GILBERTO ANTONIO NEVES PEREIRA DA SILVA
(orientador)[1]2
RESUMO: O direito à vida é o direito fundamental e basilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo inerente ao ser humano. O princípio da dignidade da pessoa humana serve de apoio e interseção e, por isso, o nascituro recebe cada vez mais proteção jurídica com as garantias já consagradas na legislação pátria e com a tramitação do Projeto de Lei 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro. Porém, atualmente a prática punitiva do aborto tem sido cada vez mais escassa, sendo raros os casos em que ocorre a penalização do aborto através do Direito Penal. É nesse sentido que se move o presente trabalho, considerando que é importante trazer à baila as novas legislações e o que mudou acerca do assunto. Para o desenvolvimento do trabalho, fez-se crucial traçar propósitos a serem conquistados, e nessa perspectiva, foram construídos alguns objetivos, sendo um de caráter geral e três específicos, sendo que o principal consiste em analisar os preceitos constitucionais acerca do direito à vida em contrapartida com à legalização do aborto, considerando os casos de punibilidade da prática abortiva. A metodologia referiu-se a uma pesquisa bibliográfica, com o auxílio da leitura de legislações, jurisprudências, doutrinas e artigos, sendo suficiente para o alcance dos objetivos traçados. Logo, percebe-se que diante deste cenário, surge a grande dualidade vida x aborto, tornando-se dever de todo cidadão observar e questionar até onde o Estado irá permitir a flexibilização do aborto e garantir o direito à vida intrauterina.
Palavras-chave: Nascituro. Aborto. Direito à vida. Personalidade Jurídica.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho se mostra de fundamental relevância frente à temática do nascituro com tantos direitos pactuados no sistema jurídico atual, mas ao mesmo tempo não se vê a punibilidade da prática abortiva que ocorre diariamente no Brasil. Dessa forma, apresenta-se a dualidade: vida x aborto, sendo dois direitos que se opõem e, assim, apenas um deve prevalecer no caso concreto, restando ao sistema judiciário a resposta a esse questionamento.
Diante deste cenário, fora necessário discorrer sobre o conceito da palavra nascituro em seus aspectos biológicos, gramaticais e jurídicos. Da mesma forma, fez-se impetuoso esclarecer as teorias da personalidade mais relevantes para o ordenamento jurídico brasileiro.
Foi imprescindível também trazer a este trabalho comentários sobre Projeto de Lei 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro e as práticas de punibilidade abortiva bem como os casos em que o aborto não é penalizado e assim analisar preceitos constitucionais acerca do direito à vida em contrapartida com à legalização do aborto, considerando os casos de punibilidade da prática abortiva.
A metodologia assumida foi à pesquisa bibliográfica, explorando artigos e teses científicas, doutrinas e jurisprudências sobre o assunto, a legislação atual com atenção no Código Civil, Código Penal e Projeto de lei 478/2007, rede computadores. Todo esse vasto acervo de conteúdo para produzir um trabalho atual, esclarecedor e objetivo.
1.1 PROBLEMA NORTEADOR
A sociedade faz parte de um complexo de direitos, obrigações, relações sociais e religiosas, relações de trabalho e está completamente interligada com o Direito, partindo desta afirmação, tem-se a premissa de que as normas são frutos da sociedade. Por tal modo, necessita-se sancionar o que é de fundamental relevância para a organização e estrutura do Estado, e as garantias fundamentais de cada indivíduo.
Indiscutivelmente a vida é o bem jurídico mais relevante e dela deriva todos os direitos e garantias fundamentais, pois sem a vida não é possível o exercício dos demais direitos. Biologicamente, a vida se inicia da fecundação e, com a vida surge à possibilidade de exercício do direito primário, o próprio direito à vida. As jurisprudências do sistema judiciário brasileiro vem flexibilizando o direito à vida e enaltecendo o direito à liberdade da mulher acerca do direito de dispor do próprio corpo, sendo raros os casos de punibilidade do aborto provocado.
Neste sentido, apresenta-se como o problema a respectiva pergunta: Até onde se perfaz a garantia do direito à vida em relação aos direitos do nascituro e por qual motivo não se criminaliza mais rigorosamente o aborto?
1.2 HIPÓTESES
É visível que os Tribunais Superiores vêm se posicionando no sentido de cada vez mais dar reconhecimento de direitos ao nascituro, direitos estes consagrados e estabelecidos na legislação atual e nos recentes julgados. Contudo, tal tema está longe de ser pacífico, pois os entendimentos atuais sobre a prática abortiva, também tem caminhado para uma possível legalização/descriminalização do aborto, uma vez que não se vê a aplicação do artigo 124 e seguintes do Código Penal Brasileiro. Desta forma, é previsível um conflito de normas x jurisprudências, mais precisamente direito a vida x aborto. Somente assim, o Estado terá que se posicionar em relação a reconhecer e fazer garantir os direitos do nascituro ou então a legalizar o aborto, pois até o momento presente, o sistema judiciário brasileiro enfrenta essa dicotomia.
Dentro do contexto social tal temática remete ao estudo embasador das garantias fundamentais também relacionadas no art. 5º da Constituição Federal, que estão estritamente interligadas com o direito à vida dos seres humanos. Outro ponto relevante que vale destacar é o direito da personalidade, inerente ao direito civil que remete uma reflexão basilar para compreensão de tais concepções interligadas ao tema objeto deste projeto de pesquisa. Todo este contexto é relevante para o estudo e para compreensão do tema.
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo Primário
· Analisar os preceitos constitucionais acerca do direito à vida em contrapartida com à legalização do aborto, considerando os casos de punibilidade da prática abortiva.
1.3.2 Objetivos Secundários
· Examinar os pontos importantes do Projeto de Lei do Nascituro PL 478/2007 e as teorias mais relevantes sobre a aquisição de personalidade jurídica;
· Apontar os direitos já reconhecidos em lei e jurisprudências ao nascituro;
· Compreender os tipos de abortos legalizados no Brasil, os novos entendimentos sobre o aborto e suas consequências legais.
1.4 JUSTIFICATIVA
Por variadas vezes, ao aplicar uma norma jurídica, esta acaba por esbarrar com outras normas legais que, com o objetivo de proteger determinado bem jurídico, sacrifica-se outro bem juridicamente tutelado. Diante de um acontecimento assim, deve o legislador averiguar os valores em questão, e assim, escolher acerca da pertinência da norma jurídica.
O presente trabalho se mostra de fundamental relevância frente ao grande conflito acerca da flexibilização do direito constitucional de inviolabilidade do direito à vida e direitos do nascituro em contrapartida no que tange a descriminalização/legalização do aborto e os recentes julgados de todo o sistema judiciário brasileiro.
Tendo em vista que a sociedade atual vive um verdadeiro conflito de normas, ora revogando, ora sancionando, aparece à disputa: Nascituro X Aborto. Desta forma, é possível ver que o nascituro tem conquistado direitos antes nunca visto como direito a personalidade, dano moral em favor deste, direito a alimentos, direito a herança e tantos outros estabelecidos através de normas e jurisprudências.
Porém, ao mesmo tempo, não se é mais falado e pouco julgado crimes de aborto, mas não se encontra na não ocorrência da prática punitiva. A Carta Magna em seu artigo 5º caput afirma a igualdade de homens e mulheres perante a lei, sem qualquer diferença entres os mesmos, e garantindo a todos os residentes no País a inviolabilidade do direito à vida.
O Código Civil em seu artigo 2º dispõe que a lei protege os direitos do nascituro a partir da concepção. O Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua que tanto o adolescente como a criança tem tutela à saúde, à vida e alimentação, perante a eficácia de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas mínimas de existência.
Sendo assim, este trabalho busca contribuir levando conhecimento à sociedade dos direitos reconhecidos ao nascituro e os bem como os tipos de abortos legalizados e os novos entendimentos acerca deste assunto.
2 NASCITURO
O termo “bem jurídico” tem como conceito algo valioso que possa ser objeto de direito. Desta forma, o maior bem jurídico tutelado no ordenamento jurídico é a vida. Vida esta, estabelecida no artigo 5º da Constituição Federal de 1998 constituída como direito fundamental e cláusula pétrea, sendo repudiável qualquer ato que atente contra o referido dispositivo.
A abrangência sobre o assunto do nascituro é milenar e sempre foi objeto de atenção jurídica entre os Estados. A redação do Código Civil de 1916 sobre o início da personalidade jurídica é a mesma do Código Civil de 2002. Portanto, pode-se observar que, após quase um século, o Estado ainda prioriza resguardar os direitos do nascituro desde a concepção.
A palavra “vida” no dicionário significa propriedade que caracteriza os organismos cuja existência evolui do nascimento até a morte; para a biologia, o embrião configura um ser único com potencial genético de si mesmo, que não é pertencente nem ao pai, nem a mãe, sendo falsa a afirmação de que a vida do embrião ou do feto está atrelada a vida da mãe.
Os gametas humanos são as células reprodutivas dos indivíduos. O óvulo é a célula reprodutora feminina e o espermatozoide é a célula de reprodução masculina, quando ocorre o ato sexual, a vagina, o útero e o colo do útero são contraídos, ajudando na locomoção dos espermatozoides até o útero. A fecundação acontece nas trompas de falópio formando assim um ovo chamado zigoto.
Para melhor explicação de como ocorre à fecundação Vanderley e Santana (2015, p. 33) em sua doutrina abordam que:
O desenvolvimento embrionário inicia-se com a fecundação (ou fertilização), processo pelo qual os gametas masculino e feminino (espermatozoides e ovócitos, respectivamente), haploides, fundem-se, dando origem a um organismo unicelular diploide, o zigoto, com potencial genético de ambos os pais. Quando falamos de fertilização, lembramo-nos, principalmente, de que ela consiste da penetração no ovócito (óvulo) pelo espermatozoide e da anfimixia (união dos núcleos dos gametas). No entanto, a fecundação realiza duas atividades: a combinação dos genes paternos e maternos e a formação do novo indivíduo.
Para confirmar tal posicionamento, apresenta-se o projeto de lei (PL) 478/2007 conhecido como Estatuto do Nascituro que se encontra em fase de tramitação no Congresso Nacional brasileiro e tem como objetivo principal consolidar os direitos que já são previstos em normas constitucionais, infraconstitucionais e jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
O artigo 2º do PL 478/2007 estabelece um conceito jurídico ao nascituro, mas que já é consolidado na perspectiva biológica, afirmando que o nascituro é o ente humano concebido, mas não nascido. Esse artigo consagra em seu parágrafo único que também é nascituro o ser humano que é submetido à fertilização in vitro, à clonagem e outros meios de fertilização.
O artigo 3º do PL 478/2007 esclarece e toda qualquer dúvida que existe sobre qual tipo de teoria da personalidade é adotada no ordenamento jurídico. Consagra a teoria concepcionalista que será esplanada no próximo tópico, afirmando a personalidade jurídica do nascituro desde a concepção, buscando a tutela jurídica tanto cível quando penal, garantindo ao embrião todos os direitos da personalidade.
Após analisar o conceito de nascituro na esfera biológica, bem como a importância deste na esfera jurídica, e no final deste capítulo examinar os aspectos fundamentais do projeto de lei acima mencionado, torna-se necessário trazer ao presente trabalho as teorias existentes acerca desse assunto que serão vista no próximo capítulo.
3 TEORIAS DA PERSONALIDADE
De forma simples e objetiva, personalidade jurídica significa o marco jurídico em que determinado indivíduo começa a ser visto como pessoa, como um ser portador de direito. De uma forma exemplar, a personalidade civil seria um metal e os direitos e deveres seriam um ímã, automaticamente ligados uns aos outros. A partir do momento em que existe personalidade jurídica, também há direitos e obrigações.
Para entender melhor o conceito de personalidade jurídica Donizetti e Quintella (2017, p. 35) afirmam que:
O Direito somente admite que sejam titulares de direito os entes a que se atribui personalidade jurídica e que são, do ponto de vista jurídico, consideradas, portanto, pessoas. Pode-se conceituar personalidade jurídica como reconhecimento jurídico de que um ente pode ser sujeito de direitos.
A personalidade jurídica tem consequência importante dentro do direito, em razão de ser o início, o “nascimento” de determinada pessoa para a esfera jurídica. E em decorrência disso, acompanham todos os direitos e obrigações estabelecidos pela legislação. A partir do momento em que determinado indivíduo é considerado pessoa, este já adquire direitos da personalidade com efeito erga omnes.
É necessário para melhor compreensão, mencionar a diferença entre capacidade jurídica e personalidade jurídica. De acordo com Donizetti e Quintella (2017), a capacidade jurídica tem como conceito o atributo genérico para adquirir direitos na lei civil, sendo assim, a personalidade jurídica se tornaria completa com a capacidade jurídica.
A Teoria Natalista tem como marco principal o nascimento de todo indivíduo. Essa corrente afirma que toda pessoa adquire personalidade jurídica a partir do nascimento com vida. Dessa forma, surge a indagação de como seria possível constatar a possibilidade do nascimento com vida ou a morte pré-matura do feto, sendo este considerado natimorto.
Para resposta de tal questão, mostra-se imprescindível a realização do exame da docimasia hidrostática de Galeno, que tem por objetivo final averiguar se o bebê nasceu com vida ou não. Os pulmões do feto são colocados em um recipiente com água, se os pulmões flutuarem é porque este ser respirou e teve oxigênio, consequentemente nasceu com. Caso os pulmões não flutuem, não ocorreu respiração, portanto, o feto será considerado natimorto.
A Teoria Concepcionalista apadrinhada pela doutrina moderna é também o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que tem como norte a proteção da vida humana desde a concepção, perfazendo seus ideais expressamente na redação do artigo 2º do Código Civil.
A doutrinadora Maria Helena Diniz (2012) ainda divide essa teoria em duas esferas: material e formal. No âmbito material encontram-se todos os direitos relacionados à personalidade que seriam direito ao nome, imagem corpo, integridade física, integridade moral e psíquica. Todos eles seriam garantidos ao nascituro desde a concepção.
Já no campo patrimonial estariam os direitos patrimoniais que somente poderiam ser usufruídos e gozados a partir do nascimento com vida. A grande aceitação dessa teoria surge da natureza jurídica do nascituro, uma vez que este é considerado pessoa, não podendo ser admitido como objeto, obrigação, direito real ou patrimonial.
A Teoria Condicionalista, como o próprio nome já diz, afirma que há uma condição suspensiva para a aquisição da personalidade jurídica, que seria o nascimento com vida. Essa teoria reconhece os direitos inerentes ao nascituro, mas para concretizá-los seria necessário o nascimento com vida.
Por isso a teoria condicionalista é vista como “meio termo” entre as duas teorias acima citadas. O grande óbice deste pensamento doutrinário é que são colocados sob suspensão direitos existenciais inerentes a todo ser humano. O direito à vida é realocado a uma situação futura e incerta considerado como elemento acidental.
4 DIREITOS DO NASCITURO
Para o nascituro é concedido direito à alimentação e por se tratar de um assunto tão importante foi instituída a lei dos alimentos gravídicos, lei nº 11.804/08 que disciplina o direito à alimentação da mulher gestante para que o bebê seja capaz de nascer saudável e com vida, bem como algumas matérias como o prazo para apresentar resposta e sobre a instrução probatória.
O artigo 2º da lei em comento estabelece que o valor pecuniário não engloba somente sobre o alimento propriamente dito, mas também despesas com parto, assistência médica e psicológica, internação, exames caso seja necessário e quaisquer outras custas caso o juiz admita pertinente. Tudo isso para garantir que as duas vidas (nascituro e mulher) tenham uma gestação saudável.
O artigo 6º da referida lei dispõe que havendo indícios suficientes da paternidade, o juiz fixará os alimentos gravídicos até o nascimento da criança e serão automaticamente convertidos em pensão alimentícia após o nascimento. Não restam dúvidas de que o ordenamento jurídico pretende proteger não somente a vida extrauterina, mas intrauterina também.
Para Farias e Rosenvald (2015), existem algumas características próprias do direito à alimentação que são: o caráter personalíssimo, a irrenunciabilidade, a impenhorabilidade, a atualidade, a futuridade, a incompensabilidade, a não solidariedade da obrigação alimentícia e a possibilidade de convocação dos demais coobrigados.
O artigo 196 da Carta Magna de 1998 consagra que a saúde é direito e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Dessa forma, é do Estado o dever de garantir uma gestação saudável à mãe e ao nascituro.
O artigo 8º do ECA garante a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal. Também declara que a assistência psicológica por meio do poder público para que possa atender às necessidades da gestante.
Para Donizetti e Quintella (2017), em um sentido bem amplo, sucessão significa a transferência de determinada circunstância jurídica de uma pessoa para outra pessoa. E em um sentido mais restrito, sucessão tem como conceito a transmissão de determinados bens para outra pessoa, após a morte do titular dos bens transferidos.
Cabe ressaltar que apesar do nascituro ter legitimidade a sucessão, este será representado por seus pais, ou por curador especial, caso verifique-se alguma situação que impeça de os pais representá-lo. O representante legal administrará os bens com o devido zelo e boa-fé, realizando a prestação de contas até que seja adquirida a personalidade jurídica do nascituro.
Um valioso detalhe sobre sucessão é que mesmo os indivíduos não concebidos, chamados de concepturos, podem ser chamados à sucessão. Mas para ter direito à sucessão o embrião tem que ser concebido no prazo decadencial de dois anos a partir da data da abertura da sucessão.
Acerca do assunto pontuou o Ministro do Supremo Tribunal Federal:
O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ser ter uma vida digna quanto à subsistência. (MORAES, 2018, p. 74).
Corolário do direito à vida se apresenta o princípio da dignidade da pessoa humana, na maioria das vezes em que se consagra este princípio, refere-se ao ser humano com vida extrauterina. Mas há de se considerar que o nascituro sendo considerado pessoa, a este também, é garantido a dignidade da pessoa humana ainda no ventre de sua genitora.
Disposto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988, o referido princípio veda qualquer forma degradante, cruel e desumana para com o cidadão. Outrossim, de nada adiantaria um Estado ter como princípio norteador de todo o ordenamento jurídico a dignidade da pessoa humana, e ao mesmo tempo, não garantir este fundamento republicano ao ente concebido que está no ventre.
De tal modo há de se considerar que o aborto seria a pena de morte ao nascituro. Ainda não existe na legislação atual uma norma que permita uma pessoa decidir sobre a morte de outra. O nascituro é vida humana mesmo que ainda dentro do ventre e, portanto se este é pessoa, tem direito de viver, e ter uma vida digna como qualquer outra das 7 bilhões de pessoas que existem no mundo.
De acordo com Stolze e Gagliano (2018), o conceito de dano moral se refere a toda e qualquer dor psicológica causado por outrem e esta situação foi adotada pela Constituição Federal no artigo 5º, incisos V e X que garantiram a reparação proporcional a todo dano causado. Sendo assim rechaçada toda teoria de não-existência ou não-configuração do dano moral.
Estabelecido no artigo 186 do Código Civil, dano moral é considerado um ato ilícito cometido por quem realiza ação ou omissão voluntária prejudicando outrem. Dessa forma, tornou-se imprescindível trazer à baila a possibilidade de indenização por dano moral ao nascituro.
E assim, ao conceder a indenização de dano moral ao nascituro, configura o enaltecimento da Teoria Concepcionalista pondo a salvo os direitos, nestes casos direito ao dano moral, desde a concepção. Após analisar diversos direitos existentes, é crucial fazer uma releitura acerca da punibilidade da prática abortiva bem como a saúde pública no país.
5 PUNIBILIDADE DA PRÁTICA ABORTIVA
Para Greco (2017), o aborto possui duas subdivisões: natural ou espontâneo e provocado. O aborto natural ou espontâneo seria aquele que acontece independentemente da vontade da genitora, de forma que o próprio organismo rejeita o feto, ocorrendo assim a morte do nascituro. Já o aborto provocado acontece quando a gestante ou terceiro estimula por meio de remédios a expulsão do feto do próprio corpo da mãe.
A conduta delitiva do aborto está prescrita nos artigos 124 a 127 do Código Penal (CP) que serão vistos a seguir. O artigo 124 do CP pune a gestante que realiza aborto em si mesmo, tomando fármacos que provoquem a morte do feto. Os artigos 125 e 126 CP estabelecem a realização do aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante e com o consentimento, respectivamente.
O artigo 127 do CP indica as formas qualificadas que são acrescidas se resultarem à mãe lesão de natureza grave, e duplicadas se causarem a morte da mesma. Com esses artigos, pode-se analisar que a pena do aborto não compreende somente a gestante que motive tal ato, mas também a terceiro que exerça a prática criminosa.
Existem exceções da conduta punível do aborto previstas no artigo 128 do Código Penal. Atualmente, há três casos legais da extinção da punibilidade prática abortiva, ou seja, mesmo sendo típico não será punível. A primeira exceção é o aborto necessário caracterizado quando não existe outra forma de salvar a gestante. Desta forma, é preferível a vida da genitora e realizado o aborto.
A segunda exceção ocorre quando realizado o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, uma vez considerado um trauma para a pessoa que é acometida desse ato tão cruel. Sendo assim, o Estado permite que a cidadã que foi acometida desse ato criminoso decida por ter ou não um filho decorrente de tal situação.
A terceira exceção está prevista na ADPF 54 do Supremo Tribunal Federal, que define a possibilidade dos abortos praticados aos fetos anencefálicos. Tal decisão foi fundamentada no sentido de que permanecer com a gestação somente traria danos psicológicos e físicos para a gestante, pois apesar de a criança nascer, esta não sobreviveria por muito tempo.
É notável que quando o assunto é aborto, há um descaso frente à saúde pública no país. Até mesmo para o procedimento de abortos legalizados, encontra-se certo abandono para com a gestante que não tem ao menos sequer um tratamento com equipe psicológica antes e após a realização dessa cirurgia tão complicada.
Ao analisar a saúde pública, deve-se perceber que a maioria dos abortos provocados são resultados finais de uma grande sequência de lacunas na saúde, lacunas sociais e jurídicas. Não são raros os casos de adolescentes e adultos que adquirem doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez indesejada, por descuido de não usar métodos contraceptivos.
Devido a essa situação e a preocupação com o mínimo de dignidade para existência de uma família, o legislativo elaborou uma lei que trata sobre o planejamento familiar com intuito de garantir ao maior número de cidadãos uma organização sobre a regulação da fecundidade.
A lei nº 9.263/96 dispõe sobre o planejamento familiar, defendendo que é direito, de todo cidadão, o acesso à preparação sobre a quantidade da prole pelo genitor ou genitora. A referida legislação garante atividades básicas como assistência a concepção e contracepção, atenção voltada para as doenças sexualmente transmissíveis, cuidado com pré-natal, puerpério e segurança ao neonato.
Infelizmente, ainda falta efetividade desta legislação, um eficaz cumprimento do que é estabelecido na lei acima comentada, na Carta Magna e no Estatuto da Criança e do Adolescente por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dos Núcleos Ampliados de Saúde e de Família e Atenção Básica (NASF), capazes de melhorar a saúde pública em relação a casos abortivos no Brasil.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à vida pressupõe a existência de todos os outros direitos, sem dúvida alguma, não seria possível estabelecer proteção a nenhum outro sem antes existir vida humana. Como apresentado, a legislação não expõe um conceito certo, objetivo e determinado para o nascituro, ficando a cargo do aspecto biológico tal definição.
Com a possível aprovação do projeto de lei 478/2007 será rompida toda discriminação existente sobre a teoria da personalidade do nascituro. O referido PL determina que a pessoa humana tem a concepção como momento inicial de sua personalidade. Sendo assim, a consequência jurídica dessa teoria implica em trazer ao nascituro direitos e deveres civis previstos na legislação.
Com os recentes julgados, percebe-se que, cada vez mais, a jurisprudência vem consolidando direitos ao nascituro, como o nome, imagem, honra, direito ao dano moral, direito à representação, direito à saúde e alimentação. Com essa vastidão de garantias, o nascituro vem cada vez mais, igualando-se ao ser humano com vida, uma vez que a todos os cidadãos também são garantidos esses direitos.
Ademais, muito embora com as legislações previstas do Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 9.263/96, Código Penal, Constituição Federal, não é possível ainda observar de forma concreta a eficácia dessas normas. Existe um déficit efetivação no que tange ao Estado garantidor de direitos e protetor do bem jurídico tutelado.
Ocorre que milhares de abortos provocados acontecem ano após ano no Brasil, e atualmente não há a penalização desse crime como deveria acontecer, poucos são os casos que realmente chegam ao poder judiciário para processamento do delito.
Desta forma, é possível vislumbrar, de um lado o Estado, que protege o nascituro ao resguardar direitos desde a concepção, e de outro lado, o Estado que não pune o cidadão que pratica o ato criminal abortivo. Esses dois extremos são colocados na mesa do legislativo, e, da mesma forma, também surge a dualidade na norma jurídica.
O presente estudo retrata um tema que coloca o Estado e o poder judiciário em questionamento, pois existe, e está evidente a dualidade vida x aborto que se encontra a sociedade atual. Desta forma, o trabalho proposto teve como benefício levar conhecimento a sociedade frente a tema tão delicado, mas que necessita ser falado e interpretado.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código Civil. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm Acesso em 03 out. 2020.
BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso 05 nov. 2020.
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BRASIL. Lei Nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9263.htm. Acesso em: 05 nov 2020.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 29ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
DONIZETTI, E.; QUINTELLA F. Curso Didático de Direito Civil. 6ª edição revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Volume 6 Famílias. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2015.
GAGLIANO, P. Stolze.; FILHO, R. Pamplona. Manual de Direito Civil. 2ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte especial, volume II.14. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34ª edição. São Paulo: Atlas, 2018.
VANDERLEY, Carminda Sandra Brito Salmito e SANTANA Isabel Cristina Higino. Histologia e Embriologia Animal comparada. 2ª edição. Fortaleza: EdUECE, 2015.
[1] Professor-orientador do trabalho acadêmico do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, Lucas nataniel de sousa. Direito à vida: uma análise acerca dos direitos reconhecidos ao nascituro e os novos entendimentos sobre o aborto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58576/direito-vida-uma-anlise-acerca-dos-direitos-reconhecidos-ao-nascituro-e-os-novos-entendimentos-sobre-o-aborto. Acesso em: 23 dez 2024.
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