RESUMO: A análise da inversão do ônus da prova na relação de consumo para verificar se em todas as relações de cunho consumerista enseja nesta inversão probante, é o que se busca no presente trabalho. Buscou-se dissecar a relação jurídica de consumo, ou seja, compreender cada elemento de sua composição, bem como compreender a disciplina do ônus da prova no ramo consumerista, especialmente a inversão probatória deferida pelo magistrado. A pesquisa concluiu que, em qualquer relação jurídica de consumo, presente apenas um dos requisitos que ensejam a inversão judicial do ônus da prova, quais sejam a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência, o magistrado lançará mão desse instrumento jurídico. A única possibilidade dessa situação não ocorrer é no caso de não haver a presença de nenhum dos requisitos, circunstância que, nos dias atuais, com o advento do mundo globalizado e por questões sociais, é improvável de se verificar.
Palavras-chave: processo civil, consumidor, código de defesa do consumidor, hipossuficiência, verossimilhança.
INTRODUÇÃO
De acordo com a nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXII, constitui direito e garantia individual a proteção ao consumidor. Ademais, no art. 170, da nossa Carta Magna dispõe que a ordem econômica sempre deverá ter como uns dos seus princípios, a defesa do consumidor.
O ambiente nas relações consumeristas sempre teve um grande contraste, onde por um lado existe o fornecedor, a parte mais forte na relação jurídica, e do outro lado está o consumidor, o qual, em muitas ocasiões é a parte mais fraca. Logo, o Código do Consumidor veio para regulamentar os negócios jurídicos entre fornecedor e o consumidor.
Este diploma legal é de cunho extremamente protecionista, haja vista que na maioria das vezes sempre existe uma situação de desigualdade entre as partes. O Estado, através do Poder Judiciário tem como objetivo amparar os anseios dos indivíduos resolvendo seus conflitos e consequentemente, promovendo a justiça.
Analisando as relações jurídicas de consumo, podemos notar que sem a existência deste Código, o consumidor seria extremamente prejudicado, pois, em muitos casos, não possui o mesmo conhecimento técnico do fornecedor e muito menos é capaz de produzir provas capazes de formar o convencimento do magistrado ao seu favor.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, um rol de direitos básicos do consumidor, e vale ressaltar que este rol não é taxativo, pois não se excluem os direitos adquiridos por meio de tratados internacionais e até mesmos aqueles derivados dos princípios gerais do direito, é o que preceitua o art. 7º. Dentre estes direitos do consumidor, existe um em especial que chamou a atenção dos estudiosos do direito, qual seja, aquele estampado no inciso VIII: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. O presente trabalho, pretende analisar justamente se em todas as situações jurídicas de consumo, sem qualquer exceção, há de ser deferido tal benefício em favor do consumidor, pois, mesmo embora ser um dos direitos legais do consumidor, deve-se analisar se está ocorrendo a obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, os quais, por estarem estampados em norma hierarquicamente superior, devem sempre serem respeitados.
Através deste trabalho, tivemos a oportunidade de ampliar nossos conhecimentos sobre o Código de Defesa do Consumidor, notadamente em sua área processual. Notamos que o consumidor, na maioria dos casos é a parte mais fraca, e por isso necessita de meios para se igualar ao fornecedor. Atualmente, se consolidou o entendimento de que basta apenas a presença de um dos requisitos elencados no art. 6º, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor para que o magistrado defira a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Todavia, conforme demonstrado, estes estudiosos possuem determinada cautela em admitir que apenas a hipossuficiência seja o bastante para conceder este benefício, haja vista que antes de tudo, deve-se atentar à princípios constitucionais.
1. ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
1.1 FORNECEDOR
De acordo com o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor: "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Diante da leitura do artigo supramencionado, podemos perceber que o legislador decidiu enquadrar um número considerável de pessoas que podem ser fornecedores. Pode ser pessoa física, como é o caso do empresário individual, pode ser pessoa jurídica, pode até mesmo ser um ente despersonalizado, como a massa falida.
O fornecedor sempre deve desenvolver uma atividade, a qual é uma pluralidade de atos, prolongando-se no tempo, não possuindo destinatários específicos, ou seja, deve ser direcionada para a coletividade, por fim essa atividade deve sempre visar o lucro (ainda que de modo indireto)
Por fim, é importante fazer uma ressalva. Não se deve considerar como fornecedor aquele indivíduo que esporadicamente vende bens, sem a intenção clara de lucrar com esta venda. A título de ilustração deste pensamento, trago o exemplo citado por Simão (2003, 38):
o sujeito que, após anos de uso do carro, resolve vendê-lo, certamente não será fornecedor nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, se o mesmo sujeito tiver dezenas de carros em seu nome e habitualmente os vender ao público, estaremos diante de uma relação de consumo e ele será considerado fornecedor.
1.2 O CONSUMIDOR
Conforme reza o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor: "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” O legislador deixou bem claro que a pessoa jurídica pode ser enquadrada como consumidora. Todavia, esta somente será considerada consumidora caso seja a destinatária final do produto e serviços. Caso a empresa adquiri somente produtos para o desempenho de sua atividade, esta pessoa jurídica não deverá ser considerada consumidora.
A grande questão para que pessoa possa ser considerada consumidora é que ela deve ser a destinatária final do produto ou serviço. Tal característica sempre gerou dúvidas para os estudiosos do direito e devido a isto, surgiram teorias para explicar tal qualificação do consumidor.
A teoria "finalista ou subjetiva” está inserida de modo expresso no art. 2, do Código de Defesa do Consumidor, haja vista a presença da expressão destinatário final do produto ou serviço. Segundo Tartuce (2012, 68), no Brasil têm-se a ideia de que o consumidor deve ser o destinatário final fático e econômico:
1 Destinação final fática: o consumidor é o último da cadeia de consumo, ou seja, depois dele, não há ninguém na transmissão do produto ou do serviço.
2 Destinatário final econômica - o consumidor não utiliza o produto ou o serviço para o lucro, repasse ou transmissão onerosa.
Há também a teoria denominada “teoria maximalista ou objetiva”, a qual prega que, para que a pessoa seja considerada consumidora, basta que ela retire o bem da cadeia de consumo. Segundo esta teoria, o art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado da forma mais ampla possível. Todavia, esta teoria recebe duras críticas, haja vista que, ao se adotar uma posição totalmente ampla, acaba por retirar do Código Civil a disciplina dos contratos civis e empresariais, pois nestes contratos, um dos pressupostos a igualdade entre as partes. Tal teoria não foi aceita pelo nosso ordenamento jurídico.
Adiante, surgiu a teoria “finalista aprofundada”, esta prega que, para que seja caracterizada uma relação de consumo deve-se observar se a aquele que adquiriu o produto é a parte mais vulnerável da relação jurídica. Uma das maiores defensoras desta teoria, Claudia Lima Marques (2010, 87) explica:
Realmente, depois da entrada em vigor do CC/2002, a visão maximilista diminuiu em força, tendo sido muito importante para isto a atuação do STJ. Desde a entrada em vigor do CC/2002, parece-me crescer uma tendência nova da jurisprudência, concentrada na noção de consumidor final imediato (Endverbraucher), e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de finalismo aprofundado.
É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Essa nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atua fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC, conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade
Diante da explicação acima, notamos que a base desta teoria está vulnerabilidade. A vulnerabilidade pode ser destrinchada em três espécies.
A vulnerabilidade técnica é aquela que o consumidor desconhece as características do produto ou do serviço, e sendo assim, pode ser facilmente enganado pela outra parte.
A seguir têm-se a vulnerabilidade jurídica, que se caracteriza pela ausência de conhecimentos jurídicos e ciências afins, como contabilidade, economia e etc.
Por fim, existe a vulnerabilidade fática, onde se observa o poder econômico que a parte impõe, e através disto, o consumidor se encontra em uma situação completamente desfavorável.
Para encerrar o presente tópico, analisaremos o chamado “consumidor equiparado ou bystander”. Esta espécie foi retirada dos artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29 da Lei de Defesa do Consumidor.
O art. 2º, parágrafo único do CDC diz que: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Através desta leitura, percebemos que este Código tenta proteger não só aquele o consumidor em uma relação jurídica de consumo em específico, mas sim a toda uma universalidade de potenciais consumidores de produtos ou serviços.
O instituto jurídico da responsabilidade civil também foi alvo do CDC para inserir o consumidor equiparado. De acordo com o art. 12, do CDC:
O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
E no art. 17, do mesmo diploma legal, diz que equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento danoso.
Por fim, o art. 29, da Lei consumerista relata que todas as pessoas determináveis ou não se equiparam aos consumidores em relação à exposição de ofertas, publicidades e propagandas, ou seja, caso haja a circulação de uma publicidade enganosa, o Código de Defesa do Consumidor não protege só aquele que foi prejudicado, e sim todas as pessoas que poderiam sofrer algum prejuízo devido a estas informações falsas.
1.3 PRODUTOS /SERVIÇOS
Segundo o art. 3º, §1º, do CDC: “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” O bem móvel é aquele que pode ser transportado sem prejuízo de sua integridade, como é o caso do automóvel, que poder claramente um objeto em uma relação de consumo. Já o bem imóvel é aquele que cujo transporte ou remoção implica em sua destruição ou deterioração, como por exemplo, o apartamento.
Por outro lado, através da leitura artigo supramencionado, notamos que o produto também pode ser material ou imaterial. No primeiro caso, é muito simples a explicação, é um bem corpóreo, tangível, como é o caso do apartamento e do automóvel. Já o produto imaterial, que é aquele incorpóreo, intangível, podemos citar o exemplo de Tartuce (2012, 84): “como bem imaterial, destaque-se o exemplo do lazer, que envolve uma plêiade de situações contemporâneas”
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3, §2º, estabelece que o serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Apesar da lei consumerista ser bem clara no sentido de que deve haver a remuneração, a jurisprudência admite que o prestador de serviço obtenha vantagens indiretas, sem que haja prejuízo em sua qualificação nas relações de consumo. Para exemplificar este pensamento, trazemos o exemplo de Tartuce (2012, 88): “Como primeiro exemplo, invoca-se o caso do estacionamento gratuito em lojas, shoppings centers, supermercados e afins, respondendo a empresa que beneficiada pelo serviço, que serve como atrativo aos consumidores.”
2. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Inicialmente, cumpre apenas esclarecer como o Código de Processo Civil estabeleceu, de forma geral, o ônus da prova. Conforme o art. 373, o código adjetivo asseverou o seguinte: “I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. ”
Pois bem.
Existem três espécies de inversão do ônus da prova: a) convencional; b) legal; c) judicial.
A inversão do ônus da prova convencional pode ocorrer antes ou durante o trâmite do processo, e esta é decorrente de um acordo entre as partes. Tal espécie de inversão encontra-se limitações no art. 373, do CPC, o qual dispõe que: "i) recair sobre direito indisponível da parte; ii) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito” Segundo Tartuce (2012, pág. 511): esta segunda limitação legal é aplicável nas hipóteses de inversão do ônus probatório diante da alegação de fato negativo indeterminado, cuja prova é chamada pela doutrina de "prova diabólica”.
Analisando está espécie de inversão do ônus da prova com base no CDC, percebemos que este diploma aceita o instituto, todavia, caso o consumidor seja prejudicado, tal prática se torna eivada de nulidade. Vejamos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
Segundo a doutrina de processo civil, também não deve existir uma cláusula que atribua ao fornecedor o ônus probatório de uma prova diabólica, pois caso isto fosse permitido, não haveria a obtenção da tutela jurisdicional de excelência.
A inversão legal é aquela que tem previsão expressa na legislação, ou seja, nesta espécie não necessita de análise do magistrado no caso concreto, o próprio legislador impõe a inversão. Tal espécie pode ser considerada uma exceção à regra contida no art. 373 do Código de Processo Civil. Segundo Didier Júnior (2009, pág. 80):
A inversão ope legis é a determinada pela lei, aprioristicamente, isto é, independente do caso concreto e da atuação do juiz. A lei determina que, numa dada situação, haverá uma distribuição do ônus da prova diferente do regramento comum previsto no art. 333 do CPC.
Podemos demonstrar dois exemplos desta inversão do ônus prova no Código de Defesa do Consumidor.
A primeira situação está prevista no art. 12, §3º, do CDC. Esta situação pode ser caracterizada quando o fornecedor tem que provar que o produto não possui defeitos, que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, que não colocou o produto no mercado. Diante disso, quando houve uma ação, onde figura no polo ativo, o consumidor alegando defeitos no produto, o fornecedor tem o ônus de provar as excludentes de responsabilidades no artigo mencionado anteriormente, sob pena de ser julgada procedente a ação.
A segunda, traz a ideia de que o fornecedor tem o onus probandi de demonstrar o serviço prestado não é defeituoso, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, esta situação está caracterizada no art. 14, §3º, do CDC. Em tais casos o fornecedor deve comprovar as excludentes de responsabilidades mencionadas no artigo 14, do CDC, sob pena de ser julgada procedente a ação.
A última espécie de inversão do ônus da prova é a chamada inversão judicial, a qual, diga-se de passagem, é a mais discutida nas relações jurídicas travadas nos tribunais. Nessa espécie, aplica-se o disposto no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor o qual prevê que o juiz inverterá o ônus da prova em favor do consumidor caso este for hipossuficiente ou que suas alegações forem verossímeis. Portanto, não basta ser uma relação de consumo para que ocorra automaticamente a inversão, deve-se respeitar os requisitos legais.
Por meio da leitura da norma exposta alhures, podemos notar que os requisitos da para a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, quais sejam, a verossimilhança e a hipossuficiência, devem ser considerados como elementos alternativos, ou seja, basta apenas a presença de um deles para ensejar no deferimento da inversão. Cavalieri Filho (2010, 326) nos traz a lição: “muito já se discutiu se esses pressupostos são cumulativos ou alternativos, mas hoje a questão está pacificada no sentido da alternatividade. A própria conjunção alternativa empregada pelo legislador no texto está a apontar nesse sentido”.
Porém, o entendimento exposto acima, em que pese a sua consolidação no nosso sistema jurídico, ainda é apto a gerar certos questionamentos na doutrina, em especial na inversão com base apenas na hipossuficiência. Em outros termos, há questionamentos acerca da possibilidade de beneficiar o consumidor apenas por ser hipossuficiente, embora afirme questões totalmente inverossímeis. Sobre o tema, Tartuce diz a respeito (2012, 517):
Na realidade, custo a crer que uma alegação absolutamente inverossímil, ainda que presente a hipossuficiência do consumidor, seja apta por si só à inversão do ônus da prova, sob pena de termos de admitir a presunção de veracidade de fatos absurdamente inverossímeis. Alguma plausibilidade a alegação do consumidor deve conter, até mesmo porque a eventual falha probatória do fornecedor não deve ser suficiente para exigir do juiz a admissão de fatos que muito dificilmente ocorreram.
A preocupação desta situação é tão grande que até mesmo a doutrina a favor da alternatividade alerta sobre estes casos, conforme preceitua Cavalieri Filho (2010, 326):
No caso da verossimilhança, não há duvida quanto à dispensabilidade de qualquer outro requisito. O mesmo já não ocorre, entretanto, com a hipossuficiência. Em nosso entender, não bastará que alguém alegue a ocorrência de fato inverossímil, sem nenhuma probalidade de ser verdadeiro, e mesmo assim tenho o ônus da prova invertido em seu favor por ser hipossuficiente.
Feito os devidos apontamentos, veremos, a seguir, de maneira mais aprofundada, os requisitos supramencionados.
A verossimilhança da alegação do consumidor, exige que as afirmações feitas pareçam ser verdadeiras, e para isto, deve tomar por base a máxima da experiência, conforme a parte final do artigo 6º, VIII, do CDC. Segundo Theodoro Júnior (2001, pág. 135) a verossimilhança é: “juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor”
Por outro lado, a hipossuficiência do consumidor é instituto que gera polêmica no nosso sistema jurídico. De acordo com Tartuce, há uma tendência majoritária em entender que a hipossuficiência do consumidor é a técnica. Logo, podemos perceber que a condição econômica do consumidor não é fator para que enseja na inversão do ônus da prova, já que, podem existirem situações em que o consumidor detém maior capacidade financeira do que o fornecedor, todavia, podem ter dificuldades ao acesso às informações e meios necessários para a produção de provas.
Segundo Tartuce (2012, pág. 519), o magistrado deve utilizar este instituto jurídico com muita cautela, vejamos:
Deve-se, entretanto, ter muito cuidado no caso concreto com essa inversão do ônus da prova, porque não parece razoável que com a inversão no caso concreto ao fornecedor seja imposto um ônus do qual será extremamente difícil, ou até mesmo impossível, se desincumbir. A superioridade técnica do fornecedor deve se manifestar n o caso concreto de forma que a ele seja viável ou mais fácil a produção de prova, e quando isso não corre é difícil sustentar a hipossuficiência do consumidor.
O momento para determinar a inversão do ônus da prova judicial é uma matéria polêmica na doutrina. Existem ao mínimo três posições a respeito deste assunto.
A primeira parcela dos estudiosos sobre assunto, o momento mais adequado para o magistrado determinar a inversão do ônus da prova judicial é ano momento de sua aplicação.
Já outra parcela da doutrina, como por exemplo, Nelson Nery Júnior e Maria Rosa de Andrade, entendem que o momento para a inversão do ônus da prova é na sentença.
Por fim, outros estudiosos do direito, como Alexandre Câmara, entendem que o momento mais adequado para que o magistrado defira a inversão do ônus da prova e no momento de saneamento do processo, ou seja, antes de se iniciar a instrução probatória.
3. A IMPORTÂNCIA DO ÔNUS DA PROVA NO CDC
No direito do consumidor existem duas partes: o consumidor e o fornecedor. O primeiro, na maioria dos casos, não possui conhecimentos técnicos e científicos acerca do produto que está prestes a adquirir. Por outro lado, o fornecedor possui amplo e extenso conhecimento científico sobre o produto ou serviço. Portanto, proposta uma demanda, o consumidor, geralmente ficará em desvantagem sobre o fornecedor, tendo em vista que este detém conhecimentos avançados sobre o produto ou serviço.
O ônus da prova é um dos pilares do nosso sistema processual, e, havendo uma desigualdade na produção de provas, deve o Estado intervir para resolver este impasse.
Daí que surge a inversão do ônus da prova para o consumidor, tendo em vista sua fragilidade, desconhecimento técnico, este, na maioria dos casos, estará em posição desigual em relação ao fornecedor. Logo, a inversão do ônus da prova surgiu para equilibrar as partes, ou seja, com este instrumento o consumidor consegue alcançar o mesmo nível probandi do fornecedor, ou seja, diante deste instrumento jurídico, as partes poderão defender de igual para igual seus direitos em juízo.
O Poder Judiciário prega pela justiça, e caso não houvesse a criação da inversão do ônus da prova, provavelmente o fornecedor, na maioria dos casos, sempre sairia vencedor na demanda. A falta de instituto jurídico ocasionaria inevitavelmente a desigualdade entre as partes, e consequentemente a demanda estaria sob égide da injustiça, fato este inadmissível pelo nosso Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
Por meio deste trabalho podemos perceber que no sistema jurídico processual, quem alega determina fato é quem possui o ônus de prová-lo. Essa é a regra geral adotada pelo nosso Código de Processo Civil.
Esta dinâmica do ônus de prova é muito clara no sentido de que, caso a parte autora não consiga comprovar os fatos narrados na inicial, o juiz julgará a demanda improcedente. No mesmo sentido, caso o requerido, alegue fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, e não os comprove, o magistrado julgará procedente o pedido do autor.
Todavia, em determinadas situações o juiz pode determinar que se inverta o ônus da prova. No caso da relação de consumo, o juiz pode, analisando o caso concreto, deferir a inversão do ônus da prova, onde o consumidor afirma determinado fato, e o fornecedor deverá comprovar que esta afirmação não é válida. Deve-se destacar também os casos de inversão impostas pela legislação, a favor do consumidor.
Este instituto jurídico nasceu da necessidade de se igualar a relação jurídica de consumo, haja vista que, na maioria dos casos, o fornecedor possui maiores conhecimentos técnicos e também tem a capacidade de produzir mais provas.
Portanto, a única maneira de não ocorrer a inversão do ônus da prova, de forma judicial, é a situação em que o consumidor não seja nem hipossuficiente e nem que suas alegações sejam verossímeis, todavia, pelo caráter excessivamente protecionista deste Código e pelo nosso contexto social, onde sempre se vê o consumidor como uma parte mais fraca, acreditamos que seja praticamente impossível o magistrado não determinar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
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Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. v.1, Rio de Janeiro: Forense, 2011.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás Analista Judiciário - TJGO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JARDIM, João Paulo Barbosa. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59339/a-inverso-do-nus-da-prova-nas-relaes-de-consumo. Acesso em: 23 dez 2024.
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