacramental do casamento.
Foi apenas na década de 1970 que a separação judicial seguida pelo divórcio foi contemplada pelo direito brasileiro, ainda sob forte oposição de líderes religiosos. Nesse sentido, nas palavras de Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Leandro dos Santos Guerra:
[...] com as mudanças sociais advindas no decorrer do século XX, tal visão estaria fadada a mudar. A longevidade, a emancipação feminina, a perda de força do cristianismo, a liberação sexual, o impacto dos meios de comunicação de massa, o desenvolvimento científico com as perícias genéticas e descobertas no campo da biogenética, a diminuição das famílias com o aperfeiçoamento e difusão dos meios contraceptivos, tudo isso atingiu fortemente a configuração familiar.[...][4]
A evolução, todavia, não se deu apenas em relação à tradicional visão do casamento. A União Estável também surgiu das práticas consagradas no costume e que aos poucos foi sendo regulada pelo direito. Com efeito, a União Estável nasceu em contexto de total desprestígio, vista sob o viés da completa inferioridade frente ao casamento. A figura inicial dos concubinos, tanto puros quanto impuros, pelo que o próprio nome demonstra, deflagrou uma longo processo de equiparação e de reconhecimento como forma digna de constituir-se em família.
Conforme lição de Lôbo e Matos:
“Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana.”[5]
2. REGIME SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A História do Direito das Sucessões foi marcada, durante muito tempo, por uma grande disparidade de tratamento entre cônjuges e companheiros. Entretanto, esse quadro tem se modificado conforme se modifica também o conceito de família para o Direito. Em relação ao direito das sucessões tanto os cônjuges quanto os companheiros foram ganhando espaço na sua relação como herdeiros.
No Código Civil de 1916 o cônjuge ocupava o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, após os descendentes e ascendentes. O cônjuge, ademais, não estava arrolado entre os herdeiros necessários (art.1.721). Isto significa dizer que o de cujus podia afastá-lo livremente da sucessão, apenas dispondo de todos os seus bens em favor de terceiros em testamento.
Atualmente, com a vigência do Código Civil de 2002, o entendimento é diverso. A primeira alteração importante foi a colocação do cônjuge como herdeiro também nas duas primeiras classes preferenciais, em concorrência, portanto, com os descendentes e os ascendentes. É o que teor do art. 1.829:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime
da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens
(art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”
O Código Civil de 2002 manteve a ordem de vocação hereditária do Código Civil anterior, com algumas modificações: o cônjuge passou a poder concorrer com os descendentes, dependendo do regime de bens em que fora casado com o de cujus e também com os ascendentes, independentemente do regime de bens adotado. Não havendo descendentes e nem ascendentes, o cônjuge é chamado sozinho. É apenas na sua ausência que os colaterais serão chamados, até o quarto grau. Entre todas, no entanto, a alteração mais relevante foi tornar o cônjuge herdeiro necessário (art. 1845 do CC).
O cônjuge tem precedência sobre os colaterais, ou seja, não havendo parentes em linha reta, herdará tudo sozinho, desde que não esteja separado judicialmente, nem de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa sua.
Pela nova disposição legal, o cônjuge herda juntamente com os descendentes, salvo se for casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Ou seja, herda o cônjuge se for casado com regime de separação absoluta de bens, participação final nos aquestos ou, quando houver bens particulares na comunhão parcial de bens.
Não havendo descendentes nem ascendentes, o cônjuge não concorre com os colaterais (art. 1829, III). Prevalece em relação a estes, independentemente do regime de bens. Isto porque o cônjuge teve com o de cujus maior afinidade e contribuiu muito mais para a construção do patrimônio do que os colaterais, sendo merecedor, portanto, da totalidade da herança (art. 1838 do CC). Apenas se não houver cônjuge sobrevivente nos termos do art. 1830 é que serão chamados a suceder os colaterais até o 4º grau (art. 1839 do CC).
Mantém o Código Civil de 2002 o direito real de habitação no art. 1.831, estendendo-o a qualquer regime de bens. Não repetiu o novo Código a expressão “enquanto viver e permanecer viúvo”. Obviamente o direito só existe enquanto viver o cônjuge, não sendo transmissível com sua morte. Quanto à exigência de que permaneça viúvo, não mais prevalece, o único requisito constante na lei é que o imóvel seja o único daquela natureza a inventariar.
O novo Código acresce também uma restrição para o cônjuge no art. 1.830: seu direito sucessório se encerra não apenas com a dissolução da sociedade conjugal, como no Código anterior (art. 1.611, caput), mas também com a separação judicial ou de fato por mais de dois anos. A regra não se aplica apenas cônjuge sobrevivente comprovar que a convivência se tornou impossível sem culpa sua.
Um dado curioso é que, embora o cônjuge agora seja considerado herdeiro necessário, não cuidou o Código Civil de 2002 de hipóteses para a sua deserdação. O art. 1.961 apenas menciona a possibilidade de deserdação de herdeiros necessários, porém, os dois artigos seguintes tratam, respectivamente, das causas de deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes por seus descendentes, não há no novo Código qualquer dispositivo que preveja as causas de deserdação do cônjuge. Portanto, não sendo possível a aplicação da analogia em matéria restritiva de direito, a omissão da lei fica sem qualquer possibilidade de solução, até porque as hipóteses de deserdação tratadas não seriam aplicáveis aos cônjuges.
3. REGIME SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO ANTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL.
O Código Civil de 1916 era absolutamente omisso quanto ao tratamento da União Estável, ou seja, não reconhecia a comunhão de vida informal como entidade familiar. Posteriormente foi disciplinado por lei os antigos institutos do concubinato puro e impuro que culminaram com decisões favoráveis ao direito sucessório após a morte de um dos companheiros.
As constantes demandas judiciais em matéria sucessória das uniões que não se enquadravam na tradicional instituição do casamento, deram origem, em 1967, à Súmula 380 do STF[6] com a seguinte redação: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Dada a omissão legislativa, o STF deu o primeiro passo quanto ao regime sucessório das uniões estáveis.
Com o Código Civil de 2002, veio a consagração do modelo sucessório das uniões estáveis, previsto no art. 1790:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
A primeira crítica que se fez, antes mesmo de iniciar o dispositivo legal, diz respeito à sua localização no Código, posto que deveria estar no Título II referente à sucessão legítima, assim como o cônjuge. Embora pareça mera questão organizacional da Código, a diferença topográfica dos dispositivos imprime de forma desnecessária e absolutamente injustificada um sentido de disparidade no tratamento da matéria.
No exame do artigo 1790 do CC, já no caput, percebe-se a grave impropriedade do legislador ao estabelecer que o companheiro, unido sob o regime de comunhão parcial de bens, não tem acesso aos bens particulares do companheiro falecido, mas apenas aos adquiridos de forma onerosa na constância da união. O problema torna-se perceptível quando o dispositivo é colocado em confronto com o artigo 1829 da mesma lei que trata da sucessão do cônjuge, pois, para este, haverá concorrência na sucessão com os herdeiros necessários apenas para os bens particulares do de cujus.
Essa primeira distinção não encontrava qualquer justificativa plausível e demonstrava de forma clara a confusão feita pelo legislador entre meação e sucessão. A falta de propriedade já no caput do artigo traduz uma grande margem para injustiças no regime sucessório, tanto para prejudicar o companheiro quanto para favorecê-lo, a depender do caso concreto. A título de exemplo, basta analisar a possibilidade dos bens particulares no caso da morte de um dos companheiros serem considerados vacantes na ausência de herdeiros sucessíveis. Nesse caso, mesmo sem herdeiros, o companheiro não teria direito aos bens particulares que seriam destinados à Fazenda Pública.
As falhas, todavia, restavam também presentes nos incisos que se seguem no artigo. Pelo inciso I, o companheiro concorre com filhos comuns (seria mais apropriado utilizar o conceito de descendentes, diga-se) e tem direito a uma cota equivalente à de cada um deles. De acordo com o inciso II, se concorrer com descendentes só do autor da herança, restará ao companheiro a metade do que coube àqueles. É perceptível, nesse sentido, os problemas que tais determinações podem causar a iniciar pela possível existência de filhos comuns e não comuns e a confusão do cálculo da quota parte de cada um dos filhos, somada a do companheiro. Ademais, para os companheiros, ao contrário do regime sucessório dos cônjuges, não importava o regime de bens adotado na união estável, todos importavam em uma mesma solução legal.
O inciso III, por fim, era considerado o mais absurdo de todos, pois trazia para a sucessão, em concorrência com o companheiro, os parentes até 4º grau. Para esses últimos, que muitas vezes sequer conheciam o de cujus, caberia 2/3 da herança e mais a totalidade dos bens particulares. Ao companheiro, em absoluta afronta ao princípio da afetividade e dignidade da pessoa humana, ignorando completamente a noção de família instrumental, tocava 1/3 da herança, somente.
4. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CC.
O Código de 2002, embora relativamente recente sob o ponto de vista histórico, já nasceu com diversos equívocos e impropriedades notadamente no que concerne à questão sucessória. Diante disso, coube aos Tribunais a adequação dos regimes sucessórios à Constituição de 1988 e aos princípios que regem as relações familiares.
Diversas decisões judiciais já vinham afastando a incidência do art. 1790 do Código Civil, porém sem uma definição precisa das cortes superiores, tudo dependeria do entendimento adotados pelos juízes e Tribunais estaduais. Sem segurança jurídica, a matéria estava à mercê de conflitantes entendimentos jurisprudenciais adotados no Brasil.
SUCESSÃO – UNIÃO ESTÁVEL – INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1790 DO CC DIANTE O TRATAMENTO PARITÁRIO ENTRE A UNIÃO ESTÁVEL E O CASAMENTO POR FORÇA DO ART. 226 DA CF.
(...) as regras sucessórias previstas para a sucessão entre companheiros no novo Código Civil são inconstitucionais. Na medida em que a nova lei substantiva rebaixou o status hereditário do companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite, violou os princípios fundamentais da igualdade e da dignidade. (TJ/RS, Ac. Unân. 8ª Câm. Cív., AgInstr.70009524612, rel. Des. Rui Portanova, j.18.11.04).
APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. RECONHECIMENTO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE COMO HERDEIRO, EM CONCORRÊNCIA COM O DESCENDENTE. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ARTIGO 1.790, II, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO AO COMPANHEIRO E AO CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQÜIDADE.
1. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório.
2. Reconhecimento do companheiro supérstite como herdeiro dos bens deixados por sua companheira que se impõe, em concorrência com o descendente da falecida.
3.Escritura Pública de Inventário e Adjudicação que deve ser anulada. Recurso provido.
(Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação nº 70029885456, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Data de julgamento: 22 de julho de 2009.)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. UNIÃO ESTÁVEL E PETIÇÃO DE HERANÇA. DIREITO SUCESSÓRIO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Uma das conseqüências do reconhecimento da união estável é a aquisição de direitos pelo companheiro sobrevivente sobre a herança deixada pelo outro.
2. Reconhecida a união estável, existe o direito sucessório.
3. O art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei nova que estabeleça normas gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. 4. Em decorrência do princípio da especialidade mencionado, a Lei nº 8.971, de 1994, que contém normas especiais sobre o direito dos companheiros à sucessão, prevalece sobre o Código Civil, que é lei geral, ainda que posterior.
5. A companheira sobrevivente, na falta de descendentes e ascendentes, ainda que não tenha contribuído para a aquisição onerosa de bens durante a união estável, tem direito à totalidade da herança.
6. Apelação cível conhecida e provida para reformar em parte a sentença e reconhecer o direito da apelante à totalidade da herança do ex-companheiro. (TJMG, Ac. Proc. 1.0209.04.040904-4/001(1). Rel. Ministro Caetano Levi Lopes, j. 22/09/2009, DJ 07/10/2009)
Foi em 10 de maio de 2017 que o Supremo Tribunal Federal finalmente encerrou o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Conforme consta da publicação inserida no Informativo n. 864 da Corte, "o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso".
Ficou destacado, ainda, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, a modulação dos efeitos da decisão devendo ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tivesse transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não houvesse escritura pública.
A tese final firmada, estabeleceu-se nos seguintes termos: "no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil".
A decisão seguiu aquilo que já havia sido amplamente consolidado na doutrina do direito sucessório e do direito de família, isto é, da não compatibilização do art. 1790 com a Constituição Federal de 1988. No entanto, ainda permanecem algumas questões importantes a serem definidas, pendentes no julgamento do STF, como a inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no art. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões.
5. CONCLUSÃO
A conclusão a que chegou o STF sobre a inconstitucionalidade do art. 1790 representa, por si só, a evolução natural das matérias relativas a costumes sociais e padrões de comportamento. No Brasil essas mudanças têm-se demonstrado lentas e sempre marcadas pela contraposição de visões de mundo muitas vezes antagônicas. As concepções tradicionais de família e casamento permeiam as normas jurídicas do direito civil brasileiro e muitas vezes entram em confronto com as práticas sociais em pleno vigor. Cabe ao STF e ao Congresso Nacional a adaptação dos institutos jurídicos às práticas do seu tempo, atentos às transformações sociais e às alterações de paradigmas. No caso, a própria Constituição de 1988, tida pelos seus princípios e definição ampla de família, deixava claro a impropriedade da diferenciação sucessória entre cônjuges e companheiros, de modo que o judiciário cumpriu seu papel de garantidor da supremacia do texto constitucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GUERRA, Leandro dos Santos. Função
Social da Família. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 8, n. 39, p. 154-169, Dez./Jan., 2007, p. 155.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões, v.7. Direito das Sucessões 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 63
LÔBO, Paulo Luiz Netto. “Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus”, cit., p.46
Código Civil de 2002: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
Constituição Federal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Código Civil de 1916: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm
Súmula 380 STF: http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0380.htm
[1] Código Civil de 2002: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
[2] Constituição Federal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[3] Código Civil de 1916: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm
[4] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GUERRA, Leandro dos Santos. Função Social da Família. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 8, n. 39, p. 154-169, Dez./Jan., 2007, p. 155.
[5] LÔBO, Paulo Luiz Netto. “Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus”, cit., p.46
Pós graduado em Direito Constitucional pela universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, CAIO NUNES DE. O regime sucessório de cônjuges e companheiros: inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2019, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54049/o-regime-sucessrio-de-cnjuges-e-companheiros-inconstitucionalidade-do-art-1-790-do-cdigo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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