PAULO IZÍDIO DA SILVA REZENDE[1]
(orientador)
RESUMO: A Lei de Guarda Compartilhada fixou normas de convivência baseadas na realidade da sociedade na época. Contudo, com o advento da recomendação de isolamento entre pessoas em razão do alto risco de contaminação da Covid-19, o Brasil, assim como várias outras nações do mundo, implementou normas que coibissem a movimentação da população. O aumento de casos e a sobrecarga do Sistema Único de Saúde e também da rede suplementar privada, fez com que o governo estabelecesse o lockdown, com restrições variadas de acordo com cada Estado da federação. Certo é que a vida em sociedade foi amplamente modificada, gerando o afastamento de convivência até mesmo entre pessoas da mesma família, residentes em casas separadas. Logo no início das imposições, as pessoas ficaram assustadas e suspenderam a convivência até mesmo entre pais e filhos em guarda compartilhada. Ocorre que com o passar do tempo, o afastamento familiar foi colocado em discussão novamente e isso, questiona-se como se aplicam as regras de compartilhamento de responsabilidades e direitos entre pais separados no período de pandemia. Para alcançar esse objetivo, a pesquisa bibliográfica, se desenvolveu segundo o método dedutivo, com materiais selecionados em doutrinas, jurisprudências e legislações, analisados segundo o método qualitativo de pesquisa.
Palavras-chave: Guarda compartilhada. Pandemia. Regras. Mudanças.
ABSTRACT: The Shared Guard Law established norms of coexistence based on the reality of society at the time. However, with the advent of the recommendation of isolation between people due to the high risk of contamination of Covid-19, Brazil, as well as several other nations in the world, implemented rules that curb the movement of the population. The increase in cases and the overload of the Unified Health System and also of the private supplementary network, made the government establish a lockdown, with varying restrictions according to each state of the federation. What is certain is that life in society has been largely modified, generating the withdrawal of coexistence even between people of the same family, living in separate houses. Right at the beginning of the impositions, people were scared and suspended the coexistence even between parents and children in shared custody. It so happens that over time, family removal has been discussed again, and this raises the question of how the rules for sharing responsibilities and rights between separated parents apply during the pandemic period. To achieve this objective, the bibliographic research was developed according to the deductive method, with materials selected from doctrines, jurisprudence and legislation, analyzed according to the qualitative research method.
Keywords: Shared custody. Pandemic. Rules. Changes.
Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. A Guarda Compartilhada. 2. A Pandemia no Brasil. 3. Novas Regras de Convivência e a Alteração da Guarda Compartilhada. 4. Consequências Jurídicas do Descumprimento das Regras da Guarda Compartilhada na Pandemia. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A inegável modificação do comportamento social refletiu nas famílias em todo mundo. Com a alteração das condições sociais e convivência entre pais e filhos residentes em domicílios diferentes, mesmo que com guarda compartilhada entre os guardiões genitores, as regras legais passaram a ser interpretadas de forma relativizada em razão da pandemia.
Isto porque a instauração de medidas estatais de redução de convívio entre pessoas em razão do alto risco de contágio da covid-19, colocou em discussão a continuidade de aplicação da legislação em tempos de pandemia, haja vista as mudanças de regras sociais mencionadas.
Além das regras de isolamento, que mantiveram os indivíduos em suas residências por mais tempo, impedindo o contato com pessoas em seus ambientes de trabalho e ensino, as regras de compartilhamento de guarda de menores também foram objeto de reformulação.
Com o perigo de contaminação, várias famílias se viram privadas do convívio com os menores de idade, cujos cuidados eram feitos de forma partilhada entre os genitores. Ocorre que muitos pais se sentiram violados em seu direito de convivência ao serem impedidos de se encontrar com o menor mantido apenas com alguns familiares.
Em tempos de convivência comum, manter o menor afastado do convívio com seu genitor consiste em séria infração às normas da guarda compartilhada, podendo ser considerado até mesmo alienação parental. Todavia, com a proibição de sair de casa e de ter contato com pessoas residentes em outros locais, houve evidente relativização das regras do compartilhamento de guarda.
MATERIAIS E MÉTODOS
A análise aprofundada acerca da aplicação das regras da guarda compartilhada em período de pandemia se dá através da presente pesquisa bibliográfica, que resulta na escrita de um texto de revisão de literatura, fundada em material bibliográfico publicado no Brasil, na legislação, nas doutrinas e jurisprudências nacionais. Classificada como exploratória, quanto aos objetivos, ao longo do estudo, são apresentados, além das disposições legais aplicáveis a guarda compartilhada no Brasil, os problemas e divergências surgidos no decorrer da pandemia e, principalmente, os entendimentos jurisprudenciais proferidos no curso desse período.
Sem intervenção ou abordagem direta junto à seres humanos e sem riscos ao sujeito, o trabalho dispensa a aprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa e tem como metodologia a análise dos dados e informações coletados a utilização de técnicas de análise qualitativa dos textos selecionados.
1 A GUARDA COMPARTILHADA
No Brasil, a guarda compartilhada é um dos institutos de direito de família de maior repercussão no judiciário, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.058 22 de dezembro de 2014, que alterou o Código Civil de 2002, para torna-la regra quando da dissolução de união entre genitores.
O exercício do direito de guarda é um dos deveres inerentes ao poder familiar desempenhado pelos genitores sobre seus filhos até que estes atinjam a maioridade civil e não se interrompe com a dissolução da união entre os pais.
Sabe-se hoje que uma boa mãe ou um bom pai, pode não ser um bom marido ou boa esposa. Em outras palavras, as funções conjugais são diferentes das funções parentais, e devem ser diferenciadas para que se faça um julgamento justo sobre guarda e convivência de filhos. Mudou-se não só os julgamentos, mas também a concepção de guarda de filhos, que deverá ficar com quem atender seu melhor interesse, não necessariamente o pai ou a mãe. E foi exatamente atendendo a este interesse maior que a ideia de guarda única perdeu lugar para a guarda compartilhada (também denominada de guarda conjunta) como regra geral (Lei nº 11.698/08). É também em atendimento ao Princípio do Melhor Interesse da Criança e Adolescente, que surgiram novas concepções e institutos jurídicos (PEREIRA, 2021, p. 177 - 178).
O dever de cuidado e proteção dos filhos está previsto na Constituição Federal em seu artigo 229, que dispõe: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (BRASIL, 1988).
No Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 22 determina “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (BRASIL,1990).
No mesmo sentido, o Código Civil se coloca, cabendo a tal legislação a determinação de normas relacionadas a guarda dos menores no Capítulo XI, cujo título é “Da Proteção da Pessoa dos Filhos” (BRASIL, 2002).
A guarda deve ser compreendida de acordo com a matéria em que é mencionada, sendo diferente no direito civil e comercial, em que significa a obrigação imposta a alguém para vigiar e zelar do bem, de coisa ou pessoas sob sua responsabilidade. No direito familiar, a guarda consiste em poder dever dos pais de criar, educar e ter em sua companhia os filhos menores de dezoito anos de idade (PEREIRA, 2021).
Neste contexto, a guarda compartilhada é tratada na legislação civil através dos dispositivos inseridos pela Lei nº. 13.058/2014, que nos parágrafos 2º e 3º apresenta uma definição dessa espécie de guarda e dispõe sobre a sua aplicação no Brasil.
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
[...]
§ 2 o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) (BRASIL, 2002)
De acordo com a legislação de direito de família, nessa modalidade, o compartilhamento de responsabilidades entre os genitores ocorre de forma igualitária, o que reflete não apenas na tomada de decisões, como também no custeio de despesas e no período de convivência familiar.
A guarda compartilhada tem como seu maior objetivo a igualdade na tomada de decisões em relação ao filho, com o intuito de tentar preservar ao máximo os direitos e deveres relativos à autoridade parental. Dessa forma, com a convivência é possível manter os laços familiares pressupostos da relação entre pais e filhos. Não obstante, a intenção é que os pais mantenham as mesmas responsabilidades da época do relacionamento familiar, ou seja, a continuação dos cuidados necessários aos filhos. (LÔBO, apud VAN DAL e BONDEZAN, 2019, p. 01)
Portanto, de forma geral, a guarda compartilhada é aquela que assegura iguais direitos e deveres entre genitores, resguardando ao menor o convívio igualitário com seus pais, mesmo após a separação e mudança de residência. As regras são estabelecidas pelos responsáveis ou pelo magistrado caso haja necessidade de interferência judicial.
O que se considera para a alteração das condições é principalmente o melhor interesse da criança e do adolescente, um dos fundamentos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O princípio do melhor interesse da criança/adolescente. Este princípio tem suas raízes na mudança da estrutura da família que se deu ao longo do século XX. Ao compreendê-la como um fato da cultura, e não da natureza, e com declínio do patriarcalismo, a família perdeu sua rígida hierarquia, sua preponderância patrimonialista e passou a ser o locus do amor, do companheirismo e da afetividade. E assim, as crianças e adolescentes ganharam um lugar de sujeitos, e como pessoas em desenvolvimento passaram a ocupar um lugar especial na ordem jurídica. Se são sujeitos em desenvolvimento, merecem proteção integral e especial e tem absoluta prioridade sobre os outros sujeitos de direitos. Esta ideia aparece pela primeira vez em 1959 na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que em seu 2º principio declarou que “a criança gozará de proteção especial (...) ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que atenderá será o interesse superior da criança” (PEREIRA, 2021, p. 176).
É justamente o melhor interesse da criança e do adolescente que permitiu a mudança das condições de guarda anteriormente fixadas durante a pandemia da Covid-19, ao reduzir o convívio com familiares em prol da segurança, saúde e integridade física dos filhos.
2 A PANDEMIA NO BRASIL
Os primeiros casos de Covid-19 na China lançaram um alerta para todos os demais países e autoridades públicas e profissionais da área da saúde. A gravidade da doença elevou os números de contágio a ponto de ser constatado o estado de pandemia mundial.
Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan na China, surgiram inúmeros casos de pneumonia, ainda sim não havia identificação do que seria o vírus. Foi então que passado uma semana, veio à confirmação de que se tratava da Covid-19 [...] O diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez uma declaração após terem sido relatados dos casos no novo vírus estarem aumentando de forma rápida e sem controle, ele afirmou que a motivação de se posicionar diante da pandemia tratava-se não somente da situação da China, mas dos demais países [...] Essa declaração deu início a uma atenção voltada à saúde, de certa forma com um peso internacional. Após isso, o cenário da Covid-19 que antes estava somente na China, começou a espalhar-se pelo mundo todo, elevando ao status de pandemia. Iniciado na China, a transmissão do vírus se deu para os demais países, de maneira rápida, e então ela chega ao Brasil (MELLO e NAKAYAMA, 2021, p.1).
O motivo da preocupação com a contaminação pela Covid-19 se refere ao alto número e a facilidade com que a doença avança na população, deixando sequelas diversas e com sintomas variados. Em algumas situações, se apresenta um resfriado comum, em outras, síndromes respiratórias graves são diagnosticadas, podendo levar o paciente a morte, nos casos em que são mais graves (SANTOS, 2022).
Por ser transmitida facilmente entre as pessoas, através do ar e do contato direto, as medidas indicadas para prevenção se resumem ao afastamento social e aos cuidados com higiene.
Os coronavírus são frequentemente transmitidos de uma pessoa para outra por meio de contato próximo com o doente ou com objetos contaminados e o posterior contato das mãos com as mucosas. Sendo assim, para se prevenir de doenças causadas por esses vírus, as principais medidas são: evitar contato próximo com pessoas que apresentam infecções respiratórias; lavar bem as mãos; evitar tocar os olhos, nariz e boca sem ter higienizado as mãos; evitar compartilhamento de objetos de uso pessoal, tais como copos e talheres; evitar contato com animais doentes; cozinhar bem ovos e carne (SANTOS, 2022, p.1).
Logo nos primeiros dias, muitas cidades deram início a um período de isolamento social, proibindo a locomoção em determinados horários, mantendo-se em funcionamento apenas os serviços essenciais, tudo com intenção de controlar a contaminação. As pessoas também reduziram o convívio com familiares e amigos. Contudo, já tendo se passados dois anos desde o início da pandemia, algumas medidas passaram a ser relativizadas, especialmente no ambiente familiar.
3 NOVAS REGRAS DE CONVIVÊNCIA E A ALTERAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA
A pandemia da Covid-19 causou impactos nas relações familiares a ponto de que os conflitos foram levados até o Poder Judiciário em busca de solução, adequando os direitos de pais e filhos à nova realidade de convívio limitado pelo distanciamento social (MELLO e NAKAYAMA, 2021).
O afastamento de uma criança do pai ou da mãe será somado aos demais problemas que a quarentena causou e ainda tem causado nelas. Havendo a possibilidade, condição e responsabilidade de se manter o convívio presencial, é a ponte que manterá a relação em épocas de muitas percas, as pessoas tendem a valorizar mais sua família, e aproveitar mais o convívio, afinal a fase de criança é campo fértil para semear o amor, educação e cuidado (MELLO e NAKAYAMA, 2021, p.1).
A decretação da pandemia modificou completamente a realidade social das famílias em todo o mundo, impactando sobretudo o convívio entre pessoas residentes em casas ou cidades diferentes, dado as regras de quarentena impostas em muitas cidades.
Tais regras de isolamento levaram ao questionamento sobre a continuidade das regras fixadas na guarda compartilhada, especialmente por parte dos genitores privados do convívio com seus filhos sob este argumento.
O questionamento trazido para ser respondido é se a guarda compartilhada deveria ser adaptada em seu exercício em face da pandemia de Covid-19 e demais protocolos sanitários.
Sim. A bem dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o exercício da guarda compartilhada deve ser adaptado a excepcional situação gerada pela pandemia de Covid-19. Em verdade, o tema da suspensão compulsória da convivência entre pais e filhos em face da pandemia aparentemente coloca em conflitos dois direitos fundamentais.
Pois, por um viés, o filho ou filha tem assegurado, constitucionalmente, o direito à convivência familiar, especialmente com seus pais. Doutro viés, cabe a ambos pais, o Estado e, também à sociedade preservar a saúde de crianças e adolescentes com absoluta prioridade (LEITE e CRUZ, 2022, p.1).
Em um primeiro momento, a suspensão de visita foi bem aceita socialmente, contudo, com o passar do tempo e com a prorrogação das regras e sugestões de isolamento, os genitores afastados passaram a requerer judicialmente o retorno do convívio.
Os pedidos apresentados pelos genitores se fundamentam no direito de pais e filhos de manterem a convivência e manutenção de seus vínculos familiares, independentemente da conjugalidade dos pais (PEREIRA, 2021). Acompanhando esse fundamento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou a imprescindibilidade de convivência ao mesmo tempo em que destaca a tomada de medidas de segurança do menor.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DE FAMÍLIA – GUARDA: COMPARTILHAMENTO – RESIDÊNCIA: MELHORES CONDIÇÕES – CONVIVÊNCIA: IMPRESCINDIBILIDADE – TUTELA DE URGÊNCIA: REVISÃO: DESCABIMENTO. 1. Se há indícios de que um dos pais tem melhores condições que o outro para garantir o desenvolvimento sadio da criança, é possível estabelecer-se a guarda compartilhada, com a residência sediada com o esse, até melhor instrução dos autos. 2. A pouca idade da criança denota dependência da mãe, a justificar a garantia do convívio mesmo no atual quadro da pandemia, presumindo-se que os pais tomarão as medidas suficientes para evitar a exposição e o contágio, dada a responsabilidade decorrente da guarda. (TJ-MG – AI: 10000210356234002 MG, Relator: Oliveira Firmo, Data de Julgamento: 11/08/2021, Câmaras Cíveis / 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: 18/08/2021).
No julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso foi reconhecida a gravidade da pandemia, contudo a suspensão de visitas por tempo indeterminado foi cassada, determinando o retorno do convívio como anteriormente pactuado.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE SUSPENSÃO DE VISITA E GUARDA COMPARTILHADA EM RAZÃO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUOS – TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PELO JUIZ A QUO – PRETENSAO DE RESTABELECIMENTO DO CONVÍVIO ENTRE PAI E FILHO – POSSIBILIDADE – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DESABONADORES DA CONDUTA DO GENITOR – NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS VÍNCULOS PATERNO-FILIAIS – DECISÃO CASSADA – RECURSO PROVIDO. É sabido que a pandemia de magnitude global revolucionou grande parte dos hábitos, costumes e, até mesmo, relações sociais e afetivas com entes queridos, de modo que, com a imposição que a pandemia de magnitude global revolucionou grande parte dos hábitos, costumes e, até mesmo, relações sociais e afetivas com entes queridos, de modo que, com a imposição do estado de quarentena pelas autoridades competentes e o isolamento social, somando ao temor das consequências possíveis da contaminação pelo novo coronavírus, poderia ser considerada necessária, em um primeiro contato com a hipótese fático-jurídica, a suspensão do direito de visitação paterna. Todavia, nos autos não há qualquer documento que justifique a suspensão, por tempo indeterminado, das visitas e regime de guarda na forma anteriormente pactuada pelas partes, ainda mais sem fixar prazo para sua duração. Assim, inobstante seja compreensível a preocupação do juízo a quo e da genitora com a saúde e bem-estar da criança, por outro lado, é de extrema importância para o desenvolvimento saudável do infante a convivência com ambos os genitores, o que se acentua quando se trata de pais atenciosos que amam e prazam pelos seus filhos, como aparenta ser a hipótese. Decisão cassada, retornando as partes ao status quo ante. (TJ-MT 10142062420208110000 MT, Relator: Clarice Claudino da Silva, Data de Julgamento: 21/10/2020, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2020).
No mesmo sentido, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, a suspensão das visitas paternas perante a pandemia não merecem prosperar por muito tempo, tendo sido revogada a decisão proferida em primeira instância, por entender que o interesse da criança é o convívio com ambos os genitores sempre que possível.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA COM PEDIDO LIMINAR C/C REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS E OFERTA DE ALIMENTOS. REVOGAÇÃO DE SUSPENSÃO DE VISITAS PATERNAS DURANTE A PANDEMIA. RAZOABILIDADE. INTERESSE DA CRIANÇA. DECISÃO MANTIDA. 1. Se mostra desarrazoada a manutenção da suspensão das visitas paternas pois não há nos autos prova de conduta temerária por parte do pai que justifique tal medida. 2. Deve-se prezar pelo convívio da criança e adolescente com ambos os genitores, sempre que possível, por ser esta a situação que melhor atende as necessidades e interesses dos menores. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO – AI: 0601740322020809000 Goiania, Relator: Des(a). Marcus da Costa Ferreira, Data de Julgamento: 19/03/2021, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 19/03/2021).
Apesar dos exemplos, ainda não está sedimentada a posição jurisprudencial, mantendo-se em alta a discussão sobre a modificação das condições de compartilhamento de guarda no curso de uma pandemia, uma vez que a saúde do menor e dos que com ele convivem é colocada em risco se não houverem os cuidados para evitar a contaminação.
Para reduzir a celeuma jurídica, encontra-se em tramitação um Projeto de Lei nº. 1.646/2021 da Câmara dos Deputados, que propõe a alteração do Código Civil para dispor sobre a suspensão temporária da guarda compartilhada enquanto perdurada a pandemia (BRASIL, 2021).
O Projeto de Lei 1646/21 determina que, enquanto perdurar a pandemia causada pelo novo coronavírus, as visitas e os períodos de convivência no caso de guarda compartilhada ou unilateral poderão ser substituídas por outras formas de contato, mediante prévia autorização judicial (MACHADO e DOEDERLEIN, 2021, p. 1).
A autoria do Projeto de Lei é do Deputado Federal Geninho Zuliani (DEM-SP) e encontra-se em análise da Comissão de Seguridade Social e Família para o seu parecer desde o dia 25 de maio de 2021. Após aprovação da Casa Autora, o projeto segue para o Senado Federal, casa revisora e posteriormente à sanção presidencial (BRASIL, 2021).
Haja vista o fato de que a lei ainda precisa passar por um caminho legislativo até que entre definitivamente em vigor, permanecendo a aplicação das regras da guarda compartilhada no curso dessa pandemia, importa conhecer as consequências da violação desses deveres.
4 CONSEQUENCIAS JURÍDICAS DO DESCUMPRIMENTO DAS REGRAS DA GUARDA COMPARTILHADA
Como visto anteriormente, a primeira consequência advinda da violação das regras da guarda compartilhada consiste na determinação judicial de cumprimento das medidas, mesmo em tempo de pandemia. Em alguns casos identificados na jurisprudência, o compartilhamento da convivência é mantido, especialmente ausentes as provas de suposto risco de contágio por Covid-19. Veja:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA, CONVIVÊNCIA E ALIMENTOS. RECURSO INTEROSTO CONTRA DECISÃO LIMINAR. CARÁTER SECUNDUM EVENTUM LITIS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MODIFICAÇÃO APENAS EM CASO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE, ABUSIVIDADE OU TERATOLOGIA DA DECISÃO. GUARDA COMPARTILHADA E DIREITO DE CONVIVÊNCIA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. AUSENCIA DE PROVA QUANTO À POSSIBILIDADE DE CONTAMINAÇÃO POR COVID-19. MANUTENÇÃO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS FIXADOS PELO JUÍZO DE ORIGEM. BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. 1. A concessão da tutela de urgência exige tão somente um juízo de verossimilhança dos fatos, em cognição perfunctória, e a verificação da presença dos requisitos autorizadores – probabilidade do direito e perigo da demora (art. 300 do CPC). Assim, considerando o caráter secundum eventum litis do agravo de instrumento, a decisão que defere ou indefere a tutela de urgência deve ser reformada somente em caso de flagrante ilegalidade, abusividade ou teratologia. 2. Considerando a ausência de fatos desabonadores da conduta paternal do genitor/agravado, bem como a inexistência de comprovação da alegação quanto ao suposto risco de contágio por Covid-19, deve ser mantida a decisão liminar que, atendendo ao melhor interesse da criança, estabelece a guarda compartilhada e regula o direito de convivência. Inteligência do artigo 227 da Constituição Federal; dos artigos 4º e 19º do Estatuto da Criança e do Adolescente; e dos artigos 1.584 e 1.589 do Código Civil. 3. Não merece reparos a decisão que fixa os alimentos provisórios atendendo ao binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, conforme artigo 1.694, §1º, e 1.703 do Código Civil. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. (TJ-GO – AI: 0325970101720208090000 GOIÂNIA, Relator: Des(a). Itamar de Lima, Data de Julgamento: 17/11/2020, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 17/11/2020).
O motivo da imposição de medidas judicias para restituir o contato é que mesmo com a separação residencial, “é imperativa a manutenção da convivência com ambos os pais, garantindo a proteção dos respectivos direitos das crianças e dos adolescentes” (CUNHA, 2021, p. 678).
Segundo determina o ordenamento jurídico nacional, uma vez fixadas as normas da guarda compartilhada, compete aos genitores cumprirem com o pactuado ou determinado judicialmente, sob pena de sofrer punições por tais condutas, a alienação parental por exemplo pode ser constatada.
Ao enumerar os casos exemplificativos de alienação parental e interferência na formação psicológica da criança e adolescente, o artigo 2º da Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010, inclui as práticas de dificultar o contato e o direito regulamentado de convivência familiar como caracterizadores da alienação (BRASIL, 2010).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de alienação parental e regulamentação de visita – Inconformismo em relação à exclusão do pedido do avô, quanto ao pedido de alienação parental e de fixação de regime provisório de visitas para o pai – Avô que é parte legítima requerer em Juízo tanto a alienação como regulamentação de visitas. Direito que se estende ao núcleo familiar – Precedentes – Fundamentação para indeferimento do regime provisório de visitas, risco de retirada da residência materna em razão da pandemia, que não pode prevalecer – Não há elementos para presumir aumento de risco, sendo que a residência paterna é a que o menor viveu desde o nascimento até a separação dos pais – Convivência com o pai e núcleo paterno que visa manter os laços familiares e está de acordo com os melhores interesses do menor – Decisão reformada – Recurso provido. (TJ-SP – AI: 20039626520218260000 SP 2003962-65.2021.8.26.0000, Relator: Silvério da Silva, Data de Julgamento: 12/05/2021, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2021).
Portanto, os genitores devem se manter atentos às regras da guarda compartilhada ainda que no curso de uma pandemia, uma vez constatada a alienação parental, poderá o genitor alienador ser responsabilizado civil ou criminalmente, proporcionalmente à gravidade do caso, conforme o artigo 6º da Lei de Alienação autoriza.
CONCLUSÃO
O perigo de contaminação e de sintomas graves aos pacientes da Covid-19, aliado ao dever legal de cuidado dos genitores em relação aos seus filhos menores, fez com que em um primeiro momento o convívio entre pais e filhos fosse suspensa para aqueles que residem em lares diferentes, a fim de impedir a proliferação da doença.
Ocorre que o estado de pandemia perdurou muito mais tempo do que poderia se imaginar em um primeiro momento, de forma que o rompimento da convivência passou a ser questionado, principalmente pelos genitores impedidos de estar com seus filhos, mesmo com a guarda compartilhada em vigência.
Diante do dever de cuidado, os genitores devem manter-se atentos à segurança dos menores, mais do que nunca, em razão do risco de contaminação com um vírus altamente contagioso e com sintomas que podem ser fatais também para crianças e adolescentes. Mas nem por isso podem ser privados totalmente do convívio com seus filhos.
Deste modo, nem mesmo a decretação da pandemia é suficiente para justificar o afastamento entre pais e filhos na guarda compartilhada, podendo haver a responsabilização do genitor causador do distanciamento. Apesar do exposto, nada impede que as regras firmadas anteriormente sejam relativizadas pelos guardiões, uma vez demonstrado que o melhor interesse do menor exige tal comportamento.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm>. Acesso em 08 mar. 2022.
BRASIL. Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso em 17 mar. 2022.
BRASIL. Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 08 mar. 2022.
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BRASIL. TJ-GO – AI: 0325970101720208090000 Goiânia, Relator: Des(a). Itamar de Lima, Data de Julgamento: 17/11/2020, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 17/11/2020. Disponível em: <https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1133127081/agravo-de-instrumento-cpc-ai-3259701720208090000-goiania>. Acesso em 10 mar. 2022.
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[1] Professor(a) Especialista do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG. E-mail: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Eduarda Gonzaga. Guarda compartilhada em período de pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58375/guarda-compartilhada-em-perodo-de-pandemia. Acesso em: 29 dez 2024.
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