CRISTIAN KIEFER DA SILVA[1]
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem como objetivo realizar uma promoção dos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais, sua celeridade, praticidade e a segurança jurídica que os mesmos oferecem como um instrumento que contribui para a redução do número de processos do Judiciário. A metodologia utilizada para a pesquisa foi a exploratória, buscando expor hipóteses que confirmam que os cartórios extrajudiciais tem contribuído com a redução de processos judiciais, no que couber, e que são capazes de evitar conflitos que, a posteriori, poderiam resultar em litígios que acabariam por trazer mais processos para o Poder Judiciário.
Palavras-chave: Notariais; Extrajudicial; Justiça;
Abstract: This article aims to promote the services provided by extrajudicial notaries, their speed, practicality and the legal certainty that they offer as an instrument that contributes to reducing the number of judicial proceedings. The methodology used for the research was exploratory, seeking to expose hypotheses that confirm that extrajudicial notaries have contributed to the reduction of lawsuits, as far as appropriate, and that are able to avoid conflicts that, a knowledge which proceeds from observations, could result in disputes that would eventually bring more lawsuits to the judiciary.
Keywords: Notaries; Extrajudicial; Justice;
Sumário: 1. Introdução; 2. Contextualização histórica sobre os serviços extrajudiciais no mundo e no Brasil; 3. Princípios específicos da atividade das serventias Extrajudiciais; 3.1. Princípio da Cautelaridade; 3.2.Princípio Rogatório; 3.3.Princípio da Independência funcional; 4. Diferença entre as serventias notariais, registrais e de protesto; 4.1. Cartório do ofício de Notas; 4.2. Cartório de registro de imóveis; 4.3. Cartório de registro civil das pessoas naturais; 4.4.Cartório de registro de títulos, documentos e das pessoas jurídicas; 4.5.Cartório de protesto; 5. Do tabelião de notas, de protesto e registradores: sua formação e capacidade para serem exímios aplicadores da Lei; 6. Das inovações legislativas na seara das serventias extrajudiciais e contribuição para a redução do número de processos no Poder Judiciário; 6.1.A Lei nº 11.441/2007 e a possibilidade de realização de separações e divórcios pela via extrajudicial.; 6.2. A Lei 11.441/2007 e a possibilidade de realização de partilhas pela via extrajudicial.; 6.3.A usucapião extrajudicial; 6.4.Conciliação e mediação em cartórios extrajudiciais; 6.5.A integração dos cartórios no combate ao crime de lavagem de dinheiro; 7. Das contribuições que algumas serventias podem oferecer para a prevenção de litígios: uma análise em relação aos cartórios de notas, registro de imóveis e registro de títulos e documentos; 7.1 Do Cartório de Ofício de Notas; 7.2 Do serviço de Registro de Imóveis; 7.3 Registro de títulos e documentos; 8. Do número ainda grande de separações e divórcios consensuais no judiciário: as vantagens de se realizar o procedimento pela via extrajudicial; 9. Das vantagens de se recorrer aos cartórios de notas para a realização de inventário extrajudicial; 10. Considerações finais; Referências.
1. Introdução
O conflito está para a sociedade assim como o Poder Judiciário subsiste para resolvê-los. De acordo com as ideias do contratualista Thomas Hobbes, o homem, em seu estado natural, tende ao conflito. Desta forma, os homens firmam um pacto com um terceiro imparcial, a figura de um Estado forte, para que se resolva os seus conflitos e garanta seus direitos, e assim então chegue - ou pelo menos busca - ao bem estar social. E desta maneira tem ocorrido desde o século XVI (dezesseis), onde surgiram as ideias de Hobbes, de a necessidade e imprescindibilidade de uma figura estatal para que se resolvam os conflitos, até a atualidade.
Seguindo o raciocínio, o Barão de Montesquieu em sua exímia obra “O Espírito das Leis” propôs a tripartição dos Poderes que detinha esse Estado. Como uma das figuras de tal tripartição, o Poder Judiciário fora idealizado para que fosse um Poder que aplicasse a Lei em um caso concreto, sem a concentração deste Poder, à época, nas mãos do monarca, quando lhe fosse apresentado como um conflito de interesses. Em nosso ordenamento jurídico pátrio, a Carta Magna de 1988, em seus artigos 92 a 126, buscou regulamentar essa atividade estatal de suma importância para a promoção de garantias e defesa de direitos fundamentais, possuindo este respeitável Poder Judiciário, como um todo, uma função social indispensável. Detém este Poder a função típica de julgar causas de distintas matérias, como causas cíveis, trabalhistas, criminais e dentre outras.
Não obstante, este Poder, que possui como função precípua julgar e dizer o Direito, tem se encontrado em um estado que o excessivo número de processos a serem julgados, e este fato tem resultado em uma morosidade na prestação jurisdicional. Sem adentrar no mérito dos motivos da superlotação de processos judiciais (reservando tal discussão e pesquisa a outros estudiosos), nos reserva apenas a análise de dados estatísticos que comprovam a obstrução do Judiciário. De acordo com o portal de transparência do Conselho Nacional de Justiça, CNJ em números, em uma análise restrita ao Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG, com ênfase a classe processual “ Processo Civil e do Trabalho”, foram 1.608.469 (um milhão, seiscentos e oito mil e quatrocentos e sessenta e nove) de processos distribuídos na justiça de primeiro grau em referência ao exercício de 2019, sendo que deste número, 988.938 (novecentos e oitenta e oito mil e novecentos e trinta e oito) são do assunto “Direito Civil”. Em relação ao tempo de tramitação destes processos, a mesma fonte informa que, em média, processos de conhecimento, da fase inicial até a sentença, duram em média 2 anos e 9 meses, sem contar ainda a fase recursal. (CNJ, 2020).
Diante deste cenário em que se evidencia o excessivo número de demandas levadas ao judiciário e morosidade em sua resolução, operadores do direito têm tentado buscar medidas alternativas à resolução de conflitos, e até mesmo à prevenção deles. Sem ignorar outras medidas, esta pesquisa fará uma análise de como os cartórios extrajudiciais podem e têm contribuído para desafogar o Poder Judiciário, desde a prevenção de litígios até a resolução, no que couber, de demandas.
2 Contextualização histórica sobre os serviços extrajudiciais no mundo e no Brasil
Os serviços extrajudiciais compreendem em serviços prestados pelo Estado, através de um delegatário público, onde será concedida autenticidade, fé pública e, principalmente, segurança jurídica aos negócios jurídicos privados. Antes da abordagem de como os cartórios podem contribuir para a redução do número de processos do judiciário proposto pelo artigo, é importante a situar, brevemente, os cartórios ao longo da história, sua chegada ao Brasil e evolução até resultar na importante ferramenta estatal que se tornou.
As primeiras aparições ao longo da história destes serviços foram com a civilização suméria. Responsáveis pela invenção da escrita, inovação àquela época dentre as civilizações do mundo antigo, foram com esses povos que apareceram os primeiros atos notariais. Os Escribas, que eram os personagens no seio social com conhecimento da escrita, realizavam atos que atribuíam fé pública aos documentos, aparecendo os primeiros carimbos como forma de autenticidade.
Muito embora os primeiros atos notariais tenham aparecido com os sumérios, foram os Romanos que aperfeiçoaram as práticas notariais e registrais, muitas delas herdadas pelos atuais modelos de cartórios e ainda praticadas. Os registros públicos e privados eram separados, onde os públicos guardavam uma relação com os assuntos da Corte e de Estado e eram exercidos pela figura denominada de “notarii”, e os privados eram responsáveis por elaborar documentos dos cidadãos, como contratos e testamentos exercidos pela figura do “tabelliones”.
Historicamente, os serviços extrajudiciais - naturalmente - chegaram ao Brasil com os portugueses, no período de colonização do país. As Ordenações do Reino davam ênfase ao valor probante dos atos escritos. Com a expansão da colonização lusa pelo território, criação das capitanias hereditárias e delimitação de terras, nasceu a necessidade de instituir Tabeliães para o controle desta atividade. Conta Gustavo Sousa César que os registros eram levados perante a Igreja Católica que, ao tempo, era órgão oficial vinculado ao Estado, que tal atividade se assemelhava muito aos que os serviços de registro de imóveis realizam atualmente.
Posteriormente, com o advento da Lei 8.935 de 1994 foram aperfeiçoados os atos praticados pelos cartórios. Além da substituição do termo “cartório” por “serventias”, a referida lei instituiu a comunicação entre as serventias, o arquivamento de documentos e a independência e responsabilidade dos titulares dessas serventias. Com o tempo, legislações foram sendo aprimoradas, até chegar ao modelo atual das serventias e suas funções, cada vez mais dando protagonismo a estas atividades e colocando as mesmas como mais um instrumento que contribui com a desobstrução do Poder Judiciário.
3. Princípios específicos da atividade das serventias Extrajudiciais
Falar em princípios é associar diretamente a ideias norteadoras, seja para guiar o legislador a aprimorar as leis em sua atividade legiferante ou para conduzir os operadores do Direito a aplicá-las. E na área extrajudicial não é diferente, com princípios peculiares que ordenarão o bom funcionamento desta seara.
3.1. Princípio da Cautelaridade
No ordenamento jurídico brasileiro, os profissionais que atuam nas serventias extrajudiciais se deparam em sua rotina com pessoas em que requisitam sua autoridade, seja para aconselhar sobre alguma medida ou para dar fé pública a algum ato jurídico particular.
Por esse princípio, de acordo com Oldemir Bilhalva Teixeira “o notário realiza tarefa acautelatória, e, desse modo, contribui sobremaneira à harmonização de interesses”. (TEIXEIRA, 2019, p. 131). A cautelaridade está intimamente ligada às atividades extrajudiciais como um todo, não só a notarial. Seja o registrador ou o tabelião, deve ter os cuidados jurídicos necessários na realização de seu mister, ao passo que sua função está envolvendo interesses jurídicos de terceiros e, a depender do caso, um erro ou omissão do profissional extrajudicial poderá até mesmo gerar uma responsabilidade solidária para com o caso concreto. Em resumo, o dever de cautela envolve, de acordo com seu juízo e conhecimentos técnicos, auxiliar as partes que buscarem os serviços extrajudiciais a tomarem decisões pautadas na cautela e primando pela segurança jurídica do negócio.
3.2. Princípio Rogatório
Na esfera judicial, o direito de ação é exercido nos moldes do princípio da inércia da jurisdição, segundo o qual a jurisdição deve ser provocada pelas partes interessadas. Desta forma, a parte interessada deve requerer ao Judiciário que tutela sua demanda.
Corolário ao princípio acima narrado, as atividades extrajudiciais, naturalmente, também se regem por princípios semelhantes. Trata-se do rogatório, onde a parte interessada na prestação dos serviços extrajudiciais deverá dirigir-se ao de sua competência - ou preferência, a depender - e solicitar tal prestação, não podendo os profissionais do Direito atuante nessas serventias atuarem sem requisição das partes.
3.3. Princípio da Independência funcional
De acordo com este princípio, os profissionais atuantes nos serviços extrajudiciais exercem suas funções de natureza pública e de forma independente. Quando algum destes profissionais se sujeitam a vontade de uma parte interessada inobservando deveres de seu mister, sua função social, sem dúvidas, restará prejudicada e flertando com a insegurança jurídica.
Independência funcional é, ademais, independência técnica e de juízo do profissional ao atuar nos casos concretos em que lhe são apresentados, para chegar o mais próximo que couber das possibilidades jurídicas do caso que lhe forem apresentados e sem detrimento de interesses das partes. Afinal, ter independência funcional para estes casos é principalmente adotar uma postura de modo a atender as partes e evitar futuros litígios.
4. Diferença entre as serventias notariais, registrais e de protesto
As chamadas serventias extrajudiciais, ou cartórios extrajudiciais, se dividem em 5 (cinco) espécies diferentes, cada uma atuando dentro de suas especificidades e atendendo a anseios específicos da população usuária. São os cartórios de ofício de notas, registro de imóveis, registro civil das pessoas naturais, registro de títulos, documentos e das pessoas jurídicas e, por fim, os tabelionatos de protesto.
A Lei nº 8.935/94, conhecida popularmente como “Lei dos Cartórios”, regulamenta o artigo 236 da CRFB, dispondo sobre serviços notariais e de registros. A dita legislação cuidou, em seus artigos 6º ao 13º, em trazer a diferença entre os serviços extrajudiciais presentes em nosso ordenamento jurídico, na forma abaixo.
4.1. Cartório do ofício de Notas
Conforme a Lei supracitada, aos notários compete a formalização jurídica da vontade das partes e a intervenção nos atos e negócios jurídicos a qual as partes queiram dar autenticidade e segurança jurídica.
Desta forma, é competência exclusiva dos Tabeliães de notas lavrar escrituras públicas, procurações, atas notariais, reconhecimento de firmas e autenticações de documentos. Sendo o mais procurado pelo público, os ofícios de Notas estão lotados nas comarcas por todo o território nacional, facultando a Lei ao usuário utilizar o serviço de qualquer um desses.
4.2. Cartório de registro de imóveis
Aos oficiais do serviço de registro de imóveis compete, no que lhe couber, a prática dos atos previstos na legislação de registros públicos, qual seja, Lei 6.015/73. Em relação a sua competência exclusiva, cabe ao registro de imóveis registrar todas as alterações constantes em um imóvel que está delimitado em sua circunscrição, que é por comarca e subdistritos.
É neste serviço extrajudicial que são feitos os registros de alienações referentes aos imóveis lotados em sua circunscrição, como exemplo a compra e venda ou a doação. Cabe a esta serventia também averbar, à margem da matrícula, alterações no status da coisa imóvel, como exemplo hipoteca, alienação fiduciária, usufruto, servidão, incorporação, condomínio, penhora, inalienabilidade etc.
Desta forma, sua atividade é imprescindível para dar publicidade a coisa imóvel registrada em sua serventia, ao passo que o interessado poderá solicitar certidões ao ofício de registro de imóveis para ter informações da procedência da coisa imóvel, o que garante segurança jurídica aos negócios jurídicos como a compra e venda.
4.3. Cartório de registro civil das pessoas naturais
Dentre os serviços extrajudiciais, este é o único em que poderá se afirmar que todos estão sujeitos aos seus serviços. Nele são registrados o Nascimento, Casamento, Óbito e interdição e todas as alterações desses registros que possam vir a ocorrer, como uma alteração no nome ou no estado civil da pessoa natural.
4.4. Cartório de registro de títulos, documentos e das pessoas jurídicas
A função precípua desta serventia é o registro de documentos para a sua conservação. Neste Cartório o usuário poderá registrar documentos particulares, como contrato de aluguel, contrato de compra e venda de imóveis (não se confunde com a escritura de compra e venda, lavrada no cartório de Notas e registrada no serviço do registro de imóveis).
É comum na prática os particulares celebrarem contratos e registrarem neste cartório, com a finalidade de haver uma via arquivada na serventia em caso de eventual perda do documento pelos pactuantes.
Em relação ao registro das pessoas jurídicas, tomou-se a liberdade de colocá-lo junto registro de títulos e documentos, pois, o que se observa na prática, é o acúmulo das funções pelas serventias no país. A função é registrar os atos constitutivos das pessoas jurídicas de Direito privado que não sejam de competência da Junta Comercial, como exemplo os estatutos de associações sem fins lucrativos.
4.5. Cartório de protestos
Os Tabeliães de protesto são responsáveis por dar publicidade a uma dívida não paga e por intimar o devedor. Neste cartório são levados os títulos executivos, como o cheque e nota promissória não paga, para que através do instrumento de protesto lavrado neste cartório possa ocorrer tal publicidade e constituir o devedor em mora.
5. Do tabelião de notas, de protesto e registradores: sua formação e capacidade para serem exímios aplicadores da Lei
Os tabeliães (sejam de notas ou de protesto) e registradores são agentes públicos classificados como particulares em colaboração com o Poder Público. Compreendem as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração (PAVIONE, 2020, p.232) São delegatários do serviço público, onde exercerão a função em nome próprio e sob a fiscalização do Poder Público.
Para se tornar um tabelião ou registrador, o interessado estará condicionado à realização de um concurso de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário de cada estado da federação. Para ilustrar a complexidade de tal concurso, selecionamos o Concurso Extrajudicial Edital 01/2019 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o fito de demonstrar cada etapa do certame.
Inicialmente, tratando dos requisitos para a outorga da delegação, além dos requisitos corriqueiros em editais como ter nacionalidade brasileira, estar em pleno gozo dos direitos civis e políticos dentre outros, a carreira apresenta requisito específico, conforme se vislumbra no item 4.1.1, “f”, ser bacharel em Direito ou ter completado dez anos de exercício da função em serviço notarial ou de registro.
Se tratando do certame, a seleção passa por cinco fases, sendo elas a prova objetiva, prova escrita e prática, comprovação de requisitos para a outorga da delegação, prova oral e, por fim, exame de títulos. Em relação a prova objetiva, a mesma possui um extenso rol de conteúdos no qual o conhecimento é exigido pelos futuros tabeliães e registradores. Valendo-se do edital exemplo, a prova objetiva possui 100 (cem) questões, passando pelos conteúdos Registros públicos e conhecimento geral, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal e Processual Penal, Direito Tributário, Direito Comercial, Direito Administrativo e Constitucional.
Em relação a prova escrita e prática, a mesma é fragmentada em uma dissertação, uma peça prática e quatro questões discursivas, tudo conforme conteúdo programático já descrito. Por fim, a prova oral realizada perante a banca examinadora onde, além do domínio do conteúdo, serão avaliados o uso correto da língua portuguesa e o estado emocional do candidato.
É correto afirmar que o que se extrai dos requisitos do edital é que um concurso rigoroso e extremamente seletivo, onde os aprovados, certamente, tiveram um longo preparo e carregam um notório saber jurídico. Um certame onde se é exigido dos candidatos conhecimentos desde Direito Penal até mesmo Direito Comercial, seguramente, tem a finalidade em selecionar aqueles que possuem um vasto conhecimento e, por consequência, raciocínio jurídico para resolver questões que lhes são apresentadas no cotidiano dos cartórios.
A importância de se reconhecer o percurso até se tornar um tabelião ou registrador é demonstrar que tal profissional é apto a ser um aplicador da Lei, onde diariamente em suas serventias serão levadas situações em que seu raciocínio jurídico refletirá diretamente na demanda, de forma sempre a trazer segurança jurídica para as partes e, por consequência, evitar conflitos que futuramente poderiam desaguar no Poder Judiciário.
6. Das inovações legislativas na seara das serventias extrajudiciais e contribuição para a redução do número de processos no Poder Judiciário
De toda a sorte os cartórios extrajudiciais têm, com o tempo, adquiridos uma maior importância no seio social e no ordenamento jurídico pátrio. Cada vez mais o legislador vem reconhecendo a atuação de excelência destas serventias e aumentando suas funções, colocando lado a lado os cartórios com outros órgãos de Estado em uma atuação que, cada vez mais, tem contribuído para a prevenção de litígios e redução dos números de processos.
Selecionamos algumas inovações legislativas que ocorreram e atribuíram algumas novas funções aos cartórios extrajudiciais, e como essas modificações contribuíram, e contribuem na diminuição de processos no judiciário, e na prevenção de litígios.
6.1.A Lei nº 11.441/2007 e a possibilidade de realização de separações e divórcios pela via extrajudicial.
Com a entrada em vigor da Lei Federal nº 11.441/2007, que alterou o Código de Processo Civil, se instituiu a possibilidade de se realizar separações, divórcios e partilhas (inventário ou sobrepartilha) em cartórios extrajudiciais. Mais especificamente, serão realizados nos cartórios de ofício de notas, onde serão lavrados em escritura pública pelo Tabelião de notas e sem a necessidade de homologação por juiz. Todavia, não serão todos os casos específicos que poderão ser realizados em cartórios de notas, devendo ser observados os requisitos legais.
Para a realização de separações e divórcios pela via extrajudicial, além do recolhimento dos emolumentos cartorários (conforme tabela de cada estado da federação), é necessário que da relação não haja filhos menores ou incapazes, que a varoa não se encontre em estado gravídico e que haja consenso entre as partes. Os mesmos requisitos se aplicam quando da realização de dissolução de união estável. Insta salientar que a realização destes procedimentos em cartório não exclui a necessidade de estar assistido por advogado.
Com relação a números, desde que entrou em vigor a legislação, é notável a redução de processos no judiciário. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil - CNB, foram mais de 1,3 milhões de processos de separações, divórcios e partilhas retirados do poder judiciário desde a entrada em vigor da Lei supracitada, com uma economia de 3 bilhões de reais na justiça de todo país.
Em análise aos números do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o relatório de movimentação processual, extraído do sítio eletrônico deste mesmo Tribunal, demonstra, entre 2007 (ano de entrada em vigor da referida Lei) e 2009, já uma grande diferença no número de processos da natureza “família”, a qual se enquadra as separações e divórcios consensuais. Enquanto em 2007 foram distribuídos 230.847 feitos da natureza “família”, em 2009 foram ajuizados 211.481 feitos dessa mesma natureza, totalizando uma redução de aproximadamente 20.000 processos dentre as comarcas do estado de Minas Gerais. De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em números, conforme dados mais recentes, em 2019, embora fossem distribuídas 254.038 ações de família (um número superior aos anos citados anteriormente), mas desse número apenas 20.729 compreendem ações de separação e divórcio consensual, não totalizando nem 10% dos feitos ajuizados de família.
Tais números, em verdade, são um reflexo da referida Lei nos processos de natureza “família”, revelando que magistrados têm se dedicado mais a causas de outros assuntos dentro dessa mesma natureza processual, sendo uma notória contribuição dos serviços extrajudiciais para com a desobstrução do judiciário.
6.2. A Lei 11.441/2007 e a possibilidade de realização de partilhas pela via extrajudicial.
Ainda sobre a Lei supracitada, que modificou o diploma processual civil, mas agora em uma análise em relação às partilhas, a mesma legislação também autorizou que os tabelionatos de notas realizassem inventários e sobrepartilhas consensuais. Da mesma maneira das separações e divórcios consensuais, não será qualquer demanda analisada pelo notário, devendo cumprir os requisitos impostos pela Lei e sendo obrigatória a assistência de um advogado.
Com relação aos requisitos, para que se realize a partilha pela via extrajudicial é necessário, além do pagamento dos emolumentos cartorários, deverá se apresentar as devidas documentações de impostos pagos, certidões necessárias, que todos os herdeiros sejam maiores e capazes, devendo haver o consenso entre os herdeiros quanto à partilha dos bens e o falecido não poderá ter deixado testamento (exceto se o mesmo estiver caduco ou revogado).
Em relação ao requisito testamento, tal requisito ostenta maior atenção, por razão de alteração recente em entendimento do Superior Tribunal de Justiça e normas estaduais. O Superior Tribunal de Justiça, em decisão inédita expedida em Outubro de 2019, decidiu por ser possível a realização do inventário em vias cartorárias mesmo com testamento. O Desembargador Luis Felipe Salomão, da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, fundamentou em seu voto que não é razoável obstar a realização da partilha por escritura pública, desde que houver registro válido do testamento ou autorizado pelo juízo sucessório quando não houver discussões incidentes que não poderiam ser dirimidas pela via extrajudicial. De acordo com o Desembargador, obstar a realização violaria princípios caros de justiça, como a efetividade da tutela jurisdicional e duração razoável do processo. Em conformidade com o entendimento, Tribunais dos Estados já têm autorizado as respectivas serventias extrajudiciais a realizarem o inventário com testamento, mediante autorização judicial. É o caso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde o Código de normas, provimento nº 93/2020, em seu artigo 224, §1º, expressamente admite a lavratura da escritura pública de inventário nos casos em que houver testamento válido com ordem judicial. Louvável é tal decisão do Superior Tribunal de Justiça e autorização por parte dos Tribunais dos estados em permitir os cartórios extrajudiciais a realizarem o inventário mesmo com testamento, uma vez que reduz, em parte, um requisito e possibilita a entrada de mais partilhas em cartórios e, por consequência, diminuindo o número de inventários judiciais.
Em relação aos números de processos judiciais, em 2007, ano da implementação da Lei, o número de feitos distribuídos da natureza “sucessões” era de 37.674 novos processos, de acordo com o relatório anual de processos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em contrapartida, em 2019 (dados mais atuais disponíveis), conforme o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em números, o número de ações distribuídas na classe “sucessões” foi de 25.969, evidenciando os efeitos da entrada em vigor da referida Lei e comprovando, em números, a redução de processos no Poder Judiciário.
6.3.A usucapião extrajudicial
A usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada exercida sobre a coisa acrescida de demais requisitos legais. O termo usucapião é oriundo do latim usu capio, ou seja, tomar a coisa pelo uso.
De acordo com a legislação e doutrina civil, as espécies de usucapião são a extraordinária, ordinária, especial urbana, urbana coletiva e rural. Sem entrar no mérito de diferenciar cada uma das espécies, reservando tal conhecimento a estudos apartados, a intenção da presente pesquisa é tão somente demonstrar que a usucapião extrajudicial não se trata de uma nova modalidade de se usucapir, mas sim um novo procedimento inserido no ordenamento jurídico brasileiro, mais célere e que tem contribuído com a redução de processos no judiciário e a promoção do direito de propriedade.
Com a entrada em vigor do CPC/2015 (Código de Processo Civil), o novo códex introduziu no direito brasileiro um meio alternativo ao processo judicial de usucapião: o procedimento de usucapião extrajudicial. O atual diploma processual civil alterou o artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), estabelecendo que, sem o prejuízo da via jurisdicional - em respeito ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição -, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório de registro de imóveis a comarca em que estiver o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado e representado por um advogado e munidos das documentações necessárias.
Em relação às documentações necessárias para se processar a usucapião junto aos oficiais de registro de imóveis, os incisos do referido artigo da Lei de Registros Públicos impõe que deverá ser apresentada, juntamente com petição subscrita por advogado solicitando o reconhecimento da usucapião, as seguintes: ata notarial lavrada por tabelião de notas, atestando o tempo de posse do requerente e antecessores, conforme o caso; planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapindo ou dos imóveis confinantes; certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; e justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e taxas que incidem sobre o imóvel. Ademais, o provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça estabelece diretrizes procedimentais para a realização da usucapião extrajudicial nos cartórios de registro de imóveis e de ofício de notas, auxiliando os notários, registradores e respectivo advogado, ocasionalmente, representante da parte no pedido em todo o processo.
Passando agora à inquirição dos números de processos de usucapião judicial, fazendo uma comparação da quantidade que eram ajuizadas antes e depois da inovação instaurada pelo novo Código de Processo Civil, resta claro que este novo procedimento retirou processos do judiciário. Em uma análise em parâmetro nacional, a soma dos processos de usucapião ajuizados em todos os Tribunais dos estados da federação, em 2014 (um ano antes do Códico de Processo Civil/15), fora de 72.719 feitos. Já em 2017, um ano após o término do período de vacatio legis do novo códex, o número de feitos reduziu para 53.792. Com relação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2014 o número de processos judiciais de usucapião fora de 11.074. Em compensação, em 2017 houve redução para 7.312 de pedidos judiciais de usucapião, Tribunal este com um dos maiores números de processos dessa classe ajuizados anualmente.
Mais uma vez o que se vislumbra é a confiança do legislador pátrio nos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais. Em uma tentativa para buscar meios de descongestionar o judiciário de processos, o Código de Processo Civil/15 foi discutido para buscar meios alternativos de resolução dos conflitos e demandas. O que se conclui é que delegar aos cartórios a realização do procedimento de usucapião foi uma escolha acertada, onde tal procedimento possui segurança jurídica e celeridade, que por consequência reduziram, no que lhe coube, processos no Judiciário.
6.4. Conciliação e mediação em cartórios extrajudiciais
A conciliação e a mediação compreendem em um dos meios alternativos de resolução de conflitos ante a busca pelo judiciário. Se trata de um procedimento onde as partes, auxiliadas por um terceiro imparcial, buscam a tentativa de resolução da demanda/conflito com base no consenso. A diferença entre as duas formas reside na atuação do terceiro imparcial, onde o conciliador adota um papel mais ativo naquele diálogo, dando opiniões e fazendo sugestões e o mediador facilita o diálogo entre as partes, sem opinar para que as mesmas cheguem a uma solução por esforços próprios.
A importância de se fazer a promoção da conciliação e mediação é buscar evitar os desgastes de tempo e dinheiro que um processo judicial prolongado pode resultar. Nessa toada, o provimento nº 67/2018 do Conselho Nacional de Justiça autorizou os cartórios de notas e de registro a realizarem conciliação e mediação, devendo a serventia interessa se cadastrar junto à corregedoria local e assumindo o dever de manter a capacitação dos funcionários que atuarão como mediadores e conciliadores. O provimento dispõe da forma que será realizado o procedimento, e os resultados da conciliação ou mediação ficarão resguardados sob confidencialidade nos livros cartorários. O valor dos emolumentos cartorários a serem recolhidos irá variar de acordo com a tabela de cada Estado.
Autorizar que seja realizado tais procedimentos perante os tabeliães e registradores é bastante positivo, sob a perspectiva de se ter profissionais com notório saber jurídico e capacitados para realizar tal procedimento, seja por sua formação ou pela obrigação de se manter, paulatinamente, preparados para lidar com demandas que lhes são apresentadas. Além do mais, tal permissão é mais uma alternativa às partes, sem contar as centrais de conciliação e até mesmo as audiências de conciliação e mediação pré-processual estabelecidas no Código de Processo Civil. O que se observa, mais uma vez, é os cartórios extrajudiciais sendo colocados lado a lado com outros órgãos com medidas de busca de diminuição de processos judiciais.
6.5.A integração dos cartórios no combate ao crime de lavagem de dinheiro
Os crimes de lavagem ou ocultação de bens e valores, conhecido no popular como “lavagem de dinheiro”, conforme o artigo 1º da Lei nº 9.613/98 compreende em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração pena. A referida Lei também se incumbiu de criar o Conselho de controle de atividades financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na mesma Lei.
Criar mecanismos nos quais o Poder Público continue, veementemente, no combate aos crimes de lavagem ou ocultação de bens e valores é de suma importância, uma vez que as formas de praticar tal infração penal estão cada vez mais complexas. É nesta toada que, para que se torne mais forte e efetiva a atuação do Estado em repressão a esses crimes, que o Conselho Nacional de Justiça, por meio do provimento número 88/2019, introduziu os cartórios extrajudiciais no combate ao crime de lavagem de dinheiro.
Dispõe o provimento que os notários e registradores devem avaliar a existência de suspeição nas operações ou propostas de operações de seus clientes. Nesse sentido, os tabeliães e os oficiais de registro deverão dar atenção à prática de atos incomuns em suas serventias, ou que, por suas características, no que se referem a partes envolvidas, valores, forma de realização, finalidade, complexidade, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios dos crimes de lavagem de dinheiro. Sendo assim, os mesmos comunicarão à Unidade de Inteligência Financeira – UIF, por intermédio do Sistema de Controle de Atividades Financeiras – Siscoaf, quaisquer operações que, por seus elementos objetivos e subjetivos, possam ser consideradas suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo.
A fim de se exemplificar situações em que os registradores e notários terão de, obrigatoriamente, comunicar à Unidade de Inteligência Financeira, o próprio provimento nº 88/2019 trouxe circunstâncias no qual configuram atividades que oferecem suspeitas. Quando o oficial do registro de imóveis se deparar com registro de transmissões sucessivas do mesmo bem, em período não superior a 6 (seis) meses, se a diferença entre os valores declarados for superior a 50%, onde evidencia-se o aumento paulatinamente do valor atribuído ao bem, ou então quando configurar indícios de ocorrência do delito, como doações de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis para terceiros sem vínculo familiar aparente com o doador, referente a bem imóvel que tenha valor venal atribuído pelo município igual ou superior a R$100.000,00 (cem mil reais). Em relação aos tabeliães, um exemplo de situação é qualquer operação que envolva o pagamento ou recebimento de valor em espécie igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou equivalente em outra moeda, em espécie, inclusive a compra ou venda de bens móveis ou imóveis. Tais exemplos não excluem outras possibilidades de o registrador ou o notário suspeitar de atos, uma vez que o provimento oferece uma margem de discricionariedade aos mesmos no sentido de convicção subjetiva do que será um ato que gere suspeita.
Conclui-se que as serventias extrajudiciais, ao assumir esse papel de atuar lado a lado com a central de controle de atividades financeiras - COAF aumenta o poderio estatal no enfrentamento aos crimes de lavagem e ocultação de bens, podendo, muita das vezes, contribuir ao ponto de fornecer dados que levem o Estado a informações cruciais sobre crimes em andamento, e, sem deixar de citar, reforçando a importância dos cartórios para com a sociedade.
7. Das contribuições que algumas serventias podem oferecer para a prevenção de litígios: uma análise em relação aos cartórios de notas, registro de imóveis e registro de títulos e documentos
Em entrevista concedida ao Colégio Notarial do Brasil - CNB/MG, ao ser indagado sobre como avaliava a importância dos segmentos extrajudiciais no auxílio ao Poder Judiciário, o Ilmo. Desembargador Newton Teixeira Carvalho, terceiro vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, respondeu que “ O segmento extrajudicial é de suma importância para desafogar o Judiciário e também para atender o mais rapidamente possível as pessoas, eis que vários requerimentos, que antes eram monopólio do Judiciário, agora podem ser feitos também nos Cartórios. Assim, o cidadão terá um atendimento mais rápido, a exemplo, da separação, divórcio, dissolução de união estável consensuais e usucapião.”. Embora tais contribuições dos cartórios, citadas pelo Ilmo. Desembargador, são imprescindíveis para desafogar o Poder Judiciário em relação ao número de processos, as serventias podem ajudar - e ajudam - na prevenção de litígios através de suas funções e de seus atos praticados.
Nesse sentido, o intuito deste capítulo é a partir das funções precípuas estabelecidas na Lei nº 8.935/94 (Lei dos Cartórios) e atos praticados por cada um dos cartórios extrajudiciais, somado com a atuação dos tabeliães e registradores no cotidiano dos cartórios, demonstrar como a segurança jurídica dos atos cartorários podem contribuir para a prevenção de litígios, que, se não fosse a instrução destes profissionais dotados de notório saber jurídico ou a falta de alguns desses atos, poderia resultar em uma discussão judicial.
7.1 Do Cartório de Ofício de Notas
O cartório de ofício de notas, conforme legislação cartorária tem como competência formalizar negócios jurídicos, como exemplo uma compra e venda de imóvel, e auxiliar as partes em negócios jurídicos através do conhecimento técnico e jurídico do tabelião. Tendo como pilar central da atividade notarial o oferecimento de segurança jurídica aos negócios jurídicos através de seus atos praticados, de acordo com o Colégio Notarial do Brasil, são, atualmente, 8.500 (oito mil e quinhentos) ofícios de notas em funcionamento em 5.570 (cinco mil quinhentos e setenta) municípios, levando esse serviço essencial à sociedade por todos os cantos da federação.
Dentre os atos praticados pelo tabelião de notas está o reconhecimento de firma, que consiste no ato pelo qual o notário atesta a autoria de uma assinatura em um documento que lhe é apresentado. Tal ato reveste-se de segurança jurídica no sentido de auferir uma maior autenticidade ao documento apresentado, uma vez que uma assinatura reconhecida pelo cartório aumenta a presunção de veracidade da mesma e afasta dúvidas quanto à sua procedência em um documento firmado. A ausência de um reconhecimento de firma poderia abrir margem, por exemplo, à uma falsificação, que poderia resultar em uma discussão no juízo cível para atestar a autenticidade da autoria, ou até mesmo se enquadrar em uma situação fraudulenta, que poderia configurar o crime de Estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, sendo que em ambos os casos haveria lesão a direito da parte e levaria mais discussões e litígios para a análise do Poder Judiciário.
Outro ato que é praticado pelo tabelião de notas é a lavratura de procuração pública, onde o interessado, que será denominado outorgante, poderá nomear uma pessoa de sua confiança, denominado outorgado procurador, para agir em seu nome conforme finalidade que especificar. Um exemplo de situação que poderá ser lavrada uma procuração é quando há a outorga de poderes para representar alguém junto ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social. Casos comuns são idosos, com reduzida capacidade de locomoção, outorgando poderes a pessoas de sua confiança para que retirem seus benefícios de aposentadoria junto às instituições bancárias. Em casos mais delicados, como por exemplo, de moléstia, o INSS exige que o mandato seja lavrado em cartório, perante o tabelião de notas que irá averiguar as condições da pessoa outorgada, principalmente no que tange à capacidade expressão de vontade. Caso o tabelião, conforme seu juízo e entendimento percebam que a pessoa não está em pleno gozo das faculdades mentais para praticar tal ato, o mesmo irá rejeitar com base na segurança jurídica que o cartório oferece e também na proteção dos direitos daquela pessoa. No contrário, sem essa atenção especial por parte dos cartórios, poderia abrir margem também a fraude, podendo a pessoa nessas condições ser vítima de golpes e acabar tendo que recorrer ao Judiciário para socorrer aos seus direitos.
Não excluindo a importância dos demais atos praticados pelos notários, evidenciando apenas os citados acima, resta claro como atos desempenhados pelos tabeliães de notas são dotados de segurança jurídica, protegem direitos das partes que buscam seus serviços e evitam litígios na medida do possível.
7.2 Do serviço de Registro de Imóveis
“Quem não registra não é dono” ou “Só é dono quem registra”. Através das máximas citadas se extrai uma das funções primordiais dos cartórios de registro de imóveis: registrar todas as transferências de propriedade de imóveis lotados na circunscrição de cada cartório imobiliário. Ademais, além da função citada, os cartórios de registro de imóveis são responsáveis por realizar todas as alterações constantes em um imóvel que está delimitado em sua circunscrição, tais como, por exemplo, gravação de ônus à margem de matrícula imobiliária ou averbações de dados do proprietário, como alteração de estado civil.
Guardião da propriedade imobiliária, a atividade registral de imóveis, além de estar embasada na segurança jurídica, é pautada na promoção da publicidade de tudo o que guarda relação com os imóveis registrados nas serventias (não que os outros cartórios extrajudiciais não possuam publicidade dos seus atos). Desta maneira, com a análise de alguns dos atos praticados pelos registradores de imóveis, a título de ilustração, é inequívoca a contribuição desta serventia para a desobstrução do judiciário.
Conforme prescreve o artigo 1.245 do Código Civil, “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis''. Ainda em relação ao mesmo dispositivo, o primeiro parágrafo menciona que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Sendo assim, a legislação civil instituiu o trâmite da transferência do imóvel, seja a título oneroso (compra e venda) ou a título gratuito (doação). Após a lavratura da escritura pública da transmissão do bem imóvel nos tabelionatos de notas, o título, obrigatoriamente, deve ser levado a registro no cartório de imóvel competente para que se conclua a transferência. Ostensivamente os serviços e registro de imóveis orientam seu público da maneira que deverá se proceder a transferência de titularidade dos imóveis, para evitar garantir que se cumpra com todas as etapas e evitar, posteriormente, discussões de propriedade no Poder Judiciário.
Ainda em relação a transferências de titularidade de imóveis, ressalta-se a importância da publicidade dos cartórios. Ao adquirir um imóvel, consultar o cartório de registro de imóveis é de suma importância ao passo de se ter ciência da situação da coisa. A princípio, deve se constatar se, de fato, o imóvel é de propriedade da pessoa com quem se está contratando, o que pode evitar fraudes e crimes. Além disso, imprescindível avaliar se não há questões incidentais sobre o imóvel e que podem embaraçar a transação, como por exemplo, verificar se não há nenhuma ação gravada à margem da matrícula pode evitar que se adquira um imóvel objeto de penhora em um processo judicial, afastando assim o risco evicção que é a perda do bem em virtude de uma decisão judicial, que, por consequência também poderia ser uma fraude à execução por parte do alienante, evitando assim lesões a direitos e prolongadas lides no Judiciário.
As atividades dos cartórios de registro de imóveis protegem o direito constitucional à propriedade, seja daquela pessoa que tem constituída ou daquela que está prestes a constituí-la. Podem afastar também demandas através de suas funções protetivas, evitando que caiam no judiciário causas que poderiam ser evitadas pela publicidade atribuída aos seus atos ou por seguir trâmites que a lei impõe.
7.3 Registro de títulos e documentos
A Lei nº 8.935/94 atribui a esses cartórios a função de registrar títulos e documentos, sendo comum associar o registro desse cartório à validade de um documento, o que não expressa a realidade. Quando um documento é levado ao registro nessas serventias, por exemplo um contrato de locação de imóvel, os efeitos que o registro refletirá sobre esse contrato é a publicidade (uma vez que qualquer pessoa poderá solicitar uma cópia deste documento ao cartório) e a guarda desses papéis em uma espécie de arquivo público.
A intenção em se criar essa serventia para essas finalidades é ser um serviço à disposição de quem interessar para, de certa forma, proteger um documento particular celebrado. O que se observa na prática é que quando as partes confeccionam um contrato particular, criando ou extinguindo alguma obrigação, o fazem em número de vias no qual ficará uma cópia a cada parte contratante. Seguindo ainda o exemplo da locação de imóveis, habitualmente as partes ao assinar o contrato o fazem em duas vias, uma ficando ao locador e outra ao locatário. Até esse momento, a guarda e segurança pelo contrato é responsabilidade das partes. Mas o que ocorre se houver a perda das vias deste contrato? - Em verdade as partes ficarão sem um documento comprobatório dessa obrigação criada entre ambos.
Nesta toada, imaginemos a seguinte situação hipotética: como as partes iriam comprovar o período estipulado pela locação e o valor a ser pago por ela? E se uma parte alegar a outra uma situação diversa do que estava estipulada no contrato, por má-fé, somente pelo fato de não existir mais a prova documental? - Poderia haver, nesse caso, uma discussão judicial para sanar tais perguntas, o que teria que ser comprovado por outros meios de prova, levaria tempo e dinheiro, o que poderia ser resolvido se houvesse anteriormente o registro desse contrato no cartório de títulos e documentos.
Em verdade, quando as partes decidem registrar um contrato no cartório de títulos e documentos, as mesmas perdem a confidencialidade do documento que estão celebrando ao passo que qualquer pessoa poderá ter acesso em virtude da publicidade dada pelos cartórios. Em contrapartida, quando registrado nestes cartórios é garantida que sempre tenha uma via do documento a disposição para solicitar uma cópia, afastando os riscos da situação hipotética apresentada anteriormente, gerando uma proteção ao conteúdo desses documentos e afastando a busca pelo Judiciário para resolver questões que poderiam ser evitadas pelo registro no cartório de títulos e documentos.
8. Do número ainda grande de separações e divórcios consensuais no judiciário: as vantagens de se realizar o procedimento pela via extrajudicial
Analisando os dados estatísticos elencados em tópico retro abordado, sobre a redução de processos judiciais de divórcios e separações consensuais desde a entrada em vigor da Lei nº 11.441/2007, fornecidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em números, apesar da empolgante diminuição de processos judiciais de separações e divórcios consensuais, ainda há um grande número de procedimentos no seio do Judiciário versando sobre esses mesmos assuntos. Reiterando os dados citados acima, em 2019 foram distribuídos 20.729 novos processos de separações e divórcios consensuais, o que se mostra um número ainda excessivo. Embora não há como analisar se todos esses feitos se enquadram nos requisitos impostos para a realização destes procedimentos nos cartórios, o intuito deste capítulo é demonstrar as vantagens de se realizar o procedimento pela seara extrajudicial (quando admitidos os requisitos), fazendo um contraponto do tempo de duração das duas formas e comparando os emolumentos, promovendo assim a via extrajudicial.
Nesse primeiro cenário de comparação, com base nos dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em números, o tempo médio de duração de um processo de conhecimento na Justiça Comum de primeiro grau, analisando as estatísticas com enfoque no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é de 2 anos e 9 meses. (CNJ, 2020) Muito embora não tenha um filtro específico para os processos de separação e divórcio, a partir dos dados consegue se extrair, em média, um tempo de duração por analogia. Em contrapartida, o tempo de duração da realização do procedimento em um cartório de notas dependerá apenas da reunião dos documentos necessários e disponibilidade do tabelião para lavratura da escritura e marcação da assinatura na serventia, o que torna os anos para aguardar a análise no Judiciário em celeridade dos cartórios.
Agora em relação aos emolumentos, observando as tabelas de custas (Justiça Comum) e emolumentos (Cartórios extrajudiciais) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais do exercício de 2021, em um processo de competência da Vara da Família de custas inestimáveis, teria um total a recolher pelas partes de R$220,86 (duzentos e vinte reais e oitenta e seis centavos). Por outro lado, para lavrar a escritura de divórcio ou separação consensual, a tabela de emolumentos informa que o valor da lavratura seria de R$446,64 (quatrocentos e quarenta e seis e sessenta e quatro centavos), sendo levado em consideração que em ambos os casos seria o custo de um divórcio ou separação consensual sem bens ou pensão. Observando que se levar em consideração o tempo até o resultado final do procedimento, a diferença dos valores é ínfima, sendo o melhor custo benefício realizar o procedimento em cartório.
Por derradeiro, além dos benefícios citados acima de se realizar o procedimento de separação ou divórcio nos cartórios de notas, também é vantajoso para o advogado realize esses procedimentos por vias cartorárias, uma vez que lhe demandará menos tempo e poderá entregar um resultado útil aos seus patrocinados em um prazo menor.
9. Das vantagens de se recorrer aos cartórios de notas para a realização de inventário extrajudicial
Celeridade é a principal vantagem oferecida pelos cartórios. Não diferente dos processos judiciais de separações e divórcios consensuais, o procedimento judicial de inventário demanda tempo e também é burocrático até a entrega da pretensão às partes, ou seja, a partilha dos bens deixados para que os herdeiros possam se tornar proprietários e disporem dos mesmos como melhor convier. Para demonstrar o tão burocrático (o que também o torna, por consequência, lento) é o procedimento judicial, em um primeiro momento, será feita a análise do procedimento judicial de acordo com o Código de Processo Civil vigente.
Conforme o Código Processual Civil, o prazo para dar entrada no procedimento de inventário, seja judicialmente ou extrajudicialmente, é de dois meses da abertura da sucessão (começa a se contar da data do óbito). Em relação ao procedimento judicial de inventário, o mesmo inicia-se com petição ao juízo competente solicitando a abertura do processo, e, em sequência, o Juiz nomeia o inventariante respeitando a sequência que estabelece o artigo 617 do Código de Processo Civil. Ato contínuo, após a nomeação do inventariante, o mesmo terá vinte dias para as primeiras declarações, onde serão informados os herdeiros, bens e eventuais dívidas deixadas pelo falecido. Após esta etapa do procedimento, serão citados os outros herdeiros, que terão a oportunidade de manifestarem, dentro do prazo estabelecido pelo Código, em relação às declarações realizadas pelo inventariante. Em sequência, o Juiz nomeará perito para avaliação dos bens e posteriormente as partes deverão recolher o ITCMD -Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Finalizada a etapa de recolhimento do imposto, será designada a partilha dos bens e, finalmente, sentença homologando a partilha dos bens.
Fazendo um contraponto, o procedimento de inventário extrajudicial, quando admitido em razão do cumprimento dos requisitos, inicia-se com a escolha do cartório de notas em que será realizado o procedimento. Em sequência, o advogado nomeado pelas partes atuará junto ao cartório, encaminhando petição com os dados do falecido e sua certidão de óbito, meeiro(a) quando houver, herdeiros, a indicação de quem será o inventariante, documentos demonstrando quais foram os bens, direitos e eventuais dívidas deixadas pelo falecido e certidões negativas de débitos para com às Fazendas públicas estadual e municipal. Em relação à nomeação do inventariante, cabe salientar que este ato poderá ser realizado por escritura pública de nomeação de inventariante apartada, caso haja a necessidade da atuação do mesmo junto a outros órgãos para resolução de pendências do falecido que esteja ligada intrinsecamente ao procedimento de inventário. Em seguida, após análise dos documentos dos bens, direitos ou eventuais dívidas deixadas pelo falecido, o Tabelião solicitará ao advogado que, junto das partes, proceda o recolhimento do ITCMD -Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Após a quitação do imposto, será remetida a minuta da escritura de inventário constando a divisão dos bens ao advogado que, após aprovação das partes, será lavrada a escritura definitiva.
Após a análise dos dois procedimentos, resta claro que o realizado em vias extrajudiciais é mais célere. Como dizem no dialeto popular “tempo é dinheiro”, e o tempo de tramitação dos dois procedimentos interfere diretamente nessa perspectiva. Simulando a situação de processo judicial, em que o falecido deixou aos seus herdeiros um bem imóvel (apartamento), os mesmos ficariam reféns do tempo em que gastariam o procedimento judicial, para só depois disporem livremente como proprietários. Com isso, ao longo do tempo o espólio teria gastos com a manutenção do bem, como despesas com estrutura, condomínio, água e luz, IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano e outros gastos que porventura incidam sobre o bem. Com o procedimento extrajudicial, com o fator celeridade em favor do(s) herdeiros, mais rapidamente os mesmos irão concluir a partilha e registrar a propriedade em seus respectivos nomes, podendo dispor do bem como seus que ficam sendo.
10. Considerações finais
A presente pesquisa se propôs, desde o início, em realizar uma promoção dos serviços realizados pelos cartórios extrajudiciais e o protagonismo que os mesmos têm assumido como uma ferramenta de ajuda para a desobstrução do Poder Judiciário em número de processos. Em nenhum momento o intuito do presente estudo foi denegrir a reputação do Poder Judiciário, em máximo respeito ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Mas pelo contrário, a verdadeira intenção fora em destacar como as serventias extrajudiciais têm contribuído para desafogar o número de processos no Judiciário, para que este Poder concentre suas atividades em “dizer o direito” e resolver demandas da sociedade quando provocado.
Nesse sentido, ao longo do estudo foram demonstrados números que comprovam esse importante papel dos cartórios para “enxugar” o número de demandas do Poder Judiciário, como estatísticas de redução número de processos separações e divórcios consensuais, inventários e partilhas consensuais e usucapião extrajudicial. Ademais, fora demonstrado também como as atividades desenvolvidas pelos cartórios são eivadas de segurança jurídica e podem afastar situações em que o resultado seria a busca pelo Judiciário, como atos dos ofícios de notas, registro civil e registro de títulos e documentos.
Por derradeiro, conclui-se que é notável a excelência que os cartórios extrajudiciais têm assumido no seio social através de suas funções, sendo uma ferramenta de suma importância no enfrentamento ao problema da obstrução do Judiciário. No entanto, por si só, não é a solução para o respectivo problema. Em verdade, tal problemática pode ser avaliada de várias perspectivas, como falta de recursos humanos nos Tribunais, motivos culturais ou o até mesmo a questão do protagonismo do Judiciário ante a inoperância de outros poderes, deixando estas análises a outros estudiosos-pesquisadores, mas que este artigo cumpre com sua finalidade ao passo que comprova que as serventias extrajudiciais contribuem nesse enfrentamento.
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[1]Pós-Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2018), possui Doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2016), possui Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). E-mail: [email protected].
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário UNA - Campus Contagem/MG; serventuário de cartório.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACEDO, Diego Henrique Notorio. A Contribuição das Serventias Extrajudiciais para a redução do número de processos no Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/56572/a-contribuio-das-serventias-extrajudiciais-para-a-reduo-do-nmero-de-processos-no-poder-judicirio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: JOALIS SILVA DOS SANTOS
Por: Caio Henrique Lopes dos Santos
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