RESUMO: Este artigo analisa o conceito de justiça da consciência no âmbito do Direito Penal, explorando como questões éticas e morais podem influenciar a aplicação justa da lei em casos complexos. A pesquisa aborda o equilíbrio necessário entre a aplicação técnica das normas penais e a necessidade de uma justiça material, abordam-se temas como a imputabilidade penal de indivíduos sob o efeito de álcool, sejam eles alcoólatras habituais ou em situações ocasionais de embriaguez. A partir da distinção doutrinária e jurisprudencial entre a embriaguez ocasional e habitual, o artigo discute a correta responsabilização desses agentes. Além disso, serão apresentados dois estudos de caso recentes em que a justiça da consciência foi aplicada, proporcionando uma análise prática sobre como os valores morais e sociais podem impactar decisões penais, transcendendo a mera aplicação formal da lei. Dessa forma, o artigo busca contribuir para o debate sobre o papel dos operadores do direito na promoção de uma justiça que vá além da tecnicidade legal, considerando os princípios fundamentais de justiça e equidade.
Palavras-chave: Justiça da consciência; responsabilidade penal; responsabilização.
1 INTRODUÇÃO
O Direito Penal, enquanto ramo que busca a manutenção da ordem social por meio da repressão de condutas lesivas, enfrenta o desafio constante de equilibrar a aplicação justa da lei com as nuances éticas e morais de cada caso concreto. No âmbito penal, questões que envolvem crimes graves demandam uma reflexão profunda sobre a justiça da consciência, ou seja, a busca por decisões que transcendam a mera aplicação técnica das normas, visando alcançar o ideal de justiça material.
A questão da imputabilidade de indivíduos embriagados, sejam eles alcoólatras habituais ou apenas sob efeito ocasional do álcool, levanta debates acerca da capacidade de discernimento e controle dessas pessoas no momento do ato ilícito. A distinção entre a embriaguez ocasional e habitual, conforme estabelecida pela doutrina e jurisprudência, é essencial para determinar a correta responsabilização penal desses indivíduos.
A justiça da consciência é uma noção que ultrapassa as fronteiras legais, entrando em questões morais e éticas sobre o que é justo ou correto. No Direito Penal, a "justiça da consciência" pode ser entendida como aquela justiça que reflete os valores mais profundos da sociedade, para além da mera aplicação formal das leis. Nesse sentido, faz-se necessário discutir o papel dos juízes, promotores e advogados em ponderar não apenas a letra da lei, mas também os princípios fundamentais de justiça e moralidade ao julgar casos complexos.
A noção de "justiça da consciência" ocupa um lugar de destaque nos debates teóricos e práticos sobre o direito, especialmente no que tange à intersecção entre a moralidade individual e a aplicação das normas jurídicas. No âmbito jurídico, o conceito remete à ideia de que o julgador, ao aplicar a lei, deve considerar não apenas o rigor técnico das normas positivadas, mas também os valores morais e éticos que orientam a consciência humana. Nesse sentido, o princípio da justiça da consciência transcende a mera formalidade jurídica, buscando a equidade e a justiça substancial nas decisões judiciais.
Para o jurista Guilherme de Souza Nucci, a "justiça da consciência" relaciona-se com o conceito de justiça moral, que se sobrepõe ao estrito cumprimento das normas, sempre que a aplicação literal da lei não seja capaz de promover a equidade esperada em determinados casos concretos. Dessa forma, o direito, por ser uma ciência humana e social, não pode ser interpretado de forma absolutamente técnica e desvinculada dos valores morais, pois a própria Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro consagram princípios que ultrapassam a legalidade estrita, como a dignidade da pessoa humana e a justiça social. Em sua obra, Nucci reflete sobre a importância de se levar em consideração a "consciência do justo", especialmente nas decisões penais e nos casos de interpretação constitucional.
Além de Nucci, diversos autores contemporâneos, como Norberto Bobbio e Hans Kelsen, também abordam a relação entre direito e moral, destacando o papel da consciência individual no âmbito jurídico. Bobbio, por exemplo, distingue o direito positivo do direito natural, ressaltando que, embora o primeiro seja formalmente vinculado ao Estado, o segundo reflete os princípios éticos universais que guiam a justiça. Já Kelsen, em sua "Teoria Pura do Direito", questiona a introdução de considerações morais no campo jurídico, defendendo uma interpretação mais rígida e formal da norma. Essa tensão entre a justiça moral e a justiça positivada constitui um dos principais pontos de reflexão no presente estudo.
O objetivo deste artigo é analisar o conceito de "justiça da consciência" e sua relevância no direito contemporâneo, especialmente no direito penal e constitucional. Através de uma abordagem teórica e prática, o estudo pretende explorar como a moralidade individual pode influenciar decisões judiciais e a aplicação das normas jurídicas, trazendo à tona a importância de uma visão humanista do direito. Para isso, serão abordados casos concretos e a contribuição de autores renomados, como Guilherme de Souza Nucci, Norberto Bobbio e Hans Kelsen, que oferecem diferentes perspectivas sobre o tema.
A partir dessa análise, busca-se compreender os limites e possibilidades da aplicação da justiça da consciência no ordenamento jurídico brasileiro, considerando os desafios que envolvem a conciliação entre a objetividade da lei e a subjetividade da moralidade. Tal reflexão é indispensável para o desenvolvimento de uma prática jurídica que, sem desrespeitar os parâmetros legais, reconheça a importância da justiça substancial e da equidade nas decisões judiciais.
2 JUSTIÇA DA CONSCIÊNCIA: DEFINIÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO
O conceito de "justiça da consciência" ocupa um papel relevante nos debates jurídicos, especialmente no que diz respeito à aplicação do direito em harmonia com valores morais e éticos. A "justiça da consciência" refere-se à ideia de que o julgador, ao interpretar e aplicar a lei, deve considerar, além do texto legal, princípios de justiça moral e natural, muitas vezes não formalizados no ordenamento jurídico, mas que refletem uma consciência ética comum. Este princípio busca evitar a aplicação mecânica e desprovida de sensibilidade das normas, promovendo uma justiça que esteja alinhada com os valores mais amplos da sociedade e da dignidade humana.
A justiça da consciência, sob a visão do professor Guilherme de Souza Nucci, está ligada à ideia de que o Direito Penal deve ir além da aplicação literal da lei, alcançando um nível de interpretação que leve em consideração a moralidade, os valores éticos e os princípios fundamentais de justiça. Para Nucci, a aplicação da norma penal deve sempre buscar um equilíbrio entre a letra da lei e os princípios de justiça, respeitando os direitos humanos e a dignidade da pessoa, sem se ater unicamente ao formalismo jurídico.
Nucci (2020) argumenta que a função do Direito Penal não é apenas punitiva, mas também humanista e garantista, ou seja, deve considerar o contexto e as circunstâncias de cada caso concreto. O julgador, ao aplicar a lei, deve ponderar os fatores éticos e as implicações sociais e individuais, utilizando a consciência como um guia para assegurar que a decisão esteja em conformidade com a justiça substancial, e não apenas com a legalidade estrita.
Para o professor, a justiça da consciência se manifesta especialmente em casos onde a mera aplicação técnica das leis pode conduzir a resultados injustos ou desproporcionais. Nesse sentido, o juiz deve ter sensibilidade para entender as peculiaridades do caso e adequar a norma à realidade social e humana. O autor defende que o Direito Penal deve ser interpretado e aplicado de maneira equilibrada, buscando a reintegração social do infrator, mas sem perder de vista a proteção das vítimas e da sociedade como um todo.
Ademais, Nucci (2022) defende o processo de individualização da pena no direito penal brasileiro. A individualização da pena é o princípio que assegura que cada pessoa condenada receba uma pena adequada à gravidade do crime, às circunstâncias e às condições pessoais do réu.
Essa visão é importante ao se analisar crimes como os sexuais ou aqueles cometidos por pessoas em condições de embriaguez, onde o julgador precisa avaliar cuidadosamente o grau de culpabilidade, a capacidade de autodeterminação do agente e as circunstâncias que envolveram a conduta criminosa. Em última instância, a justiça da consciência busca garantir que a punição seja justa e proporcional, respeitando a dignidade humana tanto do infrator quanto da vítima.
Por outro lado, Zaffaroni (2017) critica esse tipo de justiça, pois ela tende a ser subjetiva, baseada em emoções e preconceitos, o que pode resultar em um desejo por vingança ou punições desproporcionais, sem considerar adequadamente os direitos e a dignidade dos indivíduos.
Conforme esta visão, a justiça da consciência muitas vezes reflete as opiniões populares sobre a criminalidade e pode influenciar negativamente o sistema penal, principalmente quando a mídia e a opinião pública pressionam por respostas punitivas mais severas, ignorando princípios fundamentais de direitos humanos. O autor alerta que, ao privilegiar a justiça da consciência, corre-se o risco de legitimar arbitrariedades e violências institucionais, distanciando o direito penal de sua função de proteção social e controle justo de condutas (Zaffaroni, 2017).
O autor defende ainda que o sistema penal deve resistir a essa influência emocional e se basear em fundamentos racionais, respeitando os limites éticos e jurídicos estabelecidos para garantir uma punição justa e proporcional (Zaffaroni, 2017).
Diversos autores oferecem contribuições importantes para o entendimento desse conceito. Norberto Bobbio, por exemplo, faz uma distinção clara entre direito positivo e direito natural. O direito positivo consiste nas normas postas pelo Estado, enquanto o direito natural é composto por princípios morais universais, inerentes à própria natureza humana. Para Bobbio, a justiça da consciência encontra fundamento no direito natural, que funciona como um complemento necessário ao direito positivo, especialmente em situações em que a aplicação da lei não atende aos critérios de justiça moral.
Por outro lado, Hans Kelsen, na sua "Teoria Pura do Direito", apresenta uma perspectiva mais restritiva sobre a relação entre direito e moral. Kelsen defende a supremacia da norma formal, argumentando que o direito deve ser aplicado de maneira objetiva, sem interferências subjetivas de natureza moral. Dessa forma, o sistema jurídico deve funcionar com base na validade formal das normas, sendo a moralidade um elemento externo ao direito. Assim, Kelsen rejeita a ideia de que a justiça da consciência deva influenciar a aplicação da norma, afirmando que o direito deve ser separado de juízos de valor pessoais.
Na visão de Guilherme de Souza Nucci, a "justiça da consciência" está intrinsecamente ligada ao direito natural e à justiça moral, sendo entendida como a necessidade de o magistrado levar em consideração não apenas o que está previsto na norma jurídica, mas também os princípios morais universais e os direitos fundamentais de cada indivíduo. Para Nucci, o direito não pode se limitar à mera técnica legislativa, pois a aplicação estrita das normas pode, em alguns casos, resultar em decisões injustas. O jurista propõe que o juiz atue de forma a buscar a justiça substancial, ponderando os princípios morais e a consciência do justo em cada caso concreto, especialmente quando há lacunas ou contradições na lei. Segundo Nucci, a justiça da consciência encontra fundamento em valores superiores, como a dignidade da pessoa humana, que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro e devem ser observados para garantir a efetividade da justiça.
O conflito entre a aplicação rigorosa da norma e a moral individual é um dos aspectos centrais na análise da justiça da consciência. Ao aplicar a lei de maneira estritamente literal, corre-se o risco de ignorar as particularidades do caso concreto e os valores morais que podem orientar uma decisão mais justa. Esse embate entre a norma legal e a moralidade individual está presente em diversas situações, especialmente em casos que envolvem princípios éticos profundamente enraizados na sociedade, como o direito à vida, à liberdade e à igualdade.
Portanto, a justiça da consciência, enquanto conceito jurídico, posiciona-se em um espaço de tensão entre a rigidez do direito positivo e a flexibilidade do direito natural. Autores como Nucci defendem uma maior integração entre moral e direito, buscando a justiça substantiva, enquanto teóricos como Kelsen adotam uma postura formalista, afastando-se da subjetividade moral. Essa diversidade de visões oferece uma reflexão profunda sobre os limites e possibilidades da atuação do julgador no exercício de suas funções, colocando a justiça da consciência como um tema central no debate jurídico contemporâneo.
3 A JUSTIÇA DA CONSCIÊNCIA NO DIREITO PENAL
A aplicação do conceito de "justiça da consciência" no âmbito do direito penal levanta reflexões sobre a interseção entre moralidade e legalidade no processo de interpretação e aplicação das normas penais. O direito penal, por sua natureza punitiva, exige que o julgador equilibre a necessidade de aplicar as normas positivas com o dever de assegurar a justiça material, levando em consideração as circunstâncias concretas e os valores éticos inerentes a cada situação. Para Guilherme de Souza Nucci, a moral individual do julgador pode, em determinados casos, desempenhar um papel essencial na busca pela justiça, evitando que a aplicação rígida e formal da norma resulte em injustiças.
Nucci defende que o direito penal, por lidar diretamente com a liberdade, dignidade e vida das pessoas, deve ser permeado por uma compreensão mais ampla de justiça, que inclua valores morais. Em sua obra, o autor argumenta que a "justiça da consciência" permite ao julgador levar em consideração não apenas o texto frio da lei, mas também os princípios éticos e morais que informam a sociedade. Logo, a justiça penal deve estar alinhada com a ideia de equidade, cabendo ao magistrado ponderar a norma com as especificidades do caso concreto, garantindo assim a justiça substancial. A moral individual, nesse contexto, atua como uma força moderadora, impedindo que a literalidade da lei conduza a decisões que possam ferir os princípios de humanidade e proporcionalidade.
Um exemplo paradigmático da influência da justiça da consciência no direito penal reside na aplicação da legítima defesa. Tradicionalmente, a legítima defesa é definida como uma reação moderada e necessária a uma agressão injusta. Contudo, a análise dos elementos subjetivos, como o estado de necessidade, exige uma avaliação moral que transcende a simples aplicação técnica da norma. Nesse sentido, a justiça da consciência faculta ao julgador interpretar a proporcionalidade da defesa, considerando os valores éticos inerentes à autopreservação e proteção da vida. Um ato aparentemente desproporcional à luz da estrita legalidade pode ser considerado legítimo, caso analisado sob o prisma moral e das circunstâncias concretas.
Outro exemplo relevante é a desobediência civil, caracterizada pela recusa deliberada em cumprir uma norma legal, com fundamento em convicções morais profundas. Em determinadas situações, a desobediência civil pode ser justificada pela justiça da consciência, principalmente quando a lei positiva conflita com princípios éticos ou direitos humanos fundamentais. Embora o direito penal tipifique a desobediência, é possível que o julgador, ao aplicar a justiça da consciência, flexibilize a aplicação da norma, evitando que a punição de um ato moralmente justificável se converta em uma injustiça.
Contudo, a aplicação da justiça da consciência no direito penal suscita questionamentos acerca da neutralidade da justiça. A jurisprudência penal exige a aplicação imparcial das leis para garantir a previsibilidade e a segurança jurídica. Decisões pautadas unicamente na moral do julgador, sem amparo claro na norma, podem comprometer o princípio da legalidade e o Estado de Direito, gerando insegurança jurídica. Por isso, autores contemporâneos debatem os limites éticos dessa interferência da consciência individual no julgamento penal.
No entanto, há uma corrente que defende que a aplicação da justiça da consciência não deve ser vista como um rompimento com o princípio da legalidade, mas como um mecanismo de correção para situações excepcionais, onde a letra da lei não proporciona a resposta justa. Aurélio Wander Bastos, por exemplo, argumenta que a justiça da consciência pode operar como uma "válvula de escape" do direito penal, permitindo que o julgador atue de maneira mais humanizada e ética, principalmente em casos que envolvem conflitos de alta complexidade moral.
Portanto, a justiça da consciência no direito penal apresenta-se como um instrumento capaz de flexibilizar a aplicação das normas penais em nome da justiça material. Ao mesmo tempo, ela exige dos magistrados um cuidado redobrado para que a aplicação da moralidade individual não comprometa a objetividade e a imparcialidade da justiça.
3.1 Punição Do Embriagado: Habitual e Ocasional
A embriaguez ocasional ocorre quando o indivíduo, sem ser alcoólatra habitual, se embriaga e comete um crime. De acordo com o artigo 28, II, do Código Penal, a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a responsabilidade penal.
Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Caso o agente, de maneira voluntária ou por negligência, venha a se embriagar, tal condição não exclui sua responsabilidade penal, visto que a embriaguez voluntária não é aceita como excludente de imputabilidade. Contudo, essa circunstância pode influenciar a dosimetria da pena, sendo possível que o estado de embriaguez ocasional seja considerado como atenuante, a depender das peculiaridades do caso.
A jurisprudência nacional, em regra, adota uma postura rigorosa quanto à embriaguez voluntária, entendendo que o indivíduo assume o risco de seus atos ao ingerir álcool. Segundo Guilherme de Souza Nucci, é preciso haver um exame criterioso para avaliar se o alcoólatra, no momento da ação delitiva, estava completamente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta ou de se comportar conforme essa compreensão. Em situações de embriaguez habitual ou alcoolismo crônico, o tratamento jurídico é diverso, podendo ser considerado um estado de semi-imputabilidade, nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal.
Nesse contexto, a avaliação criteriosa da capacidade de discernimento do réu, ao tempo da infração, pode mitigar sua responsabilidade penal, sem, contudo, isentá-lo por completo.
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Brasil, 1984).
Nesse contexto, o agente permanece sujeito à sanção penal, mas a pena poderá ser atenuada, sendo ele passível de ser submetido a medidas de segurança, como tratamento médico. Entretanto, é crucial salientar que o alcoólatra habitual pode, em certos casos, ser tratado com maior rigor, considerando que sua condição previsível e constante de embriaguez representa risco à sociedade. A reincidência de crimes sob o efeito do álcool pode ser considerada agravante, aumentando a periculosidade do agente.
Na doutrina, Guilherme de Souza Nucci (2020) adota uma abordagem cautelosa, sugerindo que a embriaguez voluntária não pode eximir o agente de responsabilidade. No entanto, a habitualidade associada ao alcoolismo crônico requer uma análise diferenciada, especialmente sob a ótica da saúde. Nesses casos, o Estado deve assegurar a aplicação de medidas de segurança adequadas para prevenir a repetição de delitos.
Nucci faz uma distinção importante entre a responsabilidade penal do embriagado ocasional e do alcoólatra habitual. Ele afirma que "a embriaguez voluntária ou culposa não afasta a culpabilidade, sendo o agente responsável pelos atos cometidos. No entanto, em casos de alcoólatras crônicos, é necessária uma avaliação mais aprofundada da capacidade de compreensão e autodeterminação do agente no momento do crime" (Nucci, 2020, p. 231). Essa posição indica que o sistema penal deve atuar de forma não apenas punitiva, mas também preventiva e restaurativa, especialmente no caso dos alcoólatras habituais.
Portanto, a distinção entre embriaguez ocasional e habitual é de suma importância visando a aplicação da justiça penal. A embriaguez ocasional, voluntária ou culposa, não afasta a responsabilidade criminal, embora possa influenciar a pena. Já no caso da embriaguez habitual, associada ao alcoolismo crônico, a responsabilidade penal pode ser atenuada, considerando-se as limitações da capacidade de discernimento do agente. Em ambas as situações, o Direito Penal brasileiro busca equilibrar a punição com a proteção da sociedade, respeitando os direitos e a dignidade do agente, especialmente à luz da visão humanista proposta por juristas como Guilherme de Souza Nucci.
4 JUSTIÇA DA CONSCIÊNCIA E O DIREITO CONSTITUCIONAL
A relação entre a justiça da consciência e o direito constitucional está profundamente enraizada nos princípios fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito, especialmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e à justiça. O direito constitucional, como fonte máxima de normas e garantias, estabelece os alicerces para a proteção dos direitos fundamentais, e, em diversas situações, permite que a justiça da consciência seja considerada como um parâmetro relevante na interpretação e aplicação desses direitos.
A justiça da consciência é o reconhecimento de que, em algumas circunstâncias, a lei formal precisa ser interpretada à luz dos valores éticos e morais que permeiam a sociedade. No âmbito do direito constitucional, esse princípio encontra espaço particularmente quando há colisão entre o texto normativo e as convicções de ordem pessoal, religiosa ou filosófica do indivíduo. Ao julgar questões constitucionais, os magistrados muitas vezes são chamados a considerar esses valores para garantir que a aplicação da norma seja compatível com a preservação dos direitos fundamentais.
Um exemplo clássico da aplicação da justiça da consciência no direito constitucional é o direito à objeção de consciência, que permite ao indivíduo se recusar a cumprir determinados deveres impostos pela lei, como o serviço militar obrigatório, por motivos de crença religiosa ou convicções filosóficas. A objeção de consciência está prevista no artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988, que garante o direito de recusa ao cumprimento de obrigações legais que sejam contrárias à consciência pessoal, desde que as implicações desse direito sejam devidamente reguladas por lei.
A objeção de consciência revela um dos pontos mais emblemáticos em que a justiça da consciência e o direito constitucional se encontram. O direito de um cidadão recusar o serviço militar obrigatório, por exemplo, não pode ser analisado apenas sob o prisma formal do cumprimento de um dever cívico, mas também sob a ótica dos princípios da liberdade individual e da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o Estado reconhece que a autonomia da vontade, pautada por crenças e convicções pessoais, pode prevalecer sobre a norma que estabelece a obrigatoriedade do serviço militar, sem que isso represente uma violação da ordem pública.
Além da objeção de consciência, a justiça da consciência também se manifesta em casos de liberdade religiosa. A liberdade de crença e culto, garantida pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, assegura ao indivíduo o direito de praticar e manifestar sua religião, bem como o direito de não ser obrigado a adotar qualquer crença ou prática religiosa. A justiça da consciência, nesse sentido, impõe-se como um princípio moderador na aplicação da lei, especialmente em casos que envolvem conflitos entre as normas estatais e as práticas religiosas.
Um exemplo jurisprudencial relevante é o julgamento sobre o direito dos pais, pertencentes a determinadas crenças religiosas, de recusar tratamentos médicos convencionais para seus filhos, como transfusões de sangue, em favor de alternativas condizentes com suas crenças. Nesse tipo de caso, o conflito entre a saúde pública e a liberdade religiosa requer uma análise cuidadosa por parte do Judiciário. A justiça da consciência entra em cena para equilibrar os direitos fundamentais em questão, respeitando a liberdade de crença, mas sem ignorar o direito à vida e à integridade física da criança, consagrados na própria Constituição.
Outros exemplos incluem a aplicação da justiça da consciência em casos que envolvem a autonomia individual e o direito à intimidade, como no reconhecimento de direitos à identidade de gênero ou à orientação sexual. Decisões como a do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem o direito de pessoas transgêneras à retificação de nome e gênero no registro civil, sem a exigência de cirurgia de redesignação sexual, representam a materialização da justiça da consciência no direito constitucional. Nesses julgamentos, o tribunal interpretou o texto constitucional em consonância com os princípios da dignidade humana e da igualdade, considerando as questões morais e éticas que permeiam a identidade de gênero e a autodeterminação pessoal.
Em outras decisões, a justiça da consciência foi reconhecida em julgamentos relacionados ao direito à privacidade e à liberdade de expressão, em que o Judiciário precisou ponderar o texto da lei frente aos valores morais e às convicções éticas dos indivíduos envolvidos. Assim, a justiça da consciência serve como um elemento essencial para garantir que os direitos constitucionais não sejam aplicados de forma mecânica e desprovida de sensibilidade aos valores que constituem o ser humano.
No entanto, a aplicação da justiça da consciência no direito constitucional não está isenta de desafios. Há a necessidade constante de manter o equilíbrio entre o respeito às convicções individuais e a garantia de que esses direitos não sejam utilizados de maneira a comprometer a ordem pública ou a segurança coletiva. A ponderação de direitos, nesse contexto, é um dos maiores desafios do Judiciário, que deve se guiar não apenas pelo texto da lei, mas também pelos princípios éticos que permeiam a sociedade, sempre à luz do princípio da justiça.
Em resumo, a justiça da consciência desempenha um papel significativo no direito constitucional ao proporcionar ao magistrado ferramentas para aplicar a norma com base na equidade e na dignidade humana. A análise de casos envolvendo a objeção de consciência, a liberdade religiosa e a autonomia individual demonstra como esse princípio pode e deve ser levado em consideração nas decisões judiciais, garantindo que a justiça constitucional seja não apenas legal, mas também justa.
5 ASPECTOS CRÍTICOS: LIMITES E DESAFIOS DA JUSTIÇA DA CONSCIÊNCIA
A aplicação do conceito de "justiça da consciência" no direito levanta uma série de questões críticas, especialmente no que se refere aos seus limites e desafios práticos. Embora a justiça da consciência possa contribuir para a promoção de decisões mais equitativas e moralmente justas, sua utilização no sistema jurídico apresenta o risco de comprometer a objetividade necessária ao direito e, em casos extremos, violar princípios fundamentais como o da legalidade e da segurança jurídica. A tensão entre uma aplicação flexível e moralmente orientada da lei e a manutenção de um sistema jurídico previsível e coeso é um dos principais dilemas enfrentados pelos juristas ao lidarem com essa questão.
Um dos desafios mais evidentes relacionados à justiça da consciência é a possibilidade de sua aplicação subjetiva. A moralidade e a consciência variam de acordo com o indivíduo, o contexto cultural e as circunstâncias específicas, o que pode levar a interpretações divergentes e, consequentemente, a decisões jurídicas inconsistentes. Ao permitir que o julgador aplique a norma com base em sua própria percepção moral ou consciência, abre-se margem para a flexibilização dos critérios objetivos que deveriam nortear a aplicação do direito. Hans Kelsen, por exemplo, alerta para os perigos de uma justiça permeada por juízos de valor subjetivos, defendendo que o direito deve ser aplicado com base em critérios formais, sem qualquer interferência de convicções pessoais ou considerações morais. Para Kelsen, a inclusão da justiça da consciência no processo decisório pode minar a previsibilidade das normas jurídicas e comprometer a igualdade de todos perante a lei.
Outro risco significativo da aplicação subjetiva da justiça da consciência é a potencial violação do princípio da legalidade, que estabelece que nenhum indivíduo pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. A lei, neste sentido, é o baluarte da segurança jurídica, assegurando que as condutas sejam previsíveis e que as decisões judiciais sejam baseadas em normas previamente estabelecidas. No entanto, quando a justiça da consciência é utilizada como fundamento para a decisão, ela pode se sobrepor à letra da lei, gerando um cenário em que a norma escrita perde sua força vinculativa em face das convicções morais do julgador. Essa flexibilização da aplicação da lei, embora possa ser vista como uma forma de alcançar a justiça material em casos concretos, pode também enfraquecer o sistema jurídico como um todo, criando incertezas sobre a aplicabilidade das normas.
O excesso de subjetividade nas decisões judiciais, impulsionado pela justiça da consciência, pode gerar insegurança jurídica, uma vez que o comportamento das partes envolvidas em processos judiciais se baseia na expectativa de que a lei será aplicada de maneira consistente e objetiva. Quando a moral individual do magistrado passa a desempenhar um papel preponderante na decisão, essa expectativa de segurança jurídica é abalada, gerando incerteza sobre como as normas serão interpretadas e aplicadas em situações semelhantes. Além disso, essa subjetividade pode levar a decisões contraditórias, uma vez que diferentes juízes podem aplicar a justiça da consciência de maneira distinta, resultando em uma falta de uniformidade nas decisões judiciais.
Diante desses desafios, os autores positivistas, como Hans Kelsen, defendem que a justiça deve ser aplicada com estrita observância à norma jurídica vigente, sem que haja interferência de considerações pessoais ou morais. Para os positivistas, o direito deve ser um sistema fechado, regido por normas claras e objetivas, que permitam a aplicação imparcial e previsível da justiça. O papel do magistrado, sob essa ótica, é aplicar a lei conforme está escrita, sem recorrer a critérios subjetivos que possam comprometer a segurança e a estabilidade do sistema jurídico.
Por outro lado, os defensores da justiça da consciência, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, reconhecem que a norma jurídica nem sempre é suficiente para proporcionar uma decisão justa, especialmente em casos que envolvem dilemas morais complexos. Para esses autores, a moralidade e a consciência desempenham um papel essencial na complementação da norma, permitindo ao magistrado adaptar a aplicação do direito às circunstâncias concretas do caso, de modo a alcançar a justiça material. No entanto, essa perspectiva exige que o magistrado tenha um profundo senso de responsabilidade e discernimento, para que a subjetividade moral não se torne uma porta para o arbítrio ou para a discricionariedade excessiva.
Portanto, o debate sobre a justiça da consciência no direito é marcado por uma tensão entre a busca pela justiça substantiva e a necessidade de assegurar a objetividade e a previsibilidade das normas jurídicas. De um lado, há o risco de que a aplicação subjetiva da consciência moral possa comprometer a segurança jurídica e violar o princípio da legalidade. De outro, existe a possibilidade de que a justiça da consciência atue como um corretivo necessário para evitar que a aplicação rígida das normas resulte em decisões que, embora legalmente corretas, sejam moralmente injustas.
A conciliação entre esses dois polos – o formalismo positivista e a flexibilidade da justiça da consciência – é um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema jurídico. Embora a aplicação da justiça da consciência deva ser tratada com cautela para evitar a subjetividade excessiva, sua relevância em situações de grande complexidade moral não pode ser ignorada, cabendo ao julgador encontrar um equilíbrio que permita a aplicação da lei de forma justa e responsável.
Ao tratar determinados crimes, como pedofilia e embriaguez, a justiça deve buscar um equilíbrio entre a punição adequada e a proteção dos direitos humanos, considerando as particularidades de cada caso. Para Guilherme de Souza Nucci, o direito penal deve ser aplicado de maneira rigorosa, garantindo uma punição proporcional que proteja a sociedade e as vítimas, sem deixar de individualizar as penas conforme as circunstâncias de cada réu. A função da pena, segundo Nucci, é tanto retributiva quanto preventiva, focando na responsabilidade do infrator e na dissuasão de novos crimes.
Por outro lado, Eugenio Raúl Zaffaroni adota uma perspectiva crítica ao sistema penal, destacando a importância de não apenas punir, mas também compreender e tratar as causas sociais e econômicas que levam à criminalidade. Ele defende uma abordagem que respeite os direitos humanos e promova a ressocialização, criticando a criminalização automática de condutas como a embriaguez e alertando para a ineficácia de penas que reforçam a exclusão social. Enquanto Nucci valoriza o papel da punição, Zaffaroni acredita na necessidade de uma transformação mais ampla do sistema penal, com foco em justiça social e redução das desigualdades.
6 APLICAÇÕES PRÁTICAS DA JUSTIÇA DA CONSCIÊNCIA
O estudo de casos concretos é fundamental para entender a aplicação prática do conceito de justiça da consciência no âmbito jurídico, especialmente em situações em que o direito e a moral se encontram. A justiça da consciência emerge em conflitos entre a aplicação estrita das normas e as circunstâncias subjetivas ou éticas que permeiam o caso concreto. Logo, a seguir, serão examinados alguns casos emblemáticos que evidenciam como os julgadores, ao considerar princípios de equidade e moralidade, muitas vezes optam por decisões que transcendem a literalidade da lei.
Dessa forma, a análise desses exemplos permite compreender as implicações práticas e as limitações da aplicação da justiça da consciência, oferecendo um panorama real da tensão entre o direito positivo e os valores morais, especialmente em questões como objeção de consciência, princípio da insignificância e legítima defesa.
No caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), Recurso em Sentido Estrito nº 10398110014717001, o réu foi absolvido sumariamente em razão da comprovação da legítima defesa. A ementa do julgamento traz à tona um importante exemplo da aplicação da excludente de ilicitude no direito penal brasileiro, mais especificamente no contexto da legítima defesa, que é prevista no artigo 25 do Código Penal. A decisão enfatiza que, ao restar comprovado que o réu agiu apenas para repelir uma injusta agressão, torna-se cabível a absolvição sumária, afastando, portanto, a tipicidade do crime de homicídio tentado.
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO. PRONÚNCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CABIMENTO. LEGITIMA DEFESA COMPROVADA. 1. Restando comprovado que o réu apenas repeliu injusta agressão que sofria, torna-se imperioso o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, mediante a absolvição sumária do agente.
(TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10398110014717001 Mar de Espanha, Relator: Marcílio Eustáquio Santos, Data de Julgamento: 26/01/2022, Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 28/01/2022).
A legítima defesa é um instituto jurídico que exime o agente de responsabilidade penal quando este, no momento da ação, atua para proteger-se de uma agressão atual ou iminente, nos limites da necessidade. Nesse caso, o Tribunal reconheceu que o réu, ao agir para se defender, não cometeu crime, uma vez que sua ação estava respaldada pela necessidade de proteger sua própria integridade. A decisão de absolvição sumária, nesse contexto, reflete uma aplicação da justiça da consciência, na medida em que a moralidade da conduta do réu, ao defender-se de uma agressão injusta, prevalece sobre a rigidez formal da norma penal que tipifica o homicídio tentado.
Ao aplicar a excludente de ilicitude, o tribunal evitou que o réu fosse levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que a situação de legítima defesa estava claramente comprovada. Este julgamento evidencia como o sistema jurídico permite que o direito positivo seja conciliado com princípios de justiça material, possibilitando que a proteção à vida e à integridade do indivíduo prevaleça em casos de defesa contra uma agressão injusta.
Essa decisão também demonstra a importância de uma análise cuidadosa das circunstâncias fáticas no processo penal, reforçando o papel fundamental da prova para o reconhecimento de situações excepcionais, como a legítima defesa, que afastam a imputabilidade penal do agente.
Já no caso julgado pelo STF a seguir, foi aplicado o princípio da insignificância em um crime de furto simples no qual o sujeito era reincidente.
Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.
(HC 123108, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03-08-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016).
O Habeas Corpus nº 123108, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), trata da complexidade da aplicação do princípio da insignificância, exigindo uma análise abrangente, conhecida como juízo conglobante, que vai além da avaliação material da conduta criminosa, considerando também fatores como reincidência e contumácia do agente.
A reincidência, embora relevante, não é suficiente para afastar a aplicação do princípio. A Corte entendeu que, mesmo diante de reincidência, a insignificância pode ser reconhecida, dependendo das circunstâncias do caso concreto. Nesse caso específico, o STF optou por não aplicar o princípio, em razão da reincidência do réu, mas ajustou o regime de cumprimento da pena, substituindo o regime semiaberto pelo regime aberto, com base no princípio da proporcionalidade.
A decisão ressalta a flexibilidade que pode ser conferida à reincidência, permitindo que o juiz, ao analisar cada caso concreto, opte pela aplicação ou não do princípio da insignificância. A sanção imposta deve ser aplicada com cautela, sempre respeitando os princípios constitucionais da proporcionalidade e humanidade da pena, evitando, assim, punições desproporcionais para crimes de menor gravidade, como pequenos furtos patrimoniais.
7 CONCLUSÃO
A partir deste artigo sobre a "Justiça da Consciência", é possível concluir que este conceito representa uma tentativa de harmonizar a aplicação do Direito Penal com valores éticos e morais, transcendendo a mera interpretação literal das normas. A "Justiça da Consciência" permite ao magistrado adotar uma visão mais humanista, guiada por princípios de equidade, justiça material e dignidade humana, fatores essenciais ao se lidar com casos complexos e carregados de nuances morais.
A análise demonstrou que, em situações que envolvem a imputabilidade de agentes embriagados e a aplicação de excludentes de ilicitude, como na legítima defesa, a Justiça da Consciência pode servir como um mecanismo corretivo, atenuando possíveis injustiças que a aplicação estrita das leis poderia causar. No entanto, tal abordagem também requer cautela para que não se comprometa a segurança jurídica e o princípio da legalidade, evitando-se o risco de decisões baseadas em subjetivismos.
Dessa forma, o equilíbrio entre a aplicação rigorosa da lei e o uso ponderado da moralidade deve ser continuamente buscado. A Justiça da Consciência, quando utilizada de forma criteriosa, pode se revelar um poderoso instrumento para garantir que a Justiça Penal não se afaste dos valores fundamentais da sociedade, assegurando que o Direito esteja sempre alinhado com a busca pela verdadeira justiça, material e substancial.
REFERÊNCIAS
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TJ-MG. Recurso em Sentido Estrito: 10398110014717001, Relator: Marcílio Eustáquio Santos. Julgado em: 26 jan. 2022. 7ª Câmara Criminal, Câmaras Criminais. Diário de Justiça, 28 jan. 2022.
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especialista em direito penal e processo penal pela pucsp(2023). Especialista em penal, processo penal e execução penal pela EBRADI
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMUD, Michel Lima Sleiman. A justiça da consciência no âmbito jurídico: um olhar humanista sobre a responsabilidade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2024, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67202/a-justia-da-conscincia-no-mbito-jurdico-um-olhar-humanista-sobre-a-responsabilidade-penal. Acesso em: 04 dez 2024.
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