RESUMO: Após a entrada em vigor da lei Nº 11.804/2008 ocorreu a introdução no Ordenamento jurídico brasileiro dos alimentos gravídicos, ou seja, a obrigação do pai de amparar a mãe grávida durante seu período gestacional de forma a garantir uma gravidez sadia e, por conseguinte, a vinda ao mundo de um bebê saudável. Na dicção da lei em comento, bastam indícios de paternidade para que, desde logo, o juiz fixe alimentos, que perdurarão até o nascimento da criança, uma vez que a morosidade poderá acarretar consequências irreversíveis à gestante e ao bebê. Ocorre que, muitas mães agem de má fé sabendo que o sujeito não se trata do verdadeiro pai da criança. Vejamos que, o Código civil em seu artigo 186 prevê expressamente a possibilidade de indenização por danos morais. A pesquisa objetiva analisar profundamente como fica os casos em que o suposto pai cumpre com a obrigação dos alimentos gravídicos e após o nascimento não há confirmação da paternidade, e a divergência existente no ordenamento jurídico. Dessa forma, a pesquisa tem por objetivo geral o aprofundamento do estudo sobre o tema e a contribuição para o enriquecimento do conteúdo sobre os tópicos em análise.
Palavras-chave: Alimentos gravídicos_1. Paternidade_2. Má fé_3. Danos morais_4.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho estuda os alimentos gravídicos e a problemática perante a não confirmação de paternidade após o nascimento do bebê. Vejamos que em um momento tão delicado como a gravidez é preciso que haja cautela e bastante cuidado, para que se possa proporcionar um período saudável tanto para a preservação do nascituro quanto para a gestante.
Logo, muitas mulheres se depararam com o desamparo paterno nesta fase. Com isso, criou-se a Lei Federal nº. 11.804/08, de 05 de novembro de 2008, que inseriu, no ordenamento jurídico os “alimentos gravídicos”, sendo estes necessários no período da gravidez até o parto. Posto que, essa quantia não se trata apenas para a compra de alimentos e sim de tudo que abrange uma vida digna ao bebê.
A referida lei tem por objetivo resguardar o direito da gestante que, representando o nascituro poderá propor a ação de alimentos gravídicos desde a concepção do bebê. Para propor a ação é preciso que haja apenas indícios de paternidade, não sendo necessário portanto a confirmação da mesma, para a fixação dos alimentos.
O tema se faz muito importante pois busca a análise de pontos controversos no ordenamento jurídico brasileiro. Visto que a Lei Federal nº. 11.804/08, não exige a real confirmação de paternidade para a fixação dos alimentos. Desse modo, originou-se a discussão, dado que de um lado se tem a Constituição Federal assegurando os direitos fundamentais a todo ser humano, e de outro a possibilidade de indenização quando não há confirmação de paternidade.
A vista disso, era previsto na lei de alimentos gravídicos em seu artigo 10°, na situação em que após o nascimento da criança a paternidade não fosse confirmada, a mãe responderia pelos danos materiais e morais causados ao suposto pai, nos próprios autos da ação de alimentos.
Para mais, o referido artigo em análise foi revogado, não impedindo, em vista disso, a propositura de uma ação de danos morais perante o prejuízo causado. Na medida que, esse tipo de ação se aplica ao âmbito geral no Direito Civil, não apenas a uma lei específica. Sendo assim, a possível indenização poderá ser provida, a depender da decisão judicial.
1. DOS ALIMENTOS
1.1 Histórico
Primordialmente, cabe ressaltar que as relações familiares sofrem grande interferência da cultura e da sociedade. Ora vejamos, ao analisarmos as disposições do antigo Código Civil de 1916 é possível observar a gigantesca insensatez jurídica quando filhos concebidos fora do casamento eram considerados ilegítimos. Dado que, os mesmos não eram reconhecidos e, consequentemente, ficavam abandonados à própria sorte, onde não poderiam sequer receber pensão alimentícia.
Observemos que, contrariando o princípio da dignidade da pessoa humana, a mulher era vista como uma mera cuidadora do lar, sendo possível perceber que a diferença de gênero era concebida de forma absurda. A honra do homem estava acima de tudo, uma vez que a mulher que cometesse qualquer ato atentatório à dignidade do homem, por tal ato se cessaria então a obrigatoriedade da prestação alimentar do homem.
Com o passar dos anos, a sociedade foi evoluindo, a cultura sofreu algumas modificações como recriações de conceitos e quebras de vários tabus, assim como o reposicionamento da mulher nessa nova era, onde passaram a garantir direitos e não eram vistas mais como meras reprodutoras. Acontece que, tais alterações, mudaram radicalmente algumas relações jurídicas, principalmente diante os vínculos familiares e seus temas relacionados.
O código civil de 2002 demonstrou um gigantesco “divisor de águas” em que pese, nele estão expressamente denotadas tais mudanças que vieram a ser acometidas na sociedade. Portanto, houve a queda da cultura extremamente patriarcal e conservadora. Quebrando a divisão de conceitos entre filho legítimo e ilegítimo, passou assim todo filho a ser legítima e para tanto gozar de direitos iguais, inclusive a prestação alimentar não importando sua fonte de origem (casamento, família homoafetiva, monoparental e etc.).
1.2 Conceito e Características de alimentos
Dado que, o termo Alimentos possui dois significados na sociedade, a primeira diz respeito à substância usada como fonte de energia pelos seres humanos para viver, também conhecida como comida. Todavia, na acepção jurídica do termo, os alimentos têm caráter mais amplo, abrangendo muito mais necessidades do que apenas a comida.
Sendo assim, os alimentos são recursos necessários à manutenção da vida, em suas acepções física, moral e social, destinados àqueles que não podem obtê-los por si mesmos. Guardando em sua essência básica tudo aquilo que é necessário à sobrevivência de qualquer ser humano.
Yussef Said Cahali (2002, p.16) diz que alimentos são as "prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)".
Nas palavras de Orlando Gomes:
“Alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada’’. (GOMES, 1999, p. 427).
Para a concretização do instituto é necessário a observação do princípio da dignidade da pessoa humana, onde o mesmo deve ser aplicado em constante acordo com o binômio necessidade x possibilidade (ancorado no artigo 1.694, §1º do Código Civil). Portanto, devem ser analisadas a necessidade daquele que irá vim a receber os alimentos e a possibilidade econômica do prestador dos alimentos.
1.3 Espécies de alimentos
Em consequência disso, vê-se a todo instante, a importância em ressaltar que o termo "alimentos" compreende toda e qualquer necessidade para a preservação da vida do ser humano. Na ênfase jurídica, os alimentos se subdividem em alimentos naturais e alimentos civis (ou também chamado de côngruos), legais, voluntários e indenizatórios. Portanto, estes ainda se subdividem em provisórios ou permanentes.
Os alimentos naturais dizem respeito ao mínimo vital, ou seja, as necessidades básicas de uma pessoa para sobrevivência. Nessa divisão é englobada a alimentação, tratamento de saúde, vestuário e habitação (há contraposição doutrinária sobre significância do vestuário e da habitação nos alimentos naturais).
Que se pesem os alimentos civis, os mesmos visam a manutenção do status social e status de família. Dado que, estão interligados a outras necessidades além da sobrevivência, como o direito à dignidade, abarcando os itens dos alimentos naturais e envolvendo também educação, lazer e padrão de vida.
A conceituação de alimentos legais ou legítimos vem sendo estabelecida no art. 1.694, do Código Civil. Visto que, são eles os alimentos estabelecidos por lei, decorrentes de parentesco, casamento ou companheirismo.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves:
“Os legítimos são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode decorrer do parentesco (iure sanguinis), do casamento ou do companheirismo (CC, art. 1.694). (…) Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família. Assim, a prisão civil pelo não pagamento de dívida de alimentos, permitida na Constituição Federal (art. 5o, LXVII), somente pode ser decretada no caso dos alimentos previstos nos arts. 1.566, III, e 1.694 e s. do Código Civil, que constituem relação de direito de família, sendo inadmissível em caso de não pagamento dos alimentos indenizatórios (responsabilidade civil ex delicto) e dos voluntários (obrigacionais ou testamentários).” (2014, p. 338/339).
Já os alimentos voluntários correspondem àqueles em que a pessoa não é obrigada a prover os alimentos por lei, porém assume tal obrigação. Podem decorrer de declaração de vontade inter vivos, sendo próprios do direito obrigacional, ou de declaração de vontade causa mortis, em testamento, sendo próprios do direito sucessório, chamados também testamentários.
Por conseguinte, os alimentos indenizatórios, diferentemente dos citados acima, são destinados a indenizar vítima de ato ilícito, decorrentes do reconhecimento da relação obrigacional. Essa espécie de alimentos conforme art. 948, II e 950, do CC não tem como finalidade suprir a necessidade de subsistência do alimentando, mas tão somente compensar a vítima por um prejuízo sofrido.
Portanto, vejamos que apenas os alimentos legais fazem parte do direito de família, sendo assim somente a ele é aplicado a prisão civil por não pagamento. Dessa forma, observamos que os alimentos supracitados ainda se subdividem em: Alimentos Definitivos que se tratam dos permanentes, são aqueles fixados por sentença ou por acordo entre as partes, após a sua homologação transitar em julgado. Existem também os Alimentos Provisórios, instituto esse que se encontra amparado pela Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68) nela são designados alimentos fixados liminarmente para suprir as necessidades urgentes do alimentado durante o trâmite da ação.
2. Dos alimentos gravídicos
2.1 Aspectos materiais e processuais da lei 11.804/2008
Entrou em vigor no dia 6 de novembro de 2008, a Lei de Alimentos, a Lei nº 11.804/08, que busca disciplinar o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido. Considera-se alimentos gravídicos os alimentos pagos pelo suposto genitor do nascituro para assegurar que o mesmo, por meio da mãe, possa ter uma gestação segura e saudável, garantindo-lhe a sobrevivência digna desde a concepção. Portanto, os alimentos gravídicos se tratam das despesas com assistência médica e psicológica, alimentação diferenciada por parte da Genitora, medicamentos e tantos outros.
Segundo a Lei Federal 11.804/2008 que trata unicamente sobre o tema, em seu artigo 2º, a definição é a seguinte:
“Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive os referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.” (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).
Assim, com a lei dos alimentos gravídicos a gestante que não possui qualquer ajuda do suposto pai poderá propor ação de alimentos gravídicos em face do mesmo, que se estenderá até o nascimento da criança. Vale ressaltar que, o vínculo entre os genitores não precisa decorrer de casamento ou união estável. Para manter a saúde do nascituro, muitas vezes vem a ser evitado o exame de DNA durante a gestação. Ao mesmo tempo, a mãe não pode esperar o nascimento do mesmo para propor uma ação judicial, sendo assim basta que apenas seja provado os “indícios de paternidade”.
De acordo com Arnaldo Rizzardo, “são elementos de prova que evidenciam a paternidade: fotos, endereços comuns, aquisições, e-mails, pagamentos de despesas, declarações de pessoas sobre o convívio ou namoro. Estes podem ser anexados na inicial de modo a gerar uma convicção suficiente de certeza ou de alta probabilidade de que o requerido é o pai”. (RIZZARDO, 2009, p. 276).
Assim nos diz o artigo 6º da Lei em análise:
Art. 6º “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”. (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).
Vejamos a necessidade de se estabelecer quem é o pertencente da legitimidade ad causam ativa desses alimentos. Neste caso a gestante atua como substituta processual, embora a titularidade de direito seja do nascituro, vale dizer, que ela atua de forma indireta, sendo assim em nome próprio na defesa de direito alheio, ou seja, daquele que está prestes a nascer. Desse modo, caso a demandante esteja interdita, seu curador será também o do nascituro. Conforme disposições dos artigos 18 do Código de Processo Civil/2015.
Sob o mesmo ponto de vista, na fixação de alimentos gravídicos é preciso que venha ter-se a observação do binômio necessidade x possibilidade, ou seja, que venha a ter uma ponderação entre as necessidades relativas ao nascituro e a mãe e as possibilidades financeiras do suposto pai. Por outro lado, no entanto, é necessário a observação dos valores para que não sejam cometidas injustiças durante o período gestacional. Logo, após o parto, os alimentos gravídicos são automaticamente convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite sua revisão.
Cabe aqui ressaltar que, em se tratando do domicilio para propositura da ação, o art. 3º da referida lei veio a ser revogado, onde, o mesmo indicava como foro competente aquele do domicílio do devedor(réu). Atualmente, por considerar o estado da gestante e suas condições, a ação de alimentos gravídicos, em regra, será proposta no domicílio da gestante, conforme o disposto no art. 53, inciso II do CPC. Da mesma forma, conforme a Súmula 383 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.”
4.1Personalidade jurídica do nascituro
O Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), em seu artigo 2.º, estabelece que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Sobre o assunto, Maria Helena Diniz leciona que:8
Nascituro é aquele que há de nascer, cujos direitos a lei põe a salvo; aquele que, estando concebido, ainda não nasceu e que, na vida intrauterina, tem personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que pertenciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida.
Tendo em vista que, a personalidade jurídica se dá pela capacidade de adquirir direitos e contrair deveres na sociedade, dado que, a mesma é reconhecida atualmente a todo ser humano e independe da consciência ou vontade do indivíduo. Por conseguinte, vejamos que em nossa legislação, é estabelecido que a personalidade se inicia a partir do nascimento com vida. A partir desse conceito, Diniz [12] declara que com base na nossa legislação surge um impasse, pois, embora não tenha personalidade, que apenas começa com o nascimento com vida, o nascituro pode titularizar direitos, como, por exemplo, a busca de alimentos gravídicos (Código Civil, 2002).
Acrescentando-se que, diante a controvérsia sobre a personalidade do nascituro, criou-se três teorias referentes ao início da pessoa natural: a teoria natalista, a teoria da personalidade condicional e a teoria concepcionista. Desta maneira, no que confere a teoria natalista, a personalidade jurídica apenas se inicia após o nascimento com vida. Outrossim, nesta o nascituro não é pessoa, a fim de que o mesmo seja possuidor apenas de mera expectativa de vida.
De acordo com Pereira (2007, p.153):
“O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito.”
Por outro lado, a segunda teoria se trata da personalidade condicionada, como o próprio nome já menciona a mesma alega que o nascituro é possuidor de personalidade jurídica desde que, com a condição de que nasça com vida, sem o nascimento com vida não haverá aquisição de personalidade. Ou seja, existe um limite para que possa ser adquirido a personalidade, subordinando assim sua eficácia a um futuro incerto. Caso, poucos momentos depois do seu nascimento, o recém-nascido vier a falecer, mas houver comprovação de um minuto sequer de vida, deverá ser garantido todos os direitos a ele inerentes.
Bem como, de acordo com a teoria concepcionista o nascimento com vida não é condição para conquistar-se a personalidade jurídica. Logo é possível perceber que, o nascituro vem a adquirir personalidade desde a sua concepção, ou seja, a partir do início da sua vida uterina ele já é considerado um humano. Vejamos que nessa corrente não se pressupõem meras expectativas de direitos ao nascituro, assim como na teoria acima citada, a ele são resguardados tanto direitos personalíssimos quanto os patrimoniais. E, portanto, se posteriormente se vierem a nascer com vida os direitos patrimoniais concretos.
Venosa [15] diz que:
O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual. Essa situação nos remete à noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade, de formação, para que nem ainda foi concebido. É possível ser beneficiado em testamento o ainda não concebido. Por isso, entende-se que a condição de nascituro extrapola a simples situação de expectativa de direito.
Portanto, no que se trata ao assunto referente aos alimentos gravídicos a teoria adotada se faz pela teoria concepcionista, onde o mesmo se torna possuidor de direitos no ato da concepção. Ora vejamos, a Constituição da República assegura, no artigo 5. °, caput, dentre outros direitos, o direito à vida, que é considerado o mais fundamental de todos os direitos, já que constitui um pré-requisito à existência e ao exercício de todos os demais. Assim, ao se falar em vida, quer-se protegê-la de forma plena, inclusive a vida uterina.
5. Danos morais
5.1 Conceito
Em especial consideremos que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o instituto do dano moral ganhou uma enorme força perante o ordenamento jurídico brasileiro. Dado que, especificamente no texto do artigo 5ª, X da CF onde, assegura à parte lesada o direito de indenização pelo dano moral ou material em caso de violação a qualquer dos direitos da personalidade ali descritos.
Em consequência disso, cabe ressaltar que acerca deste tema existem inúmeras definições de doutrinadores brasileiros para o dano moral. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona o conceituam como “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 55). Neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84).
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, ao conceituar o dano moral leciona que:
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).
O doutrinador Yussef Said Cahali sustenta esta espécie de definição, em suas palavras:
“Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como a denominada Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de causa imaterial.” (CAHALI, 2011, pag. 28).
Conceitualmente, vale reforçar que o dano moral está vinculado à dor, angustia, sofrimento e tristeza. Além disso vejamos que, o mesmo também se vincula a todos os direitos personalíssimos. Visto que, estes se tratam de aspectos inerentes a dignidade da pessoa humana prevista como uma clausula fundamental no texto constitucional brasileiro. Portanto, eles são intransmissíveis e irrenunciáveis limitando-se inclusive a própria ação do seu titular.
Portanto, por esta razão todos os fatos e circunstâncias presentes no caso devem ser levados em consideração na apreciação da lide pelo juiz, de modo que possa fixar na sentença um valor que se revele suficiente a compensar toda dor e sofrimento enfrentado pela vítima e ao mesmo tempo preservar o caráter punitivo pedagógico dessa modalidade de indenização, nunca perdendo de vista as condições econômicas e sociais das partes envolvidas (Direito Civil, Responsabilidade Civil, 15ª ed., Atlas, p.54).
5.2 Danos morais por falsa atribuição judicial de Paternidade
Tendo em vista que, na disposta Lei de Alimentos Gravídicos (Lei n° 11.804/2008), é estabelecido ao magistrado fixar a pensão alimentícia caso esteja convencido apenas de indícios de paternidade. Desse modo, observemos a não necessidade de uma prova concreta, como por exemplo o exame de DNA. Isto posto, que através de uma demanda judicial proposta de maneira impulsiva, o suposto pai se torna obrigado a pleitear a prestação de alimentos ao nascituro.
Faz-se necessário ressaltar a situação em que após o nascimento do bebê o pai venha a descobrir não ser o verdadeiro genitor da criança. Vejamos que, neste caso o genitor sofre grave ofensa aos seus direitos da personalidade e, por conseguinte, tem violada a sua dignidade como pessoa humana, os quais são dois princípios fundamentais de nosso ordenamento, e suficientes para justificar um pedido de indenização por dano moral.
É de exime importância salientar que, atualmente com a revogação do artigo art. 10 da Lei 11.804/2008 os alimentos prestados de forma indevida não podem ser restituídos. Ou seja, o respectivo artigo relatava que em caso de resultado negativo no exame de DNA a Requerente responderia de forma objetiva pelos danos materiais causados ao Requerido.
No entanto, mesmo com o veto do artigo que tratava da responsabilidade objetiva da Requerente da ação de alimentos gravídicos, ainda permanece a responsabilidade subjetiva. Uma vez que, esta se trata daquela que depende da existência de dolo ou culpa por parte do agente delituoso (mãe) para configuração da responsabilidade.
Em conformidade com este entendimento, o fato de a genitora possuidora de má-fé imputar a responsabilidade de alimentos, sabendo acerca da não paternidade do requerido configura-se abuso de direito. Dessa forma a mãe do nascituro usou durante a gestação do instituto dos alimentos gravídicos para se beneficiar de alguma forma.
Desta feita, imperando-se a má-fé, a mentira, a ocultação da verdade, haverá um ato ilícito. A gestante enganou até o próprio Poder Judiciário para conseguir fins ilícitos, abusou do direito de ação, o que demonstra a sua índole e a configuração do ato ilícito. Os interesses individuais e ilegítimos se sobrepuseram a dignidade da sobrevivência do nascituro e do suposto pai, o que configura uma ilicitude. (VITAL. 2010, pág. 2)
Ensina Douglas Phillips Freitas que:
Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil. (FREITAS. 2011. p.200)
Sob o mesmo ponto de vista, é importante salientar que somente há possibilidade de julgamento e ressarcimento por danos morais após a averiguação e comprovação que a falsa imputação de paternidade lhe trouxe algum sofrimento, ofendendo sua honra e imagem. Ademais, a jurisprudência se manifesta em sentido favorável quanto a indenização por dano moral para aqueles que foram lesados pela falsa imputação de paternidade:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPUTAÇÃO DE FALSA PATERNIDADE BIOLÓGICA. Sentença de procedência – Inconformismo da ré – Dano moral caracterizado pela inequívoca frustração do autor da paternidade negada após década – Indenização mantida – Precedentes jurisprudenciais do Col. STJ e Eg. TJSP – "Quantum" fixado em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Sentença mantida – Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste Eg. Tribunal – Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 00029308520148260297 SP 0002930-85.2014.8.26.0297, Relator: Fábio Quadros, Data de Julgamento: 02/06/2016, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2016).
DANOS MORAIS. ACUSAÇÃO DE FALSA PATERNIDADE. Ré que imputou paternidade ao autor, sendo que manteve relação com outro homem no mesmo período. Autor que, posteriormente, descobriu não ser pai do menor por exame de DNA. Culpa da ré configurada. Não cumprimento do dever de cuidado, decorrente da ciência de que outro homem poderia ser o pai da criança. Danos morais caracterizados. Situação que gerou transtorno emocional, e abalo anímico. Configuração de todos os elementos da responsabilidade civil. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 00288300920108260007 SP 0028830-09.2010.8.26.0007, Relator: Ana Lucia RomanholeMartucci Data de Julgamento: 03/04/2014, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/04/2014).
Portanto desse modo, analisemos que para a responsabilização da genitora, é utilizada a cláusula geral de responsabilidade civil, haja vista que há ausência de norma especifica. É importante ressaltar que, se a genitora agir por erro, acreditando equivocadamente ser verídica a paternidade atribuída, neste caso não é gerado caracterização de obrigação indenizatória. Por outro lado, inquestionavelmente se apurado a conduta dolosa de má-fé perante a atribuição de paternidade do filho o dever de reparação pelos danos causados ao suposto pai e evidentemente incontestável.
CONCLUSÃO
A princípio, a problemática da presente pesquisa parte do contexto de que as gestantes precisam ser asseguradas durante a gestação para garantir uma vida digna ao nascituro nesse período entre a concepção e o parto. Porém observemos que, do outro lado existe um suposto pai que deverá pagar a quantia estabelecida mesmo sem que ele saiba se realmente é o pai do bebê.
Desse modo, é possível situações em que algumas gestantes agem de má fé perante a situação. Vejamos, com a fundamentação da doutrina e da legislação este trabalho visa a possibilidade de responsabilizar civilmente a genitora de má-fé que atribuir falsa paternidade a outrem.
Portanto, sendo demonstrada a conduta dolosa da parte infratora, bem como a má-fé processual, inegável é o dever de reparação dos danos causados ao requerido. Ou seja, a parte lesada não ficará à mercê de seus direitos perante o ordenamento jurídico brasileiro.
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Artigo publicado em 06/12/2021 e republicado em 31/10/2024
Graduada em Direito pela Universidade Unirg de Gurupi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Thalytha Gomes da. Alimentos gravídicos: possibilidade de indenização ao suposto pai quando não há confirmação de paternidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57823/alimentos-gravdicos-possibilidade-de-indenizao-ao-suposto-pai-quando-no-h-confirmao-de-paternidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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