RESUMO: O presente estudo apresenta como objetivo fomentar a discussão que paira sobre a necessidade de preservação da Dignidade da pessoa humana nos casos em que se envolvem as relações de consumo especialmente diante de inúmeros casos em que aquele valor tenha sido violado, para tanto, a pesquisa em tela irá se valer da metodologia bibliográfica para o desenvolvimento da mesma,inicialmente será feita uma análise voltada para os danos morais incluindo a incidência deste nas relações consumeristas, na sequência trataremos sobre a responsabilidade civil tendo como parâmetro à Constituição Federal, e finalmente, a discussão atinente à tutela da Dignidade da pessoa humana face às relações consumeristas.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Relações de Consumo. Danos Morais.
ABSTRACT: The present study aims to encourage the discussion that hovers over the need to preserve the Dignity of the human person in cases that involves consumer relations, especially in the face of many cases that violated this value, therefore, the research in screen will use the bibliographic methodology for its development, initially it was made an analysis focused on moral damages, including its incidence in consumer relations, then we will deal with civil liability as a parameter the Federal Constitution, and finally, the discussion about how to protect the Human Dignity in the face of consumer relations.
Keywords: Human Dignity. Consumer Relations. Moral Damages.
O presente estudo visa suscitar uma abordagem direcionada para a discussão referente as violações que ocorrem sobre a Dignidade Humana no contexto das relações consumeristas. Tendo em vista que o presente tema vem progressivamente ganhando mais espaço nas discussões dos tribunais, já que esse desperta cada vez mais a necessidade de que haja uma efetiva tutela por parte do Judiciário.
A prática do consumo é um dos fenômenos mais corriqueiros do dia-a-dia das pessoas, pois inevitavelmente algum produto, seja ele do gênero alimentício ou não, em razão do necessário consumo, vai ser desfalcado da residência induzindo a necessidade de aquisição de outro produto para suprir a ausência daquele. Contudo, em determinadas ocasiões o consumidor acaba se deparando com um produto que mais tarde poderá eventualmente lhe provocar prejuízos, seja de ordem física, moral ou psicológica. Tendo isso em vista, é necessário que emerge a necessidade de que seja discutido as maneiras de preservação, inclusive da própria Dignidade Humana, nas situações em que envolvam o consumo de um produto, especialmente quando este é um potencial causador de danos para as pessoas, sejam elas consumidoras diretas ou não.
A necessidade de se discutir a presente temática gira em torno também da necessidade de garantir uma alimentação saudável e da proteção das relações de consumo, pois dentro destas relações de consumo estão envolvidos muito mais do que uma simples aquisição de produtos, envolve igualmente a confiança que os consumidores depositam no estabelecimento onde nasce a aquisição e também porque nas relações de consumo a parte mais vulnerável concentra-se no consumidor, daí a necessidade de se conferir uma maior tutela à este. Por fim, deve ainda ser assegurado o direito de acesso à informação, bastante em voga, já que muitas vezes o consumidor não possui o discernimento necessário sobre determinado produto, o que acaba fazendo este passar por uma situação prejudicial. O dever de informação deve ser assegurado inclusive diante da sua previsão legal conforme Artigo 6°,III do Código de Defesa do Consumidor com a seguinte redação:
Art.6°- São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Assim, pela previsão legal em tela fica clara a intenção do legislador em defender não apenas a figura do consumidor como também à própria sociedade que está sujeita à uma relação de consumo de variadas formas incluindo à publicidade que muitas vezes é responsável pela indução ao consumo em massa.
2. DANO MORAL E SEUS ASPECTOS GERAIS
A expressão “dano” nos remete a ideia de algo que provoca algum tipo de prejuízo em alguém. O dano pode vir a se manifestar nos mais variados bens jurídicos, tais como a honra, a imagem, o patrimônio. Com isso, o dano é o efeito direto que tanto pode vir de uma conduta humana ou não, que pode provocar modificações no mundo exterior.
Segundo Filho (2014):
Correto, portanto, conceituar o dano como sendo lesão a um bem ou interesse juridicamente tutelado, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da personalidade da vítima, como sua honra, a imagem, a liberdade, etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.
Partindo da presente explanação, compreendemos esse instituto a partir da situação em que se enquadra fazendo com que seu tratamento seja distinto a depender dos efeitos provocados. Tendo em vista que apesar de todos serem enquadrados como danos, há uma evidente distinção na maneira de tratamento entre aquele que envolve apenas o patrimônio e aquele que envolve a esfera moral.
Quando uma pessoa experimenta um prejuízo, seja ele em qualquer bem jurídico, a reação natural é a de buscar meios para que esse prejuízo seja, senão ressarcido, ou ao menos minorado, e isso torna-se bastante comum nas circunstâncias cujo dano moral seja alegado, porém, diante da alegação da presença do dano moral é que são ajuizadas inúmeras ações resultando em um verdadeiro preenchimento do judiciário com o intuito de que essa modalidade de dano seja reconhecida. Para tanto, inicialmente é necessário que se conceitue do que se trata o “Dano moral”, conforme Gagliano, Filho (2021, p. 1326):
O Dano moral consiste na lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Diante da afirmação em tela, aferimos que a dinâmica que envolve o dano moral exige um tratamento peculiar diante do que este representa, ademais conforme art 12 do Código Civil, a proteção desse núcleo de direitos pode vir a ser exercida até mesmo por outras pessoas que não necessariamente o próprio ofendido. Não obstante, em algumas situações o dano pode acabar refletindo seus efeitos para outras pessoas, possibilitando a estas igualmente que venham a experimentar um dissabor. É o que se entende doutrinariamente por dano em “ricochete”, nas lições de Tartuce (2021):
Dano moral indireto ou dano moral em ricochete é aquele que atinge a pessoa de forma reflexa, como nos casos de morte de uma pessoa da família (Art 941 caput do CC), lesão à personalidade do morto (Art 12, parágrafo único, do CC) é perda de uma coisa de estima caso de um animal de estimação (Art 952 do CC). Em suma, o dano atinge uma pessoa ou coisa e repercute em outra pessoa como uma bala que ricocheteia. Como se percebe, amplas são as suas hipóteses, muito além da situação descrita no Art 948 do Código Civil, conforme reconhece o enunciado n° 560 da VI Jornada de Direito Civil (2013).
Portanto, o Dano Moral carrega consigo toda essa carga diante de todos os bens jurídicos que este protege podendo ser reclamado conforme abordado, até mesmo por outras pessoas, não ficando adstrito apenas ao ofendido direto. O presente tema passou por uma significativa evolução no texto constitucional, haja vista a possibilidade de reclamar o dano moral dissociado do patrimonial, já que ambos não se confundem entre si, para Farias, Rosenvald, Netto (2015):
Em passado recente, no Brasil, o dano moral não era indenizável. Evoluiu-se, depois, para aceitar sua reparação, desde que acompanhado de um dano material. Contudo, certos julgados, ainda antes da Constituição de 1988, admitiam o dano moral (desacompanhado de um dano material), mas no cálculo da indenização, como adiante veremos, ressalva-se, claramente, que se estava indenizando prejuízos materiais, e não morais. Tal posição era bem reveladora da opção, então reinante de prestigiar o patrimônio em detrimento da pessoa.
Felizmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, houve a promoção de uma releitura sobre esse tema onde essa sobreposição patrimonial foi cedendo espaço para a figura humana, ou seja, foi gradativamente tornando-se possível discutir a necessidade de preservação dos valores mais essenciais insculpidos no na carta magna vigente promovendo uma superação na resistência que pairava sobre o assunto em tela, assim afirmam Farias, Rosenvald, Netto (2015):
Mudança de fato houve, e profunda, com a Constituição de 1988, que previu explicitamente a reparação do dano moral no Art 5°, incisos V e X fulminando os espaços para as recusas hesitantes. Embora assente, na experiência jurídica brasileira. A existência do dano moral, continuam, contudo, as polêmicas acerca da sua caracterização: acabarão um dia? Não há obviamente aqui uma equação matemática que indique quais fatos estão dentro e quais fatos estão fora da compensação moral. Digamos, em péssima paráfrase, que o dano moral é ele e suas circunstâncias.
A partir da influência exercida pela Constituição é que esse dano foi sendo visto com outros olhos, tanto é que os posicionamentos mais recentes fazem com que tanto a jurisprudência quanto à doutrina venha a se inclinar no sentido de reconhecer a presença do dano, até mesmo nas situações em que este não tenha sido efetivamente violado, ou seja, não há mais a necessidade de que a vítima seja obrigada a experimentar um dano para pleitear em juízo o reconhecimento desse dano. A isso a doutrina entende por dano moral “in reipsa” ou presumido, segundo disserta Tartuce (2021, p. 849).
Em complemento, quanto à pessoa natural, tem entendido o Superior tribunal de justiça que, nos casos de lesão a valores fundamentais protegidos pela Constituição Federal o dano moral dispensa a prova dos citados sentimentos humanos desagradáveis, presumindo-se o prejuízo. Nesse contexto, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral. Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental assim eleito pela CF, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in reipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta.
Em vista disso, o reconhecimento do dano moral nesses moldes funciona como uma construção extremamente favorável para todas as pessoas, a uma porque a indenização têm o condão de fazer com que a pessoa possa retornar ao seu estado anterior à violação e, em segundo, e não menos importante, o dano moral presumido é capaz de promover uma maior segurança jurídica no sentido de proteger as pessoas não apenas nas relações jurídicas contratuais, mas também a própria dignidade da pessoa humana enquanto fundamento constitucional (Art 1°,III CRFB/88).
Em vista da repercussão que gira em torno do dano moral é oportuno destacar ainda que diante do expressivo número de demandas ajuizadas perante o judiciário isso acaba fazendo com que os julgadores tenham a necessidade de enfrentar objetivamente as ações processuais para aferir a presença dos pressupostos caracterizadores do dano moral, pois, não raras vezes, ingressam no judiciário aquelas demandas onde o dano moral por vezes é confundido com aquelas situações que, embora desagradáveis, não são aptas para atraírem a concessão de indenização, segundo destaca Tartuce (2021, p. 853):
Tanto doutrina como jurisprudência sinalizam para o fato de que os danos morais suportados por alguém não se confundem com os meros transtornos ou aborrecimentos que a pessoa sofre no dia a dia. Isso sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade Civil e do dano moral. Cabe ao juiz, analisando o caso concreto e diante da sua experiência, apontar se a reparação imaterial é cabível ou não. Nesse sentido, foi aprovado, na III Jornada de Direito Civil, o enunciado n° 159 do Conselho da justiça Federal, pelo qual o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material.
Portanto, o entendimento ora exposto, induz aos magistrados a missão de realizar uma análise mais comprometida nesse tipo de ação, além de desestimular o ingresso de lides temerárias que possam comprometer o regular andamento dos demais processos judiciais, daí a importância do presente entendimento para a promoção da segurança jurídica necessária. Em decorrência dos reflexos provocados pelo dano moral, não se pode desconsiderar que esse fenômeno atrai a possibilidade de ser reparado de modo proporcional ao constrangimento causado, contudo, o dano é bastante variável de acordo com cada circunstância, ou seja, diante de uma série de fatores o seu arbitramento acaba não se dando de forma exata, conforme aponta Filho (2014):
Uma das objeções que se fazia à reparabilidade do dano moral era a dificuldade para se apurar o valor desse dano, ou seja, para quantificá-lo. A dificuldade, na verdade, era menor do que se dizia, porquanto em inúmeros casos a lei manda que se recorra ao arbitramento. E tal é o caso do dano moral. Não há, realmente, outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral a não ser pelo arbitramento judicial. Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, tomar uma garantia a título de reparação pelo dano moral.
Por fim, nos resta salientar que o dano moral não se trata apenas de um dano em si, mas sim como um instituto capaz de tanto criar como de desfazer uma relação jurídica, e mais, o reconhecimento do dano serve inclusive como limite para que se inviabilizem todas as condutas tendentes à violação dos bens jurídicos tutelados não voltando-se conforme explanado apenas para o patrimônio, mas principalmente para a própria figura humana.
3. O DANO MORAL E SEUS IMPACTOS NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
O dano moral, já devidamente abordado, trata-se de um instituto cuja manifestação permite ser identificada em inúmeras situações do cotidiano, especialmente nas situações onde se formalizam os negócios jurídicos, já que a depender da relação jurídica formalizada uma das partes pode eventualmente ocupar uma posição desvantajosa em relação à outra. Em razão da necessidade de regular as relações privadas e de preservar o equilíbrio entre as mesmas é que surgiram os diplomas normativos com o objetivo de suprir essas lacunas afetando inclusive as relações de consumo, segundo Gonçalves (2017):
Com a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em massa, bem como dos conglomerados econômicos, os princípios tradicionais da nossa legislação privada já não bastavam para reger as relações humanas, sob determinados aspectos. E nesse contexto, surgiu o Código de defesa do consumidor atendendo ao princípio constitucional relacionado à ordem econômica.
Assim, todo e qualquer negócio jurídico não deve focar-se exclusivamente na satisfação dos interesses particulares das partes desconsiderando o tratamento isonômico que deve haver entre os envolvidos, em especial nas relações de consumo onde o consumidor geralmente ocupa uma posição mais vulnerável. Essa vulnerabilidade, portanto, deve ser vista de forma ampla, já que ela não representa apenas uma escassez financeira. Na verdade, a vulnerabilidade apresenta um conceito bem mais amplo abarcando igualmente outros fatores, nas palavras de Tartuce, Neves (2020):
Para se reconhecer a vulnerabilidade pouco importa a situação política, social, econômica ou financeira da pessoa, bastando a condição de consumidor, enquadramento que depende da análise dos arts. 2° e 3° da lei 8078/1990, para daí decorrerem todos os benefícios legislativos na melhor concepção consumerista.
Seguindo a análise em voga, entendemos pela relevância do aspecto financeiro nas relações de consumo, entretanto, esse não é o único fator e nem o mais preponderante para se considerar a vulnerabilidade de alguém, esse conceito contudo não se confunde com hipossuficiência, para Tartuce, Neves (2020):
O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento conforme reconhece doutrina e jurisprudência.
Assim, o reconhecimento desses elementos faz com que o consumidor venha a assumir uma posição mais equilibrada na relação de consumo, para tanto, a lei consumerista, por exemplo, prevê em seu artigo 6° inúmeros direitos básicos do consumidor onde pode-se identificar desde a chance de acesso à informação até o acesso ao judiciário e a consequente busca pela prevenção ou reparação de danos.
Superadas as considerações iniciais, concluímos que o tratamento destinado ao consumidor é reflexo da evolução que incide não apenas sobre os diplomas normativos em especial o CDC, mas também no entendimento que vem se consolidando nos tribunais superiores, em específico o STJ, já que as decisões estão se voltando à tutela da dignidade humana na figura do consumidor, mas afinal, quem pode se enquadrar no conceito de consumidor?
De acordo com o artigo 2° do CDC, o consumidor tanto pode ser a pessoa física quanto jurídica na posição de destinatária final em uma relação jurídica, apesar de na prática a pessoa jurídica se enquadrar mais como fornecedora (Art 3° CDC). É perfeitamente possível que esta venha a se enquadrar como consumidora, reunindo as condições necessárias com o intuito de conservar de forma mais ampla os direitos e interesses do consumidor. A temática do dano moral possui certas peculiaridades, já que em algumas situações os efeitos do dano acabam refletindo em outras vítimas fazendo com que estas venham a se equiparar aos consumidores diretos da relação inicial, sendo conhecidos como consumidores por equiparação.
Nas lições de Almeida (2020):
A opção expressa no Código de Defesa do Consumidor de proteger não apenas o consumidor destinatário final surgiu da necessidade identificada pelo legislador de serem tuteladas outras pessoas, físicas ou jurídicas, de forma individual ou coletiva, além daquelas já protegidas segundo o disposto no Art 2°, caput do aludido diploma que tratou, conforme estudado da conceituação de consumidor em sentido estrito, o consumidor standard. Trata-se de uma consequência lógica à constatação de que não somente o adquirente direto de um produto ou serviço é a parte mais fraca de uma relação jurídica frente à um fornecedor que é o detentor do monopólio dos meios de produção. Outras pessoas ou grupo de pessoas poderão enquadrar-se no perfil da vulnerabilidade e, consequentemente, valer-se da proteção inaculpida no Código de Defesa do consumidor mesmo não se encaixando no conceito de consumidor em sentido estrito.
De acordo com a presente afirmação ora exposta, é possível visualizar uma certa proximidade entre o dano em ricochete e o consumidor por equiparação tendo em vista que, em ambas as situações a violação não recai sobre apenas um único bem jurídico tutelado. Em outras palavras, significa dizer que os reflexos do dano acabam incidindo sobre outras pessoas além daqueles presentes na relação jurídica inicial possibilitando estas a buscarem um ressarcimento correspondente ao dano sofrido. A extensão desses efeitos estimula uma ampliação no ciclo de proteção que incide sobre todas as pessoas, tenham elas ou não participado diretamente da relação jurídica, conforme ensina Filho (2019):
O Art 17 do CDC equipara ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo. A finalidade desse dispositivo é dar a maior amplitude possível à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Não faz qualquer sentido exigir que o fornecedor disponibilize no mercado de consumo produtos ou serviços seguros apenas para o consumidor, não se importando com terceiros que possam vir a sofrer danos pelo fato do produto ou do serviço, razão pela qual seu a estas vítimas um tratamento diferenciado, que se justifica, repita-se, pela relevância social que atinge a prevenção e a reparação de tais danos.
Como forma de evitar a precarização dos direitos do consumidor, a legislação consumerista previu ao longo de seus dispositivos meios para repelir do consumidor o impacto incitado pelos danos, conforme Art 18 do CDC, que oferece mais de uma alternativa em prol dos interesses do consumidor como um todo. Nesse sentido aponta Santana (2019, p.108):
O código de defesa do consumidor estabelece um sistema mais vantajoso para o sujeito vulnerável ao facultar-lhe outras alternativas além das ações edilícias previstas no tradicional regime dos vícios redibitórios previstos no Direito Civil clássico. No que se refere ao vício de qualidade, ao lado da rescisão contratual com a devolução do valor pago (ação redibitória) e o abatimento proporcional do preço (ação estimatória ou quanti minoris), a lei autoriza o consumidor a escolher a substituição do produto por outro da mesma espécie (Art 18, parágrafo 1°, I do CDC) ou a reparação dos serviços, sem custo adicional e quando cabível (Art 20, I do CDC).
Conforme se verá na sequência, a responsabilidade Civil aparece como consequência natural à provocação do dano de modo a buscar restaurar o bem jurídico que fora exposto à violação, assim o dano moral recebeu tratamento especial dentro do ordenamento jurídico, o que demonstra a coerência do legislador no tratamento dessas matérias de modo a encerrar qualquer controvérsia sobre este, para Santana (2019):
A análise do sistema jurídico brasileiro informa que a reparabilidade do dano moral é tema que não comporta mais controvérsias. No plano constitucional há a inserção da primazia do princípio da dignidade da pessoa humana (Art 1°, III) e a positivação do princípio da reparabilidade do dano moral (Art 5°, V e X), bem como o regramento no plano infraconstitucional dos direitos da personalidade (arts 11 a 21 do CC), todos compondo os dados normativos fundamentais para o estudo da proteção jurídica dos interesses e direitos imateriais do consumidor.
Por fim, a depender do contexto que o dano tenha ocorrido, é possível que seus reflexos atinjam conforme abordado mais de uma vítima, porém, é possível que esse instituto atinja inúmeras vítimas que podem ser passíveis ou não de identificação, o que induz ao ajuizamento das ações de natureza coletiva na defesa dos interesses denominados pela doutrina em difusos, coletivos e individuais homogêneos, assim afirma Filomeno (2018, p.590):
Cumpre desde logo destacar que se fez a distinção entre “interesses difusos”, “interesses coletivos”, e os chamados “interesses individuais homogêneos de origem comum”. Quanto aos primeiros, foram definidos como os que se enquadram transindividuais, de natureza indivisível e de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato. Como exemplo ocorrem-nos a publicidade enganosa, as condições gerais dos contratos de forma lesiva a um número indeterminado de consumidores, a segurança e saúde comprometida ou em perigo diante de bens ou serviços perigosos e nocivos, sendo certo que, nessa hipótese, os mandamentos jurisdicionais serão preponderantemente voltados para obrigações de fazer ou não fazer, sobretudo diante da experiência aqui trazida à baila, bem como nas de qualidade e quantidade de bens e serviços. Quanto ao segundo, tratar-se-iam de interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os também transindividuais, de natureza igualmente indivisível, mas de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base. Destacam-se tais direitos e interesses, por conseguinte dos chamados “difusos”, pois que pertencem a determinável número de pessoas, ou já determinadas, mas cujo conteúdo continua indivisível.
Em conclusão, diante dessa interdisciplinariedade, podemos discutir o dano nos mais variados ramos do direito, nas inúmeras relações jurídicas, e claro, no próprio seio das relações de consumo. Não obstante, o dano possa atingir, inclusive a própria coletividade conforme descrita, assim seu estudo é fundamental diante de seu teor.
4. A RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A responsabilidade é um tema que desperta intensos debates na doutrina brasileira e sua presença transmite a ideia de que por força de uma atuação seja ela humana ou não, de caráter positivo ou negativo, é capaz de atrair o dever de responsabilização a alguém em decorrência de uma conduta que viola um determinado bem jurídico, com isso, é inevitável falar de responsabilidade sem que seja mencionado o dano advindo de uma conduta, ainda mais diante da responsabilidade Civil, segundo descreve Filho (2014):
Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente de violação de um precedente dever jurídico. E assim é por que a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.
A responsabilidade não depende da existência de uma relação jurídica entre as pessoas, já que inúmeras são as situações cotidianas onde o dever de responder se manifesta sem que haja uma prévia relação jurídica entre as pessoas, exemplo disso seria uma colisão entre veículos ou ainda ofensas proferidas na internet contra alguém. Enfim, esses seriam alguns exemplos de como o dever de responder surge. Para uma melhor compreensão é necessário distinguir a responsabilidade e a obrigação, já que a proximidade entre estes se dá em razão de um dever a ser cumprido. Nas lições de Filho (2014):
É importante distinguir a obrigação de responsabilidade. Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo.
O direito de ressarcimento deve ser assegurado a todas as pessoas, inclusive esse direito possui assento constitucional conforme previsão no Art 5°, V CRFB/88 com a seguinte redação:
Art 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, nos termos seguintes: V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem
Mediante a previsão legal em comento, conclui-se que o direito de resposta conserva entre seus objetivos a proteção dos Direitos Fundamentais ora elencados, e isso possui uma justificativa plausível, já que em épocas remotas em civilizações antigas o dever de responsabilidade era conduzido de forma exacerbada, através de métodos arbitrários onde a Dignidade da pessoa humana era bastante relativizada e a proporcionalidade não era observada. Nesse sentido Farias, Netto, Rosenvald (2017):
Na pré-história da responsabilidade civil, pode-se situar a vingança como a primeira forma de reação contra comportamentos lesivos. Na ausência de um poder central, avendetta era levada a efeito pela própria vítima ou pelo grupo ao qual pertencia. O passo sucessivo foi a lei de Talião: olho por olho, dente por dente típico da tradição bíblica, A qual, não obstante seu rigor, tratava-se indubitavelmente de um temperamento dos costumes primitivos, em função da proporcionalidade do castigo. Apenas em um momento posterior a essas primitivas formas de autotutela, deu-se início à compensação pecuniária, um acordo pelo qual a devolução de uma soma em dinheiro substituía tanto a vingança incondicional como a lei de Talião. Nesse ambiente nasce a responsabilidade civil, no sentido moderno da expressão, compreendida como obrigação de restituir ao ofendido uma soma em pecúnia com a função de sancionar o ofensor e satisfazer o ofendido.
Para tanto, a medida que surgiu a atual carta magna vigente foi ocorrendo uma verdadeira mutação substancial no conteúdo da responsabilidade de modo que houvesse uma aproximação desse instituto com aquilo que prevê a Constituição Federal respeitando-se a proporcionalidade e a própria dignidade humana. Esses princípios são essenciais, inclusive ao ponto de limitar a própria atuação Estatal no que tange ao seu poder punitivo, além dos particulares, já que o dever de responsabilidade também encontra limites nos demais Direitos Fundamentais, segundo ensinam Dimoulis, Martins (2014):
A principal finalidade dos direitos fundamentais é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito subjetivo em sua maioria de natureza material, mas às vezes de natureza processual e, consequentemente, limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado. Por esse motivo, cada direito fundamental constitui uma definição do constitucionalista alemão Georg Jellinek (1851-1911) um “direito público subjetivo”, isto é, um direito individual que vincula o Estado. Destarte, aquilo que, do ponto de vista do indivíduo, constitui um direito fundamental representa visto pela perspectiva do Estado, uma norma de competência negativa que restringe suas possibilidades de atuação.
Nesse momento será feita uma análise a respeito de alguns elementos que compõe a responsabilidade civil. Inicialmente, para que se possa falar em responsabilidade, é necessária a combinação de alguns elementos, dentre eles a conduta, o nexo e o dano. A conduta, conforme já descrita, pode vir de uma conduta humana assim como de algum outro ser, como o caso dos animais, além disso, a conduta também pode vir de uma ação como também de uma omissão, já que o deixar de agir é igualmente capaz de gerar resultados relevantes em certas ocasiões, assim explica Tartuce (2021, p. 813):
Assim sendo, a conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente. A regra é a ação ou conduta positiva; já para a configuração da omissão é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado ato (omissão genérica), bem como a prova de que a conduta não foi praticada (omissão específica). Em reforço, para a omissão é necessária ainda a demonstração de que, caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado.
É fundamental ainda compreender que a conduta é um elemento que para haver a responsabilidade não necessariamente precisa ser praticado por ato exclusivo de alguém, já que ela também pode vir a ser praticada por terceiros, basta visualizar as hipóteses do Art 932 do CC, assim o encargo recai sobre aquele que deveria e poderia agir para evitar a ocorrência do prejuízo, daí reside a imprescindibilidade do elemento conduta. Por sua vez, o nexo representa um elo de ligação entre a conduta e o resultado, admitindo a punição do ofensor. A relação de causalidade é também peça fundamental para o dever de indenizar, nos ensinamentos de Gonçalves (2021, p.140):
Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano produzido. Sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar. O Art 186 do Código Civil a exige expressamente, ao atribuir a obrigação de reparar o dano aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem.
Entretanto, nem sempre essa relação de causalidade terá o condão de impulsionar a responsabilidade, especificamente nas hipóteses em que o provocador do dano tem a seu favor as chamadas excludentes de responsabilidade promovendo a ruptura da “ponte” que liga a conduta ao resultado, fazendo desaparecer essa ligação também desaparece o encargo, conforme ensina Gonçalves (2021):
Há certos fatos que interferem nos acontecimentos ilícitos e rompem o medo causal, excluindo a responsabilidade do agente. As principais excludentes da responsabilidade civil, que envolvem a negação do liame de causalidade são:o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e a cláusula de não indenizar. Assim, por exemplo, se o raio provocou o incêndio que matou os passageiros transportados pelo ônibus, considera-se excluída a relação de causalidade, e o ato do agente (no caso do transportador) não pode ser tido causa do evento. Oi se alguém, desejando suicidar-se, atira-se sob as rodas de um veículo, seu motorista, aí o dirigia de forma normal e prudente, não pode ser considerado o causador do atropelamento, foi ele mero instrumento da vontade da vítima, está sim a única culpada pela ocorrência.
Como último elemento da responsabilidade tem-se o dano, já trabalhado no decorrer do presente estudo. Todavia, para finalizar o presente tópico é pertinente realizar uma abordagem sobre as funções que envolvem a responsabilidade civil. Como se sabe, o direito de resposta deve ser garantido a todas as pessoas como forma de resguardo aos seus próprios direitos que não devem ser injustamente violados, nesse momento é que surge a importância de se discutir o papel das funções da responsabilidade civil tendo ela tanto o caráter preventivo quanto repressivo a depender da situação que esteja envolvida, consoante afirmam Gagliano e Filho (2021):
Na primeira função, encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil:retornar ao status quo ante. Repõe-se o bem perdido diretamente ou, quando não é mais possível tal circunstância, impõe-se o pagamento de um quantum indenizatório, em importância equivalente ao valor do bem material ou compensatório do direito não redutível pecuniariamente. Como função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a ideia de punição ao ofensor. Embora está não seja a finalidade básica (admitindo-se, inclusive, a sua não incidência quando possível a restituição integral à situação jurídica anterior), a prestação imposta ao ofensor também gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais lesionar. E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando-se por incidir numa terceira função, de cunho sócio-educativo, que é a de tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas, assim, alcança-se, por via indireta, a própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e segurança desejados pelo Direito.
Diante desde cenário, a responsabilidade se comporta como um mecanismo fundamental na conservação dos Direitos Fundamentais, além da sua essencial contribuição em desestimular a prática de atos nocivos.
5. A DEFESA DA DIGNIDADE HUMANA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Ao longo do presente estudo, muito se discutiu a respeito do dano, especialmente sobre seus impactos nas relações de consumo, além de como a responsabilidade se manifesta nesses casos. Superados todos esses pontos, a presente temática irá se voltar à discussão que envolve aquele que é tido como um “super princípio”, onde sua presença jamais deve ser negada a qualquer que seja a situação, trata-se, pois, da Dignidade da pessoa humana voltada para as relações de consumo.
Inicialmente será feita uma abordagem voltada para aquilo que se entende por Dignidade, a conceituação desse relevante valor não é uma simples missão por ser bastante abrangente já que ele se vincula à condição humana e também se responsabiliza por tutelar toda a constelação dos mais variados bens jurídicos abarcados pelo ordenamento jurídico. Além do mais, está classificado entre os princípios fundamentais da Constituição Federal em seu Art 1°, III CRFB/88, mas, não apenas por esses fatores é que o conceito de Dignidade é extenso, mas também pelo seu gradativo processo de reformulação com o decorrer dos tempos. Nas lições de Sarlet (2011, p. 28):
O conceito que se propõe, vale repisar, representa uma proposta em processo de reconstrução, visto que já sofreu dois ajustes desde a primeira edição, com o intuito de máxima afinidade possível com uma concepção multidimensional, aberta e inclusiva de dignidade da pessoa humana. Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.
Essa ideia de Dignidade despontou da necessidade de se dar uma resposta à lacuna que pairava em decorrência das violações aos direitos do homem que por várias vezes foi manchado por intermédio de atos marcados pelo autoritarismo, muitos deles advindos do contexto das grandes guerras mundiais. Para isso foi sendo sedimentado a ideia de se buscar um instrumento capaz de impedir condutas dessa natureza e assegurar uma existência digna aos indivíduos independente da circunstância. Em razão desses e de outros fatores, a dignidade foi ganhando um impulsionamento e incorporou-se no ordenamento jurídico pátrio como meio de proteção da figura humana, segundo observa Sarlet (2011):
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é, como habitualmente lembrado, relativamente recente, ainda mais em se considerando as origens remotas a que se pode ser reconduzida a noção de dignidade. Apenas ao longo do século XX e, ressalvada uma ou outra exceção, tão somente a partir da segunda guerra mundial. A dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 1948.
Diante da magnitude que cerca o princípio da Dignidade da pessoa humana é forçoso compreender a influência que esse princípio exerce no ordenamento jurídico e isso certamente inclui as relações de consumo onde muito se têm conhecimento das violações que ocorrem constantemente sobre os interesses do consumidor, e isso acabou fomentando a criação de uma legislação cuja existência fosse ao menos capaz de possibilitar à discussão em juízo. A Constituição vigente também teve uma expressiva contribuição nesse processo buscando blindar os direitos do consumidor, como bem assevera Dantas (2021, p.628):
A grande escassez, na seara do direito comparado de normas constitucionais sobre a tutela do consumidor, deve-se sobretudo, a dois fatores. O primeiro é a considerável novidade deste tema no cenário jurídico mundial. O segundo é o caráter recente do próprio fenômeno da constitucionalização dos demais ramos jurídicos, que somente tomou força, como vimos anteriormente, com o recentíssimo fortalecimento do direito constitucional. Vê-se, portanto, que nossa carta magna, mais que permitir exige que o Estado tome as medidas necessárias à garantia da defesa do consumidor, diante do inequívoco avanço da economia de escala, e da concentração econômica nas mãos dos empresários, fato que favorece toda a sorte s práticas abusivas contra o consumidor, o lado mais fraco da relação jurídica de consumo. Uma das medidas previstas em seu texto era a edição do denominado Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, as relações de consumo em decorrência das influências vindas sejam do texto constitucional ou ainda dos tribunais superiores, evoluíram consideravelmente, especialmente diante da viragem jurisprudencial que vem se cristalizando com o intuito de tutelar mais abertamente o consumidor que por vezes têm seus direitos mitigados.
Não são raras as situações em que o consumidor se sujeita a uma relação de consumo e passa por uma experiência desagradável, seja no atendimento em um estabelecimento ou ainda em razão da aquisição de um gênero alimentício, sendo este mais comum, assim, a jurisprudência dos tribunais superiores vem inclinando-se na direção mais favorável aos interesses do consumidor se baseando tanto naquilo que está elencado no CDC como também na Dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o STJ se manifestou ao reconhecer a Dignidade da pessoa humana nos casos que envolvem o consumo de gêneros alimentícios. Em um emblemático julgamento no Resp 1.899.304, cuja relatoria era da Ministra Nancy Andrighi defendeu a Dignidade da pessoa humana na relação consumerista com a tese descrita na lei 11.346/2006 da seguinte forma:
“A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal,devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população” (Art 2°) Ainda ,esclarece a norma que “a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais,tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (Art 3°).
A partir dos dispositivos ora expostos visualiza-se que o legislador se preocupou com o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à sociedade, diante da alarmante disparidade social que existe no país nem todas as pessoas possuem a chance de adquirir alimentos somado a isso. O fato de que o fornecedor de um modo geral deve promover a segurança alimentar à todas as pessoas como direito fundamental à alimentação saudável, ainda em sua manifestação a ministra ainda apresentou a seguinte tese:
Desse preceito, é possível afirmar que a segurança alimentar e nutricional possui duas acepções principais, que são distintas, porém correlacionadas: a) A segurança alimentar e nutricional relativa ao acesso regular e permanente aos alimentos, como condições de sobrevivência do indivíduo, o que remete às políticas públicas de combate à fome e, paripassu, de soberania na produção de alimentos; b) A segurança alimentar e nutricional relativa à qualidade dos alimentos,o que envolve a regulação e devida informação acerca do potencial nutritivo dos alimentos e, em especial, o controle de riscos para a saúde das pessoas.
Diante de todo o exposto, é possível chegar a conclusão que a Dignidade da pessoa humana trata-se de um valor de matriz fundamental para toda e qualquer situação, nas relações de consumo muito se observa a prática de atos que atentam contra esse princípio e para isso é necessária a contribuição dos juristas para que se possa favorecer à existência de uma relação jurídica equilibrada onde não apenas um lado venha a se favorecer. E felizmente é assim que vem sendo observado pelos tribunais superiores com o objetivo de resguardar aos interesses dos envolvidos especificamente os do consumidor face à Dignidade da pessoa humana.
6. CONCLUSÃO
Por todo o exposto no presente estudo, concluímos que as relações de consumo devem se sustentar em alguns pilares fundamentais, tais como o acesso à informação, a igualdade de tratamento entre as partes, a legalidade e também da boa-fé, sendo este um elemento bastante decisivo no desdobramento da relação de consumo, já que impõe as partes o dever de atuação em consonância com as normas legais.
A edição do Código de Defesa do Consumidor surgiu não com o intuito de fazer com que o consumidor ocupe uma posição hierárquica em detrimento do fornecedor/prestador de serviços, mas sim como uma maneira de buscar ao menos equilibrar a relação de consumo protegendo os direitos da parte mais frágil da relação.
Para que ocorra de fato essa proteção é que o Dano Moral ganha impulso na lei e também na jurisprudência sendo peça fundamental para propiciar o ressarcimento pelo prejuízo causado, além da manutenção da própria Dignidade humana. Diante disso, não há como fazer menção a qualquer outro direito dissociado da noção de Dignidade, primeiro em razão da sua expressiva magnitude seja no campo jurídico, filosófico ou ainda hermenêutico, segundo, pelo fato de que todos os demais direitos encontram na Dignidade Humana a sua referência legal. E em relação às relações de consumo, não poderia seguir outro caminho, já que a defesa do consumidor além de encontrar-se localizada entre os Direitos Fundamentais ainda há o reconhecimento da presença da Dignidade nas relações de consumo especialmente após a postura que foi adotada pelos Tribunais naquelas circunstâncias onde o direito à alimentação esteja em voga em clara proteção à sociedade.
REFERÊNCIAS
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Direito Civil brasileira responsabilidade civil. volume 4°, Carlos Roberto Gonçalves,16°edição. Saraiva Jur, 2021
Dano moral no Direito do consumidor, Héctor Valverde Santana, 3°edição revista e atualizada. São Paulo:Thomson Reuters Brasil, 2019
Direito Civil brasileiro volume 3: contratos e atos unilaterais. Carlos Roberto Gonçalves -15°edição. São Paulo Saraiva educação, 2018
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Manual de Direito Civil: volume único. Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 5°edição São Paulo: Saraiva educação, 2021.
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Programa de responsabilidade civil, Sergio Cavalieri Filho,11° edição - São Paulo: Atlas, 2014.
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https://www.migalhas.com.br/quentes/3500709/STJ -fornecedor-deve-indenizar-por-corpo-estranho-em-alimento. Acesso em 29 nov.2021.
Bacharel em Direito pela Universidade UNIFACID Wyden. Advogado. Pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela Assembleia Legislativa do Piauí-Alepi . E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCISCO GUSTAVO ALVES ARAúJO, . A violação da dignidade da pessoa humana à luz das relações consumeristas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57948/a-violao-da-dignidade-da-pessoa-humana-luz-das-relaes-consumeristas. Acesso em: 25 dez 2024.
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