Resumo: Pensão avoenga é aquela prestada pelos avós quando os pais não são capazes de suprir tal obrigação em favor das crianças e adolescentes. Para que os avós sejam compelidos ao pagamento da pensão, os pais devem comprovar que não possuem meios de prover o sustento de seus filhos. A abordagem do tema justifica-se por sua relevância jurídica. O objetivo principal desse artigo é compreender se a prisão civil dos avós deve ser aplicada nos casos em que eles deixem de prestar alimentos aos netos. Sendo assim, será abordado o conceito de alimentos avoengos, as hipóteses legais previstas, a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei n° 10.741, de 01 de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso e, por fim, se os avós podem ser compelidos ao cumprimento da prisão civil na hipótese do não pagamento da pensão avoenga, visto que também são indivíduos vulneráveis que necessitam de proteção e atenção do Estado. Para a elaboração desse artigo foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa descritiva, realizando a investigação dos dados obtidos, por meio de revisão bibliográfica, descrevendo o objeto de estudo.
Palavras-chave: Alimentos avoengos. Solidariedade familiar. Direitos da criança e do adolescente. Direitos dos idosos.
Resumen: La pensión proporcionada por los abuelos es la que prestan ellos cuando los padres no pueden cumplir con esta obligación a favor de los niños y adolescentes. Para que los abuelos sean obligados a pagar la manutención de los nietos, los padres deben probar que no tienen los medios para mantener a sus hijos. El abordaje del tema se justifica por su relevancia jurídica. El objetivo principal de este artículo es comprender si la prisión civil de los abuelos debe aplicarse en los casos en que no proporcionen alimentos a sus nietos. Por ello, se abordará el concepto de alimentos avoengos, las hipótesis jurídicas previstas, la Ley n° 8.069, de 13 de julio de 1990 - Estatuto del Niño y del Adolescente, la Ley n° 10.741 Estatuto del Anciano y, finalmente, si los abuelos pueden ser obligados cumplir prisión civil en caso de falta de pago de la pensión proporcionada por los abuelos, ya que también son personas vulnerables que necesitan protección y atención del Estado. Para la elaboración de este artículo se utilizó la metodología de investigación cualitativa descriptiva, realizando la investigación de los datos obtenidos, a través de una revisión bibliográfica, describiendo el objeto de estudio.
Palabras-clave: Alimentos proporcionados por los abuelos. Solidaridad familiar. Derechos del niño y del adolescente. Derechos de los mayores.
1.Introdução
A pensão alimentícia avoenga é um direito das crianças e adolescentes que consiste na obrigação dos avós em suprir os alimentos quando os pais não possuem condições de arcar com tal responsabilidade. Trata-se de uma obrigação de natureza complementar e subsidiária, na qual os avós, como ascendentes mais próximos, são compelidos a fornecer alimentos aos netos.
De acordo com Gagliano (2018, p. 691), os alimentos “[...] significam o conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo, encontrando estabilidade nos princípios da dignidade da pessoa humana, e, principalmente, no da solidariedade familiar [...].”
O conceito citado acima, deixa explícito que o objetivo primordial dos alimentos é fornecer aos alimentandos mecanismos efetivos mínimos para a sua subsistência, por meio do princípio da solidariedade familiar, que impõe aos entes familiares mais próximos o dever de cooperação em relação àqueles que necessitam de amparo.
Segundo Maria Berenice Dias (2015):
“[...] A reciprocidade de obrigação alimentar entre pais e filhos (CF 229 e CC 1.696) é ônus que se estende a todos os ascendentes, recaindo sempre nos mais próximos. Se quem deve alimentos em primeiro lugar não puder suportar totalmente o encargo, são chamados a concorrer os parentes de grau imediato (CC 1.698). Assim, a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e, na ausência de condições de um ou ambos os genitores, transmite-se o encargo aos ascendentes, isto é, aos avós, parentes em grau imediato mais próximo. Os avós são chamados a atender a obrigação própria decorrente do vínculo de parentesco, tratando-se de obrigação sucessiva, subsidiária e complementar. Em face da irrepetibilidade dos alimentos, é necessária a prova da incapacidade, ou da reduzida capacidade do genitor de cumprir com a obrigação em relação à prole.’’ (DIAS, 2015. Manual de Direito das Famílias, ed. 10°, p. 588).
Diante do exposto, o ônus da prestação alimentar somente será transmitido aos avós caso tenham se esgotado as tentativas de sua prestação em face dos genitores. Para se fixar os alimentos, o juiz analisa o binômio possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentado. Para menores de dezoito anos, as necessidades são presumidas, conforme determina a jurisprudência. Após a fixação da verba alimentar, esta perdurará e passará a ser devida de acordo com a necessidade/possibilidade do alimentado/alimentante (BORTOLINI, 2012, p.9).
Portanto, a abordagem do tema justifica-se por sua relevância jurídica, sendo amplamente discutida pela doutrina e jurisprudência. Este artigo abordará a possibilidade de os avós, amparados pelo Estatuto do Idoso, serem compelidos à prisão civil, tendo em vista sua vulnerabilidade perante a sociedade. Sendo assim, constitui-se como objetivo geral deste artigo, compreender se a prisão civil dos avós deve ser aplicada nos casos em que eles deixem de prestar alimentos aos netos. Para alcançar esse objetivo, foram traçados os seguintes objetivos específicos: buscar jurisprudências relacionadas ao tema; entender a necessidade da proteção da criança e do adolescente; estudar os fundamentos do Estatuto da criança e adolescente – ECA; entender os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes; compreender o conceito do direito alimentar; estudar os fundamentos do Estatuto do Idoso e entender a necessidade da proteção do idoso.
A metodologia utilizada no desenvolvimento desse artigo foi a pesquisa qualitativa descritiva por meio de revisão bibliográfica, que inclui a legislação aplicável ao tema, jurisprudência, doutrina, além de artigos científicos. A finalidade da pesquisa qualitativa é de realizar a coleta e análise dos dados obtidos. De acordo com Lessa de Oliveira (2010, p. 7), “o pesquisador qualitativo pauta seus estudos na interpretação do mundo real, preocupando-se com o caráter hermenêutico na tarefa de pesquisar sobre a experiência vivida dos seres humanos [...]”.
A pesquisa descritiva, segundo Servilha e Mezarob (2019), é utilizada em conjunto com a pesquisa qualitativa de forma a dimensionar o objeto de estudo, que, ao ser descrito, possibilita a identificação do problema.
Após abordar o conceito de alimentos avoengos, o presente artigo passará a abordar sua previsão legal em face do ECA e do Estatuto do Idoso e a possibilidade de a prisão civil ser estendida aos avós, uma vez que os pais que deixam de arcar com tal obrigação estão sujeitos à prisão civil, de acordo com o artigo 5°, inciso LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88.
2.Alimentos avoengos e a legislação
Previamente, é necessário esclarecer que o conceito de alimentos vai muito além de sua literalidade, ele não se restringe apenas à comida, mas sim, à todos os recursos essenciais para a sobrevivência do ser humano. Nesse sentido, compreende-se como alimentos: educação, saúde, lazer entre outros elementos capazes de fornecer dignidade e meios de sobrevivência ao indivíduo (DONIZETTI; QUINTELA, 2017).
A doutrina categorizou os alimentos em naturais ou civis, Donizetti e Quintela (2017) conceituam os alimentos naturais como sendo os recursos básicos para a sobrevivência do indivíduo. Já os civis, são aqueles necessários para que a pessoa mantenha sua condição social, tem o intuito de fornecer a mesma condição social cuja pessoa está habituada.
Quando do fruto de uma relação entre dois indivíduos nasce uma criança, junto com ela surge a obrigação dos pais de fornecerem alimentos e garantirem todos os outros direitos previstos no ECA aos filhos. Entretanto, quando os pais não possuem capacidade financeira para arcar com tal obrigação, os avós podem ser compelidos a efetuar o pagamento da pensão alimentícia. Tal medida é justificada pela vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes, eles são as partes mais frágeis do núcleo familiar e necessitam do cuidado de todos os demais integrantes da família, da sociedade e até mesmo do Estado. Assim, o seu melhor interesse deve ser observado a fim de lhes proporcionar um desenvolvimento saudável.
A obrigação alimentar avoenga encontra respaldo jurídico nos artigos 1.696 e 1.698 do Código Civil que assim estabelecem:
“Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.” (BRASIL, Código Civil, art. 1696, Lei n. 10.406, 2002)
“Art.1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.” (BRASIL, Código Civil, art. 1698, Lei n. 10.406, 2002)
Desse modo, é pacífico na doutrina pátria a possibilidade de requerer alimentos em face dos avós, pois leva-se em consideração o melhor interesse do alimentando, com sustento no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da solidariedade familiar.
Diversos são os princípios que norteiam o Direto de Família, e vários deles estão diretamente ligados à obrigação dos avós que devem arcar com o pagamento da pensão alimentícia. Entre esses princípios destacamos o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade familiar.
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente assegura a eles, dentre outros, o direito à alimentação e exige que a família, o Estado e até mesmo a sociedade cuidem para que seus direitos sejam garantidos. O melhor interesse da criança e do adolescente deve ser observado para que qualquer decisão que envolva os tutelados seja tomada visando garantir seu bem-estar e um futuro melhor.
Por sua vez, o princípio da dignidade da pessoa humana, mostra que não basta garantir o direito à vida, mas sim o direito a viver com dignidade. Deve-se garantir uma vida digna para todos, principalmente para as crianças e adolescentes, tendo em vista que são o grupo mais frágil dentro do núcleo familiar e da sociedade.
Finalmente, o princípio da solidariedade familiar garante a reciprocidade dos cônjuges e companheiros na contribuição para o sustento dos filhos, suprindo suas necessidades alimentares, educacionais e qualquer outra que se faça necessária para a manutenção e sobrevivência da prole. Podendo, entretanto, a obrigação ser estendida a outros integrantes da família, pois entende-se que o núcleo familiar é um local de colaboração entre as pessoas, ou seja, um ambiente de solidariedade entre os conviventes. O doutrinador Flávio Tartuce (2017, p.1225), manifestou-se sobre o princípio:
“Ser solidário significa responder pelo outro, o que remonta à ideia de solidariedade do direito das obrigações. Quer dizer, ainda, preocupar-se com a outra pessoa. Desse modo, a solidariedade familiar deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e sexual (TARTUCE, 2017. Manual de Direito Civil, ed. 7ª, p.1225).”
Com isso, é certo afirmar que os princípios destacados acima são ferramentas importantes para garantir a sobrevivência e a dignidade daqueles que pleiteiam alimentos.
Entretanto, embora a lei preze pelo bem-estar das crianças e dos adolescentes, outros indivíduos vulneráveis também necessitam de proteção e atenção do Estado, que são os idosos compelidos à obrigação alimentar.
Apesar da legislação estabelecer alguns parâmetros de proteção ao idoso que fornecerá alimentos, como por exemplo, estipular que os alimentos sejam prestados na proporção de seus recursos, um ponto ainda não é pacífico em relação ao tema, que diz respeito à prisão civil dos avós idosos que sejam convocados a fornecer alimentos e não consigam cumprir com essa obrigação, o que será amplamente analisado no tópico correspondente ao Estatuto do Idoso.
3.Os alimentos em face do Estatuto da Criança e do Adolescente
Em virtude da vulnerabilidade que representam, as crianças e adolescentes são extensivamente protegidas pelos diplomas legais. A CRFB/88 assim garante, em seu art. 227, caput que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, art. 227, 1988)”
Com o intuito de constituir um regramento próprio e de ampliar os direitos e garantias das crianças e adolescentes, foi elaborada, em 1990, a Lei n° 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, visando regulamentar a sua integral proteção.
Conforme estabelece o art. 2° da referida lei, são consideradas crianças, quem tem até doze anos de idade incompletos, e adolescentes, aqueles com idade entre doze e dezoito anos.
Prevê o art. 3°, que às crianças e aos adolescentes são garantidos todos os direitos fundamentais intrínsecos à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata o ECA, lhes proporcionando “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Os arts. 4° e 5° surgem como uma reprodução quase literal do art. 227 da CRFB/88:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 4º e 5º da lei nº 8.069, 1990)
Conforme estabelece Ishida (2015), a prioridade absoluta garantida às crianças e adolescentes na CRFB/88 e replicada a Lei n° 8.069/90, os prioriza dentre os demais sujeitos tutelados pelo Estado, vejamos:
“O princípio da prioridade absoluta possui o status constitucional, com a previsão no art. 227 da Carta Magna. A prioridade absoluta significa primazia, destaque em todas as esferas de interesse, incluindo a esfera judicial, extrajudicial ou administrativa. Assim, a título de exemplo, entre o interesse da criança ou adolescente ou do idoso, deve prevalecer o primeiro, porque é de ordem constitucional e há menção da “absoluta prioridade” no art. 227 (Amin, Curso de direito da criança e do adolescente, p. 22), ao passo que o idoso, apesar de dispor da tutela constitucional (art. 230), não possui essa ênfase da Carta Magna fornecida ao menor de dezoito anos. Desta forma, o artigo do ECA, em consonância com a regra da prioridade absoluta atualizada pelo texto constitucional, em tela relata os direitos básicos da criança e do adolescente no que concerne à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência, mencionando, em suas alíneas, os direitos e as preferências dos mesmos.” (ISHIDA, 2015, Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, ed. 16, p. 13 e 14)
Estabelecendo relações entre o direito à vida e o direito à saúde, o artigo 7° da Lei nº 8.069/90, exerce um papel importantíssimo na vida da criança e do adolescente. Não coincidentemente, tais direitos ocupam o topo da relação de direitos fundamentais previstos na CRFB/88 e no ECA. O direito à vida tem relação direta com a personalidade jurídica do indivíduo, pois a existência dos demais direitos só é possìvel devido a vida. Já o direito à saúde garante a existência digna do ser humano, assegurando que ele possa fruir dos demais direitos com bem-estar físico e mental. Tudo isso, conforme podemos abservar abaixo, na letra da lei:
“Art. 7º ECA: A criança e ao adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 7° da lei nº 8.069, 1990)
Por todo exposto, concluimos que a legislação é repleta de direitos e garantias, com vistas a proporcionar um mundo mais justo, saudável e seguro para as crianças e os adolencentes. Não poderia ser diferente, pois nesta fase da vida, o ser humano passa por um profundo desenvolvimento psicológico, físico e moral. O renomado economista James Heckman, criador da equação Hackman e Prêmio Nobel em economia no ano 2000, conceituou como a “primeira infância” o período em que o ser humano deve receber maior atenção e investimentos (BBC NEWS, 2021). Segundo suas pesquisas, essa fase da vida do ser humano está diretamente ligada a quem ele será no futuro, portanto, merece ser acompanhada de perto. Ele afirma que a primeira infância está diretamente ligada à desigualdade social de um país. Afirma também que o investimento realizado nessa fase da vida das crianças é capaz de trazer um alto retorno financeiro para toda a economia de um país. Isso destaca a necessidade de proteção dos menores, pois, além de garantir-lhes uma vida digna, tem um poder de melhoria social capaz de beneficiar toda a sociedade.
4.A Lei n°10.741/03 e a prisão civil do idoso devedor de alimentos
Conforme demonstrado no tópico anterior, as crianças e os adolescentes gozam de ampla proteção do Estado, tal como, os idosos que possuem sua proteção prevista no Estatuto do Idoso, cumulado com outras normas, como veremos a seguir.
O Estatuto do Idoso assegura, em seu art. 2°, que ao idoso é garantido à proteção de sua saúde física e mental. Vejamos:
“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” (BRASIL, Estatuto do Idoso, art. 2º da lei 10.741, 2003)
O referido artigo ratifica/evidencia que os idosos são detentores dos direitos fundamentais previstos na CRFB/88, e estabelece de forma clara que tanto a saúde física, quanto a mental são objetos de tutela. Desse modo, ao se analisar a possibilidade de prisão civil do idoso devedor de alimentos, é necessário verificar se haverá a preservação do seu bem-estar físico e mental, bem como, se ele estará em condições de dignidade.
Ademais, o art. 3° da Lei 10.741/03 amplia o rol de proteções do idoso e impõe que é dever da família, da sociedade e do Poder Público:
“...assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
§ 1° É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
§ 2° As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados.” (BRASIL, Estatuto do Idoso, art. 3º da lei 10.741, 2003)
Ao inserir um indivíduo de idade avançada no ambiente prisional, o Estado estaria negligenciando suas necessidades básicas e expondo-o a risco de morte. Pois ele poderá ter uma alimentação precária, podendo sofrer agressões físicas e psicológicas, estar vulnerável a contrair doenças, além de privá-lo de sua convivência familiar e comunitária. Com isso, ao tentar solucionar o problema do menor, o Estado colocará outro indivíduo, que também necessita de proteção, em situação prejudicial à sua dignidade. A prisão do idoso contribuirá com o aumento da população carcerária e irá gerar gastos para o Poder Público, pois os gastos não serão apenas com a prisão civil, mas com possíveis traumas advindos dessa prisão, caso o idoso necessite de apoio do Sistema Único de Saúde – SUS.
Ademais, a CRFB/88 garante aos idosos ampla defesa e proteção, conforme art. 230, caput, que assim estabelece:
“A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” (BRASIL, Constituição Federativa do Brasil, art. 230, 1988)
Assim, a prisão civil do idoso devedor de alimentos, pode se caracterizar como uma afronta aos seus direitos e garantias.
A possibilidade da prisão civil ocorre em detrimento da CRFB/88, que estabelece em seu art. 5°, inciso LXVII que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia [...]”.
A prisão civil no sistema jurídico brasileiro, é considerada como um meio processual que utiliza da força do Estado, para que aquele indivíduo devedor de alimentos cumpra com sua obrigação. Ou seja, a prisão civil decorre do inadimplemento de uma obrigação surgida do direito alimentar que é amparado e fundamentado em diversos preceitos legais, e garantido com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, pois os alimentos possuem como objetivo primordial satisfazer as necessidades daqueles que não possuem meios próprios de provê-los.
Outrossim, a possibilidade de os avós suportarem o ônus dos alimentos de seus netos advém dos artigos 1.696 e 1.698 do Código Civil que estabelecem que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” e “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato [...]”. Tal obrigação decorre dos princípios basilares do Direito de Família, como por exemplo o princípio da solidariedade familiar.
Entretanto, vale salientar que tal obrigação ocorrerá na proporção de seus recursos, e é sucessiva, subsidiária e complementar, ou seja, a obrigação é inicialmente dos pais, e somente na impossibilidade dos responsáveis é que essa responsabilidade será transferida aos avós. Além disso, se faz necessário comprovar a incapacidade, ou a capacidade escassa dos pais.
Diante de todo o exposto, fica nítido a importância de se garantir os alimentos para aqueles que deles necessitam, mas impor a prisão civil ao idoso que não consiga cumprir com essa obrigação, seria o mesmo que sacrificar a vulnerabilidade de um em virtude do outro, o que colocaria os idosos em situação de risco.
5.A prisão civil do idoso: análise jurisprudencial
Com o objetivo de melhor compreender os resultados obtidos por meio das pesquisas realizadas no presente artigo, e com o propósito de demonstrar o entendimento dos Tribunais a respeito do tema, analisaremos, a seguir, excertos jurisprudenciais que espelham as interpretações dos Magistrados, no que diz respeito a prisão civil do idoso devedor de alimentos.
O julgado a seguir, refere-se a um habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA. CARÁTER COMPLEMENTAR E SUBSIDIÁRIO DA PRESTAÇÃO. EXISTÊNCIA DE MEIOS EXECUTIVOS E TÉCNICAS COERCITIVAS MAIS ADEQUADAS. INDICAÇÃO DE BEM IMÓVEL À PENHORA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA MENOR ONEROSIDADE E DA MÁXIMA UTILIDADE DA EXECUÇÃO. DESNECESSIDADE DA MEDIDA COATIVA EXTREMA NA HIPÓTESE.
1- O propósito do habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de prisão civil dos avós, em virtude de dívida de natureza alimentar por eles contraída e que diz respeito às obrigações de custeio de mensalidades escolares e cursos extracurriculares dos netos.
2- A prestação de alimentos pelos avós possui natureza complementar e subsidiária, devendo ser fixada, em regra, apenas quando os genitores estiverem impossibilitados de prestá-los de forma suficiente. Precedentes.
3- O fato de os avós assumirem espontaneamente o custeio da educação dos menores não significa que a execução na hipótese de inadimplemento deverá, obrigatoriamente, seguir o mesmo rito e as mesmas técnicas coercitivas que seriam observadas para a cobrança de dívida alimentar devida pelos pais, que são os responsáveis originários pelos alimentos necessários aos menores.
4- Havendo meios executivos mais adequados e igualmente eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avós, é admissível a conversão da execução para o rito da penhora e da expropriação, que, a um só tempo, respeita os princípios da menor onerosidade e da máxima utilidade da execução, sobretudo diante dos riscos causados pelo encarceramento de pessoas idosas que, além disso, previamente indicaram bem imóvel à penhora para a satisfação da dívida.
5- Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida.”
(STJ. Consulta Processual. HC 416.886/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJE 18/12/2017)
É possível depreender do caso em tela, que diante da possibilidade de conversão da ordem de prisão civil, em virtude da dívida alimentar, para o rito da penhora e expropriação, forma utilizados os princípios da menor onerosidade da execução e da máxima utilidade da execução, para afastar o decreto prisional contra os avós e satisfazer a obrigação. Ressalta-se, que o encargo foi assumido pelos avós de forma espontânea, e embora a obrigação alimentar se estenda aos ascendentes, conforme preconiza o art.1.696 do Código Civil, ela é complementar e subsidiária à obrigação dos pais. Desse modo, direcionar a execução aos avós pelo descumprimento de alimentos voluntários, não determina que recebam a mesma punição aplicada aos genitores devedores originários da responsabilidade alimentícia.
Apesar de o julgado acima demonstrar uma situação alimentar de natureza voluntária, de nada impede, que se utilize os mesmos procedimentos coercitivos para satisfazer obrigações futuras em outros litígios. Evitando, assim, que uma medida extrema recaia sobre os avós, garantindo o seu direito constitucional à liberdade e trazendo menos onerosidade ao Estado e à execução.
A decisão a seguir, utilizou os princípios basilares da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, para autorizar o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar. O argumento se pautou pelo fato de que os avós se encontram em situação de vulnerabilidade, em decorrência do debilitado grau de saúde de ambos os ascendentes, conforme demonstrado abaixo:
“HABEAS CORPUS. 1. PRISÃO CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DO ART. 733 DO CPC/73. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. ORDEM DE CUSTÓDIA MANTIDA. 2. TODAVIA, PACIENTES COM IDADE AVANÇADA E COM PROBLEMAS DE SAÚDE GRAVES. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPÓTESE EXCEPCIONAL QUE AUTORIZA O CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL EM REGIME DOMICILIAR. 3. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
[…]
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de E. C. P. de M. e D. M. P. de M., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.
[…]
Brevemente relatado, decido.
Pois bem. Não vejo nenhuma ilegalidade apta a afastar a prisão civil decretada pelo Juízo de primeiro grau, ante o inadimplemento de pensão alimentícia e consequente execução pelo rito do art. 733 do Código de Processo Civil de 1973.
Todavia, reputo absolutamente desproporcional, ainda que considerado o caráter coercitivo – e não punitivo – da medida, a negativa do pedido de prisão domiciliar, uma vez que, se estivéssemos diante de ilícito penal, a legislação possibilitaria o deferimento da medida menos gravosa aqui buscada, notadamente em razão das nuances que cercam o caso em apreço, sobretudo se considerados não somente os problemas de saúde comprovados nos autos, como também a idade avançada dos pacientes – avós dos alimentandos –, os quais não são apenas "idosos", mas sim pessoas com nada mais nada menos que 75 (setenta e cinco) e 80 (oitenta) anos de idade.
De se ver que a razoabilidade, como princípio constitucional norteador, deve pautar toda e qualquer decisão judicial, independentemente da esfera de atuação, e, na espécie, não se tem por razoável o indeferimento do regime mais brando postulado se outra seria a solução adotada na hipótese de incidência de institutos de natureza penal, como tem ocorrido, inclusive, com réus acusados do cometimento de crimes graves e ensejadores de incontáveis prejuízos para o país.
Assim, a despeito de a prisão civil em regime domiciliar não ser, em regra, adotada por esta Corte em virtude do seu caráter coercitivo, entendo que as particularidades do caso não só autorizam, como também exigem, solução diferenciada, em atendimento tanto ao princípio da proporcionalidade quanto ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, especialmente porque a paciente D. M. P. de M., de 75 (setenta e cinco) anos, é portadora de Neutropenia crônica grave idiopática (e-STJ, fls. 705-707), e o paciente E. C. P. de M., de 80 (oitenta) anos, possui "doença pulmonar crônica", com "restrição respiratória grave, sendo necessária a restrição de esforço físico, uso de medicamentos contínuos e monitoramento contínuo dado o risco de piora súbita com risco iminente de insuficiência respiratória" (e-STJ, fl. 704). Logo, na situação peculiar e excepcional dos autos, parece-me suficientemente justificado o deferimento do cumprimento da prisão civil, ordenada pelo Juízo de primeiro grau, em regime domiciliar, sob pena de a sanção estritamente coercitiva de cunho civil se traduzir em penalidade cruel e desumana.
[…]
À vista do exposto, concedo parcialmente a ordem a fim de possibilitar o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar.”
(STJ. Consulta Processual. HC 358.668 - SP (2016/0149959-8) Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 25/10/2016)
Também se verifica o afastamento da prisão avoenga na recente decisão, que justifica o seu não acolhimento em vista da medida alcançar apenas um dos ascendentes:
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS AVOENGOS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRISÃO. RECURSO DESPROVIDO. Cumprimento de sentença. Alimentos avoengos. Insurgência contra decisão que rejeitou o pedido de prisão civil da devedora. Efeito ativo indeferido. Caráter complementar e subsidiário dos alimentos avoengos. Afastamento da prisão civil da avó devedora que se impõe, tendo cabimento apenas se exigida de todos os avós solidariamente. Jurisprudência desta E. Corte e do C. STJ. Decisão mantida. Recurso desprovido.”
(JUSBRASIL. Agravo Instrumento / Alimentos 2071083-76.2022.8.26.0000 (Segredo de Justiça) Relator(a): J.B. Paula Lima, Barretos/SP, 10ª Câmara de Direito Privado, 27/04/2022)
Diante da jurisprudência exposta, percebe-se que, em decorrência do seu caráter complementar e subsidiário, a prisão avoenga vem sendo afastada. A prioridade tem sido adotar medidas de cunho patrimonial para a satisfação do crédito, bem como, a conversão da prisão civil em domiciliar a depender do caso concreto, e por fim, a negativa de prisão com base na solidariedade extensiva a todos os ascendentes, prevista no art. 1696 do Código Civil.
Desse modo, conclui-se que é possível a adoção de outras medidas coercitivas para garantir a subsistência dos alimentandos, sem desprezar a vulnerabilidade e as peculiaridades que permeiam a vida dos idosos.
6.Dos avós não amparados pelo Estatuto do Idoso
A Lei nº 10.741, de 2003, aduz, em seu artigo 1°, o público tutelado pela legislação, que são os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos de idade.
“Art. 1° É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.” (BRASIL, Estatuto do Idoso, at. 1º, Lei 10.741, 2003)
Embora não seja o intuito principal do presente artigo, é importante examinar a hipótese de a prisão civil ser aplicada nos casos em que os avós ainda não atingiram os sessenta anos de idade. Este grupo não se encontra resguardado pelo Estatuto do Idoso, portanto, se faz necessário analisar se a eles tal medida coercitiva seria aplicável.
Como já demonstrado anteriormente, a pensão alimentícia tem caráter complementar e subsidiário e a responsabilidade por sua prestação só poderá ser estendida aos avós se todas as tentativas de recebimento em face dos pais já houverem se esgotado. Nesse sentido, a Súmula 596 do STJ estabelece que: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”
Conforme visto no tópico anterior, existem formas mais eficazes para garantir a obrigação alimentar. O Código de Processo Civil – CPC, estabelece em seu art. 530 que, não cumprida a obrigação, observar-se-á o disposto nos artigos 831 e seguintes, correspondentes à penhora.
A respeito da penhora, uma recente decisão veiculada no site Consultor Jurídico – CONJUR, em agosto de 2021, divulgou que a 3° Turma do STJ estabeleceu a possibilidade de determinar a penhora dos bens, como medida alternativa, para a impossibilidade de prisão civil em virtude da pandemia causada pelo vírus da Covid-19[1], sem que houvesse a conversão do rito processual da prisão civil para o da penhora. É o que demonstra o trecho da reportagem a seguir:
“O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o artigo 528, parágrafos 1º a 9º, do Código de Processo Civil possibilita ao credor duas formas de efetivar o cumprimento da decisão que fixa alimentos.
A primeira dispõe que, caso o executado não pague ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz decretará a prisão por um a três meses. A segunda segue o rito do cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa (artigos 523 a 527 do CPC).
Segundo o relator, caso o credor opte pelo rito da penhora, não será admissível a prisão civil do devedor. Todavia, se optar pelo rito da prisão, a penhora somente será possível se o devedor, mesmo preso, não pagar o débito. Em outras palavras, o rito da penhora exclui a possibilidade de prisão civil. Porém, o rito da prisão apenas adia a realização de atos constritivos no patrimônio do executado, por se tratar, obviamente, de medida coercitiva, e não satisfativa" (CONJUR, 2021, Rev. Virtual - Consultor Jurídico)
A importante decisão apresentada, serve para agregar maior conhecimento a respeito das recentes decisões, demonstra a preocupação dos magistrados em trazer maior eficácia e celeridade aos alimentandos, em virtude dos efeitos evidenciados pela pandemia.
Como observado, ao credor é reservado o direito de escolha sobre qual medida será utilizada para o cumprimento da obrigação. Embora o rito da prisão civil seja mais abrangente, possibilitando a constrição patrimonial após a medida coercitiva se tornar ineficaz, a penhora pode garantir maior celeridade e eficácia na garantia dos alimentos, que é o objetivo do credor.
Ocorre que, quando essa obrigação é transmitida aos avós é necessário que se busque o seu cumprimento da forma menos onerosa possível, considerando que os alimentos avoengos têm natureza complementar e subsidiária. Aplicar a prisão civil aos avós pelo inadimplemento alimentar, seria o mesmo que impor a um terceiro, dívida alheia. Vale salientar, que o intuito da prisão civil é meramente coercitivo, ou seja, não possui a prerrogativa de sanção penal.
Em vista disso, Dias (2015) salienta que:
“Os avós são chamados a atender a obrigação própria decorrente do vínculo de parentesco, tratando-se de obrigação sucessiva, subsidiária e complementar. Em face da irrepetibilidade dos alimentos, é necessária a prova da incapacidade, ou da reduzida capacidade do genitor de cumprir com a obrigação em relação à prole. O reiterado inadimplemento autoriza à propositura de ação de alimentos contra os avós, mas não é possível cobrar deles o débito dos alimentos. Não cabe intentar contra os avós execução dos alimentos não pagos pelo genitor, o que seria impor a terceiro o pagamento de dívida alheia.” (DIAS, 2015. Manual de Direito das Famílias, ed. 10°, p. 588).
Ademais, impor a prisão civil como forma de coerção a quem não é o detentor principal da obrigação acarretaria uma ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade, previstos no artigo 1°, inciso III e artigo 5°, caput, respectivamente.
A dignidade da pessoa humana é uma garantia inviolável da condição humana e a prisão pode acarretar danos psicológicos, físicos e mentais causando malefícios à saúde dos indivíduos. Já o princípio da liberdade encontra-se violado em decorrência do cárcere a que os avós são submetidos, os excluindo de sua vida em sociedade, seus familiares, amigos, trabalho e lazer. Mesmo que a prisão seja convertida em domiciliar os ascendentes se encontrariam privados de sua rotina e seriam prejudicados por essa medida coercitiva.
Portanto, percebe-se que há outras medidas mais eficazes e suficientes para garantir ao credor o crédito alimentar, ao invés, da prisão civil. Medidas estas, que garantem os direitos constitucionais dos avós não amparados pelo Estatuto do Idoso e asseguram os direitos das crianças e adolescentes. Por isso, havendo a possibilidade de se aplicar medida menos onerosa, sua apreciação se faz necessária.
7.Considerações finais
O presente artigo, buscou estudar e compreender a obrigação alimentar dos avós idosos em relação aos netos, orientando-se pela legislação vigente, doutrina, princípios jurídicos e, utilizou-se de jurisprudências para melhor ilustrar as decisões dos magistrados.
Foi demonstrado que o conceito de alimentos é abrangente, não se resumindo apenas ao fornecimento de comida e que garantir alimentos às crianças e adolescentes é imprescindível para seu desenvolvimento saudável. Após, realizou-se uma análise sobre a obrigação avoenga perante a legislação; um exame sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. Por fim, foi realizado um estudo jurisprudencial sobre casos concretos e, embora não fosse o objeto central deste artigo, discutiu-se a prisão civil dos avós não assistidos pelo Estatuto do Idoso.
Embora os direitos das crianças e adolescentes devam ser resguardados, não se pode deixar de tutelar os direitos dos idosos que, devido a sua fragilidade, possuem garantias estabelecidas pela legislação. Ademais, aplicar a prisão civil como medida coercitiva para garantir o crédito alimentar, viola os direitos garantidos na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso.
Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo, responder se a prisão civil dos avós deve ser aplicada nos casos em que eles deixarem de prestar alimentos avoengos aos netos. Conforme elucidado, o desenvolvimento do trabalho foi realizado mediante diversos institutos e, após sua análise, deduz-se que a prisão civil do idoso além de ser prejudicial é desproporcional ao encargo. Pois, a prisão traduz-se como uma medida meramente coercitiva, que viola a dignidade da pessoa humana e os preceitos legais que visam proteger os idosos.
Em face do exposto, considerando que o idoso não é o detentor primário da obrigação, lhe sujeitar uma medida que não tem caráter satisfativo, o privando de sua vida em comunidade e seus costumes, quando há outras medidas mais úteis para assegurar o cumprimento da obrigação, o deixa em uma situação vulnerável a sua saúde física, mental e a sua dignidade. Portando, em consequência dos resultados obtidos na presente pesquisa infere-se que se faz necessário analisar o conjunto de princípios, normas e decisões jurisprudenciais para garantir os alimentos avoengos sem que se aplique a coerção da prisão civil.
8.Referências
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[1] Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou o COVID-19 como uma pandemia (OPAS, 2020). O Brasil declarou no dia 3 de fevereiro de 2020, Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), de acordo com a Portaria GM/MS nº 188 (MINAS CONSCIENTE, 2020).
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Vinicius de. Pensão alimentícia avoenga e a prisão civil do idoso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58669/penso-alimentcia-avoenga-e-a-priso-civil-do-idoso. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
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