INTRODUÇÃO
Durante o século XX observou-se uma maior influência da concepção elitista que entende a democracia como um método político, ou seja, como uma maneira de se organizar as instituições públicas a fim de se obter as decisões políticas legislativas. Dentro dessa linha, aponta-se que o Estado deve ser dotado de relativa autonomia para governar visto que existe um despreparo ou desinteresse da maioria dos cidadãos em participar dos processos decisórios, diminuindo-se assim o papel da participação política que se restringe basicamente aos mecanismos da representação eleitoral e do voto.
Entretanto, no final do século XX, notadamente a partir dos anos 60, a concepção participativa de democracia começa a ganhar força no cenário político. Com o questionamento acerca da redução da democracia a uma lógica individualista e competitiva e que subestima a capacidade participativa dos cidadãos encontrado nessas perspectivas, desenvolve-se uma concepção de democracia pautada na ideia de uma participação mais ampla dos cidadãos no que tange aos interesses da coletividade, de forma que para existir um governo democrático se faz também necessária uma sociedade participativa. Nessa perspectiva, a participação assume um papel de afetar ou influir nos processos decisórios, bem como os papéis de integração, de controle sobre o governo e, especialmente, educativo, como uma maneira de se aprender a democracia.
Em uma outra linha convergente quanto ao aprofundamento democrático, a concepção da democracia é ampliada a partir de uma noção da participação política baseada na deliberação pública. Esta se remete à expansão e aprofundamento da democracia firmada nos processos de interação e comunicação nos domínios societários, de forma que as preferências dos cidadãos sejam conformadas em um ambiente de discussão racional, livre e igual. Nessa lógica, a democracia deve preocupar-se mais do que com a simples declaração ou manifestação dos interesses, mas também com seu processo de formação e construção coletiva.
Em paralelo ao percurso dos debates em torno da democracia e dos diferentes modelos, a participação da sociedade nas decisões estatais, de maneira institucionalizada ou não, passou a fazer parte crescentemente, a partir dos anos 60, do vocabulário político e social. Ao lado disso, a participação vem sendo incorporada através de uma redefinição da relação entre Estado e sociedade, na qual os agentes sociais passam a intervir no ciclo das políticas públicas de diversas formas, permitindo sua influência na tomada de decisões por parte do Estado e na produção de bens públicos, caracterizada pela expressão dos interesses sociais.
A participação cidadã assim entendida incorpora duas dimensões. A primeira delas se relaciona com os espaços da sociedade civil e com suas diversas formas de associação e mobilização que podem exercer influência na ação estatal. A segunda dimensão refere-se à criação de domínios institucionalizados de participação, ou seja, a instituição de instâncias formatadas que garantam não apenas a abertura da participação social, bem como atuem no sentido da redução e/ou eliminação de barreiras a uma participação ampla.
Para além da dimensão de aprofundamento democrático atribuída à participação social, agrega-se sua importância no que tange à formulação e gestão de projetos sociais. Nesse sentido, passa-se a considerar os atores envolvidos ou afetados, seus interesses e objetivos, seus conflitos e suas relações. Esse tipo de participação mostra-se relevante na medida em que conforme Costa (2004, p. 41), em projetos nos quais se tem por objetivo uma modificação de valores, atitudes e comportamentos por parte dos destinatários, a organização destes requer o envolvimento, participação e um certo nível de adesão dos envolvidos. Desse modo, quando se almeja uma mudança de comportamento bem como um maior envolvimento dos atores nesses projetos sociais, faz-se necessária uma mobilização social de forma a levar os atores sociais tanto a participarem na formulação e gestão dos mesmos quanto a aderirem à sua causa, objetivo e justificativa. Nessa perspectiva a participação é simultaneamente um fim e meio na mobilização da sociedade.
No que tange à participação na realidade brasileira, observa-se um ressurgimento da sociedade civil com a instauração do regime militar a partir de 64, como uma fonte de reação frente a um Estado autoritário e repressor. Essa sociedade foi de fundamental importância na luta pelo restabelecimento da democracia no país na década de 80, na qual foram conformados fortes movimentos sociais que reivindicavam uma cidadania em que se efetue um pleno reconhecimento dos direitos do cidadão.
Assim, a Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe significativas mudanças no que corresponde à incorporação da participação cidadã nas políticas públicas das diversas esferas governamentais.
Foi com advento da Constituição de 1988 que abriu espaço para este intenso debate apresentado anteriormente, que diz respeito à ampliação da participação popular para além do mecanismo universal que é o voto. Logo no artigo 1°, já se estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Desse modo, se consagra a soberania popular e se atribui aos cidadãos o direito à participação nas decisões políticas.
Participação social, mobilização social e desenhos institucionais participativos
Pode-se identificar uma ampliação dos debates em torno da noção de democracia participativa, bem como uma maior atenção e difusão do termo participação a partir dos anos 60, principalmente no sentido da participação cidadã, em um contexto de organização e reivindicação coletiva com respeito tanto à ampliação dos seus direitos civis e políticos quanto à garantia efetiva dos mesmos.
No contexto brasileiro, o processo de democratização ampliou debates e reivindicações em torno da criação de novas formas de participação institucionalizada, além da disposição dos atores da sociedade civil em participar nesses canais. Desse modo, observa-se a multiplicação de canais e arranjos participativos no país, especialmente após a Constituição Federal de 1988. Essas instâncias propiciam processos participativos de distintas amplitudes através de formados e composições variados. Dentro desses conjuntos de canais pode-se falar nos conselhos gestores, conselhos de políticas públicas, conferências, orçamento participativo, audiências, comitês e comissões, entre outros (BRASIL, 2007). Além disso, o Estado está cada vez mais permeado de uma atuação conjunta com diversas associações e organizações não-governamentais.
Os arranjos participativos presentes na democracia contemporânea estruturam-se de maneira distinta com relação ao seu desenho, o que resulta em conseqüências também diversas para a construção da governança democrática. Nesse processo e, especialmente no que tange às políticas sociais, é de fundamental importância a disposição e capacidade dos atores da sociedade civil em participar, e a identificação e adesão desses atores à causa trabalhada.
Para além da dimensão de aprofundamento democrático a partir da participação, vários autores têm discorrido sobre a importância de, na formulação e gestão de projetos sociais, considerar a sua dimensão política – “a constelação de atores envolvidos ou afetados, seus interesses, objetivos (materiais e simbólicos), bem como a sua interação, as alianças e os conflitos potenciais” (BRASIL, 2007, p. 116).
O presente artigo pretende realizar uma breve revisão da teoria democrática participativa e deliberativa, dos conceitos de participação social, suas dimensões e considerações importantes. Serão também abordados os desenhos institucionais participativos e suas principais dimensões e contribuições para a democracia, especialmente a partir de Fung (2004) e Avritzer (2008), autores que tem se detido neste tema. Além disso, pretende-se demonstrar os principais conceitos e estratégias de mobilização social em um contexto participativo.
Participação social e deliberação na teoria democrática contemporânea
A participação social tem recebido especial destaque nas últimas décadas em consonância com as tendências descentralizadoras dos Estados contemporâneos e com as transformações destes na sua relação com a sociedade. Esta passa a ser vista, especialmente a partir dos anos 80, como um instrumento para o aprofundamento da democracia e como uma forma de complementar a democracia representativa em face de seus limites. Dessa forma, a participação tem sido incorporada nas instituições públicas e sido relacionada aos conceitos de governança e empoderamento dos cidadãos tradicionalmente excluídos. (BRASIL, 2007).
Durante o século XX observou-se uma maior influência da concepção hegemônica elitista que entende a democracia como um método político, ou seja, como uma maneira de se organizar as instituições públicas a fim de se obter as decisões políticas legislativas e administrativas. Dentro dessa linha de pensamento, aponta-se que o Estado deve dotar de relativa autonomia para governar uma vez que existe um despreparo ou desinteresse da maioria dos cidadãos em participar dos processos decisórios, diminuindo-se assim o papel da participação política, que se restringe basicamente aos mecanismos da representação e do voto. Um dos principais teóricos dessa linha é Schumpeter, que afirma que o homem comum não teria racionalidade para lidar com as questões políticas, devendo estas ser decididas através da eleição de representantes que seriam líderes e atuariam para executar a vontade do povo. Nesse modelo também conhecido como elitismo democrático, a dinâmica política é equiparada ao mercado no qual a competição pela liderança e pelo voto seria a característica distintiva da democracia dos outros métodos políticos (SHUMPETER apud PATEMAN, 1992; BRASIL, 2007).
A partir dos anos 60, com o questionamento dessa perspectiva e de sua redução da democracia a uma lógica individualista, competitiva e que subestima a capacidade participativa dos cidadãos, desenvolve-se uma concepção de democracia pautada na idéia da ampla participação dos cidadãos no que tange aos interesses da coletividade (LÜCHMANN, 2002). Carole Pateman (1992) retoma os clássicos da democracia como Rousseau, J. Stuart Mill e G. D. H. Cole e a partir deles constrói o que ela denomina de “teoria participativa da democracia” (p. 60). De acordo com essa autora, para que exista um governo democrático se faz necessária também uma sociedade participativa. Nessa teoria, a participação está relacionada à tomada de decisões, e o modelo participativo pode ser caracterizado como “aquele onde se exige o input máximo (a participação) e onde o output inclui não apenas as políticas (decisões), mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e políticas de cada indivíduo (...)” (PATEMAN, 1992, p. 62). Assim, nessa lógica a participação assume um papel de caráter integrador, de controle sobre o governo e, especialmente, educativo, como uma maneira de se aprender a democracia.
Desse modo, a democracia participativa deve ser entendida não como uma forma de invalidar os princípios da representação, mas sim como uma forma de complementá-los através do incremento da participação da sociedade nos processos de deliberação e de tomada de decisão estatais. Como ressalta Brasil (2007, p. 125),
A recuperação de figuras da democracia direta, a participação dos cidadãos na formulação de políticas e decisões estatais e as possibilidades de deliberação pública constituem os conteúdos evocados na noção de democracia participativa, assim como a manutenção de um sistema institucional relativamente aberto para propiciar a experimentação.
Ainda no âmbito dos debates acerca da teoria democrática contemporânea tem-se, sobre outra perspectiva, a noção de participação política fundada na deliberação pública que, baseada na teoria social de Habermas (1984; 1989; 1997), aponta para a possibilidade de expansão e aprofundamento da democracia firmada nos processos de interação e comunicação nos domínios societários. Cabe desatacar que, nesse processo, quando a linguagem orientada ao entendimento é utilizada como mecanismo coordenador da ação e como fonte de interação social, tem-se a teoria da ação comunicativa de Habermas (MELO, 2005). Esse autor ainda aborda o conceito de mundo da vida, que consiste no “campo de interação social organizado em torno da idéia de um consenso normativo gerado a partir das estruturas de ação comunicativa” (AVRITZER, 1996, p. 17).
A democracia deliberativa, portanto, estaria ligada a “um processo discursivo que tem suas origens nas redes públicas de comunicação com as quais os processos de institucionalização legal e utilização administrativa do poder estão indissoluvelmente ligados” (AVRITZER, 1996, p. 124). As idéias habermasianas colocam-se como uma alternativa ao modelo de democracia participativa ao questionar o caráter de homogeneidade e virtuosidade dos cidadãos apresentado nessa teoria e que estaria em desacordo com a realidade complexa e plural. Dessa forma o autor ressalta o papel do Estado como regulador e administrador dos problemas sociais, tendo papel central no processo decisório político que é pressionado pelas demandas sociais oriundas desses processos de comunicação exercidos na esfera pública (LÜCHMANN, 2002).
Nesse sentido, na teoria habermasiana a operacionalização da democracia moderna ocorre em dois níveis, um institucional no qual tem-se a formação discursiva da vontade dentro do parlamento, mas que se ancora no segundo nível informal representado pelos “fluxos de comunicação de uma esfera pública que se ancora no mundo da vida através da sociedade civil” (MELO, 2005). O primeiro nível apenas exerceria uma influência no segundo através de canais de comunicação. Assim, essa teoria não considera a institucionalização da esfera deliberativa (AVRITZER, 1996).
Tendo em vista as teorias participativa e deliberativa da democracia abordadas, nota-se que ainda com características distintas, ambas consideram que os mecanismos formais de tomada de decisão do modelo representativo não exaurem as possibilidades democráticas nas sociedades complexas e plurais e, inclusive, muitas vezes não resolvem os problemas que se propõe a resolver. Desse modo, as formas alternativas de participação incorporadas na teoria democrática contemporânea podem melhorar a qualidade da deliberação e da representação, gerando oportunidades não só dos cidadãos tomarem parte nas decisões bem como o desenvolvimento das virtudes da cidadania. (FARIA, 2008).
De acordo com Dagnino (2002), na medida em que as instituições formais básicas da democracia não foram capazes, muitas vezes, de trabalhar adequadamente nos problemas de desigualdade e exclusão social, considerando-se suas várias dimensões, defende-se a necessidade da ampliação e radicalização da democracia bem como do controle social das ações estatais. Nesse sentido, a autora aborda a construção de uma nova cidadania que converge no reconhecimento dos direitos dos cidadãos, “incluindo o de participar efetivamente na gestão da sociedade” (p. 10).
Nessa lógica, Brugué, Front e Gomá (2006), abordam a discussão acerca das justificativas da participação, distinguindo-as em tradicionais e de nova geração. As justificativas tradicionais são aquelas relacionadas à melhoria da qualidade das decisões, já que se incorpora a vontade do cidadão nestes processos gerando maior legitimidade e sustentabilidade das ações governamentais. Na segunda linha de argumentação considera-se a perspectiva da participação como elemento fortalecedor do capital social, da solidariedade social, das capacidades comunitárias de intervenção bem como fomentador das ações cooperativas. Assim, na primeira tem-se um caráter mais institucional, abordando a participação como uma forma de se aperfeiçoar as decisões e melhorar o resultado das intervenções. Já nas de nova geração, o foco concentra-se na dimensão societária.
As políticas públicas são compostas de complexos processos de gestão de conflitos sociais envolvendo direta ou indiretamente diversos atores com interesses e valores distintos. Nesse sentido, a noção de participação política vem sendo analisada sobre a perspectiva de redefinição das relações entre o Estado e a sociedade, e suas formas tem sido estendidas na concepção de democracia participativa. Para além desse conceito, o termo participação cidadã vem recentemente sendo incorporado à literatura também referente às políticas públicas.
De acordo com Santos (1998), a participação cidadã pode ser definida como uma forma de intervenção nas tomadas de decisões referentes às políticas públicas. Nesse sentido, cabe ressaltar que a utilização mais recente do termo participação cidadã incorpora não apenas a criação de novos canais institucionais participativos, mas também está em sintonia com as duas faces da ação coletiva, sendo elas a defensiva e a ofensiva. Assim dizendo, a ação dos atores sociopolíticos não se dá apenas mediante a busca e utilização dos arranjos institucionais a fim de intervir no sistema político (ofensiva), como também inclui os próprios movimentos de organização e mobilização societária e de construção de identidades coletivas (defensiva). (BRASIL, 2007).
Em se tratar dessa construção de identidades coletivas, tem-se uma dimensão da participação da sociedade civil que ocorre via associativismo, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Ao lado do potencial de mudança social atribuído à esfera societária, especialmente no caso dos movimentos sociais, no caso das associações tem-se vislumbrado também na literatura diversos potenciais. Fung (2003) analisa as relações existentes entre as associações e a democracia, destacando seis contribuições que as associações podem trazer à ela. A primeira delas é a própria liberdade de associação que representa uma importante conquista democrática. A segunda refere-se à capacidade que as associações podem ter de criar virtudes cívicas em seus membros, educando-os de acordos com os valores democráticos e, na medida em que os indivíduos possuem esses valores, a democracia se torna mais justa e eficaz de inúmeras formas. De uma terceira maneira, as associações podem ser importantes formas de resistência contra Estados autoritários e, além disso, também podem representar um mecanismo de controle das ações estatais contra o abuso de poder e a favor da transparência.
A quarta contribuição das associações para a governança democrática aborda o potencial que estas possuem de reunir interesses dispersos e buscar meios de transmitir suas preferências para o governo, realizando pressão nos legisladores e melhorando a qualidade e igualdade da representação. Além de representar interesses, a quinta maneira de contribuir é através da melhoria e enriquecimento do debate público que estas podem gerar. Por fim, a sexta e última contribuição diz respeito à governança direta, ou seja, que as associações devem desempenhar um papel mais direto nas funções do Estado de maneira a resolver as limitações do mesmo. Nessa perspectiva, defende-se inclusive que o governo ceda funções para as mesmas e crie mecanismos de financiamento público para que elas possam realizar essas tarefas (FUNG, 2003).
Ainda que seja difícil a realização de generalizações acerca da contribuição dessas associações para democracia, e que tal fato varia muito de acordo com a própria forma de organização e objetivos das mesmas, hoje tem-se uma grande incorporação das associações bem como de organizações não governamentais na esfera estatal, seja nos canais de participação ou seja por meio de parcerias para a implementação de políticas públicas
Teixeira (2002) elenca três tipos importantes de encontro[1] entre as ONGs e o Estado, de acordo com as formas como estes se relacionam. O primeiro tipo de encontro é caracterizado por relações com laços menos formais entre a esfera governamental e as organizações, de forma que estas tem um papel de pressionar, criticar, acompanhar programas sociais sem, entretanto, possuir vínculos diretos com o Estado. O segundo corresponde a contratação das ONGs para prestação de serviços, de forma que o Estado como órgão financiador decide se aprova ou não o projeto. Nesse caso a relação entre as duas partes são distantes e permeadas de cobranças e avaliações, de forma com que as ONGs ficam sujeitas as diretrizes dos governos. O terceiro encontro é caracterizado pela elaboração conjunta do projeto entre o poder público e a ONG, no qual há um mais vínculo formal entre ambas as partes e uma divisão de responsabilidades.
Essas organizações, em sua maioria, podem representar importantes aliadas nos projetos sociais em face da sua estrutura técnica e operacional. Alguns argumentos nesse sentido se relacionam com o fato de muitas ONGs possuírem pessoas especializadas, capacidade de desempenhar suas funções de forma mais ágil e flexível e terem vinculação com problemáticas territoriais e sociais, que auxiliam o Estado na elaboração e implementação de políticas.
O conjunto de instâncias participativas instituídas sobretudo a partir dos anos 90, resultou do processo de reorganização da sociedade civil e de suas formas de se relacionar com o Estado, bem como as transformações institucionais, jurídicas e administrativas pelas quais o Brasil foi passando a partir da década de 70. Esses novos espaços de negociação surgem em torno dos atores sociais e do Estado e são denominados como instituições híbridas, na medida em que envolvem um partilhamento dos processos deliberativos entre Estado e sociedade. Assim, a maior complexidade das políticas públicas diante da multiplicação dos atores e espaços de decisão exige um novo agir político. “Temos, nesses casos, a adoção de “órgãos híbridos”, uma nova forma institucional que envolve a partilha de espaços de deliberação entre as representações estatais e as entidades da sociedade civil” (AVRITZER E PEREIRA, 2005, p. 20). No Brasil, tais instituições são constituídas das diversas e numerosas formas. As experiências mais comuns também remetem aos conselhos, conferências, gestão participativa do orçamento, fóruns, audiências, etc (AVRITZER e PEREIRA, 2005).
O espaço público é então definido pelos autores como o engajamento de múltiplos atores, tanto públicos quanto privados, envolvidos nos variados processos de discussão e que proporcionam a elaboração conjunta das políticas públicas locais, “incorporando às práticas de gestão das políticas públicas urbanas um processo de acordos negociados” (PEREIRA, 2000 apud AVRITZER e PEREIRA, 2005, p. 20). Essas mudanças ocorridas nos modos de ação pública são reflexos de transformações tanto do Estado, que deixa de ser hierárquico e bipolar e se estrutura em diversas instâncias de decisão, quanto da sociedade que se constitui em atores e agentes das novas formas de reivindicação coletiva nos espaços públicos e híbridos de discussão.
Uma das principais instituições híbridas, dentre as mais presentes e atuantes no Brasil são os conselhos de políticas públicas. Tatagiba (2000) citada em Avritzer e Pereira (2005, p. 26) definem os conselhos como:
[...] parte integrante do sistema nacional, com atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas na respectiva área governamental [...] São também concebidos como fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como forma de ampliar a participação de segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado.
Nesse sentido, os conselhos, constituem um espaço de discussão e deliberação que não pressupõe a supressão das instâncias formais e da liberdade e autonomia de atuação da sociedade civil. Representam uma instância de participação intermediária e de luta pela democratização e publicização das políticas públicas, com atuação seja propositiva, de gestão ou acompanhamento de políticas e programas sociais.
A partir dessa variedade de arranjos participativos que vem sendo incorporados na arena pública, observa-se que cada um deles pode apresentar uma conformação distinta, com interesses, papéis, participantes e discussões também diversos. Desse modo, o desenho institucional desses canais e até o contexto em que estes estão inseridos podem ser fatores que explicam em certa medida a capacidade das mesmas de contribuir para democratizar o governo.
O desenho institucional participativo e suas variações
De acordo com Leonardo Avritzer (2008), a teoria democrática na segunda metade do século XX limitou bastante o conceito de instituições políticas. Isto se deve ao fato de que a literatura considerou como elemento principal na institucionalidade a existência de uma legislação formal que tratasse de seu funcionamento, não incorporando muitas vezes a presença das regras informais e, quando os autores trataram dela, apenas a consideraram no interior de instituições políticas formalmente constituídas. Dessa forma, o autor realiza dois tipos de críticas a esta literatura, a primeira delas é o fato de que muitas instituições participativas brasileiras não estão nem formalmente nem legalmente constituídas e ainda sim tratam de importantes comportamentos e expectativas dos atores sociais. A segunda diz respeito ao próprio conceito de instituições políticas que, em grande parte, não incorpora as práticas participativas e apenas as resultantes dos processos de representação, o que acaba por gerar uma oposição entre institucionalização e participação que já não condiz com o que se vem alcançando em termos da abrangência da participação.
Ainda no que tange a questão da institucionalização, retomando a discussão efetuada na teoria democrática deliberativa de Habermas, a não consideração acerca da possibilidade de institucionalização por esse autor acaba por levar alguns autores ao questionamento da concepção de democracia deliberativa habermasiana no que tange a participação restrita à dimensão informal, ou seja, restrita apenas a uma influência na decisão estatal. Assim, autores como Bohman (2000) e Cohen (2000) abordados em Luchmann (2002) apresentam uma concepção de democracia deliberativa que pretende ir além da perspectiva habermasiana, à medida que enfatiza, entre outras, “a importância de medidas institucionais para a superação das principais dificuldades da democracia deliberativa, como o pluralismo cultural, as desigualdades sociais e a complexidade social” (p. 35), ressaltando a relevância da dinâmica e do formato institucional.
Assim, tais autores incorporam a institucionalização de canais de deliberação como uma forma de garantir na prática a influência no exercício do poder público. Como ressalta Bohman (2000) citado em Luchmann (2002, p. 41),
o êxito de uma forma deliberativa de democracia depende da criação de condições sociais e de arranjos institucionais que propiciem o uso público da razão. A deliberação é pública na medida em que estes arranjos permitam o diálogo livre e aberto entre cidadãos capazes de formular juízos informados e racionais em torno às formas de resolver situações problemáticas
A partir dessa consideração no que tange a importância da institucionalização de formas deliberativas de participação, Avritzer (2008, p. 45) propõe o conceito de instituições participativas, as quais se definem como “formas diferenciadas de incorporação dos cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas”. O autor elenca três desenhos mais gerais desses arranjos, através dos quais os cidadãos podem participar dos processos de tomada de decisão, sendo elas a participação de baixo pra cima, a partilha de poder e a ratificação pública.
A participação de baixo pra cima (FUNG e WRIGHT, 2003; BAIOCCHI, 2003, apud AVRITZER, 2008) é aquela na qual há a livre entrada de qualquer cidadão no processo participativo e a institucionalidade se dá de baixo pra cima de forma que as decisões partem dos cidadãos, como exemplo tem-se o Orçamento Participativo. No caso do Orçamento Participativo brasileiro, os processos ocorrem de baixo pra cima visto que a população é quem elege os conselheiros e delegados. A segunda forma é a partilha do poder, na qual há uma participação simultânea dos atores estatais e da sociedade civil. Nesse caso, a diferença com a maneira anterior é que esta não inclui um número grande de atores sociais e é determinado por lei. Já o terceiro tipo de arranjo trata-se da ratificação pública, em que os atores societários não participam do processo de tomada de decisão, mas são convidados a referendá-lo publicamente.
Nesse sentido, esses três tipos de arranjos participativos podem ser diferenciados a partir de três variáveis que se expressam de maneira diferente em cada um deles. Essas variáveis consistem na iniciativa da proposição do desenho, organização da sociedade civil na área em questão e vontade política do governo em implementar a participação (AVRITZER, 2008). Diante dessas variações observa-se que a capacidade de democratizar o governo das instituições participativas pode ocorrer em níveis diferentes, dependendo do contexto de organização da sociedade civil e da presença de atores políticos que apóiem esses processos participativos.
À medida que se considera o contexto como uma característica importante, o papel do desenho institucional no êxito ou não das instituições participativas passa a ser relativizado. Assim, distancia-se de certo modo da teoria de Fung e Wright (2003) abordados em Avritzer (2008), que consideram esse desenho como fundamental para o sucesso de um processo participativo, independentemente do contexto em questão. No que Avritzer (2008) denomina de desenho participativo interativo, propõe-se que o êxito desses processos está relacionado não apenas ao desenho institucional, e sim ao modo como este desenho se articula com a organização da sociedade civil bem como com a vontade política de implementar desenhos participativos.
Diante dessa diversidade de arranjos institucionais que buscam propiciar os processos participativos através de diversos formatos, Fung (2004) defende a criação de instâncias múltiplas como uma forma de melhorar a governança democrática. Esse autor discorre sobre quais seriam as principais escolhas para o desenho institucional participativo e como essas escolhas podem contribuir para essa governança democrática. Esses instâncias são criadas a partir da reunião de cidadãos a fim de participar em deliberações públicas organizadas de maneira autoconsciente. Partindo das definições de Robert Dahl, Fung (2004) denomina de “minipúblicos” esses esforços de aperfeiçoar a esfera pública. Tais minipúblicos contribuem para aprimorar a qualidade do engajamento cívico e da deliberação pública. Além disso, pode-se dizer que no aperfeiçoamento da esfera pública, os minipúblicos são importantes porque estão entres os esforços construtivos atuais com maior alcance de engajamento cívico e deliberação.
A partir dessa perspectiva, Fung (2004) elenca as oito escolhas mais importantes para o desenho institucional desses minipúblicos. A primeira delas refere-se a sua concepção e tipologia, que variam de acordo com as funções dos mesmos. Os fóruns educativos correspondem a uma concepção de minipúblico que lida com problemas de representação, razoabilidade e informação a partir da conversação entre os cidadãos sobre determinados assuntos públicos. O conselho consultivo participativo, vão além das discussões para aperfeiçoar a qualidade da deliberação visto que desenvolvem ligações com os tomadores de decisões a fim de transferir ao governo as preferências alinhadas por eles. A cooperação para a resolução participativa de problemas envolve um entrelaçamento contínuo entre Estado e os cidadãos objetivando solucionar problemas coletivos que necessitam maior atenção. Por fim, a quarta tipologia é denominada governança democrática participativa é a concepção que incorpora a participação direta do cidadão na elaboração de políticas públicas.
A segunda escolha referente a esse desenho participativo é a da seleção e recrutamento dos participantes. Esta decisão trata da dificuldade de se estabelecer quem serão os participantes de um minipúblico uma vez que, mesmo as instâncias sendo abertas, as pessoas que comparecem podem ser apenas aquelas que dispõem de recursos para tal e não aquelas que efetivamente tem seus interesses envolvidos nas deliberações. Assim são propostas soluções no sentido de escolher participantes que espelhem a população em geral, realizar um recrutamento com a população e/ou criar incentivos estruturais para que os cidadãos com menos recursos participem.
O tema e o escopo da deliberação correspondem à terceira escolha, ou seja, qual a matéria da deliberação e, consequentemente, com o que (ou até em que tanto) os participantes contribuirão no decorrer do processo. Assim algumas deliberações podem exigir um nível de conhecimento específico sobre um tema ou até pode trazer a tona informações às quais os atores políticos não teriam acesso de outra maneira. Uma quarta escolha refere-se a como serão organizadas as discussões em um minipúblico. De acordo com Fung, “qualquer processo deliberativo determinado terá escopos e obstáculos mais específicos com os quais ele deve lidar através da preparação, facilitação e estruturação da discussão” (2004, p. 180). Assim, essa escolha refere-se a facilitação da expressão dos diversos indivíduos através dea concessão de tempo, ou a geração de consenso através da criação de participantes informados, etc.
A quinta decisão relacionada ao desenho dos minipúblicos é a freqüência dos encontros entre os participantes. Nesse quesito, mais não significa melhor visto que se o propósito de sua formação se refere a assunto estável não necessariamente são necessárias muitas reuniões. Já no caso de tipos de minipúblicos dedicados à governança democrática, em que suas decisões devem ser sempre atualizadas, a periodicidade dar reuniões deveria ser menor. Além disso, na sexta escolha, tem-se as apostas, ou seja, o por que do interesse dos cidadãos em relação ao(s) assunto(s) tratados. Quando as apostas que os indivíduos fazem na deliberação são baixas, esta é considerada fria uma vez que os participantes entram na discussão sem posicionamentos fixos. Em contraposição, quando os participantes tem muitos interesses em jogo, a deliberação é quente, na qual, segundo Fung (2004), estes investirão mais energia e recursos.
A sétima e oitava escolha correspondem, respectivamente, ao empoderamento e ao monitoramento dos minipúblicos. O empoderamento refere-se a capacidade de influência das deliberações na tomada de decisões. Nem todos os minipúblicos devem ser empoderados, alguns podem não possuir qualidade em suas deliberações ou até mesmo uma reivindicação legítima, já outros podem ter no empoderamento uma ferramenta de accountability e como uma forma de atrair mais participantes e atribuir seriedade e credibilidade às discussões visto que resultarão em conseqüências tangíveis. O monitoramento das decisões e resultados alcançados dentro do minipúblico pode contribuir para o aprendizado público e fortalecimento da cidadania. Além disso, o monitoramento relaciona-se também com o controle sobre as ações do poder público, representando uma ferramenta de acompanhamento e pressão sobre a ação pública.
Segundo Fung (2004, p.10), “um minipúblico saudável contribui para a qualidade da governança democrática de diversas maneiras”. Essas contribuições são consequências da maneira como as escolhas de desenho institucional analisadas anteriormente tornam os minipúblicos menos ou mais propensos a realizá-la.
Uma destas contribuições é o aumento do engajamento cívico, que inclui em suas dimensões a quantidade de participação como uma medida do sucesso da instância, o perfil dos participantes em relação ao esperado e a qualidade da deliberação desenvolvida. Um segundo feixe de contribuições engloba a obtenção de mais informação tanto por parte dos políticos e representantes acerca dos valores e interesses dos cidadãos como um maior acesso à informação pelos próprios cidadãos participantes. Além disso, contempla também a contribuição para o desenvolvimento de habilidades e disposição democrática. O terceiro grupo aborda como as escolhas referentes ao desenho institucional permitem ou não elevar a accountability dos agentes públicos, como contribuem para a melhora da justiça da política no sentido de inclusão e oportunidade de participação.
É importante ressaltar também que de acordo com Fung (2004), a deliberação pode contribuir de três formas para a eficácia das políticas públicas. A primeira delas relaciona-se ao proporcionamento de oportunidades de realizar ponderações, modificações e adaptações na política por parte dos envolvidos, aumentando sua legitimidade. Em segundo lugar, os minipúblicos podem agrupar cidadãos com maior informação acerca de uma determinada área de políticas públicas em comparação com os representantes. Por fim, estes arranjos podem contribuir para melhorar a implementação de determinadas políticas.
Uma última e não menos importante contribuição diz respeito à mobilização que as deliberações dentro desses públicos pode efetuar com os cidadãos que estão de fora dele. A capacidade de mobilização dos minipúblicos pode ser mais efetiva se este lida com um problema proeminente e também se suas deliberações fazem a diferença com relação a este problema, ou seja, se existe empoderamento.
Assim, o funcionamento dos canais de participação depende tanto da estruturação dessas instâncias quanto da disposição, vontade e capacidade dos atores sociais em participar. A mobilização desses atores é importante seja para participar seja para promover um maior envolvimento dos mesmos.
Mobilização Social
De acordo com Costa (2004), projetos que visam impactar diversas dimensões da vida dos destinatários, ou seja, que tem por objetivo ou dependem para o seu êxito da modificação de valores, atitudes e comportamentos por parte dos destinatários requerem, do ponto de vista de sua organização, o envolvimento, a participação e adesão por parte dos mesmos durante todo o ciclo da política. Isto se deve ao fato de para que esses projetos alcancem seus objetivos, se faz necessário um comportamento cooperativo por parte dos envolvidos ou até de famílias e comunidades como um todo, de maneira que a construção de legitimidade entre os implementadores e os destinatários é um elemento central.
Desse modo, uma mudança de comportamento almejada por um projeto requer que os destinatários se envolvam e participem do mesmo, requerendo a mobilização dos mesmos para tal. A participação social pode ser um importante instrumento na mobilização da sociedade em torno de uma causa e de seu envolvimento por ela. À medida que incorpora as visões e interesses complexos dos diversos atores nas deliberações, estes podem mobilizar os cidadãos que estão de fora do processo, que o desconhecem ou que ainda não manifestaram interesse por ele.
De acordo com Toro e Werneck (2007, p. 13), “mobilizar é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados”. Ao utilizar a expressão “convocar vontades”, ou autores se referem a convocar decisões, ações e discursos no sentido de um objetivo comum. Os autores ressaltam ainda que toda mobilização é orientada por um objetivo predefinido e que deve estar orientada para um projeto de futuro, ou seja, se seus propósito são momentâneos e passageiros configura-se em uma campanha ou em um evento, e não em um processo de mobilização.
A mobilização social é reconhecida como um ato de comunicação sem, entretanto se confundir com propaganda ou divulgação. Ela exige ações de comunicação no seu sentido amplo, no que tange a um processo de compartilhamento de discurso, visões e informações.
Esses autores buscam destacar a importância de uma responsabilização da própria sociedade pela ordem social em que se vive. A partir do momento em que se quer atingir uma mudança social, deve-se buscar assumir também a responsabilidade do cidadão nessa transformação. O desafio de se construir um país desenvolvido socialmente e economicamente passa tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Dentro desta perspectiva, emprega-se o conceito de produtividade em um sentido que transborda o raciocínio econômico, já que inclui também a produtividade social, sendo esta a responsabilidade da sociedade de ser capaz de criar instituições públicas eficientes e de ajudar a construir um país produtivo.
O primeiro passo no planejamento de um processo de mobilização social é a explicitação do propósito do mesmo. Este propósito deve expressar o a finalidade da mobilização, ou seja, aonde se quer chegar. Além disso, é importante que ele represente o interesse compartilhado pelos atores envolvidos. de acordo com Whitaker (1993) citado em Toro e Werneck (2007, p. 40), “a participação será mais assumida, livre e consciente, na medida em que os que dela participem perceberem que a realização do objetivo só pode ser alcançado se houver efetiva participação.”
Dentro do campo de atores que dão início a esse processo de mobilização está o chamado “produtor social”, que são as pessoas ou instituições capazes de fornecer as condições tanto técnicas quanto econômicas que viabilizem as ações mobilizatórias (TORO E WERNECK, 2007). Podendo representar, por exemplo, uma instituição do Estado, uma ONG, uma empresa, dentre outros. O produtor social é responsável por conduzir o processo de maneira que ele tenha legitimidade política e social, sendo que não deve considerado o dono do projeto e sim um precursor de um movimento que incorpora o desejo de mudança compartilhado.
Outro papel importante é o empreendido pelo “reeditor social”, aquele que ocupa um papel reconhecido socialmente de forma que possui credibilidade e legitimidade para introduzir sentidos frente a seu público, ou seja, que é capaz de gerar mudanças nas formas de pensamento no seu público. Este agente tem capacidade de receber uma mensagem e interpretá-la e adequá-la da melhor maneira às pessoas com as quais lida, como é o caso, por exemplo, de um educador ou de um líder comunitário. Esse grupo atuaria de maneira conjunta aos produtores sociais (TORO E WERNECK, 2007).
Logo, convém destacar que o planejamento dos processos de mobilização social envolve três atividades, sendo elas a estruturação das redes de reeditores, a conversão do imaginário em materiais e mensagens que possam ser usados no campo de atuação do reeditor e a estruturação dos sistemas de coletivização. A primeira delas se refere a identificação dos reeditores que se relacionam com os setores a serem mobilizados. A segunda diz respeito aos materiais que devem ser preparados a fim de possibilitar a divulgação da informação e da convocação. Por fim, a última delas trata do planejamento de como serão feitas a convocação, os eventos e campanhas e o registro das atividades. É importante ressaltar também que esse processo pode enfrentar várias dificuldades e limitações. Ao lidar com elas, sempre deve-se ter em mente que o processo precisa ser guiado por um objetivo comum e que seja compartilhado por dele quem participa.
O presente trabalho buscou em um primeiro momento abordar um pouco da evolução da teoria democrática contemporânea bem como os principais aspectos relacionados à participação e mobilização social. No que tange as concepções democráticas, observa-se que as teorias de democracia participativa e deliberativa vieram como uma maneira de complementar os limites da democracia representativa. Nesta perspectiva o cidadão comum era dotado de pouca capacidade e interesse em participar efetivamente na esfera pública, sendo assim seu papel deveria ser restrito ao voto.
Diante dessa lógica que subestima a capacidade do cidadão comum de participar da atividade política, desenvolveu-se a partir dos anos 60 uma concepção participativa de democracia na qual se defende uma ampla participação dos cidadãos como uma forma de tornar o governo mais democrático como também desenvolver capacidades sociais e políticas de cada indivíduo. Ao lado dessa concepção, a teoria da democracia deliberativa também trouxe críticas ao modelo elitista que restringe a participação ao voto, propondo um aperfeiçoamento democrático a partir da comunicação entre os cidadãos que permitem o compartilhamento de suas visões de mundo e uma argumentação que levariam a geração de consenso acerca das preferências e soluções dos problemas sociais. As demandas sociais oriundas desses processos de comunicação teriam o papel de exercer influência de pressão na tomada de decisões estatal ou mesmo, considerando os desenvolvimentos teóricos mais recentes neste campo, ocorrer por meio de formas de participação e deliberação institucionalizadas.
Desse modo, essas duas vertentes teóricas contemporâneas propõem alternativas de participação e deliberação, que geram oportunidades não só dos cidadãos tomarem parte nas decisões bem como o desenvolvimento das virtudes da cidadania. A participação social é então considerada nessa nova perspectiva como uma forma de aprofundar a democracia e complementar a representação em uma sociedade complexa e plural.
Nesse sentido, a sociedade tem cada vez mais reivindicado a participação no processo decisório e nas políticas públicas como um direito de cidadania, o que acaba por resultar em uma incorporação dessa participação dentro da própria estrutura estatal através de instituições criadas para tal como os conselhos de políticas públicas, a gestão participativa do orçamento, os fóruns e audiências públicas, as conferências, dentre outras instâncias que hoje permeiam o Estado.
Conclui-se que para que a democracia brasileira seja aperfeiçoada é necessário de uma participação efetiva da sociedade, e que esta faça uso dos diversos meios de fiscalização dos governantes.
AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia: ensaios em teoria habermasiana e teoria democrática. Coleção debates. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.
______, Leonardo. Democracy and teh public space in Latin America. Oxford: Princeton Universidad Press, 2002.
______, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião pública, Campinas, v. 14, n. 1, p. 43-64, junho 2008.
AVRITZER, Leonardo; PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. Democracia, participação e instituições híbridas. Teoria e Sociedade, número especial, 2005.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 168p.
COSTA, Bruno Diniz L. Política, instituições e estratégia de implementação: Elementos para a análise de políticas e projetos sociais. In: CARNEIRO, Carla Bronzo L.; COSTA, Bruno Diniz L. Gestão social: o que há de novo? Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2004, v. 2.
DAGNINO, Evelina. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FARIA, Cláudia Feres. O que há de radical na teoria democrática contemporânea: a análise do debate entre ativistas e deliberativos. In: Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 6, 2008, Campinas. Anais... Campinas: UNICAMP, 2008.
FUNG, Archon. Associations and democracy: Between Theories, Hopes, and Realities. Annual Review of Sociology, v. 29, p. 515-539, jun. 2003. Disponível em: <http://www.archonfung.com/docs/articles/2003/FungAnnRevSoc03.pdf>. Acesso em: 16 de novembro de 2014.
______, Archon. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas conseqüências. In: COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (Org.). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed 34, 2004.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factilidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v.2.
HABERMAS, Jürgen. The theory of communicative action. Boston: Beacon Press, 1984.
______, Jürgen. The theory of communicative action: lifeworld and system: a critique of functionalist reason. Boston: Beacon, 1989, v.2
LUCHMANN, Lígia Helena H. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre. 2002. 215f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
SANTOS, Boaventura de Souza. A reinvenção solidária e participativa do Estado e sociedade. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOCIEDADE E A REFORMA DO ESTADO, 1998, Brasília, Anais... Brasília: Mare, 1998, p.109-125.
TEIXEIRA, Ana Cláudia Chaves. A atuação das organizações não governamentais: entre o Estado e a sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
TEIXEIRA, Elenaldo. Sociedade civil e participação cidadã no poder local. Salvador: UFBA, 2000.
TORO, José Bernardo; WERNECK, Nísia Maria D. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
[1] A expressão “encontro” é utilizada pelo projeto “Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil” de uma forma fluida, procurando representar os vários tipos de relação entre sociedade civil e Estado (DAGNINO, 2002).
Artigo publicado em 22/09/2021 e republicado em 03/05/2024
Mestre em Direito pela PUC/MG, pós-graduado em Ciências Penais pela mesma instituição e graduado em direito pela Funcesi. Ex- Professor de Direito Penal e Processo Penal do CENSI - Itabira (graduação); e da Funcesi nas disciplinas de direito penal (professor visitante da graduação). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. É ainda pós-graduado lato senso em Direito Ambiental, e Direito Processual Civil, pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER. Advogado Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, ALIXANDRE BARROSO. Aperfeiçoamento democrático no Brasil promovido pela participação social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2024, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57217/aperfeioamento-democrtico-no-brasil-promovido-pela-participao-social. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.