JÉSSICA CAVALCANTI BARROS RIBEIRO[1]
Resumo: O objetivo do artigo é analisar o conceito e função da norma jurídica segundo uma concepção retórica. Utiliza-se fundamentação teórica com base na hermenêutica jurídica. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cujo método empregado é o dedutivo. É dedutivo porque é um processo de análise da informação que utiliza livros e artigos científicos para obter uma conclusão a respeito do problema. O trabalho foi realizado por meio de pesquisas bibliográficas na área de Direito, mais precisamente na área de hermenêutica e introdução ao estudo do direito.
Palavras-Chave: Norma Jurídica. Retórica. Hermenêutica.
Abstract: The objective of the article is to analyze the concept and function of the legal norm according to a rhetorical conception. Theoretical basis is used based on legal hermeneutics. It is a descriptive research, the deductive method used. It is deductive because it is an information analysis process that uses books and scientific articles to reach a conclusion about the problem. The work was carried out through bibliographic research in the area of Law, more precisely in the area of hermeneutics and introduction to the study of law.
Keywords: Legal Standard. Rhetoric. Hermeneutics.
1. Introdução
A construção de “uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo” tem sido alvo do trabalho filosófico do Douto João Maurício Adeodato, Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Ele se propõe a ressuscitar uma disciplina milenar, esquecida devido ao “progresso” da sociedade e à evolução da ciência. Como consequência do esquecimento da retórica como disciplina de fundamental importância para a Filosofia do Direito e para a Doutrina Jurídica, criou-se, na sociedade contemporânea, uma Doutrina Jurídica de “transcrição”, cujos autores repetem ideias dos principais teóricos; não contribuindo, assim, para o aprofundamento do conhecimento jurídico.
Faz-se mister, então, uma breve conceituação de Filosofia do Direito e Retórica para que se entenda melhor o problema.
A Filosofia do Direito consiste em investigações filosóficas sobre a realidade jurídica e temas a ela relacionados, como: justiça, validade e legitimidade das normas, liberdade, propriedade, ética, função social do Direito etc. Esses temas e tópicos desdobram-se em questionamentos ainda maiores, como: é direito o que está escrito na lei ou o que os juízes dizem o que é de direito? É legítima a lei rejeitada por seus destinatários (reflexões sobre a norma jurídica)? Quais são os princípios cujos tribunais e constituições se baseiam (reflexão sobre o direito subjetivo)?
Diria Moncada (195, p. 1) que:
A Filosofia do direito não é uma disciplina jurídica ao lado de outras; não é sequer, rigorosamente, uma disciplina jurídica. É uma atividade mental ou ramo da Filosofia que se ocupa do direito; é uma parte, um capítulo particular, se quisermos assim chamar-lhe, da Filosofia. Há uma Filosofia do direito, como há uma Filosofia da arte, outra da religião, outras das ciências, etc., mas só quando ao estudo destes objetos se imprimir uma determinada orientação e eles forem contemplados por nós sob certo aspecto; como há, inclusivamente, uma Filosofia de todas as diferentes manifestações da vida, da atividade e do pensamento humano e de todas as coisas.
A Retórica, “arte da boa fala”, junto com a dialética e a lógica, faz parte da Filosofia, pois se baseia em um estudo estruturado sobre a elaboração do discurso e sua exposição. Relaciona-se também à Filosofia do Direito e ao próprio Direito, já que, a “Arte da Argumentação” visa convencer/persuadir os juristas sobre determinado assunto. Segundo Sousa (2001, p. 50):
[...] a argumentação (ou retórica) - enquanto processo discursivo de influência - deita mão de todos os recursos persuasivos disponíveis e o raciocínio lógico ou quase lógico, a sugestão e até a sedução, não são senão diferentes e interligados modos dela se manifestar. (...) nem a persuasão se mostra incompatível com a dimensão ético-filosófica da comunicação, nem o imperativo da discutibilidade crítica condena, a priori, o recurso ao elemento persuasivo. A comunicação afirma-se pela eficácia com que cumpre os seus objectivos. Sem eficácia, não passa de um simulacro. Sem persuasão, não se cumpre.
A filosofia retórica, porém, apresenta contradições; quais sejam: opõe-se à verdade ao mesmo tempo em que a pleiteia. A verdade retórica é relativa, constituindo-se como um acordo entre as partes sobre o valor da verdade; por isso é influenciável, autorreferente e volúvel.
Por causa dessas contradições, muitos preconceitos são propagados entre os doutrinadores. Pensa-se que retórica é apenas uma decoração (algo para deixar o discurso mais belo), que consiste apenas em induções e que a postura retórica não se encaixa dentro do conceito de filosofia. Murcho (2012) coloca que:
a retórica de que em geral se fala é a arte de enganar; é a arte de usar todos os dispositivos possíveis para influenciar o auditório, apelando para os seus instintos mais baixos, ou para argumentos que parecem razoáveis mas não o são (as falácias).
Mas, mais do que isso, a retórica constitui-se um importante instrumento de sedução e convencimento, seja no texto oral ou escrito. Além disso, usar retórica é ter uma atitude filosófica porque a retórica se inicia com várias definições sobre o objeto de estudo e sobre a qual escolhemos como mais importante (Russel, 1962, p. 11 - 12):
Uma definição normalmente induz a pensar que o definiens merece uma atenciosa consideração. Por isso uma colecção de definições inclui a nossa escolha (choice) dos argumentos e o nosso juízo sobre o que é considerado mais importante.
Dessa forma, a ideia de uma verdade absoluta sobre todas as coisas é um devaneio. O que ocorre são convenções sobre a verdade e sobre conceitos. Esses pactos são tentativas de se controlar o futuro, embora sejam, muitas vezes, descumpridos. São descumpridos constantemente porque as verdades, sendo relativas, impõem um relato mais verdadeiro do que outro; logo, uma pessoa será mais beneficiada, causando desconforto na outra. A debilidade desses acordos é demonstrada dessa forma.
2. O Apoio nas Perspectivas Científicas Não-Ontológicas
Teorias baseadas no senso comum afirmam que o cérebro percebe o mundo de forma empírica, através de percepções. Dessa forma, todas as percepções sensoriais seriam iguais, pois, todos veriam iguais cores, iguais formas, iguais texturas; aquele que visse de forma diferente, estaria tendo uma ilusão/decepção perceptiva. Porém, novas pesquisas mostram que o cérebro modifica o ambiente em que estamos; o ambiente passa a ser um dado “construído”, existindo dessa maneira, múltiplas percepções; a realidade e o mundo passam a ser, então, diferentes. Os estímulos provenientes do mundo são transformados em percepções, que chegam ao cérebro na forma de sinapses (sinais bioelétricos) – única forma utilizada pelo cérebro para interpretar o mundo (os sinais hormonais também devem ser transformados em sinais bioelétricos). O cérebro não consegue perceber os órgãos dos sentidos, consegue apenas interpretar as mensagens enviadas por esses órgãos, por exemplo: as impressões visuais decodificadas pelo córtex ínfero-posterior são independentes da imagem real, que nada tem a ver com o seu local de estímulo. O cérebro, dessa forma, constrói sua própria realidade.
Tomando-se como ponto de referência o cérebro humano, a grande variedade de percepções observadas pela experiência sensorial passa a ser evidente, já que os estímulos sensoriais chegam ao cérebro de maneira inespecífica. Devido ao elevado número de possibilidades, torna-se impossível prever a reação cerebral causada por impulsos sensoriais. Por isso, o cérebro não é “aberto ao mundo”, ele é um sistema fechado, interpretando, apenas, as sinapses; não sabendo de onde vêm os significados ou origens desses sinais.
O cérebro percebe o mundo, adaptando-o, para adequar nossas vidas a ele. Cria-se, dessa forma, “ilusões”, que não necessariamente ocorrem em casos programados ou extremos; cita-se o exemplo de que quando vemos determinadas marcas de produtos de “fast food”, associamos a marca à comida e ficamos com vontade de consumi-la. Essas ilusões ocorrem todos os dias, constantemente.
O ato/processo de aprendizagem humano (cognição) pode ser dividido em vários setores; dentre eles, existem três áreas intimamente relacionadas ao processo de percepção do mundo: a área do pensamento – incluindo aí as emoções e a imaginação; a área das experiências corporais – como dor, calor e frio; e a área de como o cérebro percebe o mundo circundante e os objetos. Mesmo sendo sutil a linha que separa esses três setores, geralmente conseguimos distingui-los com certa precisão. De acordo com Cury (2008, p. 9 - 22):
A primeira área é mais profunda, refere-se aos fenômenos inconscientes que atuam em milésimos de segundos no resgate e na organização das informações da memória e consequentemente na construção de pensamentos e emoções. Essa produção é registrada milhares de vezes por dia pelo fenômeno RAM (registro automático da memória), construindo a plataforma que forma o EU, que é a expressão máxima da consciência crítica e capacidade de escolha. Tudo o que percebemos, sentimos, pensamos, experimentamos, tornam-se tijolos na construção dessa plataforma de formação do Eu.
A segunda área se refere ao corpo das complexas variáveis que influenciam em pequenas frações de segundos os fenômenos que leem a memória e produzem os pensamentos, imagens mentais, ideias e fantasias. Entre essas variáveis destaco “como estou” (estado emocional e motivacional), “quem sou” (a história existencial arquivada nas janelas da memoria), “onde estou” (ambiente social), “quem sou geneticamente” (natureza genética e a matriz metabólica cerebral) e o “como atuo como gestor da psique” (o Eu diretor do roteiro de nossa história).
[...]
A terceira grande área da inteligência se refere aos resultados das duas primeiras áreas. Nessa área se encontram os comportamentos perceptíveis, capazes de serem analisados, avaliados, aferidos. Nessa área se evidencia a rapidez de raciocínio, o grau de memorização, a capacidade de assimilação de informações, o nível de maturidade nos focos de tensão, bem como os patamares de tolerância, inclusão, solidariedade, generosidade, altruísmo, segurança, timidez e empreendedorismo.
Quando muitas pessoas começam a agir da mesma maneira, e essa atitude passa a ser aceita por todos, essa conduta começa a ser considerada “normal”; seria considerada loucura se apenas uma pessoa a fizesse. Psicopatas passam a considerar suas ações tão legitimadas quanto as ações das outras pessoas. As observações quanto as ações/atitudes tem de ser feitas de um ponto de vista externo para que se possa separar o “normal” do “anormal”. Entre o cérebro humano e o mundo exterior existe algo que os separa. Essa separação é feita pela linguagem. O cérebro humano e o próprio ser humano, porém, não conseguem perceber essa mediação, pois percebemos o mundo como um dado empírico. É nisso que consiste a autorreferência da retórica: não haver um ponto de referência objetivo e externo em relação à linguagem.
A realidade constitui-se, dessa forma, como a descrição aparentemente mais verdadeira da realidade. E possui o poder aquele que tem autoridade moral para modificar, ou legitimar, essa descrição (esse tipo de poder é chamado de “poder da razão”). Todos temos algum poder, pois ter poder é, de certa maneira, controlar ou exercer o mínimo de influência sobre a sociedade ou uma parcela dela. Contudo, se todos temos poder, então todos nos influenciamos mutuamente o tempo todo. Para melhor entendermos o sistema social, diferenciamos as pessoas entre aquelas que têm mais poder e aquelas que têm menos poder; aquelas podendo pactuar com estas de forma que as prejudique. Por causa disso, a Filosofia Retórica intercede/atua em favor da extinção do poder. Ela pretende que o mínimo de poder seja acumulado pelas pessoas.
3. Conceito Retórico de Norma Jurídica
Ocorre na linguagem o fenômeno do abismo gnosiológico. Os fatos são únicos, irrepetíveis e incognoscíveis. A linguagem falha ao tentar descrevê-los, nem com todas as palavras do mundo se pode descrever um fenômeno tal como ele é. A linguagem gera ambiguidades, vaguezas e lacunas nos sentidos, nas palavras e nos conceitos. Além disso, existe a porosidade, que se dá quando um conceito muda, evolui, adquire outro significado.
Partindo desse ponto de vista, não é correto dizer que o conceito de norma deve estar de acordo com a conceituação da Escola da Exegese francesa, ou de acordo com a conceituação da Escola do Direito Livre. O conceito de norma, assim como o conceito de qualquer outro significante, adquire outros sentidos de acordo com a época, o lugar e a pessoa que a conceitua.
A Filosofia do Direito, assim como a semiótica e a Retórica, se preocupa com a conceituação de norma jurídica. Esta, a partir de certo momento, passou a ser quase um sinônimo de “Direito”. Dessa forma, é preciso definir norma jurídica quando se define Direito; não exatamente respondendo “o que é” norma jurídica, mas sim verificando quais são os diversos usos que ela pode assumir de acordo com a concepção de cada jurista.
Para a Escola da Exegese francesa (Legalista), Norma Jurídica é sinônimo de Lei (existe aí a univocidade da linguagem). Quem cria o “direito” neste caso é o Legislador – o juiz, julgador, nunca cria o direito -, sendo a interpretação sempre literal.
Por outro lado, a Escola Histórica e também a Escola do Direito Livre (chamadas de Realistas), dizem que a Lei é só um texto, é apenas uma das formas de expressão linguística da Norma Jurídica (é o significante da Norma). O julgador (não só os juízes serão julgadores), nesse caso, sempre criará a Norma, que surge durante a decisão e tem garantia após a decisão ser legitimada. A Lei passa a ser uma forma de justificar a decisão, e não uma forma de encontrá-la. Para as Escolas Sociológicas (Realistas), o que vale em uma Norma é sua efetividade (não só sua validade). Para essa corrente jurídica, portanto, o Direito Estatal passa a reconhecer o Direito Alternativo; pois este possui efetividade, enquanto que o aquele possui apenas validade.
É necessário também que se diferencie Norma Jurídica de Norma Não-Jurídica. A Norma Jurídica possui características inatas, são elas:
a) Bilateralidade ou Alteridade
Não há direito para uma das partes sem que exista direito para outra. A Norma Jurídica regula a conduta de um ou mais sujeitos em relação à conduta de outro ou outros indivíduos. Esta característica deve ser entendida em seu sentido axiológico, pois em seu sentido ôntico, todas as formas de condutas humanas são bilaterais, pois a bilateralidade requer a participação de dois ou mais indivíduos.
Gusmão (1986, p. 105) define essa característica da seguinte forma:
As normas jurídicas disciplinadoras de condutas são bilaterais, sendo, portanto, a bilateralidade sua nota específica. Geralmente, sua forma típica é imperativa, geral e abstrata. Compõe-se, em regra, de preceito e sanção. Na norma penal é perfeita essa estrutura, pois consta do “preceito”, que define o crime, e da “sanção”, que estabelece a pena. Já em outras, as sanções podem se encontrar em outra parte da lei ou em outra lei.
Cretella Jr. (1984, p. 35), por sua vez, coloca dessa forma:
Quando se diz, portanto, que a bilateralidade é conotação típica da norma jurídica, o vocábulo bilateral designa o sentido da relação, o traço axiológico, valorativo, deontológico que ocorre e não o mero aspecto da intersubjetividade social, que está presente também no mundo do relacionamento ético.
b) Heteronomia
Esta é a possibilidade de a norma se impor sobre seus destinatários independente da vontade destes, podendo até ser contra o querer dos destinatários. A norma jurídica representa o querer da autoridade da qual teve origem, ou seja, do Poder Legislativo. Segundo Betioli (2001, p. 89):
[...] uma vez que são elaboradas por terceiros, as normas de direito podem coincidir ou não com as convicções que temos sobre o assunto. No entanto somos obrigados a obedecê-las, devemos agir de conformidade com seus mandamentos. E para o direito basta a adequação exterior do nosso ato à sua regra, sem a adesão interna.
Com outras palavras, ao direito é indiferente a adesão interior dos sujeitos ao conteúdo das suas normas; ele quer ser cumprido com a vontade, sem a vontade ou até mesmo contra a vontade do obrigado. Nem todos, por exemplo, pagam o imposto de renda de boa vontade; no entanto, o direito não exige que, ao pagá-lo, se o faça com um sorriso nos lábios; a ele basta que o pagamento seja feito como ordenado: na época prevista, de acordo com a alíquota estabelecida etc.
Isso significa que as normas jurídicas são impostas, valem objetivamente, independente da opinião e do querer dos seus destinatários. Na lição de Reale (1984:49), é essa “validade objetiva e transpessoal das regras jurídicas, às quais é indiferente a adesão interior dos sujeitos ao seu conteúdo, que se denomina “heteronomia” do direito (do grego heteros = outro, e nomos = lei); significa sujeição ao querer alheio, a leis exteriores.
c) Coercibilidade
A coercibilidade de uma norma é consequência de sua heteronomia. Se uma norma não depende da vontade de quem a ela se submete, então ela deve ser empregada compulsoriamente (se não cumprida). A Norma Jurídica é imposta pelo Estado, e se não cumprida, este pode empregar uma pressão psicológica conhecida como vis compulsiva, ou até mesmo empregar a violência: vis corporalis ou vis materialis (Betioli, 2001, p. 90).
O direito, à diferença das demais normas éticas, surge aparelhado com a força para se fazer cumprir, impondo-se quando necessário. Caso não observemos voluntariamente o que ele determina, corremos o risco de ser compelidos, “forçados”, pelos agentes do Estado, a cumprir o que é determinado por suas regras. Há, pois, um elemento distintivo do direito: a força organizada em defesa do seu cumprimento.
d) Imperatividade
Toda norma de conduta é imperativa, pois todas contém um mandamento. A Norma Jurídica é um imperativo atributivo. É imperativo porque ordena, impõe uma conduta ou proíbe uma ação; e é atributivo porque confere algum direito a alguém. Toda Norma Jurídica contém um preceito e uma sanção (Betioli, 2001, p. 88).
O direito essencialmente é imperativo, porque sua norma traduz um comando, uma ordem, uma imposição para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. A regra do direito cria, pois, uma obrigação jurídica, um dever jurídico, cuja observância é urgida pela sociedade. Não se trata, portanto, de mera descrição ou mero aconselhamento. As normas jurídicas não foram enunciadas para ser contempladas, mas sim para ser cumpridas, prevendo-se concomitantemente a consequência do seu não cumprimento, no que consiste o seu caráter preceptivo ou imperativo.
As normas não serão jurídicas quando não atenderem a esses requisitos, ou seja, serão normas não-jurídicas as normas religiosas, morais, políticas etc.
Faz parte dos objetivos das normas o controle do futuro, a redução da complexidade futura, entendendo-se por complexidade todas as possibilidades que o Direito considera possíveis. A Norma, por isso, é um dever-ser; ela diz o que deve acontecer no futuro e quais as consequências caso alguém se desvie do comando da Norma. A sua legitimação se dá antecipadamente; dessa forma, quando a sanção for aplicada, o destinatário da Norma terá de aceitá-la (aceitar tanto a Norma quanto a sanção, não podendo se escusar por não conhecê-las).
4. Conclusão: Função Social da Norma Jurídica
A incerteza sobre o futuro e a complexa rede de possibilidades que esse tem deixa o homem inquieto. A Norma atribui para si então a função de “controle” do futuro, dos conflitos futuros e o controle do comportamento “normal” do homem. O sistema normativo tem um bom desempenho porque encara as possibilidades como algo cuja existência pode ser constatada de modo indiscutível e que irá realmente ocorrer.
As Leis e as Normas lidam com possibilidades reais e atuais, pois uma Lei que normatiza um evento impossível é uma Lei que não serve para nada; além disso, as Leis que normatizam comportamentos que não são mais comuns (do séc. passado, por exemplo) são Leis obsoletas.
O ser humano é o único animal que tem consciência de si próprio, de sua própria existência. É o único que sabe que morrerá, e esse saber causa angústia e desconforto. Daí surge a Filosofia (com o Existencialismo e outras correntes), a Psicologia, a Psicanálise; disciplinas que foram criadas para tentar consolar o ser humano e dar um sentido a sua vida/existência. A promessa faz parte desse consolo, pois com ela podemos “controlar” o futuro, ou pelo menos, comportamentos futuros. Contudo, a capacidade de prometer se liga a outras duas capacidades: perdoar e mentir. De nada funciona a promessa para eventos passados, então, para o ser humano ficar em harmonia com essa extensão temporal. A faculdade de mentir opõe-se a faculdade de cumprir a promessa. Para Adeodato (2011, p. 44), “a promessa estabiliza o futuro e remedia a imprevisibilidade da ação; o perdão estabiliza o passado e remedia a irreversibilidade dos atos humanos; e a possibilidade da mentira cria a necessidade da promessa.” A promessa e a Norma surgem então para diminuir a quantidade de possibilidades de ação, contudo cada escolha que fizermos abrirá mais possibilidades, e, com o surgimento de mais possibilidades, criaremos mais promessas e mais Normas (transformando este, em um trabalho infindo).
A complexidade do futuro angustia o homem, este, então, trabalha para diminuir essa complexidade. A ética e a religião trabalham para diminuir essa complexidade futura; entretanto, em sociedades menos diferenciadas, elas perdem espaço. O subsistema jurídico acaba por tomar para si toda a responsabilidade dessa normatização do futuro. A normatização baseia-se na linguagem, que é codificada pelo amor, pelo dinheiro, pela amizade e outras formas de comunicação, sendo o direito uma delas. O jurista, para exercer seu trabalho com competência e ética, precisa conhecer todo esse sistema. A Filosofia Jurídica e a Retórica Jurídica oferecem as ferramentas necessárias ao jurista para que ele entenda esse sistema.
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[1]Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio, Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia, Professora de Direito Constitucional e Hermenêutica da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco – AEVSF, advogada.
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Guilherme Sabino Nascimento Sidrônio de. Conceito e função da norma jurídica segundo uma concepção retórica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2020, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54910/conceito-e-funo-da-norma-jurdica-segundo-uma-concepo-retrica. Acesso em: 23 dez 2024.
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