GIOVANNA CARVALHO NUNES [1]
(coautora)
ADRIANO FERNANDES FERREIRA [2]
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem como objeto de análise o instituto da adoção de crianças e adolescentes no âmbito internacional e a concessão do direito fundamental à nacionalidade da criança estrangeira adotada no Brasil. Apresentando seus conceitos, pressupostos normativos, as circunstâncias em que se produzem e as dificuldades relativas ao processo de adoção internacional em razão dos países e ordenamentos jurídicos distintos. Indicando informações da colaboração da adoção internacional para efetividade dos direitos das crianças e adolescentes assegurados pela legislação brasileira. Este estudo foi fundamentado em pesquisas bibliográficas por meio de artigos científicos que abordam o tema pesquisado.
Palavras-chave: Adoção internacional. Nacionalidade. Direito da Criança e do Adolescente.
Abstract: The present article has as its object of analysis the institute of adoption of children and adolescents in the international scope and the granting of the fundamental right to nationality of the foreign child adopted in Brazil. Presenting its concepts, normative assumption, the circumstances in which they are produced and the difficulties related to the international adoption process due to different countries and legal systems. Indicating data and information from the collaboration of international adoption for the effectiveness of the rights of children and adolescents guaranteed by Brazilian legislation. This study was based on bibliographic research through scientific articles that address the researched topic.
Keywords: International adoption. Nationality. Children's and Adolescents' Law.
1.Introdução
A adoção é um instituto presente no ordenamento jurídico de diversos países, que tem se tornado cada vez mais comum considerando as mudanças nas dinâmicas familiares, responsável por criar relações de parentesco entre pessoas, em que tornam-se adotado e adotante, mediante a manifestação de vontade e afeto, passando a gozar de todos os direitos inerentes a filhos biológicos, sem distinção.
A Adoção Internacional surge como instrumento transformador na vida de crianças e adolescentes em posição de extrema vulnerabilidade, principalmente afetiva, propiciando o processo de adoção, por estrangeiros, de menores em situação de precariedade e abandono nos seus países de origem. A diferença entre adoção internacional e adoção doméstica é, em suma, que o local da adoção é distinto do local onde a criança morará com a família. Dessa forma, por envolver países distintos, as partes estão subordinadas a diferentes soberanias e, portanto, a diferentes sistemas jurídicos.
No Brasil, por exemplo, o procedimento de adoção de crianças estrangeiras é regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção de Haia de 1993 – Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, ratificada por meio do Decreto nº 3.087 de 21 de junho de 1999.
Por corolário lógico, a adoção de menores estrangeiros torna imprescindível discutir outro aspecto jurídico consequência deste instituto: a nacionalidade, que consiste no vínculo jurídico-político que estabelece uma ligação entre um indivíduo e um determinado Estado, do qual derivam obrigações e direitos de ambos os lados. A nacionalidade, enquanto direito fundamental, define a identidade e a inserção de cada indivíduo e configura um vasto conjunto, contribuindo para a existência do Estado e da pessoa natural, possibilitando o exercício de direitos pelos nacionais nas ordens interna e externa.
A Convenção de Haia declarou que os Estados possuem liberdade para estipular por meio de seu direito interno quem são aqueles considerados seus nacionais, portanto, o Estado tem independência para legislar sobre tal matéria consoante a sua nacionalidade. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 traz elencados dispositivos acerca da nacionalidade, diferenciando quem é brasileiro nato, naturalizado e estrangeiro. Contudo, como o termo nacionalidade expressa um conceito de direito internacional, assim, o direito do Estado para decidir problemas relativos à nacionalidade pode, também, ser delimitado por convenções e costumes internacionais, e pelos princípios gerais de direito reconhecidos.
2.Desenvolvimento
2.1. A Adoção Internacional e os Instrumentos de Proteção à Criança Adotada
A Adoção, nas palavras da ilustríssima doutrinadora, Maria Helena Diniz: “é um instituto de caráter humanitário, que tem por escopo, de um lado, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado.”
No entanto, a adoção teve seu sentido ampliado após o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual apresentou um direcionamento maior para os interesses do adotando, e tendo como principal finalidade a oferta de um ambiente familiar capaz de oferecer à criança ou adolescente um desenvolvimento favorável em todos os aspectos previstos na Constituição Federal de 1988.
Pablo Stolze Gagliano (2019) estabelece a diferença entre adoção nacional e a adoção internacional. Para ele, esta difere daquela por referir-se à aplicação de dois ou mais ordenamentos jurídicos, envolvendo pessoas subordinadas a diferentes soberanias. De um lado, adotando com residência habitual em um país e de outro lado, adotante com residência habitual noutro país.
Acerca dessa temática, o ECA, nos apresenta o seguinte conceito de adoção internacional:
‘’Considera-se adoção internacional aquela na qual o pretendente possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada pelo Decreto n o 3.087, de 21 junho de 1999, e deseja adotar criança em outro país-parte da Convenção. (ECA, art. 51)’’
Enquanto isso, seu caráter excepcional supramencionado encontra fundamento nos seguintes artigos do mesmo Estatuto, vejamos:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.
A adoção internacional ganha espaço no contexto atual como uma medida alternativa e excepcional frente à quantidade de crianças expostas aos diversos tipos de vulnerabilidade, nos mais diversos países, mais comumente em países periféricos, recolhidas em abrigos, que por vezes encontram-se superlotados, incapazes de atender todos os desejos e necessidades básicas dos menores. No Brasil, a adoção internacional passou a ter grande visibilidade após a adoção de duas crianças malawianas pelo casal de atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso.
Considerando a grande repercussão que esse assunto gerou nos fóruns internacionais, diversos estudos e modificações ocorreram na normativa legal existente, houve a aprovação de inúmeras convenções internacionais, tratados e declarações, os quais influenciaram significativamente nas legislações de diferentes países. Em contrapartida, essa divergência legal existente acerca deste assunto, e até a mesmo a ausência de lei, decorrente da soberania de cada país, acentua a dificuldade dos processos de adoção, pois muitos territórios regem de acordo com seu ordenamento jurídico, contendo suas condições e até proibições, alguns não possuem legislação especial para tal, ou sequer são signatários da Convenção de Haia.
No âmbito nacional, além do ECA, a adoção é regulada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Decreto n° 3.087/1999, que promulgou a Convenção da Haia sobre adoção, demonstrando o pluralismo de fontes, mas evidenciando-se a harmonia entre todas.
De acordo com o decreto supramencionado, a adoção internacional deve observância aos princípios, constitucionais e aqueles reconhecidos pelos instrumentos internacionais, em especial pela Declaração das Nações Unidas sobre os Princípios Sociais e Jurídicos aplicáveis à Proteção e ao Bem-estar das Crianças, com Especial Referência às Práticas em Matéria de Adoção e de Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional (BRASIL, 1999).
Dentre os princípios que norteiam a adoção internacional está o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que busca dentro de um caso concreto a melhor adequação, isto é, o que trará maiores benefícios para o adotando. Tal princípio demonstra-se extremamente importante visto que, se não manifestado a adoção não poderá ocorrer, vez que contraria a ordem pública (BRASIL, 1990).
Dessa forma, entende-se que a adoção vai além de um ato meramente solidário em que se foca apenas nos pretendentes como parte dessa relação, uma vez que esta também é de interesse do Estado, cujo objetivo é priorizar sempre o bem estar do adotado, antes do interesse dos adotantes.
Tem-se de salientar que o primeiro instrumento a regular verdadeiramente a adoção internacional, ultrapassando as fronteiras regionais, e denotando interesse mundial foi a Convenção de Haia. (GUTMANN, 2002).
A Convenção de Haia, de 1993, ora Convenção relativa à Proteção e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, regulamenta os procedimentos deste instituto sob ótica internacional, cujo principal intuito é determinar, como o próprio nome denota, um sistema de cooperação entre os países de destino e de origem da criança, assumindo uma certa responsabilização em comum em proteger o interesse e o bem estar do adotado.
A partir deste momento, de regulamentação internacional e colaboração em conjunto dos países signatários, aos quais foram impostas obrigações e elementos essenciais para concretização da adoção internacional responsável, é instituído o entendimento de que é uma medida excepcional, aplicada subsidiariamente, quando esgotadas todas as possibilidades da criança viver em seu país de origem, no convívio de sua família biológica ou em família adotiva nacional.
Esse princípio da subsidiariedade tem como finalidade dar prioridade à permanência dos menores em seus territórios pátrios como forma de evitar uma readaptação brusca a outro ambiente, país estrangeiro em que tenha que conviver com idioma distinto e desconhecido, imersão a tradições e culturas de maneira abrupta.
Contudo, a legislação brasileira, também adotante desta modalidade como medida excepcional, vislumbra que esse mecanismo pode ser adequado ante aos dados apresentados de crianças menosprezadas em seu próprio país, além disso, é determinante para possibilidade de futuro melhor e bem estar dessas crianças, acolhidas de situações de extrema pobreza na maioria dos casos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal de 1988, tem como prioridade o bem estar, o direito à convivência familiar e comunitária, direito ao lar de verdade, afetivamente falando, para que obtenha um desenvolvimento saudável e compatível com o que determinam as aludidas legislações, promovendo assim a efetividade dos direitos e garantias nelas assegurados às crianças, ainda que em território diverso.
A adoção internacional apresentou-se ao mundo e ao ordenamento jurídico brasileiro como ferramenta de esperança viável para que crianças, antes desprezadas e desassistidas, façam parte de famílias com recursos favoráveis à mudança de vida, capazes de proporcionar afeto, boa base familiar, educação de qualidade, criação de laços familiares, além oportunizar o aprendizado de novo idioma e cultura.
2.2. A Nacionalidade na Adoção Internacional
A Lei nº 8.069/90 aborda de forma detalhada temas que são tratados amplamente no Código Civil e na Constituição Federal, versando sobre o vínculo da adoção a partir de seu artigo 39. Especialmente em seu artigo 47 prevê sua constituição por meio de sentença judicial, inscrita no registro civil mediante mandado sem o fornecimento de certidão. No que concerne aos efeitos da sentença constitutiva da adoção internacional, além da formação do vínculo de parentesco com a família adotiva e o rompimento dos laços biológicos há ainda a atribuição da nacionalidade do país de acolhida para a criança adotada.
No Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamente nos artigos 52-C e 52-D, está a previsão legal da possibilidade de adoção internacional sendo o Brasil o país de acolhida. In verbis:
“Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 52-D. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida e a adoção não tenha sido deferida no país de origem porque a sua legislação a delega ao país de acolhida, ou, ainda, na hipótese de, mesmo com decisão, a criança ou o adolescente ser oriundo de país que não tenha aderido à Convenção referida, o processo de adoção seguirá as regras da adoção nacional. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Capítulo IV Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”
Infere-se que no processo de adoção de crianças estrangeiras por famílias brasileiras, em regra, a legislação a ser seguida é do país de origem do menor, o qual também poderá ser participante da Convenção de Haia, facilitando a familiarização e adaptação ao processo.
Quanto ao procedimento, em síntese, tem início com a habilitação dos interessados junto à vara da infância e juventude que for mais próximo ao domicílio do menor, que procederá com o processo e o enviará em seguida para Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (CEJAI), cuja finalidade é promover o estudo prévio e análise de pedidos de habilitação para adoção. Após o encaminhamento, será feito o registro de habilitação do adotante sob a ordem do presidente da comissão a fim de comunicar a Agência Central Administrativa Federal a respeito da adoção internacional.
A agência supramencionada funcionará como uma intermediadora, colhendo informações com a Autoridade Central do país de origem da criança sobre o processo de adoção, a legislação interna aplicada ao caso, bem como os requisitos necessários para que o pedido seja aprovado, para posterior envio à CEJAI. Nesse momento será emitido Certificado de Regularidade, podendo ser realizado estudo técnico sobre a particularidade da legislação pertinente ao processo. Concluso os estudos técnicos e análises, o Ministério Público terá vista dos autos solicitando que o processo seja colocado em pauta para julgamento colegiado.
Se deferido, a CEJAI expedirá os documentos que forem exigidos pela Convenção de Haia e pelo ECA para que a Autoridade Central do país estrangeiro, onde reside a criança, ao receber o processo possa analisar e iniciar o rito específico, de acordo com as peculiaridades e particularidades do seu ordenamento jurídico, bem como respeitando os parâmetros estabelecidos pela Convenção de Haia, no caso de adesão.
Após a aprovação do pedido de adoção internacional pelo país, poderá ocorrer de os pretendentes aceitarem a indicação da autoridade responsável e o menor já ser liberado para viajar e entrar no país onde aqueles, ora adotantes, residem, e dar continuidade no processo de adoção junto às autoridades judiciárias do país de destino até que seja julgado em definitivo.
Imperioso ressaltar que o trâmite interno do processo de adoção internacional é regido pela legislação interna do país escolhido, os quais, em sua maioria, possuem órgãos específicos competentes para atuar nesse tipo de procedimento, no caso do Brasil, por exemplo, é denominado CEJAI.
Pelo caráter universal de proteção e promoção de bem-estar de menores a serem adotados, a Convenção de Haia relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, faz menção a tal procedimento nos artigos 14, 15 e 16, e seguintes, como normas de cunho geral.
CONVENÇÃO DE HAIA
Capítulo IV - Requisitos Processuais para a Adoção Internacional
Art. 14. As pessoas com residência habitual em um Estado Contratante, que desejem adotar uma criança cuja residência habitual seja em outro Estado Contratante, deverão dirigir-se à Autoridade Central do Estado de sua residência habitual.
Art. 15.1. Se a Autoridade Central do Estado de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, a mesma preparará um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam, sua aptidão para assumir uma adoção internacional, assim como sobre as crianças de que eles estariam em condições de tomar a seu cargo.
2. A Autoridade Central do Estado de acolhida transmitirá o relatório à Autoridade Central do Estado de origem.
Art. 16.1. Se a Autoridade Central do Estado de origem considerar que a criança é adotável, deverá:
a) preparar um relatório que contenha informações sobre a identidade da criança, sua adotabilidade, seu meio social, sua evolução pessoal e familiar, seu histórico médico pessoal e familiar, assim como quaisquer necessidades particulares da criança;
b) levar em conta as condições de educação da criança, assim como sua origem étnica, religiosa e cultural;
c) assegurar-se de que os consentimentos tenham sido obtidos de acordo com o artigo 4; e
d) verificar, baseando-se especialmente nos relatórios relativos à criança e aos futuros pais adotivos, se a colocação prevista atende ao interesse superior da criança.
2. A Autoridade Central do Estado de origem transmitirá à Autoridade Central do Estado de acolhida seu relatório sobre a criança, a prova dos consentimentos requeridos e as razões que justificam a colocação, cuidando para não revelar a identidade da mãe e do pai, caso a divulgação dessas informações não seja permitida no Estado de origem.
A adoção internacional é um tema que sempre gera muitos debates, visto que existe a possibilidade das crianças e adolescentes perderem sua nacionalidade ao serem adotadas. (DIAS, 2016). Isto pois, não há a garantia de transferência da mesma nacionalidade dos pais adotivos aos filhos, uma vez que sua aquisição poderá variar de acordo com a legislação do país de acolhimento.
Ademais, “considerando que a adoção visa à completa integração do adotado no seio da nova família” (COSTA, 1998), é mister a concessão da nacionalidade pelo país de acolhida. Assim, a Convenção de Haia estabelece em seu artigo primeiro que cabe a cada Estado “determinar por sua legislação quais são os seus nacionais”. Esta legislação será aceita por todos os demais Estados, contanto que esteja em conformidade com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade. Dessa forma, é o direito positivo de cada Estado o competente para conceder a nacionalidade aos indivíduos.
A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que estabelece uma ligação entre um indivíduo e um determinado Estado, do qual derivam obrigações e direitos de ambos os lados. A nacionalidade, enquanto direito fundamental, define a identidade e a inserção de cada indivíduo e configura um vasto conjunto, contribuindo para a existência do Estado e da pessoa natural, possibilitando o exercício de direitos pelos nacionais nas ordens interna e externa.
A nacionalidade é dividida em duas espécies: a nacionalidade primária ou originária e a nacionalidade secundária ou adquirida. A primária é imposta, unilateralmente, independentemente da vontade do indivíduo, pelo Estado, no momento do nascimento e é concedida mediante dois critérios de aquisição, o ius soli (ou ius loci) e o ius sanguinis. Enquanto a secundária é voluntária e ocorre normalmente através do processo da naturalização, quando preenchido os requisitos legais.
Em algumas legislações a nacionalidade do adotando não será alterada, enquanto que em outras, quando for proferida sentença estrangeira sobre adoção internacional, a aquisição é automática. Contudo, a aquisição automática propriamente dita, identificada na maioria dos países europeus e africanos, é rara nos países asiáticos e no continente americano (VAN LOON, 1994).
O Brasil, nos casos em que brasileiros adotam crianças estrangeiras, não reconhece de pleno direito as sentenças estrangeiras de adoção internacional, exigindo a realização do processo judicial de homologação da sentença estrangeira e do processo administrativo de naturalização. Tal fundamento baseia-se na própria Constituição Federal ante a impossibilidade de concessão de nacionalidade, que vincula o nosso país ao critério do jus soli como regra ou, excepcionalmente, ao critério do jus sanguinis, nos casos de filhos de brasileiros nascidos no exterior.
Corrobora esse entendimento as concepções de Miguel Jerônymo Ferrante (1984) que diz que “filho adotivo de brasileiros, nascido no estrangeiro, não pode optar pela nacionalidade brasileira. É estrangeiro e, como tal, só poderá adquirir a nacionalidade brasileira por via de naturalização.’’
Afinal, não seria possível aplicar o critério do jus soli à criança estrangeira adotada uma vez que não nasceu no Brasil, tampouco, a aplicação do critério do jus sanguinis, posto que não seria filha ‘’legítima’’ de brasileiros. Dessa forma, a adoção de estrangeiro por brasileiro não produz efeitos sobre a nacionalidade (GUIMARÃES,1995).
Contudo, a adoção estabelece vínculo de filiação e a Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer designação discriminatória entre filhos, independente de sua origem, biológicos ou adotivos, vejamos o que dispõe o artigo 227, § 6º:
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Deste modo, pode-se então observar uma afronta ao estabelecido no próprio texto constitucional na medida em que os filhos de brasileiros nascidos no exterior são brasileiros natos e a criança estrangeira adotada por pais brasileiros só poderá ser nacional por meio da naturalização. Observa-se, ainda, uma contradição à finalidade da adoção, pois a criança deve se sentir inserida na família como se filho fosse, com os mesmos direitos e deveres.
3.Conclusão
A Adoção Internacional é regulamentada pela Convenção de Haia de 1993, que foi promulgada no Brasil em 1999 pelo Decreto n° 3.087. O seu principal objetivo foi instituir um sistema de cooperação administrativa e corresponsabilização entre os Estados que são ratificados por ela, estabelecendo normas e assegurando os direitos e interesses das crianças durante o processo de adoção.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), regula a adoção internacional, atuando em conjunto com diversos países signatários da Convenção, visando a proteção das crianças e adolescentes durante esse processo adotivo internacional, além de atingir a finalidade deste instituto, qual seja, o afastamento do estado de abandono e inserção em um ambiente familiar estável e saudável.
Verifica-se que a adoção internacional é uma medida excepcional, sendo aplicada subsidiariamente, somente após o esgotamento de todas as possibilidades da criança viver em seu país de origem, junto de sua família biológica, ou de ficar em uma família adotiva nacional.
Com o instituto da adoção internacional questionou-se o da nacionalidade, mais precisamente, a nacionalidade atribuída à criança estrangeira adotada no Brasil, foco do presente estudo. Para Matthias Herdegen (2005) “a nacionalidade serve de fundamento da estreita e especial relação de direitos e deveres entre o Estado e seus nacionais. Os nacionais, em sua totalidade, conformam uma associação de pessoas, a qual vem a constituir o Estado’’.
A nacionalidade foi proclamada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como um direito inerente ao ser humano. Assim, por ser um instituto extremamente importante, é fundamental que seja atribuída a nacionalidade à criança submetida à adoção internacional, para que não fique à margem da sociedade.
Conforme exposto, a nacionalidade é tratada principalmente em âmbito constitucional, cabendo, portanto, ao Estado legislar sobre o tema e determinar quais os critérios a serem utilizados para a sua aquisição. Nesta senda, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 12, determina que existem duas tipologias de brasileiros: o nato e o naturalizado.
O Brasil não reconhece a criança estrangeira adotada por brasileiros como sendo nacional e nem lhe concede a nacionalidade, sendo necessário o pedido de naturalização. Isto pois, a própria Carta Magna vincula o país ao critério do jus soli, como regra, e, como exceção, ao critério do jus sanguinis. Logo, nesses casos, a adoção não tem, no nosso direito, nenhuma consequência quanto à nacionalidade (MAZZUOLI, 2011).
Contudo, há grande divergência acerca do assunto, afinal, a adoção estabelece vínculo de filiação e o próprio texto constitucional, em seu artigo 227, §6º, veda qualquer discriminação entre filhos biológicos ou adotivos, não havendo, portanto, motivo para tratamento diferenciado aos filhos adotados, nascidos no Brasil ou não.
Realizado por meio de pesquisa bibliográfica, o presente estudo expôs o que se preceitua a respeito da adoção internacional e da nacionalidade, no âmbito nacional, concluindo que o interesse da criança e do adolescente deve sempre prevalecer.
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acadêmica do 10º Período do curso de Direito na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HERCULANO, EWELLYN LUIZA FERNANDES. Adoção internacional e a nacionalidade das crianças estrangeiras adotadas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58996/adoo-internacional-e-a-nacionalidade-das-crianas-estrangeiras-adotadas-no-brasil. Acesso em: 24 dez 2024.
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