RESUMO: O presente artigo tem por objeto analisar a influência doutrina de Gadamer no estudo da hermenêutica jurídica, dando notas sobre outros doutrinadores, bem como verificar a importância do círculo hermenêutico nesse tema.
Palavras-chave: Filosofia jurídica. Hermenêutica. Círculo hermenêutico. Hans-Georg Gadamer.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. PANORAMA HERMENÊUTICO – ANÁLISE HISTÓRICA. 2. A DOUTRINA DE MARTIN HEIDEGGER. 3. RELAÇÃO ENTRE HEIDEGGER E GADAMER. 4. BIOGRAFIA DE HANS-GEORG GADAMER E O CONTEXTO HISTÓRICO EM QUE ELE ESTÁ INSERIDO. 5. ASPECTOS GERAIS SOBRE A CONCEPÇÃO HERMENÊUTICA DE GADAMER. 6. AS CONCEPÇÕES PASSADAS DE HERMENÊUTICA ANTIGA E A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA. 7. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER. 8. O CÍRCULO DE COMPREENSÃO. BIBLIOGRAFIA
De origem grega, a hermeneuein, isto é, a hermenêutica tem como significado proporcionar a compreensão de algo, o que proporciona a interpretação conforme a leitura de cada um. Dessa forma, ela se configura através da fusão entre tekhne e práxis, ou seja, técnica e uso dos métodos hermenêuticos que estabeleceria a compreensão, a interpretação. Nesse contexto, mais do que simplesmente traduzir o aspecto literal de um texto, essa vertente filosófica trata, também, dos sentidos que esses símbolos podem expressar.
Há também aqueles que dizem ser o termo hermenêutica proveniente do deus da mitologia grega, Hermes, pois este era mensageiro dos deuses e tinha por função interpretar a linguagem dos deuses e transmiti-las de modo que os mortais pudessem compreender.
Nesse contexto, tendo em vista a importância da interpretação dos textos normativos para extarir-lhes o sentido, fica clara a relevância da presente análise.
1. PANORAMA HERMENÊUTICO – ANÁLISE HISTÓRICA
Na Grécia antiga, a hermenêutica era vista primordialmente sob um caráter linguístico, voltada apenas para a trasmissão de uma mensagem. Não era ainda um ciência, era uma simples técina aplicada para esclarecer, traduzir, anunciar algo que não está claro.
Para Platão, a hermêneutica é um técnica posta em segundo plano, já que para ele as palavras nunca poderão nos dar um conhecimento verdadeiro sobre o mundo, uma vez que, somente a ideia pode alcançar a verdade, entender e conhecer o real. Para Platão a hermêneutica não estava relacionada ao processo de conhecimento das coisas.
Segundo Aristóteles, a comunicação descreve exatamente aquilo que ocorre na realidade para que, com isso, outra pessoa também possa reproduzir na sua mente o que foi descrito, ele entende que o processo do conhecimento se faz através de abstrações mentais daquilo que é adquirido por meio da experiência sensível. A hermenêutica de Aristóteles não investiga a verdade ou falsidade do juízo, apenas a adequabilidade entre a linguagem e o pensamento. Neste sentido, a hermenêutica será uma derivação da lógica, tendo um papel acentuadamente explicativo.
Os jurisconsultos romanos, seguindo a linha dos pensadores gregos, evoluíram o conceito de hermenêutica para a “interpretatio” (interpretação), através do trabalho dos “juri prudentes”, transformando-a pela aplicação em verdadeira criação do direito. Essa “interpretatio” se trata, não apenas, de entender um texto teórico, mas prático, isto é, a lei; é compreender a lei não só pelo seu texto, mas também o significado dela nos efeitos práticos produzidos no mundo concreto. Alguns estudiosos consideram a “interpretatio” romana como categoria básica da hermenêutica jurídica
No século XVII, no qual o antagonismo entre católicos e protestantes era bastante acentuado, houve uma necessidade de desenvolver uma ciência capaz de interpretar com uma maior “verdade” os escritos bíblicos e os dogmas. A reforma protestante apregoava a exigência de uma volta à pura palavra da Escritura. Lutero afirmava que a bíblia deve ser interpretada por si só, contrariando a Igreja Católica que dizia ser a única capaz de interpretar a Escritura. Com efeito, em um primeiro momento, a Hermenêutica passou a servir de auxiliar da Teologia. Os protestantes rejeitaram a interpretação alegórica, que se manteve como padrão durante toda a Idade Média, e insistiram no sentido exato do texto, esperando resgatar seu significado de distorções introduzidas pela Igreja e pela escolástica.
O humanismo e o iluminismo utilizaram uma hermenêutica baseada na racionalidade e em uma postura anti-metafísica e anti-religiosa. O iluminismo instala um novo modo de conhecer a realidade através da razão, recuperando o racionalismo grego antigo. Esta hermenêutica de cunho racionalista teve e tem ainda hoje forte influência
A hermenêutica só se torna, realmente, uma ciência e um meio legítimo de fundamentar o trabalho de sistematização da interpretação depois da Revolução Francesa, depois do Código Napoleônico e depois da percepção e necessidade de se estabelecer uma língua intermediária entre o fato social e a lei prevista nas constituições pelo legislador. Num primeiro momento, depois do Código Napoleônico, a lei adquiriu um caráter de inquestionabilidade e de irrefutabilidade, pois se caracterizava como expressão da vontade geral do povo (princípio democrático rousseauniano) e deveria ser seguida fielmente pelo aplicador.
Com Friedrich Schleiermacher o foco da compreensão não era mais a validade do que estava sendo dito, mas sua individualidade enquanto pensamento de uma pessoa em particular, expressada de uma forma particular, num momento particular. E Wilhelm Dilthey, pensador posterior à Schleiermacher, procurou deixar claro que o mundo externo tanto afeta o conteúdo da nossa mente quanto é afetado por ela.
2. A DOUTRINA DE MARTIN HEIDEGGER
Preambularmente, deve-se destacar a contribuição de Martin Heidegger para a filosofia jurídica, bem como para a obra de Gadamer. Isso porque Heidegger é um dos principais expoentes da Filosofia Jurídica do século XX, seja pela recolocação da questão do ser e a recriação do estudo da ontologia, seja pela importância por ele dada ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. Nesse contexto, influenciou muitos outros filósofos como Hans Gadamer, no qual era seu principal discípulo.
Nascido numa pequena vila alemã, Heidegger, inicialmente, quis ser padre e chegou até a estudar num seminário. Em 1909, Heidegger ingressou na Universidade de Friburgo e iniciou o curso de teologia. Paralelamente, continuou seus estudos sobre Aristóteles, e iniciou as primeiras leituras de Husserl, que o levariam ao método fenomenológico.
Em 1915, Husserl foi para Friburgo e Heidegger tornou-se seu assistente. Husserl o influenciou em toda a sua obra sobre o “ser” e transmitiu a ele toda a sua doutrina fenomenológica. Dois anos depois, Heidegger casou-se com sua aluna, Elfriede Petri, com quem teve dois filhos e o ajudou bastante e seu trabalho e na criação de suas obras. Heidegger também se envolveu com outra aluna, Hannah Arendt, que, posteriormente, se transformaria em uma das mais famosas filósofas políticas.
De 1915 a 1923, Heidegger assumiu o posto de professor substituto na Universidade de Friburgo e, após esse período, tornou-se professor na Universidade de Marburgo na Prússia, até 1928. Como professor na Universidade de Marburgo, Heidegger publicou sua maior obra filosófica “Ser e Tempo”, em 1927. Após o lançamento dessa obra, Heidegger foi considerado o maior nome da filosofia metafísica. Entretanto, seu mestre Husserl decepcionou-se com “Ser e Tempo”, já que não aprovava sua obra. Além disso, como crescimento do nazismo, os dois ficaram em campos diferentes, pois Husserl tinha ascendência judaica.
Quando Hitler se tornou chanceler em 1933, Heidegger tornou-se reitor da Universidade de Friburgo, apoiando o nacional-socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial, Heidegger assumiu a cadeira de Husserl na Universidade de Friburgo redigindo obras filosóficas, pequenos artigos e ensaios.
Entre as principais obras de Heidegger estão: “Novas Indagações sobre Lógica” (1912); “A Doutrina do Juízo no Psicologismo – Uma Contribuição Crítico-Positivo à Lógica” (1914); “A Doutrina das Categorias” (1916); “O Conceito de Tempo na Ciência da História” (1916); “Ser e Tempo” (1927); “O Que é Metafísica” (1929); “Da Essência do Fundamento” (1929); “Kant e o Problema da Metafísica” (1929).
3. RELAÇÃO ENTRE HEIDEGGER E GADAMER
A principal obra de Heidegger “Ser e Tempo” propusera uma hermenêutica ontológica, na qual influenciou em potencial a obra “Verdade e Método” de seu discípulo Hans Gadamer. Assim, o trabalho hermenêutico visava interpretar o clareando aquilo que se manifesta, mas que na maioria das vezes não dava para compreender.
De acordo com Heidegger, a questão do ser, embora sempre estudada ao longo da história da filosofia, jamais foi resolvida; sendo até muitas vezes deturpada (uma vez que outros filósofos estudavam aspectos particulares, apenas algumas partes do “ser”, e não ele ao todo).
Em Ser e Tempo, sua obra mais reconhecida, ele faz uma elaboração concreta à cerca do sentido do “ser”, de uma maneira interpretativa. Ele elaborou uma análise existencial a partir do método fenomenológico, o qual Heidegger considera o único modo de esclarecer e interpretar a existência do ser, ou seja, o ser não somente não pode ser definido, como também nunca se determinará em sentido de outra coisa. Segundo Heidegger “o ser apenas poderá ser definido a partir do seu sentido como ele próprio”. Heidegger considerava quatro características existências que fundamentam o ser: o ente, a existência, a temporalidade e a morte.
O homem é o único ente no qual podemos ter acesso e extrair o sentido do ser, porque ele é o ente que tem relação singular com o ser. Portanto, quando Heidegger aprofunda a questão da existência do ser, ele parte deste ente singular e consciente que é o homem.
Heidegger define como existência todas as relações de reciprocidade entre o ser e todos os entes, através do ente que ele julga privilegiado, que é o homem. E complementa que só o homem existe, que outras “coisas” sem vida são, mas não existem. O primeiro existencial é o ser no mundo, ou seja, o ser está sempre em relação com algo ou alguém. Porém, segundo Heidegger, pelo fato de o ser estar no mundo, ele não está preso a esta situação em que se encontra, e sim aberto para tornar-se algo novo.
O terceiro existencial que Heidegger identifica é a temporalidade. Temporal significa transitório, o que passa com o tempo, mas não em torno de si. Para Heidegger, a situação existencial é inseparável da temporalidade, o homem só existe porque está essencialmente ligado ao tempo, pois o existir é construir o futuro.
O último fator existencial é a morte. Esse existencial é a maior das certezas humanas, na qual o ser está sempre diante dessa possibilidade. O homem é, sobretudo, um ente que está no mundo para a morte, contudo só temos experiência com esta indiretamente, através da morte dos outros. À medida que vivemos, a idéia da morte é algo que cresce e se desenvolve em nós. Heidegger afirmava que “a morte é uma possibilidade presente constantemente e não distante”. Ele também afirmava que a morte era a única maneira de se atingir a individualização, ou seja, conquistar a totalidade de sua vida e lhe permite ser completo.
De acordo com sua obra Ser e Tempo, torna-se possível a compreensão da união destes fatores, abordando questões tão complexas da filosofia, que são os fenômenos da existência, que numa forma direta influenciou Hans Gadamer com sua obra Verdade e Método.
4. BIOGRAFIA DE HANS-GEORG GADAMER E O CONTEXTO HISTÓRICO EM QUE ELE ESTÁ INSERIDO
O pensamento de Gadamer encontra-se marcado, sobretudo, pelas influências de Dilthey, Heidegger, o qual foi seu professor, além das influências de toda a tradição hermenêutica alemã. Procurou com seus trabalhos desenvolver uma tentativa de interpretação do ser histórico, através de sua manifestação na linguagem, uma vez que, esta se apresenta em seu pensamento, como uma forma básica da experiência humana. Auto-hide: on
Inserido no cenário da Primeira Guerra Mundial, Gadamer inicia os estudos sobre hermenêutica. No campo da própria filosofia, não era mais possível, principalmente para os jovens filósofos, uma simples reprodução do que havia sido criado pela geração anterior, por isso, é na busca por orientação em uma Alemanha desnorteada, em que a amargura e a ânsia por renovação, a pobreza, a descrença e a vontade de viver da juventude se combatiam entre si, onde se configura o maior incentivo para Gadamer abordar as questões filosóficas.
O contexto histórico, cultural e intelectual da época proporcionava aos jovens pensadores buscar novas saídas para o pensar, sobretudo, para Gadamer. Husserl foi o filósofo que apresentou de início a “nova saída”, mas sua busca por uma evidência última, assessorada pelo seu rigor metodológico acabou encontrando melhor apoio filosófico no neokantismo. Desse modo, o amparo intelectual em que Gadamer pôde se alimentar, só se fez possível com Heidegger. A partir disso, Gadamer se coloca como discípulo de Heidegger e reorienta as suas investigações filosóficas, abrindo novos caminhos dos quais se erguerá o gigantesco universo hermenêutico.
Mais precisamente em 1924, Gadamer apresenta a ideia de redução da filosofia às experiências básicas da existência humana, a qual se tornou o primeiro principiado de seu artigo. A partir daí, surge uma sistematização em relação à condução do pensamento histórico, em busca da recuperação dos questionamentos da tradição, que em Heidegger se torna imprescindível, devido à intensidade com que ele fazia reviver a filosofia grega. Com isso, o filósofo inicia os estudos sobre filologia clássica, em especial analisando os pensamentos dos filósofos gregos.
Ele percebe que a tradição não podia mais se apoiar nas interpretações metafísicas da razão, o que o leva a introduzir a perspectiva hermenêutica. Para Gadamer, o importante é mostrar como a razão deve ser recuperada na historicidade do sentido, e essa tarefa se constitui na auto-compreensão que o ser humano alcança como participante e intérprete da tradição histórica.
No final da década de 40, depois de anos como estudante e docente em Marburgo, Gadamer aceita o convite para a sucessão de Karl Jasper em Heidelberg. Foi um momento favorável para concentração em seus planos de trabalho, resultando no ano de 1960 em sua monumental obra "Verdade e Método". O livro ensina, antes de tudo, a hermenêutica compreendida como práxis, a qual se converte em uma arte de compreender e de tornar compreensível, de uma hermenêutica da qual estamos sempre embarcados pela tradição.
Desse modo, o autor vê a possibilidade de explicitar fenomenologicamente esse acontecer em três esferas da tradição: o acontecer na obra de arte, o acontecer na história e o acontecer na linguagem. A hermenêutica que cuida dessa verdade não se submete a regras metódicas das ciências humanas, por isso ela é chamada de hermenêutica filosófica. Gadamer explica que tudo que é vivido pelos indivíduos históricos, é depositado sobre um código comum de identificação e comunicação, de modo que a história se deposita em camadas na linguagem, ganhando assento paulatino em seu processo de transmissão pela tradição de geração a geração.
Por esse motivo, em suas proposições, ele apresenta a linguagem sempre ligada a uma tradição, utilizando “pré-conceitos”, no sentido fenomenológico de conceitos formados previamente, para constituir as estruturas do conhecimento. Logo, para o filósofo, a tradição fortalece a compreensão, surgem novas possibilidades de leitura, e a tradição se torna algo que, apesar de fazer parte do passado, continua como “pré-conceito” instituinte do presente.
5. ASPECTOS GERAIS SOBRE A CONCEPÇÃO HERMENÊUTICA DE GADAMER
Dentro da compreensão e da interpretação que indivíduo pode fazer de algo, o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer desenvolve a hermenêutica filosófica a partir de experiências oriundas do contato com diversos filósofos, como Edmund Husserl, Martin Heidegger e Wilhelm Dilthey. Assim, ele define que a compreensão de algo por alguém depende, sobretudo, de pré-conceitos, ou seja, conceitos previamente definidos, que estão inseridos na mente, na cultura e na história das pessoas. Portanto, dentro da hermenêutica, a questão nuclear é a linguagem, porque é a forma intermediadora entre o pensamento e a compreensão.
Nesse sentido, é salutar diferenciar compreensão de interpretação. A primeira consiste em entender a linguagem através da leitura, por exemplo, o que fica no interior do leitor, é o acordo entre língua e objeto, enquanto a segunda é uma certa recriação dada a partir de uma compreensão tida sobre algo, e isso se exterioriza, se reproduz de forma intrínseca a cada interlocutor.
Sob esse aspecto, a experiência de mundo, a vivência das coisas e a existência histórica são fatores que levam cada indivíduo a entender as coisas de forma peculiar. Então, a chave gadameriana de pensamento consistiria nessas experiências, dentro da circunstância vivida por cada indivíduo e criada por ele.
6. AS CONCEPÇÕES PASSADAS DE HERMENÊUTICA ANTIGA E A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
A hermenêutica antiga data da Grécia, a partir de compreensões e interpretações das obras dos sábios gregos, como Aristóteles e Platão, que contribuíram no desenvolvimento desse ramo da Filosofia.
No período grego, a interpretação ocorria de forma alegórica, ou seja, consistia em desvendar os elementos subjacentes, que não se manifestam, embora estejam ocultos no texto, o que estimula no leitor a procura desses elementos nas entrelinhas para poder compreender o texto. Essa prática estendeu-se durante boa parte da Idade Média, pois a Igreja Católica Apostólica Romana a usava para interpretação das Sagradas Escrituras, para poder nortear os princípios de sua religião, assim como seus seguidores. Nesse sentido, a Igreja procurava mostrar no Antigo e Novo Testamento de forma teológica conotativa, isto é, baseando seus ensinamentos a partir de interpretações figuradas da Bíblia Sagrada.
Porém, a Reforma Protestante eliminou da hermenêutica teológica o sentido figurado, a alegoria, pois os patrocinadores desse movimento, como Martinho Lutero, acreditavam que a Igreja Católica passava por uma degradação de princípios. Assim, os protestantes passaram a entender a Bíblia com base na filologia, o que trouxe uma interpretação ao que está nela de forma expressa, denotativa, literal. Dessa maneira, os reformistas deram uma consciência metodológica ao objeto de sua linguagem, as Sagradas Escrituras, e isso as deixou livres do arbítrio subjetivo.
Outra crítica ao Cristianismo foi feita por Baruch Espinosa, filósofo iluminista, o qual, influenciado sobretudo pelo racionalismo da época, exigia explicações racionais e naturais para as passagens da Bíblia Sagrada, como os milagres.
Em outro âmbito, Gadamer também trata da concepção em torno do termo autoridade, como sendo não a força que se impõe para conseguir obediência e impedir-se de pensar, porém como a proporção de superioridade que é proporcionada por um mandamento racional.
7. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER
A partir do exposto, Gadamer percebe a importância da história, dos pré-conceitos tidos pelo homem, da tradição, e coloca esses itens como fundamentais para a hermenêutica filosófica. Como base de seu estudo, o alemão entende, assim como as teorias existencialistas de Heidegger, que a compreensão e a interpretação da linguagem, do ponto de vista fenomenológico, teriam influências alheias a ela, como as dos elementos citados anteriormente. Assim, com uma visão histórico-efeitual, ele se opõe a Husserl, pois este concebia a realidade de sua experiência como sendo somente a realidade do objeto de sua pesquisa, enquanto Gadamer e Heidegger compreendiam as influências externas ao objeto.
Quanto à relatividade das formas de interpretação, há congruência entre os três filósofos, pois, sobretudo a ideia de Husserl sobre a fenomenologia quanto ao objeto, há a noção de que as verdades são relativas. Segundo Gadamer, isso ocorre pois, como a hermenêutica por ele proposta é baseada principalmente por história e tradição, há um relativismo nesses campos, pois os fatos históricos são criados e reformulados constantemente.
A partir do exposto, a história está em frequente construção e desconstrução, pois a partir da busca da verdade baseada nas ciências do espírito, que tratam do homem e do comportamento humano, os sentidos históricos vão sendo retificados mediante descoberta de falsificações ou destruição de lendas. Assim também é a tradição, que, embora em menor escala, pode ser redescoberta através da nova compreensão daquilo que possivelmente tenha sido distorcido suas origens.
Sob essa perspectiva, a hermenêutica de Gadamer pode ser sintetizada através da Filologia e da História, pois essas duas ciências têm condições de interpretar interna e externamente. Assim, a função do filólogo é compreender o que está expressamente presente na linguagem, enquanto o historiador ocupa-se em construir e desconstruir contextos de sentido na procura de um que não se manifesta explicitamente, porém está implícito no texto, o que se chama de elementos subjacentes.
Em relação ao cerne da hermenêutica filosófica, a linguagem, Gadamer entende que ela é estruturada por si só, porém não é suficiente capaz de, sozinha, resolver um problema. Logo, a mediação para dar margem ao entendimento seria o diálogo, porém este não mudaria a opinião entre locutor e interlocutor, pois significaria um acordo.
Em relação à diferença entre as ciências do espírito, como filosofia e psicologia, e as demais ciências, Gadamer fala do objeto de estudo delas, pois a primeira tem como foco o homem e o seu comportamento, enquanto a outra, as expectativas humanas. Logo, por ter comprometimento com o homem, as ciências do espírito teriam verdades legítimas, pois a pressão seria do interior do homem, enquanto as demais ciências se preocupariam com a influência econômica ou a pressão da opinião pública. Dentro disso, o filósofo também trata do autoconhecimento das ciências do espírito, o que não ocorre com as demais ciências.
Gadamer desenvolveu uma espécie de simbologia para designar a hermenêutica por ele desenvolvida. Assim, o Círculo de Compreensão seria composto por círculos concêntricos, que significariam a linguagem, contidos num todo, que poderia ser a história, o contexto ou a própria linguagem. Esses círculos, conforme a ampliação do sentido da linguagem, iriam direcionando-se no sentido oposto ao do centro.
Dessa forma, para haver compreensão, os círculos deveriam estar conformes entre si e ao todo, e isso proporcionou a simbologia da maneira como se dava a linguagem a partir dos elementos influenciadores para Gadamer.
A partir dos conceitos já expostos, Gadamer se opõe a várias vertentes do Direito, como a Escola Histórica, sobretudo às positivistas, a exemplo da Escola da Exegese. As críticas à primeira, embora reconhecesse a primordial importância da história na interpretação, o alemão não a colocava como elemento único. Segundo ele, a Escola Histórica prendeu-se à ilusão objetiva do método histórico, o qual consistiria em transpor ao espírito da época em que se vive ou vivia conceitos e representações, o que não proporcionava uma opinião própria do indivíduo.
Quanto à Exegese, as críticas são muitas, pois enquanto Gadamer defendia a relatividade, a circunstancialidade, a importância da História e a flexibilidade do método, a Escola defendia a universalidade, o método rígido, absoluto através de situações determinadas. Diante disso, Gadamer atenta que os fatos não são propriamente fatos, pois dependem da interpretação que cada um dá a eles, podendo tomar conotações infinitas a partir da experiência de mundo e da tradição do homem. Já em relação à universalidade exegética, o alemão entende que não deve existir, pois cada povo é determinado por sua circunstancialidade, historicidade e formação prévia de conceitos.
Então, o filósofo alemão trata do exercício da hermenêutica filosófica através de diversos elementos, como a experiência, a compreensão, a historicidade e a linguisticidade. Esta última seria o veículo de aproximação do passado às necessidades imediatas e consequencias do presente, funcionando como atividade de apoio à práxis jurídica em virtude da infinidade de interpretações possíveis. Logo, a aplicação do Direito deve dar-se numa mediação entre o passado e a resolução concreta de um fato baseando-se nesses elementos.
Quanto à completude do sistema jurídico, defendida pela Exegese, é combatida por Gadamer. Como solução, ele legitima o jurista a compreender e interpretar a lei conforme a linguagem, a tradição e o contexto histórico visando à resolução de casos concretos, ou seja, aplicar a lei. Assim, há crítica às teorias de juiz imparcial do juspositivismo, combatidas pelo Sociologismo Jurídico, pois Gadamer acreditava que não existia jurista onisciente e, em virtude disso, ele deveria nortear-se pelos elementos centrais da hermenêutica filosófica. A hermenêutica jurídica de Gadamer não permitia o arbítrio, pois ele impediria de ser feita a interpretação mais verdadeira das leis, e isso proporcionaria igualdade jurídica.
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Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2014.2). Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (2018). Advogado inscrito na OAB/PE entre 2015 e 2019. Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Kaio César Queiroz Silva. A hermenêutica de Hans-Georg Gadamer Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2020, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54090/a-hermenutica-de-hans-georg-gadamer. Acesso em: 23 dez 2024.
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