RESUMO: O presente artigo visa analisar e explanar de forma criteriosa a visão do Supremo Tribunal Federal a respeito do fornecimento de medicamentos sem registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA por via judicial. Pretende-se discutir as questões pertinentes ao direito à saúde previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal em contrapartida à possibilidade de prática de autêntico descaminho pelo Estado em caso de fornecimento de medicação sem o devido registro na agência reguladora competente. Para a elaboração do presente trabalho, realizou-se pesquisas bibliográficas, tendo como referência os materiais de cunho principiológico, jurisprudencial e do ramo de direito constitucional, procurando evidenciar a importância do interesse coletivo nas demandas entre particulares e o Estado.
Palavras-chave: Saúde. Medicamentos. Registro. ANVISA. Interesse Coletivo.
O presente trabalho tem como tema a o fornecimento judicial de medicamentos sem registro na ANVISA sob a ótica do Supremo Tribunal Federal. Busca-se dessa forma, analisar através da decisão da Corte Superior no julgamento do RE 657718 / MG, os critérios e parâmetros utilizados para concessão ou não de medicamentos sem registro na Agência Reguladora competente.
Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho:
· Existe direito absoluto à saúde amparado pelos artigos 6º e 196 da Constituição Federal quando se trata do fornecimento de medicamentos via judicial sem registro sanitário na ANVISA?
· Quais direitos busca-se tutelar com a obrigatoriedade do registro sanitário de medicamentos na ANVISA?
· Quais os critérios a serem analisados para uma possível concessão judicial de medicamentos sem registro sanitário?
Quando se fala em judicialização de ações relacionadas à medicamentos sem registro sanitário, entende-se que é uma forma de garantir, por meio do judiciário, o estrito cumprimento da ordem constitucional do direito de proteção e acesso à saúde. No entanto, essa questão vinha gerando muitos conflitos de interesse entre particulares e a própria administração pública, uma vez que o registro visa resguardar a saúde pública por meio de um processo específico e criterioso, mas o direito particular de proteção à saúde é também relevante.
Registre-se também que, em algumas demandas, o Estado estava sendo condenado a arcar com medicamentos de alto custo que, muitas vezes, ainda estavam em fase de teste, gerando um custo muito mais alto para adquiri-los, considerando o preço de mercado e o número de ações. Isso se mostrou deveras desproporcional e acabava ultrapassando a capacidade estatal de garantir a saúde do indivíduo. Tamanha vinha sendo a intervenção do judiciário, prejudicando assim a separação dos poderes.
Dessa forma, o presente artigo visa explanar de a decisão da Corte Superior sobre o tema, destacando os principais temas abordados, os princípios por ela ponderados, bem como o seu reflexo na redução de demandas excessivas pela concessão de medicamentos sem registro sanitário para o melhor provimento jurisdicional.
Ao julgar o Recurso Extraordinário 657718 / MG o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que, em regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por decisão judicial. A referida decisão gerou a ementa abaixo colacionada:
Direito constitucional. Recurso Extraordinário com Repercussão Geral. Medicamentos não registrados na Anvisa. Impossibilidade de dispensação por decisão judicial, salvo mora irrazoável na apreciação do pedido de registro. 1. Como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por decisão judicial. O registro na Anvisa constitui proteção à saúde pública, atestando a eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no país, além de garantir o devido controle de preços. 2. No caso de medicamentos experimentais, i.e., sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso, é claro, não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável. 3. No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na ANVISA, o seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer em uma hipótese: a de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016). Ainda nesse caso, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos. São eles: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior (e.g., EUA, União Europeia e Japão); e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA. Ademais, tendo em vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. 4. Provimento parcial do recurso extraordinário, apenas para a afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”. (STF, 2019, on-line)
Aqui, visa-se analisar as nuances do referido julgado a partir de seus quatro tópicos ementados, bem como a sua importância no contexto da judicialização da saúde no Brasil como um direito fundamental e absoluto.
O registro sanitário é um método de regulamentação que garante a proteção à saúde pública, uma vez que estabelece critérios para o equilíbrio entre interesses conflitantes nas relações de pesquisa, produção e consumo de medicamentos e substâncias, pois sabe-se que o seu desenvolvimento requer um padrão muito elevado de cautela, sendo que o seu consumo pode resultar em riscos à saúde, produzir efeitos colaterais e causar danos ao organismo, em diversos graus de intensidade, dos mais leves aos mais graves e mesmo irreversíveis.
Considerando esse risco, foi editada a Lei nº 6.360/1976 que sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos. A referida norma legal proibiu a industrialização, exposição à venda e entrega ao consumo de qualquer medicamento antes de registrado no Ministério da Saúde (art. 12 c/c art. 1º), e ainda elencou os requisitos específicos para a obtenção do registro sanitário, tais como: o reconhecimento, por meio de comprovação científica e de análise, de que o produto seja seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias.
Em razão dos mesmos motivos supracitados, na Constituição de 1988, o Estado brasileiro estabeleceu um amplo sistema normativo de vigilância sanitária de fármacos.
Além disso, a Lei nº 9.782/1999 instituiu o sistema nacional de vigilância sanitária e atribuiu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, a competência para exercer a vigilância sanitária de medicamentos (art. 8º, § 1º, I).
Atualmente, para que um novo medicamento possa ser registrado e oferecido ao mercado, deve cumprir um complexo procedimento, de modo a garantir que o fármaco utilizado pelo paciente seja seguro, isto é, que não seja tóxico ou prejudicial para o organismo humano, podendo-se controlar os seus efeitos colaterais, eficaz, isto é, tenha capacidade de atuar positivamente sobre a doença, e de qualidade, isto é, seja fabricado de acordo com uma série de exigências e práticas estabelecidas (art. 16, Lei § nº 6.360/1976). Além disso, com o registro, permite-se a regulação econômica e o monitoramento dos preços dos fármacos.
A criação desse meticuloso sistema de regulamentação em relação aos medicamentos, assim como a atribuição da competência para sua execução a uma autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, com a devida expertise e capacidade técnica, têm como objetivo evidente a proteção da saúde da população brasileira.
A supremacia do interesse público sobre o privado norteia a administração pública em todas as suas esferas, na saúde pública não haveria de ser diferente. Aplicando esse princípio à vigilância sobre medicamentos, tem-se que a Anvisa ao efetuar a inspeção e regulamentação dos fármacos a serem distribuídos no mercado brasileiro, está garantindo o interesse público à saúde previsto na Constituição Federal como um direito fundamental social. Além de estar cumprindo o dever do Estado de garantir, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção e proteção à saúde pública.
Assim, conforme destacado pelo próprio ministro Marco Aurélio em seu voto no Recurso Especial 657718 / MG:
A Anvisa recebeu da ordem jurídica a atribuição de realizar o controle sanitário dos medicamentos, porque detém as melhores condições institucionais para tomar tais decisões. Tais capacidades referem-se aos maiores níveis de informação, de expertise, de conhecimento técnico e aptidão operacional em relação ao procedimento de registro sanitário, marcado por grande complexidade. (STF, 2019, on-line).
Não se pode permitir por via judicial a entrada irrestrita de medicamentos sem regulamentação sanitária realizada pela Anvisa, pois o que se põe em risco é a saúde da população em geral, haja vista que após essa distribuição o judiciário não tem controle sobre as ações dos particulares envolvidos na demanda.
Dessa forma, a atuação administrativa da Anvisa, definida pela lei, deve ser respeitada pelas diferentes instâncias de controle, inclusive pelo Poder Judiciário, em razão de clara necessidade de separação entre os poderes. De forma que, as decisões judiciais que deferem medicamentos não registrados, ao substituírem uma escolha técnica e procedimental da Agência, interferem de forma ilegítima no funcionamento da Administração Pública, em afronta à reserva de administração e à separação de poderes, bem como passam a tutelar o interesse individual como prevalecente sobre o interesse público, o que não se pode admitir em relação à Administração Pública.
A excepcionalidade em relação a regra de não fornecer por via judicial medicamentos não regulados pela Anvisa, se dá no caso de mora irrazoável da Agência Reguladora em apreciar o pedido de registro.
Frisa-se que, no caso em questão, não está se tratando de medicamentos em fase de testes experimentais, mas sim daqueles que ainda que não registrados na Anvisa, já tenham concluído as diversas fases de testes e apresentem evidências científicas e clínicas de eficácia e segurança.
Isso se dá porque, embora se reconheça que a Anvisa possui capacidade técnica e científica necessária e, por vezes, indispensável para a análise e regulamentação dos fármacos e que a mesma é essencial para a garantia do direto à saúde dos pacientes e da população em geral, ela não está isenta de incorrer em episódios de mora administrativa.
Nesse caso, a mora pode ser um fator impeditivo ao acesso dos pacientes à um tratamento digno, restando prejudicado o seu direito fundamental à saúde, justificando-se assim a interferência do Poder Judiciário na questão.
A Lei nº 6.360/1976 em seu art. 12, §3º, que dispõe sobre a vigilância sanitária, previa, em sua redação original, que dispõe:
O registro será concedido no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data de entrega do requerimento, salvo nos casos de inobservância desta lei ou de seus regulamentos (BRASIL, 1976, on-line).
Por sua vez, o Decreto nº 8.077/2013, que regulamenta o registro de medicamentos, reproduziu o mesmo prazo de 90 dias (art. 7º, § 3º). Porém, tal prazo legal nunca era cumprido pela agência. Em razão disso foi aprovada a Lei nº 13.411/2016, que alterou a Lei nº 6.360/1976, passando a estabelecer prazos específicos para a decisão final nos processos de registro, que vão de 90 a 365 dias, bem como a possibilidade de prorrogação dos prazos por até um terço do prazo original, uma única vez, mediante decisão fundamentada da Anvisa.
No entanto, mesmo nos casos em que há mora irrazoável da Anvisa, é preciso, ainda, que haja comprovação efetiva do preenchimento cumulativo de três requisitos, voltados a assegurar, na maior extensão possível, tanto a segurança e a eficácia do medicamento, quanto a efetiva necessidade de sua dispensação. Esses requisitos serão abordados nos tópicos a baixo.
O objetivo desse critério é privilegiar a análise técnica da Agência Reguladora, ou seja, ainda que o medicamento não tenha sido analisado pela Anvisa, é necessário que tenha havido prévia provocação dela para a realização dessa regulamentação. Não pode o judiciário exigir que a Anvisa tenha agilidade em apreciar um pedido de registro que sequer foi submetido à sua revisão, nesse caso inexistiria mora e, por consequência, desnecessária seria a atuação do Poder Judiciário.
Ademais, se a Anvisa decidir, fundamentadamente, pela negativa de registro, em nenhuma hipótese o Poder Judiciário poderá se sobrepor à manifestação da Agência para deferir pedidos individuais de fornecimento do medicamento, de forma a invadir e invalidar a decisão da seara técnica e científica da Agência Reguladora. Nada impede, porém, que o particular ingresse com ação judicial com vistas a questionar esse indeferimento, o que será analisado de forma individual, técnica e específica pelo judiciário.
Vale-se aqui, do conhecimento científico universal, pois a aprovação do fármaco (ainda não registrada no Brasil) em países que possuem sistemas de vigilância sanitária sérios e respeitados fora do país mitiga os riscos à saúde envolvidos no seu fornecimento a pacientes por determinação judicial e é um fato determinante para essa concessão.
É preciso, porém, ressalvar que se trata aqui de uma situação excepcional, justificada pela mora irrazoável e injustificada da Anvisa, sendo a Agência Reguladora brasileira de forma incontestável primordial para a efetivação de todos os procedimentos reguladores de drogas no país.
Conforme amplamente abordado, pretende-se com estes requisitos priorizar as decisões tomadas na esfera administrativa pela Agência Reguladora em questão, de forma que o judiciário intervenha o mínimo possível nessa seara. De forma que, recomenda-se a busca um medicamento ou procedimento alternativo voltado para a mesma enfermidade que já seja legalmente comercializado no país, de forma a se evitar a tomada de decisão pela Anvisa.
Existindo o tratamento ou outra opção satisfatória para o tratamento da doença com o devido, o Poder Judiciário não pode compelir o Poder Público a importar o fármaco pedido pelo paciente, mesmo quando os graus de eficácia dos tratamentos não sejam idênticos.
A Lei nº 9.782/1999 instituiu o sistema nacional de vigilância sanitária e atribuiu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autarquia federal sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, a competência para exercer a vigilância sanitária de medicamentos (art. 8º, § 1º, I). Portanto, como a Agência integra a estrutura da Administração Pública Federal, não se pode permitir que Estados e Municípios (entes federativos que não são responsáveis pelo registro de medicamentos) sejam condenados a custear tais prestações de saúde quando eles não têm responsabilidade pela mor da Agência, nem têm a possibilidade de saná-la.
Esse entendimento – vale dizer – não conflita com a decisão proferida no RE 855178 (ainda pendente de julgamento de embargos de declaração), em que o Plenário do STF reiterou sua jurisprudência quanto à responsabilidade solidária dos entes federados para fornecimento de tratamento médico aos necessitados. Isso porque ambas as decisões têm fundamentos diversos. O fundamento utilizado no recurso extraordinário para se concluir pela solidariedade foi a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde (art. 23, CF/1988). Diversamente, no presente caso, está em questão a hipótese de mora administrativa na concessão do registro, atribuída unicamente à Agência federal.
Desse modo, quando se tratarem especificamente de ações judiciais que envolvam medicamentos não registrados na Anvisa, o polo passivo deve ser composto necessariamente pela União, de modo a que a demanda deverá ser proposta perante a Justiça Federal.
O acesso ao judiciário para garantir o direito à saúde é uma das formas de se garantir efetividade à Constituição Federal. Os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à Administração Pública para que forneça medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde.
No entanto, o que era para ser uma solução mais eficaz para sanar a necessidade do povo face a possível ineficiência estatal, tornou-se um problema pela quantidade excessiva de judicialização e de intervenção na Administração Pública. Assim, nos dizeres do Ministro Marco Aurélio em seu voto no Recurso Especial 657718 / MG:
O sistema, no entanto, apresentou sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada tipo de medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores administrativos (STJ, 2019, on-line).
Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas.
Trata-se de hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar a não realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da população, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.
Uma decisão de repercussão geral que limita a intervenção do Poder Judiciário e traça parâmetros para a concessão judicial de medicamentos, sem com isso deixar de dar assistência aos casos de necessária apreciação, é uma evolução no que tange a regularidade e o equilíbrio entre o judiciário e a Administração Pública.
Além disso, com a decisão garante-se mais efetividade na prestação jurisdicional, de forma que, aqueles que buscam o judiciário para resolução de demandas com esse viés, tenham seus interesses atendidos, ou pelo menos analisados, de forma mais eficaz, plena e célere.
Há de se ressaltar ainda, que o equilíbrio econômico e financeiro para a Administração Pública é maior, uma vez que deixa de se exigir um gasto estratosférico com demandas que não se encontravam no planejamento desta.
Dessa forma, a discussão a respeito do tema foi de extrema importância para os demandantes, para o judiciário e para a Administração Pública, de forma que se colocou um “ponto final” à uma questão que vem sendo motivo de debates há anos no Brasil.
O presente artigo tratou de forma detalhada a respeito da decisão da Suprema Corte no Recurso Especial 657718 / MG, onde se definiu parâmetros para a concessão judicial de medicamentos não registrados pela Anvisa.
Em suma, a decisão definiu a impossibilidade absoluta da concessão judicial de mediação em fase experimental, ou seja, aquelas que ainda não passaram por todos os testes e etapas cientificamente necessárias para a comprovação de sua eficácia e seus efeitos.
O acórdão também estabelece que a única possibilidade de concessão de drogas sem o registro sanitário se dá em caso de mora injustificada da Agência Reguladora em deferir ou indeferir o registro no País. No entanto, mesmo diante desses casos, devem ser cumpridos três requisitos para a permissão judicial, qual sejam: o medicamento deve ter sido submetido previamente a registro no Brasil, o medicamento deve possuir registro junto a renomados órgãos ou agências de regulação no exterior e, por fim, não deve existir substituto terapêutico registrado na Anvisa para o tratamento do paciente/demandante.
Além disso, a decisão também fixou a competência da Justiça Federal para julgar os casos em que se demanda por medicamentos não registrados na Anvisa, uma vez que a Agência Reguladora integra a Administração Pública Federal, de forma que a ação deverá sempre ser movida em face da União.
Com isso, o Supremo Tribunal Federal pôs fim à uma questão que se pendurava por anos em nosso país, tratando do tema com a seriedade que o seu conteúdo exige para a benesse da população, da Administração Pública e do próprio judiciário.
Frisa-se que a decisão é um importante passo para a redução da judicialização de questões acerca de medicamentos que se tornou deveras excessiva nos últimos anos e resultou em uma série de conflitos de interesses entre o direito particular e o direito coletivo, bem como entre o judiciário e a Administração Pública.
Assim, com a repercussão geral da decisão, a previsão é que nas instâncias inferiores o número de casos entorno dessa questão diminuam e, assim, seja garantida maior efetividade ao provimento jurisdicional para que o direito constitucional à saúde seja garantido de forma plena, sem que com isso seja afetado o direito coletivo. Também para que seja garantida a independência e a harmonia entre os Poderes.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Especial 657718/MG. Recorrente: Alcirene de Oliveira. Recorrido: Estado de Minas Gerais. Relator(a): Min. Marco Aurélio, 22/05/2019, Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754312026. Acesso em: 20 mai. 2021.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF, Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 mai. 2021.
BRASIL. Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras Providências. Brasília: DF, Presidência da República, [1976]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6360.htm. Acesso em: 21 mai. 2021.
BRASIL. Decreto nº 8.077, de 14 de agosto de 2013. Regulamenta as condições para o funcionamento de empresas sujeitas ao licenciamento sanitário, e o registro, controle e monitoramento, no âmbito da vigilância sanitária, dos produtos de que trata a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, e dá outras providências. Brasília: DF, Presidência da República, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D8077.htm. Acesso em 21 mai. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.782 de 26 de janeiro 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Brasília: DF, Congresso Nacional, [1999]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm. Acesso em 23 mai. 2021.
Artigo publicado dia 10/06/2021 e republicado em 08/08/2024
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Kleber Kelvin Ribeiro. O fornecimento judicial de medicamentos sem registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) sob a ótica do Supremo Tribunal Federal – STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2024, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/56716/o-fornecimento-judicial-de-medicamentos-sem-registro-sanitrio-na-agncia-nacional-de-vigilncia-sanitria-anvisa-sob-a-tica-do-supremo-tribunal-federal-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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