Comprovação da qualidade de segurado especial
Para a concessão da aposentadoria rural por idade é necessário o preenchimento de três requisitos cumulativos: (a) a idade mínima; (b) a comprovação da qualidade de segurado especial; e (c) cumprimento da carência.
Em relação à comprovação da qualidade de segurado especial, conforme o art. 11, VII, “a”, 1, da Lei 8.213/91, é segurado especial a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais.
Tratando-se de segurado especial, o art. 48, §2º, da Lei 8.213/91 confere ao segurado especial o direito à aposentadoria por idade desde que comprove o exercício da atividade rural:
Art. 48, § 2º Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9° do art. 11 desta Lei.
Em regra, o segurado especial somente precisa comprovar o exercício de atividade rural, de modo que o pagamento de contribuições é presumido em seu favor pelo ordenamento jurídico.
Para a comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial, não é admitida prova exclusivamente testemunhal, conforme enunciado nº 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
É necessário que o segurado especial apresente início de prova material corroborada por prova testemunhal idônea, conforme artigos 106 e 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – (revogado);
IV – Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
Art. 55, § 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Caso não sejam apresentados documentos que sirvam de início de prova material, quando do ajuizamento da ação ordinária, haverá carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito, conforme decidido pelo STJ, no Recurso Especial nº 1.352.721/SP, em sede de recursos repetitivos.
Cerceamento do direito à produção de provas, em caso de extinção do processo sem resolução do mérito
Em alguns casos, em decorrência de vulnerabilidade social, o segurado especial pode não possuir muitos documentos que sirvam de início de prova testemunhal.
É o caso, por exemplo, de segurado especial que sempre desenvolveu atividades rurais em terras de terceiros, informalmente, sem relação de emprego, e que apenas possui um único documento: sua certidão de nascimento, na qual consta a profissão de seu pai como lavrador.
Nesses casos, a comprovação da atividade rural, além do início de prova material, deve ser corroborada por provas testemunhais idôneas, as quais prestarão seu depoimento em juízo, após o pedido de produção de prova testemunhal e a apresentação do rol de testemunhas.
Contudo, existe a possibilidade de o magistrado entender que apenas um único documento não basta para servir de início de prova material e julgar extinto o processo sem resolução do mérito, sem conferir à parte autora a oportunidade de produção de prova testemunhal.
Caso isso ocorra, a sentença será proferida com absoluta ofensa ao princípio do contraditório, alicerce do ordenamento jurídico pátrio, o qual é previsto art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e tem amplitude em todos os processos judiciais.
Consiste tal princípio em conceder à parte a oportunidade de, em igualdade de condições, participar do convencimento do juiz, permitindo a manifestação quanto aos eventos relevantes no processo.
Observa-se que a decisão que extingue o processo sem resolução do mérito, sem apreciar o requerimento de produção de provas, padece de nulidade absoluta, em virtude da violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, mais especificamente, do direito de produção da prova.
Cabe ressaltar que “o direito à prova é uma garantia processual relevantíssima, integrante do conceito de justo processo e que não deve ser desconsiderada ou preterida; assim, as pretensões probatórias, em regra, devem ser analisadas com largueza pelo Juiz, de modo a conferir ao pronunciamento judicial a maior dose de certeza possível e desejável”. (REsp 1384971/SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe de 31/10/2014; AC 2007.38.00.029326-4/MG, Relator o Juiz Federal José Alexandre Franco, 1ª CRP de Juiz de Fora, DJe de 20/05/2016).
Ademais, o Tribunal Regional da 1ª Região fixou entendimento de que “se a prova documental apresentada pela parte autora não se afigura bastante ao convencimento judicial, não há como se lhe negar/reduzir a produção de novas provas oportunamente requerida para demonstração do direito perseguido. Cerceamento de defesa configurado. Sentença anulada” (AC 2009.38.00.014582-3/MG, Desembargadora Federal Ângela Catão, Primeira Turma, DJe de 14/01/2015).
Assim, em tais casos, afigura-se patente o cerceamento do direito de produção de provas, grave vício processual que contamina a sentença e a faz padecer de nulidade absoluta.
Por analogia, segue entendimento do TRF da 1ª Região, acerca do cerceamento do direito à produção de provas:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CERCEAMENTO DE DEFESA AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTO DO LAUDO PERICIAL. ANULAÇÃO DO LAUDO E DA SENTENÇA. ELABORAÇÃO DE NOVA PERÍCIA.(…) 3. Não obstante apresentado pedido de esclarecimentos ao expert, sobre eles não se manifestou o magistrado que, precipitadamente, sentenciou o feito, havendo, assim prejuízo ao apelante, porquanto foi parte vencida. 4. Dessa forma, deve ser determinada a realização de nova perícia com apresentação dos esclarecimentos sobre o laudo requeridos pelo INSS. (TRF-1 – AC: 436405320114019199 AC 0043640-53.2011.4.01.9199, Relator: JUIZ FEDERAL RENATO MARTINS PRATES (CONV.), Data de Julgamento: 14/08/2013, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: eDJF1 p.109 de 03/10/2013
Disso resulta que, nos casos em que não seja garantido à parte autora seu direito de produção de provas, deve ser anulada a sentença, em razão do cerceamento do direito de produção de provas.
Produção de prova testemunhal no caso de o segurado especial só possuir um único documento que sirva de início de prova material
A lei exige para a comprovação da qualidade de segurado especial o início de prova material, conforme art. 55, §3º da Lei 8.213/91 e entendimento sumulado pelo STJ (enunciado nº 149).
Porém, para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme Súmula 14 da Turma Nacional de Uniformização (TNU).
Acrescente-se que, de acordo com o enunciado da Súmula 6 da TNU, a certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.
Dessa forma, por exemplo, aplicando a interpretação analógica, a certidão de nascimento da parte autora, a qual aponta a atividade rurícola de seu pai, também possui validade como prova material, haja vista a não taxatividade do artigo 106 da Lei 8.213/91.
Importante salientar que é pacífica a jurisprudência no sentido de que o rol do art. 106 da Lei n° 8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação de atividade rural, além dos ali previstos.
É entendimento pacífico de que: “O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo” (STJ. AgRg no REsp 700298/CE. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. DJ 17.10.2005, p. 341).”
Inclusive, a prova documental não precisa abranger todo o período de atividade que se pretende demonstrar: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.” (Súmula 577, STJ).
Ainda, de acordo com a súmula 14 da TNU, para a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, os documentos apresentados não precisam necessariamente corresponder a todo o período de carência.
Súmula 14, TNU: Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.
Conquanto não se refira a todo período, o início de prova material pode ter sua eficácia estendida para todo o período da carência, quando a prova testemunhal é idônea:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA RURAL POR IDADE – REQUISITOS – INÍCIO DE PROVA MATERIAL NÃO CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL – IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. A aposentadoria rural por idade exige a observância de dois requisitos essenciais: a) etário, quando completados 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco), se mulher; e b) o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, em número de meses idêntico à carência do benefício vindicado. 2. De acordo com o art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios, a demonstração do direito só produzirá efeitos se baseada em início razoável de prova material, sendo inadmissível a prova exclusivamente testemunhal. 3. Ainda que a prova documental não se refira a todo o período de carência exigido para a concessão do benefício, deve a prova oral ser robusta suficientemente para estender sua eficácia, referindo-se a todo o lapso demandado. 4. Hipótese em que restou consignado no acórdão recorrido que a prova testemunhal colhida em juízo não se prestou a estender a eficácia da prova documental para todo o período de carência. 5. Recurso especial não provido. (RESP 201200465900, ELIANA CALMON, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:17/04/2013 RIOBTP VOL.:00288 PG:00123.DTPB).
Portanto, as testemunhas poderão comprovar em audiência o que a prova documental traz como indícios, mais do que suficientes, de labor rural realizado pela parte autora durante grande parte de sua vida, dando eficácia retrospectiva e prospectiva ao documento que sirva como indício de prova material.
Defensora Pública Federal. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Foi advogada, com atuação na área criminal. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Raquel Giovanini de. Direito à produção de provas para a comprovação da atividade rural nos benefícios previdenciários ao segurado especial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58431/direito-produo-de-provas-para-a-comprovao-da-atividade-rural-nos-benefcios-previdencirios-ao-segurado-especial. Acesso em: 27 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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