TARSIS BARRETO OLIVEIRA
(coautor)[1]
RESUMO: O Estado Brasileiro, detentor do jus puniendi, administra a justiça, define figuras delituosas e correspondentes sanções penais. Neste mister, cumpre ao Estado adequar a ordem jurídico-penal à realidade vivenciada pela sociedade com o aumento da criminalidade, sobretudo frente ao crime organizado, promovendo reformas penais, como a evidenciada pela lei 13.964/19, denominada pacote anticrime, trazendo polêmicas na medida de possíveis confrontos com garantias fundamentais previstas na Constituição. Uma das mudanças intenciona o combate ao enriquecimento ilícito por meio do confisco alargado, referendado no artigo 91-A do Código Penal. Anteriormente, o confisco de bens era auferido nos limites dos instrumentos e produtos do crime, mas não atendia completamente ao fim pretendido. A partir de então, adotou-se a inversão do ônus da prova, devendo o condenado demonstrar a licitude do patrimônio, ainda que mitigando o princípio da presunção de inocência e a individualização da pena. O instituto consolidou-se em normatizações internacionais que procuram reprimir a lucratividade criminosa, considerando que os confiscos previstos em cada Estado sejam os mais semelhantes possíveis, a fim de permitir a cooperação internacional e evitar a ocultação de bens em outros países. O presente trabalho utilizou metodologia baseada em pesquisa bibliográfica e descritiva, fontes secundárias e técnica de pesquisa de abordagem conceitual e normativa, abrangendo aspectos doutrinários relacionados ao tema.
Palavras-chaves: Confisco alargado; organizações criminosas; pacote anticrime.
ABSTRACT: The Brazilian State, holder of the jus puniendi, administers justice, defines criminal offenses and corresponding criminal sanctions. It is the State's duty to adapt the legal-penal order to the reality experienced by society with the increase of criminality, especially in the face of organized crime, promoting criminal reforms, as evidenced by law 13.964/19, called the anti-crime package, bringing this controversy to the extent of possible clashes with fundamental guarantees provided for in the Constitution. One of the changes intends to combat illicit enrichment through the extended confiscation, referenced in article 91-A of the Penal Code. Previously, the confiscation of assets was earned within the limits of the instruments and proceeds of crime, but did not completely fulfill the intended purpose. Since then, the burden of proof has been reversed, and the convicted person must demonstrate the lawfulness of the assets, even though this mitigates the principle of presumption of innocence and the individualization of the penalty. The institute was consolidated in international rules that seek to repress criminal profitability, considering that the confiscations foreseen in each state should be as similar as possible, in order to allow international cooperation and avoid the concealment of assets in other countries. The present work used a methodology based on bibliographic and descriptive research, secondary sources and a research technique of conceptual and normative approach, covering doctrinal aspects related to the issue.
Keywords: Extended confiscation; criminal organizations; anti-crime package.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Confisco de bens. 2.1 Confisco alargado de bens. 3. Surgimento das organizações criminosas e o enriquecimento ilícito. 3.1 Organizações criminosas no Brasil. 4. Principais dispositivos legais de repressão 4.1 A Convenção de Palermo. 4.2 Lei 12.850/13. 4.3 Lei Nº 13.964/2019 - Lei Anticrime. 5. A (In)constitucionalidade do confisco de bens e a inversão do ônus da prova. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Penal se coloca cada vez mais distante de alcançar a sua finalidade, que é aplicar o direito material frente aos ilícitos praticados no seio da sociedade. Isso fica mais evidente quando se trata de modalidades criminosas mais complexas, como na hipótese de ilícitos praticados pelo crime organizado.
Partindo desse pressuposto, a presente pesquisa teve como objetivo central abordar a possibilidade de normatização (e ampliação) do confisco de bens, resultante de práticas ilícitas cometidas por organizações criminosas, pensando tal normatização como remédio judicial para coibir a continuidade de ilícitos afins, tornando mais eficaz a aplicabilidade da lei.
Há muito tempo vigora no ordenamento jurídico brasileiro a previsão do confisco dos bens que tenham origem de produto ou proveito de atividades criminosas, sendo essa uma maneira de o Estado sequestrar bens com o fito de interromper a continuidade delitiva. Nessa seara, o Código Penal, por meio do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nos termos do artigo 91, parágrafo II, a e b, quando trata dos efeitos genéricos da infração, estabelece:
Art. 91 - São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. (BRASIL, 1940).
Quando se trata da prisão e condenação de infratores que compõem organizações criminosas, o tema carrega relevância no Direito, sendo o fenômeno estudado e debatido em termos de política criminal, Direito Penal e Criminologia. O Estado Brasileiro, enquanto detentor do jus puniendi, (poder de punir) buscou normatizar mecanismos jurídicos a fim de contemplar a responsabilidade penal dos infratores. Mas essa tarefa nem sempre é fácil quando se trata de organizações criminosas, pois mesmo que se chegue à responsabilização com pena privativa de liberdade, comumente se depara com casos de ramificações da organização que dão continuidade ao crime, haja vista possuírem ilicitamente muitos bens e valores.
Acredita-se que o problema surge da insuficiência do modelo clássico de confisco no enfrentamento às organizações criminosas, sobretudo as transnacionais, pela alta complexidade empregada em suas atividades. O Brasil precisou seguir modelos internacionais para buscar adequação às investidas criminosas, pois o surgimento do confisco alargado no cenário internacional foi determinante para que se pudesse introduzi-lo na legislação brasileira.
O presente tema foi escolhido em vista da relevância desse novo instituto aplicado ao Código Penal, mesmo considerando que em alguns casos concretos possa ocorrer insegurança jurídica, confrontando garantias fundamentais previstas na Constituição Federal. Por oportuno, necessário se faz enfrentar as ações criminosas em prol de um benefício maior, a segurança da sociedade, que a própria Carta Maior se propôs a assegurar. Para esse propósito, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e descritiva, empregando-se pesquisa conceitual e descritiva, abordagem de aspectos doutrinários, com vistas a evidenciar a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) n.º 6.304, protocolizada pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), argumentando pela inconstitucionalidade do confisco alargado.
O presente artigo está organizado em quatro tópicos. Inicialmente, será feita pesquisa a respeito do confisco de bens e, posteriormente, aprofundamento no confisco alargado de bens, ressaltando a sua importância de modo a atenuar o avanço das organizações criminosas, abordando-se os efeitos do pacote anticrime na legislação. Em seguida, será feita uma abordagem histórica do surgimento das organizações criminosas e o seu enriquecimento ilícito. Após esse momento inicial, será analisada, ainda que de maneira sucinta, a constitucionalidade do confisco de bens e a inversão do ônus da prova.
2. CONFISCO DE BENS
No que concerne à terminologia a ser utilizada no decorrer do presente trabalho, será citado tanto o perdimento de bens ou confisco, não se vislumbrando até então distinção entre eles quanto ao conceito. Essado (2014, p. 16), em sua tese de doutorado, argumenta que o termo perda de bens seria proveniente do fato de a expressão ser utilizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, e acolhida tanto no plano jurisprudencial quanto no direito comparado.
No entanto, Bomfim & Bomfim (2005, p. 97), a exemplo, pontuam que o termo perda de bens não se coloca como mais adequado, visto que os bens confiscados não se perdem necessariamente, sendo o uso do vocábulo confisco facilmente entendido por leigos, mantendo correspondência ainda em outros idiomas.
Na acepção de Vieira (2019, p. 2), em sentido jurídico, o termo confisco constitui o ato de transferência de maneira coercitiva dos bens ao patrimônio do Estado, pontuando, ainda, que o confisco no Código Penal é aplicado como efeito da condenação penal, bem como na imposição de pena autônoma. Portanto, na aplicação como efeito da condenação, é reservado ao tratamento dado pelo art. 91, inciso II, alíneas a e b, do Código Penal, sendo de igual modo descrito na legislação especial, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei 9.613/1998; ao passo que na segunda opção, é destinado para a sanção prevista no art. 43, inciso II, do Código Penal.
Em suma, infere-se que o confisco está atrelado aos efeitos da condenação e à finalidade de retirar do patrimônio de determinada pessoa o bem que nele ingressou de modo escuso.
[..] efeito civil da condenação penal, envolvendo crimes e não contravenções. Assim é meio através do qual o Estado visa impedir que instrumentos que sejam considerados idôneos para praticar o delito caiam em mãos de certas pessoas, ou que o produto do crime venha a enriquecer o patrimônio do delinquente. (JESUS, 1983, p. 617)
Quando se remete ao ordenamento jurídico, o confisco está presente inicialmente no Artigo 5°, XLV e XLVI, b, da Constituição Federal, bem como nos artigos 43, II, e 91 do Código Penal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos; (BRASIL, 1988)
Com base nessa premissa, conclui-se, a partir da leitura do artigo, que ele está associado ao Código Penal, eis que o termo confisco se relaciona ao efeito do artigo 91, e, como pena, ao artigo 43, II.
Nessa linha de raciocínio, Sousa e Tourinho (2019, p. 12) pontuam que atualmente o confisco, como efeito previsto no artigo 91 do Código Penal, apresenta duas espécies.
Vieira (2019, p. 2), assim como Romano (2019, p. 1), aborda essas duas espécies. A primeira delas, amplamente denominada como clássica, é aquela que recai sobre os instrumentos ou proveito do crime, com tipificação nos termos do artigo 91, II do Código Penal; já a segunda espécie, recebendo a denominação de confisco por equivalência, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 2012 com força de lei ordinária, por intermédio da Lei nº 12.694. Nesta modalidade, a perda de bens atingirá não o resultado do crime decorrente da atividade criminosa, mas bens que proporcionalmente apresentem o mesmo valor auferido pelo agente criminoso, presente no artigo 91, §1°, seguindo este dispositivo tendência internacional, em que se adota a perda de bens mesmo daqueles não relacionados ao crime.
Reproduzindo o pensamento de Cardoso (2018, p. 1), nota-se que:
Em seu art. 91, II, b, o Código Penal institui a chamada perda clássica, que consiste em efeito secundário da condenação em razão do qual é decretada “a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé” (inciso II), “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (alínea b). No § 1º do art. 91 (acrescido somente em 2012), o legislador previu ainda a possibilidade de perda por equivalente, nos seguintes termos: “poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior”. Em outros termos, verifica-se que o confisco não necessariamente se restringe àqueles bens diretamente obtidos pelo criminoso com a prática do delito pelo qual ele é condenado; em razão do que dispõe o art. 91, § 1º, a perda pode atingir também “bens ou valores equivalentes”.
Conforme descrito, no confisco os indícios coligem para uma estrita relação de aplicação, inferindo-se que os valores estão relacionados ao crime, tendo os bens a serem confiscados um limite material, levando para a linha de causa e efeito, ou seja, os instrumentos e produtos derivados do crime.
De maneira pontual, Costa Jr. (1987, p. 440) defende categoricamente que instrumentos do crime são ferramentas e meios utilizados que culminam no objetivo final do cometimento do dano. A saber, confisco é a retirada dos bens que pertencem exclusivamente a uma determinada pessoa a favor do Estado. No entanto, o ato do confisco será executado tão somente quando constituir-se de objetos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção sejam atribuídos a eventos ilícitos.
Não é autorizada a restituição dos instrumentos vinculados a infrações, e apreendidos pelas autoridades policiais aos seus respectivos titulares enquanto forem imprescindíveis no processo e transcurso de toda a tramitação.
Ainda mais, o confisco apresenta-se também como efeito de condenação, que institui a disposição pública dos bens e valores proferidos como perdidos; no entanto, será acautelado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, em conformidade ao que está previsto nos arts. 119 e 133-A, § 4º, ambos do Código de Processo Penal.
Diante disso, Essado (2014, p. 97) salienta que o propósito dessa modalidade de confisco é inviabilizar que o criminoso se mantenha em posse do bem ilícito advindo de atividades criminosas, seja de maneira direta ou indireta. Em decorrência de tal fato, Greco (2017, p. 47) orienta que, se eventualmente esses bens não forem localizados, uma determinação poderá ser expedida ordenando a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime, com a finalidade de impedir que o criminoso prossiga colhendo lucros obtidos com o crime.
2.1 CONFISCO ALARGADO DE BENS
Quanto a esse ponto, passou a ter destaque a ação incisiva de combate ao lucro procedente da movimentação das atividades criminosas. Congênere ao que Vieira (2019, p. 3) traz de forma expressiva, tal conduta fomentou e estruturou variados meios de persecução patrimonial que visam atingir o conjunto de bens (patrimônio ilícito) de organizações criminosas, sem requerer a associação com a condenação penal ou a classificação dos bens como produtos ou instrumentos de crime. Diante disso, Correia (2012, p. 4) apud Vieira (2019, p. 36), qualificou tais instrumentos em quatro modos de representação de constrição patrimonial, igualmente conhecidos como confisco alargado, em prol da ampliação da esfera de atuação do confisco clássico.
Dentre os modos de representação, tem-se:
I) confisco geral de bens, aplicado a partir da condenação por algum crime previamente selecionado; II) quando ao determinar a perda de todos os bens de organizações criminosas, sob o fundamento de que eles podem ser direcionados à prática de novos atos criminosos; III) ao elevar como ponto central para o confisco a origem ou o uso ilícito da propriedade, quando se reconhece um caráter real ou in rem em razão de não incutir, na causa de pedir, nenhum elemento a respeito da responsabilidade do proprietário ou do possuidor e; IV) o quarto modelo tem como objetivo a perda de bens em decorrência da presença de elementos probatórios, indicativos de que eles foram adquiridos ilicitamente conforme Correia (2012, p. 04) apud Vieira (2019, p. 39).
Consequentemente, ao se reportar para o confisco alargado, é importante conhecer a dinâmica de funcionamento de tal regimento. Constatada a incongruência na comprovação por parte do acusado ou condenado quanto aos bens verificados e a sua renda declarada, fundamentada a origem ilícita do patrimônio e recursos e baseado na prévia condenação por crimes reputados como graves, como também identificando-se a existência de patrimônio incompatível com rendimentos lícitos, conclui-se, então que todo o patrimônio encontrado é considerado como resultado de ação delituosa prévia.
Dessa maneira, direciona-se para atingir o que alguns autores classificam de despatrimonialização do crime, em virtude de atingir o núcleo da capitalização das organizações, descontinuando o seu financiamento. Uma vez que ocorra a descontinuação do fluxo financeiro do crime organizado, este é diretamente atingido, causando grandes impactos na sua estrutura criminosa.
Lima (2020, p. 39), inclusive, expõe uma fragilidade do Estado quanto à inabilidade para acompanhar a evolução e dinamismo das organizações, pois, segundo o autor, o Estado não consegue encalçar as atividades criminosas, e, consequentemente, rastrear os vestígios dos seus respectivos ganhos e patrimônios.
Pormenorizando o assunto, Lima elucida que o confisco alargado, in verbis:
[...] almeja suprir, assim, uma grave lacuna constante do nosso ordenamento jurídico, que se mostrava omisso em relação as situações em que indivíduos condenados por delitos diversos, como por exemplo, lavagem de capitais, crimes contra a ordem econômica-financeira, tráfico de drogas, apresentavam um patrimônio elevado, revelando um estilo de vida absolutamente incompatível com seus rendimentos, mesmo com a perda dos bens que foram comprovados com instrumentos ou produto (direto ou indireto) do crime. (LIMA, 2020, p. 40)
O alicerce em que se fundamenta o confisco alargado de bens pode ser percebido como um mecanismo que produz efeito impactante, devido ao intuito do Estado de reprimir a conduta delituosa, captando valores ou produtos em posse dos acusados. No entanto, inúmeros fatores impedem a investigação dos indícios. Além disso, os confiscos clássicos e subsidiários estavam obsoletos por não conseguirem refrear o aumento constante das quantias oriundas de práticas ilícitas dos criminosos.
Vieira (2019, p. 36) traz a definição do confisco alargado na essência de sua proposta, sendo este:
O movimento de combate ao lucro decorrente da atividade criminosa originou diversos instrumentos de persecução patrimonial que buscam atingir o patrimônio ilícito de organizações criminosas, sem exigir a vinculação com a condenação penal ou a qualificação dos bens como produtos ou instrumentos de crime.
Todos os preceitos de luta contra a criminalidade têm como objetivo anular os instrumentos, produtos e patrimônio do crime, impedindo que as práticas desenvolvidas de alargamento derivadas de ilicitude tenham continuidade. Conforme descrito por Cardoso (2018), “a perda alargada surgiu, eminentemente, para superar as dificuldades probatórias impostas pelos instrumentos tradicionais de confisco, que impõem a demonstração do nexo entre bens a serem apreendidos e o crime objeto da persecução penal”.
Da mesma forma, é trazida outra construção de conceito acerca do confisco alargado, como sendo, ipsis litteris:
[...] a possibilidade de se declarar a perda, total ou parcial de bens pertencentes a uma pessoa condenada por infração penal, sem que haja a direta vinculação entre a aquisição de tais bens e o crime mediante o qual a pessoa foi condenada. A ampliação do alcance da perda torna-se possível em razão da presença do critério probatório de elevada probabilidade, baseado em fatos concretos, que apontem a provável aquisição de bens a partir de atividades criminosas semelhantes aquela pela qual a pessoa foi condenada. (ESSADO, 2014, p. 104)
Diante do crescimento e da variabilidade dos métodos empregados pelos criminosos para agir nas lacunas existentes nas leis, o confisco alargado atua na contenção de ações criminosas, atuando sobre o produto do crime, e, destarte, elidindo o fomento a práticas delitivas.
3. SURGIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
Não é possível delimitar todas as ações e modus operandi das organizações, dada a sua variabilidade, não obstante possamos mencionar algumas de suas formas de atuação.
Logo, para a distinção entre crime organizado e organização criminosa, é essencial que seja definida a função dada esta última. De acordo com Medroni (2015, p. 127), organização criminosa pode ser vista como um organismo ou empresa, que traz como propósito a aplicação de crimes de toda e qualquer natureza.
Deste modo, o crime organizado tornou-se um agrupamento de atividades ilícitas que atuam no mercado, dando ordem, impondo métodos e regras nas lacunas deixadas pelo Estado e pelas atividades legais. Ou seja, seu viés econômico abarcaria todas as áreas do capitalismo selvagem que estão em completa dependência de um mercado mais disciplinado (ZAFFARONI, 1996, p. 53-55). Contextualizando o que foi anteriormente mencionado, o crime organizado é o produto final de todos os ilícitos penais perpetrados pelas organizações criminosas, conforme os contextos legais que a definem.
Já a organização criminosa representa o conjunto de pessoas que possuem consonância em suas ideias, determinam metas, afazeres e leis internas bastante definidas, e, sobretudo, trabalham em uma rigorosa cadeia hierárquica, visando a prática de infrações criminais.
Para Melo (2012, p. 13), nem todos os crimes planejados e executados são praticados por organizações criminosas, já que organizar a prática de uma atividade exige muito menos que estruturar e formar uma entidade, sua organização. Ademais, as organizações criminosas reúnem membros com características bem definidas que auxiliam na capacitação e preparação dos seus componentes, como experiência, habilidade e boa articulação.
Acresce-se que as organizações criminosas foram se modificando no decorrer do tempo, consoante os acontecimentos naturais de cada período. Contribuíram para isso fatores como dinheiro e poder, despertando interesses além do usual, usando suas influências para adquirir novos meios de auferir lucros e vantagens frente às instituições.
Diante da perspectiva evolutiva das organizações criminosas, não obstante o crime organizado exista há muito tempo na história, podemos afirmar que este se originou a partir do século XIX, devido ao aparecimento das máfias ítalo-americanas e à fortificação das máfias orientais, sempre tendo em conta a magnitude e particularidade do modus operandi, protegido pelo influxo do capitalismo e, portanto, da globalização.
3.1 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Não é possível precisar o surgimento das organizações criminosas no Brasil, havendo divergência neste aspecto. Lima (2014, p. 474) aponta o cangaço como possível manifestação de crime organizado no Brasil, grupo criminoso sob a liderança de Lampião. No entanto, para Pacheco (2011, p. 64), seria o jogo do bicho a primeira organização criminosa existente no Brasil.
em que pese não ser tipificada como crime, mas possuir diversos tipos penais que perpassam por sua estrutura, o jogo do bicho, atividade tida como contravenção penal, é possível que venha preencher o requisito de ser classificada no rol dos ilícitos que fazem parte da atividade ilícita organizada no Brasil.
O crime organizado no Brasil aumentou consideravelmente no decorrer do tempo, mormente em função da lucratividade obtida nesse segmento, sendo explorados diversos ramos, como o tráfico ilícito de entorpecentes, de seres humanos, de amimais silvestres, dentre outros. No Brasil, é usual o desvio de verbas públicas, fortemente noticiado pelos meios de informações, com efeitos nocivos sobre a população brasileira.
A organização criminosa Comando Vermelho (CV) iniciou suas atividades na década de oitenta, no Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente no Presídio de Ilha Grande, inicialmente com o fito de obter o domínio do tráfico de drogas, e, de igual modo, comandar os morros cariocas. Nesse ponto, o grupo se intensificou em razão da ausência do papel do Estado frente às comunidades, passando a ofertar assistência e a ocupar espaços que deveriam ser preenchidos pelos governantes. Além disso, protegiam aos moradores, passando a obter a simpatia da comunidade, até mesmo facilitando o recrutamento de novos membros para compor o grupo (LIMA, 2014, p. 474).
Em concordância com o pensamento do referido autor, o Primeiro Comando da Capital (PCC) deu início às suas atividades de maneira semelhante ao Comando Vermelho (CV), tendo se originado no ano de 1993, no Estado de São Paulo, como reação aos maus tratos e regras repressivas aplicadas aos presos no sistema carcerário. A organização estipula como regra que toda e qualquer pessoa que intenciona se tornar membro do grupo deve, obrigatoriamente, conhecer bem o estatuto da sociedade criminosa, o que revela, de per si, nítida organização.
Pacheco (2011, p. 64-65) faz um exame detalhado das mais importantes organizações criminosas do Brasil, textualmente:
E o que dizer das organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando, Amigos dos Amigos (ADA) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). AS três primeiras são velhas conhecidas das policias cariocas por seu envolvimento no tráfico de droga, a última, por sua vez, é proveniente de São Paulo ganhou destaque por organizar uma megarrebelião envolvendo mais de vinte presídios paulistas em ações simultâneas e ainda mais quando a partir da noite de 12.05.2006 promoveu a maior onda de violência contra as forças de segurança do Estado resultando em dezenas de mortes e uma cidade aterrorizada.
Assim, também se destacou, no Brasil, o Scuderie Le Cocq (esquadrão da morte), tornando-se bastante conhecido no país, sendo reportado na época como dominante dentre os grupos de criminosos organizados. O fator causal que deu origem ao grupo no ano de 1964, na cidade do Rio de Janeiro, foi o de vingar o homicídio de policiais à época. Essa organização teve grande destaque no estado do Espírito Santo, assumindo organização paramilitar, seção de informação e contrainformação e assuntos estratégicos, além de rede própria de radiocomunicação.
Dentro do cenário de crescimento de grupos criminosos, o país se tornou alvo da ação de máfias vindas de outras partes do mundo, como se evidenciou na cidade de Foz do Iguaçu. De acordo com Pacheco (2011, p. 66-67), a sua localização se tornou atrativa devido à complexidade de fiscalizar as entradas no país nas fronteiras com o Paraguai e Argentina. Consequentemente, várias máfias passaram a agir no local, com destaque para as máfias chinesas, coreana, libanesa e taiwanesa, que ramificaram suas atividades em contrabando, pirataria, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Com base nessas informações, pode-se inferir que a organização criminosa abrange um conjunto de pessoas que apresenta a mesma atitude e com os mesmos objetivos pré-definidos, usualmente formada por quatro ou mais pessoas, seguindo organograma de hierarquia, isto é, extraordinariamente organizado, estruturado e determinado a praticar atos ilícitos previstos no Código Penal, com pena máxima superior a quatro anos, com o objetivo de adquirir primazia direta ou indireta. Para isso, existem atividades específicas destinadas a cada membro da organização, garantindo a excelência em cada ato premeditado e efetivamente cometido.
4. PRINCIPAIS DISPOSITIVOS LEGAIS DE REPRESSÃO
Em decorrência do acima exposto, inúmeras causas influenciam na contínua transformação das características das organizações criminosas. Tal afirmação baseia-se na expertise das organizações criminosas em burlarem as atividades do Estado, proporcionando o prosseguimento de atividades ilícitas.
Diante disso, vários meios, na esfera nacional e internacional, foram desenvolvidos no decorrer do tempo para cessar a prática de crimes. Dentre eles, no campo internacional, a Convenção de Palermo obteve grande notoriedade. Já no plano nacional, a formulação das leis 12.850/2013 e 13.964/2019 surgiram como resposta a essa modalidade de crime.
4.1 A convenção de Palermo
Em 15 de novembro de 2000, em Nova York (EUA), aconteceu a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, posteriormente assumindo o codinome Convenção de Palermo, tornando-se vigente em 29 de setembro de 2003. Esta passou a fomentar a cooperação entre os Estados membros da ONU, com o propósito de prevenção e repressão contra a criminalidade transnacional.
Estellita (2009, p. 47-48) revela que o Brasil é signatário da Convenção de Palermo, ato sancionado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 231, e inserida no ordenamento jurídico pátrio a partir da edição do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, assumindo força de lei ordinária. Lembra ainda a autora que o Brasil aderiu aos três protocolos da Convenção.
No que refere à máxima aprovada pelas Nações Unidas, a operação do grupo criminoso organizado é realizada com o objetivo de perpetrar um ou mais delitos graves ou declarados durante a Convenção de Palermo, sendo: a participação em grupo criminoso organizado (artigo 5º); a lavagem do produto do crime (artigo 6º); a corrupção (artigo 8º); e a obstrução à justiça (artigo 23). Diante disso, seguindo recomendações, tais feitos passaram a ser criminalizados pelos Estados signatários, sem sofrer restrições de acordo com o tipo e transnacionalidade do ato infracional ou o envolvimento de um grupo criminoso organizado.
Ademais, o objetivo principal da Convenção de Palermo é extinguir os elementos que compõem o crime organizado transnacional, com destaque para coibir a lavagem de dinheiro e a corrupção. Logo, foram delineados meios de aprimoramento da cooperação internacional, assim como técnicas de investigação, assistência judiciária recíproca, confisco e apreensão de bens, entrega vigiada, além da extradição.
4.2 Lei 12.850/13
A lei 12.850/13 cessou de forma absoluta os efeitos da Lei 9.034/95, ampliando os meios da investigação criminal, as possibilidades para aquisição de provas, assim como as infrações penais correlatas e os procedimentos criminais, os quais já haviam sido instituídos na lei antecedente.
A Lei 12.850/13 trouxe consigo uma revolução, embora, como citado anteriormente, esta não seja a primeira lei em nosso ordenamento jurídico a trazer o conceito de organização criminosa, tendo o legislador avançado de maneira significativa em comparação à lei 12.694/12.
Outra mudança ocasionada pela Lei 12.850/13 foi quanto ao delito de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal, passando a denominação associação criminosa a ser utilizada, promovendo-se modificações quanto aos elementos objetivos do tipo frente à norma penal incriminadora.
De acordo com Viana (2017, p. 129), o novo diploma legal, que contém normas processuais e penais, define organização criminosa e tipifica de forma autônoma o crime de promoção, constituição, financiamento e integração de organização criminosa, além de outros delitos correlatos à investigação e obtenção de prova.
Para introdução no Brasil, foram usados modelos semelhantes aos sistemas escolhidos por países como a Itália e a Espanha. Logo, a diferenciação da legislação brasileira ocorre devido à escolha da permanência do delito de associação criminosa no Código Penal, sendo instituído em lei especial o de organização criminosa.
No que refere ao conceito legal de organizações criminosas e suas demais características, observam-se outras condições de disposição estrutural, temporal e finalística. Aponta Viana (2017, p. 133-134) que “é necessário que a organização seja estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente”. Esta concepção vem como sustentáculo à Lei 12.850/13, sendo o significado de grupo estruturado previsto na Convenção de Palermo.
Um fato percebido foi a subdivisão das formas estruturais das organizações criminosas, antes definida pela hierarquia clássica em forma de pirâmide, seguindo o modelo das máfias, passando a se apresentar em agrupamento de células.
Com isso, a máxima do conceito de organizações criminosas culmina no objetivo de lograr êxito direta ou indiretamente, a conhecida vantagem de qualquer natureza, por meio de infrações penais que se enquadrem na pena máxima de quatro anos ou que possuam caráter transnacional. Mesmo que não seja categórico, é indubitável a vantagem ilícita, visto que o lucro foi adquirido por meio de atividades criminosas (VIANA, 2017, p. 135).
A doutrina brasileira vem ampliando a aplicabilidade do termo vantagem de qualquer natureza, indo além dos proveitos financeiros e econômicos. Conforme esclarece Viana (2017, p. 135), “estariam incluídas, portanto, vantagens sexuais, de cunho moral, benefícios de ordem política, dentre inúmeras outras possibilidades”.
4.3 Lei nº 13.964/2019 (lei anticrime)
Também denominado pacote anticrime, a lei federal nº 13.964/2019 é responsável por um conjunto de modificações na legislação brasileira que tem como cerne ampliar a eficiência na luta contra o crime organizado. A presente lei trouxe alterações de natureza penal, processual penal e administrativa, com ênfase no Código de Processo Penal, no Código Penal, Lei de Drogas, Lei de Crimes Hediondos, Lei de Execução Penal, Lei de Lavagem de Dinheiro, Estatuto do Desarmamento, dentre outras.
Referente ao Código Penal, a lei recém-lançada gerou uma suposição figurada de legítima defesa ao agente de segurança pública, com aplicação e técnica jurídica passíveis de discussão, conforme consta no art. 25, parágrafo único. Dispôs também sobre a execução da pena de multa, presente no art. 51; modificou de 30 para 40 anos o tempo máximo de execução das penas privativas de liberdade (art. 75 CP); estendeu as condições necessárias para alcançar a concessão de livramento condicional, art. 83, inc. III; dispôs sobre a hipótese de perda "dos bens [...] correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito", de difícil e delicada aplicabilidade concreta (art. 91-A); expandiu a relação de causas impeditivas da prescrição (art. 116, incs. III e IV); acrescentou hipóteses anteriormente inexistentes de roubo (majorado – a compreender, pela utilização de arma branca (art. 157, § 2º, VII) e pela utilização de arma de fogo de uso restrito ou proibido (art. 157, § 2º-B); e ampliou de 8 para 12 anos a pena máxima do crime de concussão (art. 316), igualando-o ao crime de corrupção passiva, reparando, ao que tudo indica, desatenção do legislador da lei 10.763/03, que, à época, promoveu somente o aumento das penas da corrupção ativa e passiva.
5. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CONFISCO DE BENS E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Como visto, a expansão das organizações criminosas por meio de práticas ilícitas compeliu o legislador, em 2019, a desenvolver modificações inéditas, vigorando então a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoou a legislação penal e processual penal. Anteriormente à sua introdução, o Código Penal abarcava nada mais que duas opções de perdimento de bens em favor da União: o confisco simples e o confisco equivalente. O confisco alargado de bens nasce da lei 13.964/2019, que modifica o artigo 91-A, conforme descrito a seguir:
Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
Diante disso, percebe-se que a lógica está baseada na incompatibilidade da renda total analisada em oposição à renda declarada legalmente; logo, a existência dessa diferença dentro do contexto encontrado leva a inferir a prática de atividade ilícita, tendo como objetivo o esgotamento financeiro das organizações criminosas que apresentam tal divergência de renda (SORROCHI, 2021, p. 13).
Contudo, essa medida tomada pelo legislador trouxe inúmeros posicionamentos divergentes. Por um lado, é aceita como forma de combater crimes como o tráfico de drogas, tanto no âmbito nacional como internacional, crimes contra a ordem tributária, entre outros. No entanto, por outro lado, é suscitada a inconstitucionalidade desses institutos, alegando o confronto direto com princípios constitucionais, como exemplo com o direito à propriedade, a presunção de inocência, o princípio da individualização da pena, a função social e o direito à propriedade privada.
Conforme foi exposto anteriormente, o confisco era identificado a partir dos instrumentos e produtos do crime, bens ou valores questionáveis adquiridos mediante a prática do ilícito. Diante de tais acontecimentos, o ordenamento jurídico passou a atuar de maneira mais incisiva sobre o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, evidenciando a incongruência existente entre o enorme patrimônio auditado com o total dos seus rendimentos, mesmo ocorrendo a privação dos bens comprovados oriundos dos instrumentos ou produto do crime. Logo, com o objetivo de coibir estes eventos, o legislador acrescentou a lei nº 13.964/2019, visando atuar contra o enriquecimento ilícito, dando origem ao confisco alargado, firmado no Código Penal, artigo 91-A, caracterizando-se, assim, o modus operandi, in verbis:
Após a sentença condenatória de um crime, pode ser requerido o Confisco Ampliado, como forma de ampliar as consequências da condenação proferida, somente através de requisição da acusação (MP) a depender da Justiça onde tramita a ação penal, mediante a presunção da incompatibilidade do rendimento lícito do acusado comparado com seu patrimônio como um todo, devendo o juiz declarar na sentença, após acusação requerer, a diferença apurada especificando os bens, cuja perda foi decretada em favor da União (SORROCHI, JUS, 2020, p. 13).
Em virtude de tal fato, é percebida a existência da transposição do ônus da prova, ou seja, ficará a cargo do condenado tornar evidente por meio de provas que não existe a impossibilidade legal e lícita do patrimônio, infringindo o fundamento da presunção de inocência. O referido fundamento é conceituado no inciso LVII do artigo 5° da Constituição Federal, trazendo a asserção que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito julgado de sentença penal condenatória.”
Alega-se, assim, possível lesão à presunção da inocência, como também ao princípio da individualização da pena, cuja alegação consta na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.304, promovida pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM):
13- Aliás, cumpre destacar que a Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1.969 (Constituição de 1.969), em art. 153, § 11, destacava expressamente que: “Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco”. Veja-se, Excelências, que aquela Constituição dos denominados “anos de chumbo”, não apenas consagrou a proibição do confisco, mas também o equiparou, em termos de danosidade social e importância, entre os direitos e garantias fundamentais, a “pena de morte, de prisão perpétua, de banimento”! Essa garantia de “proibição ao confisco” integra-se ao consagrado princípio da personalidade da pena, igualmente assegurado na atual Constituição Federal (art. 5°, XLV), somando-se à garantia da função social da propriedade (art. 5, XXIII), todos princípios que se complementam e completam a proibição da pena de confisco, ainda que transvestido em outros institutos jurídicos, v. g., “efeitos da condenação” ou “perda de bens”. A pena não pode passar da pessoa do condenado!” (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, 2020, p. 10-11)
Tornando o entendimento mais claro e objetivo, pontua Masson (2019, p. 718), a respeito do artigo 91-A §1°: “o patrimônio do condenado, para fins do confisco alargado, é composto por todos os bens de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto.”
Por conseguinte, a ABRACRIM, frente à ADIN 6.034, menciona inconstitucionalidades, nos seguintes termos:
9- Nessa oportunidade, isoladamente, levantamos doutrinariamente essa acanhada inconstitucionalidade em uma monografia (Penas alternativas) 1, no âmbito acadêmico, abordando as então denominadas “novas penas alternativas”. Agora, no entanto, com mais desenvoltura, parece que o legislador contemporâneo e com a Lei 13.964/19, “perdeu a modéstia”, parodiando, de certa forma, Nelson Rodrigues, criou uma inconstitucionalidade absurdamente grave, nunca dantes experimentada nesta maltratada República latino-americana. Na verdade, a pretexto de alterar alguns dispositivos do Código Penal, além de outros diplomas legais, o legislador desrespeita a carta constitucional, invade a privacidade dos cidadãos, viola garantias constitucionais, inclusive o sigilo bancário-financeiro e, sem causa justa, chafurda a vida pregressa, revolve as declarações de imposto de renda, cria o mais escancarado e ilegal “confisco de bens e valores” do cidadão, procurando acobertá-lo sob a denominação de “efeitos da condenação”, mesmo sem qualquer vínculo com determinada infração penal específica, que porventura alguém possa ser condenado. Em outros termos, usa eventual condenação por qualquer crime, como desculpa, para realizar as invasões e violações supra referidas injustificadamente inclusive incorrendo em constitucionalidade como estamos demonstrando. (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, 2020, p. 8-9).
O ponto principal da pena de confisco ampliado seria impactar a força econômica existente nas grandes facções, objetivando abalar a potência de uma organização criminosa. Consequentemente, indo além das condenações dos criminosos com penas privativas de liberdade.
Mediante o exposto, evidenciam-se pontos de divergência entre o confisco alargado de bens como instrumento de combate às organizações criminosas e as garantias constitucionais vigentes. Evidencia-se a existência de outro fundamento infringido por esta regulamentação, presente na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, incisos XXII e XXIII, que trazem a garantia do direito de propriedade, devendo cumprir esta a sua função social. Alega-se que no contexto onde os bens não estão sendo utilizados de forma desonesta e delituosa contra terceiros ou instituições, não há aplicação de justa causa para o uso do confisco alargado, segundo a ABRACRIM documenta na ADIN 6.304, in verbis:
19- O que desatende efetivamente essa função social é o abandono, o mau uso ou desuso da propriedade ou mesmo o seu uso para fins criminosos. Nesses casos, como ocorre, por exemplo, nos casos de crime de trabalho escravo ou tráfico de entorpecentes, observando-se adequada e comprovadamente o uso da propriedade como meio para a prática do crime pode ser sequestrada. 20- Enfim, o constituinte brasileiro de 1988 tergiversou nesse tema e autorizou a “perda de bens”, ou seja, não se omitiu e instituiu mais uma “fonte de arrecadação”, despreocupando-se com o mau uso que o legislador convencional poderia fazer e está fazendo, ou seja, usando a locução “perda de bens” para realizar verdadeiros confiscos, sem causa, como acaba de fazer. Nesses casos, considerando “efeitos da condenação”, por vezes, o legislador infraconstitucional descuida-se e ultrapassa o limite do permitido, do razoável e, não raramente, ultrapassa as barreiras do constitucionalmente permitido, prejudicando os cidadãos contribuintes, desnecessariamente, caracterizando verdadeiros confiscos, ainda que com roupagem de legalidade.” (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, 2020, p. 12-13)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ações de coibição e de repressão aos atos das organizações criminosas não acompanham a evolução dos meios utilizados por elas, como, por exemplo, a evolução tecnológica, apresentando empecilhos ao seu combate por parte do Estado.
É possível inferir que a criatividade do crime organizado parece não ter fim, haja vista as diversas formas de burlar os mecanismos que visam coibir a criminalidade. O subdesenvolvimento de algumas nações, aliado à desigualdade social, aos baixos investimentos em educação e à escassa oferta de empregos, corroboram com a migração de inteligência para a prática criminal.
Nesse contexto, o instituto do confisco alargado se estabilizou conforme diretrizes da sociedade internacional, visando instituir meios de persecução patrimonial como forma de conter ações criminosas lucrativas.
A implantação do confisco alargado deve atentar às normatizações internacionais, de modo que os confiscos previstos em cada Estado sejam os mais semelhantes possíveis, para permitir a cooperação internacional e a incidência sobre bens e valores, que, na maioria dos casos, são transportados e ocultados em outros países.
De tal maneira, faz-se imprescindível investigar o modus operandi utilizado pelas organizações criminosas, para a compreensão de tais condutas, proporcionando o planejamento, atuação e enfrentamento assertivo, quebrando a cadeia de crimes e a hierarquia dessas organizações.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito Penal da Universidade Federal do Tocantins. Professor Adjunto de Direito Penal da Universidade Estadual do Tocantins. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Coordenador e Professor da Especialização em Ciências Criminais da UFT. E-mail: [email protected]
Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), Câmpus Palmas/TO. Gestor em Agronegócio pelo Instituto Federal do Tocantins (IFTO). 2º Sargento da Polícia Militar do Estado do Tocantins. Operador Aerotático. E-mail:[email protected]
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