JULIANA CORRÊA[1]
RÔNISON APARECIDO DOS SANTOS[2]
(coautores)
RESUMO: O presente artigo aborda a importância das práticas das constelações familiares, criadas por Bert Hellinger, a sua conceituação e como são utilizadas na resolução de conflitos sociais. Tais práticas elucidam importantes fatores comportamentais que estão vinculados ao surgimento de problemas ou conflitos, de modo que são corrigidos os emaranhamentos vivenciados pelas pessoas e são trazidos ao bojo familiar a sensação agradável de equilíbrio e paz. Será destacado na pesquisa que o juiz Sami Storch foi pioneiro a trazer o método das constelações familiares ao Brasil, sendo usado inicialmente em 2012, na Bahia. Saliente-se que foi efetivada uma pesquisa científica descritiva e analítica, e foram realçadas as fundamentações de especialistas na área de estudo com vistas ao alcance dos objetivos da pesquisa. Por fim, foram externadas as referências utilizadas no desenvolvimento do presente trabalho.
Palavras-chave: Constelação familiar. Poder Judiciário. Resolução. Conflitos.
ABSTRACT: This article discusses the importance of family constellations practices, created by Bert Hellinger, their conceptualization and how they are used in the resolution of social conflicts. Such practices elucidate important behavioral factors that are linked to the emergence of problems or conflicts, so that the entanglements experienced by people are corrected and the pleasant feeling of balance and peace is brought to the family bulge. It will be highlighted in the research that Judge Sami Storch was pioneer in bringing the family constellations method to Brazil, initially being used in 2012, in Bahia. It should be noted that a descriptive and analytical scientific research was carried out, and the ideas of specialists in the area of study were highlighted with a view to achieving the research objectives. Finally, the references used in the development of this work were externalized.
Keywords: Family Constellation. Judicial System. Resolution. Conflicts.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2.Principais Aspectos das Constelações Familiares. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A técnica de constelação familiar foi desenvolvida e introduzida na sociedade pelo psicanalista Bert Hellinger, nascido na Alemanha em 1925. Além da formação anteriormente mencionada, Bert Hellinger também estudou filosofia, teologia e pedagogia. A aludida técnica foi considerada uma formação para a vida e o levou a ser reconhecido como uma personalidade importante no atual universo psicoterapêutico (HELLINGER SCHULE, 2021).
A prática da constelação familiar se destacou pelos resultados alcançados e por não ser consubstanciada em uma técnica engessada que seguia uma fórmula aprendida, procedente de uma solicitação de ajuda, e usada da mesma forma para todos. Diante disso, a constelação familiar se caracteriza por ser uma habilidade singular, de ver e encarar tudo como é, exatamente como é mostrado e compreendido.
Vista e introduzida inicialmente dentro da vivência familiar, as constelações familiares ajudam a esclarecer as teias que ligam a vida e o destino de membros da mesma família e grupo familiar, bem como os resultados e os efeitos trazidos por meio da consciência humana, que, quando expostos à luz da percepção da própria existência, despontam emaranhamentos e divergências.
Surgem, então, duas etapas de trabalho a serem exploradas: o envolvimento e a solução. Nessa esteira, quando, na família e/ou grupo familiar, existe um inevitável sentimento de vínculo e compensação percebido por todos, em que não se permite a exclusão de ninguém ali inserido, fica visível que houve uma identificação e representação inconsciente de alguém daquele mesmo grupo familiar que foi anteriormente excluído e agora é manifestado por membros ulteriores desta família. Tal situação é chamada de envolvimento.
Logo, quando esse emaranhamento é compreendido e trabalhado, os atuais pertencentes a esse grupo familiar com conflitos veem os excluídos como integrantes da família e dão a eles um lugar de amor, respeito e pertencimento, de modo a reparar os danos que foram provocados a eles, a quebrar o ciclo e a dar uma solução aos conflitos. Nesse contexto, constata-se que, no grupo familiar, prevalece a lei de igualdade de todos e a importância de cada um em prol da família. Importante registrar que, nesse ambiente, todos os envolvidos são indispensáveis e inesquecíveis.
Portanto, as etapas de envolvimento e de solução são consideradas por Bert Hellinger como “Ordens do Amor”, que realçam os sentimentos existentes em um contexto familiar e reparam a culpa por meio da cura amparada em um mecanismo de compensação de sensações.
Acresce-se que alguns desses emaranhamentos ganharam dimensões indomináveis e alcançaram a esfera jurídica, necessitando de intervenções ou ajustes compatíveis de acordo com o caso concreto em análise. Sob esse prisma, as constelações familiares começaram a ser trabalhadas no Sistema Judiciário da Bahia em 2012 por meio dos ensinamentos e da didática do juiz Sami Storch.
2. PRINCIPAIS ASPECTOS DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES
Preliminarmente, importante sublinhar que a percepção da necessidade e o início das constelações familiares se materializam por meio dos emaranhamentos, já mencionados anteriormente e definidos por Bert Hellinger como, in verbis:
Emaranhamento significa que alguém na família retoma e revive inconscientemente o destino de um familiar que viveu antes dele. Se, por exemplo, numa família, uma criança foi entregue para adoção, mesmo numa geração anterior, então um membro posterior dessa família se comporta como se ele mesmo tivesse sido entregue. Sem conhecer esse emaranhamento não poderá se livrar dele. A solução segue o caminho contrário: a pessoa que foi entregue para adoção entra novamente em jogo. E colocada, por exemplo, na constelação familiar. De repente, a pessoa que foi excluída da família passa a ser uma proteção para aquela que estava identificada com ela. Quando essa pessoa volta a fazer parte do sistema familiar e é honrada, ela olha afetuosamente para os descendentes. (HELLINGER E HOVEL, 1996, p. 08)
Bert Hellinger consigna a existência de uma consciência de grupo, chamada “consciência de clã”, que permeia todos os membros de um grupo familiar e induz o comportamento dos componentes do referido grupo. Oportuno externalizar, também, que a “consciência de clã” explica o fenômeno do emaranhamento e esclarece os acontecimentos com a família em um nível profundo.
Destarte, não pode haver a visão individualizada de cada ser humano, mas, sim, vê-lo incorporado ao meio que o guia na vida, por meio da força motriz, que é a ação da “consciência de clã”. Importante ressaltar que, quando ocorre a constelação familiar, esse agir se evidencia, sendo trazido à superfície por meio dos representados, de modo a possibilitar a visualização do problema e, por fim, da solução.
O criador das constelações familiares considera tal técnica como um mecanismo baseado em um ritual de cura, com alguns traços de liturgia. Porém, nada é externo, visto que o desdobramento da constelação familiar ocorre durante a sua realização, sem roteiros, apenas deixando-se guiar pelas emoções envolvidas e, assim, a dinâmica vai ganhando intensidade em frente ao constelador e ao constelado.
Consequentemente, na constelação familiar, o que estava oculto fica perceptível, o que proporciona a cura e a aceitação, sendo a técnica fenomenologicamente guiada, como é descrito pelo psicanalista Bert Hellinger. Nesse contexto, compreendem-se a realidade e a maneira como ela se apresenta. Em vista disso, todo processo é tratado com bastante precaução e respeito.
Confira os esclarecimentos que se seguem acerca da temática, in verbis:
Quando monto a constelação de uma família, cada pessoa que ali se encontra pode sentir exatamente o que se passa nessa família, apesar de os membros verdadeiros se encontrarem bem longe dali. A ordem dessa família repete-se nessa constelação. Através da constelação tenho, repentinamente, acesso a uma realidade que não consigo perceber por meio do pensamento. Algo que estivera oculto vem à luz. Uma vez à vista posso tentar encontrar uma solução. (HELLINGER E HOVEL, 1996, p. 39)
Pertinente exteriorizar que outro fator importante e intrigante corresponde a energia que habita no processo de constelação, o que leva as pessoas escolhidas para a representação (os representantes) a sentir sintomas e emoções reais que são inerentes aos constelados, mesmo sem ter quaisquer conhecimentos sobre eles.
Com efeito, sendo alcançado o objetivo, ou seja, a correção daquilo que estava desalinhado, a ordem é restabelecida e, com ela, a certeza de que tudo ficará em ordem gerando uma sensação de alívio, de paz e recomeço ao constelado.
Pode-se constatar que as práticas de constelações familiares de Hellinger saíram da esfera da psicoterapia e despertaram interesses nas demais áreas, uma vez que evidenciou a compreensão do ser humano como um todo, de maneira holística, que está inserido em grupos, sistemas e relacionamentos multipessoais.
Logo, em 2012, esse método alusivo a constelações familiares foi introduzido na Justiça da Bahia pelo Juiz Sami Storch, que, em 2006, teve o primeiro contato com a aludida técnica em uma terapia pessoal. Sendo assim, ao se tornar magistrado, decidiu empregá-la nos processos de disputas judiciais, obtendo resultados satisfatórios, ipsis litteris:
O juiz diz que hoje o judiciário enfrenta muitos desafios com a enorme quantidade de processos que tratam de conflitos intermináveis, que passam de geração em geração. Para ele, buscar soluções diferentes, como Constelação Familiar, é uma maneira de obter melhores resultados judiciais. (MENESES, 2020, p.11)
Por conseguinte, o intuito do método em apreço consiste em instruir as partes envolvidas e levá-los à reflexão do motivo causador do conflito que gerou um processo judicial, para que seja conduzido de forma pacificadora, com ganho para os ambos os lados. Geralmente, as questões familiares conflituosas, como, por exemplo, divórcios litigiosos, violência doméstica, adoção etc., são direcionadas para sessões de constelações familiares.
Segundo Meneses (2020, p. 9), os temas mais presentes nas sessões de constelações familiares no judiciário do País são “dificuldades de relacionamento, mortes na família, separação, tragédia, doenças, problemas financeiros, heranças, traumas e vícios”.
Da mesma maneira que Hellinger aprecia os resultados de seu método em ajudar os envolvidos a resolver os conflitos e a estabelecer a relação com o poder de cura de sua família, o Sistema Judiciário também tem como finalidade a resolução do conflito e a restauração da harmonia entre as partes de forma eficaz e sem traumas. Além disso, o Judiciário busca reduzir os custos, a resolutividade precoce dos casos reunidos com o passar do tempo e os novos adquiridos.
Conforme Sami Storch acredita, apesar do método não ter potencial para aplicação da lei penal, pode atuar significativamente nas reincidências, humanizar o processo e o cumprimento da pena, amenizar as dores das vítimas, eliminar os emaranhados sistêmicos e estimular o entendimento da realidade pelos agressores. Confira, textualmente:
A Constelação Familiar aplicada no Poder Judiciário se alinha aos objetivos da Resolução nº 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2010) por auxiliar na construção da cultura da solução pacífica dos conflitos e na consolidação da política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos, apesar de não ser um instrumento de resolução jurídica de demandas, como a mediação e a conciliação, mas contribui para chegar a soluções consensuais e ampliar o acesso à justiça nos tribunais multiportas. (VALADARES, 2020, p. 71)
Sob a perspectiva do Brasil, resta-se cristalino o uso das constelações familiares no Sistema Judiciário, conforme explicitado por Valadares (2020), in verbis:
(...) com exceção dos tribunais de justiça do Tocantins, de Sergipe, do Espírito Santo, do Acre, do Amazonas e de Roraima, após apenas sete anos, todos os demais 21 Estados já aplicam, em alguma medida, a técnica psicoterapêutica da Constelação Familiar. Dado que confirma a hipótese inicialmente considerada de que mais de 60%, atualmente 78%, dos tribunais estaduais no Brasil já adotariam práticas consteladoras. Mesmo os tribunais que ainda não utilizam o método Hellingeriano já ministraram palestras, workshops, oficinas e debates para divulgação do instituto (VALADARES, 2020, p.82)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer o método psicoterapêutico das constelações familiares que aborda as emoções, as atitudes conscientes e inconscientes permite a compreensão de todos os fatores nos quais as pessoas estão envolvidas, os quais fazem parte da consciência de clã que as acompanha desde o início da vida. A aludida técnica colabora na percepção daquilo que está oculto e influencia as decisões de vida para que a cura dos males e uma nova postura seja adotada.
Ademais, torna-se nítido que todos os envolvidos em determinadas situações possuem um motivo para estar onde se encontram, podendo ser vítima, agressor, devedor e outros. Destaque-se que tais causas não são compreensíveis no começo. Somente após viver a experiência de constelado que virão à luz todo o entendimento e a solução para os emaranhamentos da vida.
Dessa forma, faz-se mister que se compreendam os benefícios trazidos pelo uso das constelações familiares como instrumento a ser trabalhado pelos profissionais do Sistema Judiciário. Isso porque, por meio desse método, pode-se identificar a origem do conflito, o que tende a possibilitar o entendimento mútuo do problema pelas partes, de modo a traçar planos certeiros de reconciliação e a reduzir as chances de futuros litígios.
Saliente-se, outrossim, que as constelações familiares se amparam em uma metodologia que promove a desburocratização da justiça, o andamento de processos acumulados e o exercício da cidadania. Sendo assim, resta-se inequívoco que tal método fomenta a pacificação social nos litígios, sobretudo os voltados para a seara de família.
Por fim, verifica-se que o primeiro passo foi dado na Justiça da Bahia e paulatinamente está se estendendo a todo o País, pois o mundo está em constante adaptação e descobertas, movido por novas formas de compreensão e resolução de conflitos as quais estão sendo inseridas nos mais diversos contextos. Observe que muitas atitudes vistas como incorretas e inaceitáveis pela sociedade são reflexos daqueles que não encontram o amor e o pertencimento que lhes são de direitos.
4. REFERÊNCIAS
HELLINGER SCHULE. Biografia de Bert Hellinger 1925-2019. Hellinger Sciencia Gmbh&Co. KG. Disponível em: https://www.hellinger.com/pt/bert-hellinger-o-original/bert-hellinger/biografia-breve/. Acesso em: 04 jun. 2021.
DAGOSTIN, Aline. A aplicação da Constelação Familiar Sistêmica no Judiciário, especialmente nas varas de família. Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Divulgação em dezembro de 2019. Disponível em: http://repositorio.unesc.net/handle/1/7544. Acesso em: 27 maio 2021.
HELLINGER, Bert. A cura: Tornar-se saudável, permanecer saudável. Tradução de Daniel Mesquita de Campos Rosa. 1. ed. Belo Horizonte: Atman, 2014.
HELLINGER, Bert; HÖVEL, Gabriele. Constelações familiares: O reconhecimento das ordens do amor. Conversas sobre emaranhamentos e soluções. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 1996.
HELLINGER, Bert. Ordens do amor: um guia para o trabalho com Constelações Familiares. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2003.
MENESES, Ana Victoria Morais. Constelação Familiar como método de resolução de conflitos no Judiciário. PUC/Goiás. Divulgação em 25/11/2020. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/164. Acesso em: 26 maio 2021.
VALADARES, Gilson Coelho. Constelação familiar no poder judiciário brasileiro: humanização do Direito e ampliação da cidadania nos tribunais de justiça multiportas. 2020.108f. Dissertação (Mestrado profissional e interdisciplinar em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos) – Universidade Federal do Tocantins, Programa de Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional em Direitos Humanos, Palmas, 2020.
[1] Especialista em Gestão, Supervisão e Orientação Escolar. Servidora pública do Estado do Tocantins. Licenciada e Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Mato Grosso (UEMT). Assessora jurídica no Departamento Estadual de Trânsito do Tocantins (DETRAN/TO). Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO.
[2] Especialista em Direito Tributário pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Bacharel em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB).
Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), Câmpus Palmas/TO. Gestor em Agronegócio pelo Instituto Federal do Tocantins (IFTO). 2º Sargento da Polícia Militar do Estado do Tocantins. Operador Aerotático. E-mail:[email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, PAULO ROBSON MARTA DA. Constelação familiar: definição e sua introdução como método alternativo na resolução de conflitos no judiciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59036/constelao-familiar-definio-e-sua-introduo-como-mtodo-alternativo-na-resoluo-de-conflitos-no-judicirio-brasileiro. Acesso em: 25 dez 2024.
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