RESUMO: Este artigo parte do questionamento da função social da propriedade urbana em relação ao seu limite, sua definição ou forma de exploração, seja loteado ou alocado para habitação popular. Recorrendo ao método hipotético-dedutivo foi feita pesquisa baseada em levantamento de dados bibliográficos. Primeiramente, são apresentados os conceitos de propriedade a luz da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002. Em seguida, as leis que fundamentam a regulação da função social da propriedade urbana. E, finalmente, busca identificar, a luz dos princípios constitucionais da dignidade humana e da justiça social, como se processa a função social da propriedade urbana.
Palavras-chave: Função Social da Propriedade Urbana. Regulamentação. Habitação Popular.
ABSTRACT: This article starts from the questioning of the social function of urban property in relation to its limit, its definition or form of exploitation, whether subdivided or allocated to popular housing. Using the hypothetical-deductive method, research was based on data collection bibliographic. First, the concepts of property are presented in the light of the Constitution of 1988 and the Civil Code of 2002. Then, the laws that underlie the regulation of the function of urban property. And, finally, it seeks to identify, in the light of constitutional principles human dignity and social justice, how the social function of urban property is processed.
Keywords: Social Function of Urban Property. Regulation. Popular Housing.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de propriedade à luz da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002. 3. As leis que fundamentam a regulação da função social da propriedade urbana. 4. O processamento da função social da propriedade urbana à luz dos princípios constitucionais da dignidade humana e da justiça social. 5. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A propriedade como delimitação moderna é uma criação das Revoluções liberais do século XVIII, tida como uma projeção do próprio indivíduo, como direito natural, sendo, portanto, ilimitada, onde o Estado existe para proteger a propriedade. Esta concepção permeia a Constituição Americana de 1787, depois a francesa e o primeiro código civil de napoleão. Há, na verdade, uma ideia de liberdade contratual, sem interferência do Estado, para garantir a liberdade econômica.
Este modelo sustenta-se até o início do século XX, quando surge a participação popular na política com o rompimento do modelo censitário atrelado a renda, onde só podia votar quem tivesse propriedade, a partir de determinada renda.
Inicialmente, há um sufrágio masculino, a nível mundial, que se solidifica com a primeira guerra mundial, quando o Estado é levado a lidar com uma economia de guerra, tendo então que participar da economia com planejamento e reestruturação do setor produtivo. Historicamente, a partir da República de Weimar, na Alemanha, que elabora uma constituição onde a concepção de propriedade deixa de ser algo absoluto e passar a ser protegida pelo Estado e a cumprir uma função social, ou seja, ela tem que ser utilizada no sentido de ser útil para a coletividade (BERCOVICI, 2003).
No Brasil, primeiramente, surge na constituição de 1934 onde a propriedade poderia ter seu conteúdo definido em lei, de acordo com o interesse coletivo. Depois, surge na Constituição de 1946 e, finalmente, na Constituição de 1988, foco deste trabalho. Lembrando que na Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se os princípios e objetivos fundamentais, visando garantir a base constitucional do Estado Democrático de Direito.
A regulamentação da função social da propriedade urbana está alinhada aos princípios constitucionais no Estado democrático de direito, em especial a dignidade da pessoa humana e a justiça social.
O estudo do referido tema é de suma importância para o âmbito do direito, à medida em que a função social da propriedade estabelecida pela Constituição de 1988 tem sido combatida por um viés ideológico liberal que dificulta o reconhecimento de sua regulamentação com base nos princípios do Estado Democrático de Direito, principalmente quanto à dignidade da pessoa humana e à justiça social. Carece, portanto, de desmistificação para que esta relação seja compreendida no ordenamento jurídico.
O presente artigo científico será elaborado por meio de pesquisas bibliográficas, constituída com monografias e ensaios doutrinários. Em relação aos seus objetivos, a pesquisa será de análise elaborada mediante os levantamentos bibliográficos. A respeito dos procedimentos técnicos, o método adotado será a pesquisa bibliográfica que busca a solução de problemas a partir de material já finalizado.
2 CONCEITO DE PROPRIEDADE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O direito à propriedade é um dos mais complexos dos direitos reais. Orlando Gomes (2006) divide em três requisitos: sintético, analítico e descritivo. Dessa forma, sinteticamente a propriedade revela-se como submissão da coisa, em todas as suas relações jurídicas, a uma pessoa. Por outro lado, no sentido analítico para o jurista a propriedade está ligada aos direitos de usar, fruir, dispor e alienar a coisa. Além disso, pelo ponto descritivo, a propriedade é um direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo sob qual uma coisa está subordinada a uma pessoa obedecendo os limites da lei.
Outrossim, a propriedade é um direito fundamental garantido no artigo 5º, XXII da Constituição Federal, direito que alguém possui sobre um bem determinado. Segundo Maria Helena Diniz (2007), direito que pessoa jurídica ou física tem, dentro dos limites da lei, de usar, gozar, usufruir, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, e de reivindicá-lo de quem o detenha injustamente.
Por outro lado, apesar de a Constituição de 1988 garantir o direito a propriedade a todos, assim como todos os direitos fundamentais, não é absoluto. Portanto, a Lei Maior estabelece limites, entre eles a função social, concepção reforçada pelo Estatuto da Cidade.
Ademais, o Código Civil elenca no artigo 1228 os poderes elementares do proprietário: direito de usar (jus utendi), ou seja, a faculdade do dono de utilizar, ou não, a coisa da maneira que lhe for mais conveniente, sem alterar sua substância, e obedecendo os limites legais; direito de gozar ou usufruir (jus fruendi), aquele que se percebe os frutos naturais e civis da coisa, e possibilidade de aproveitamento econômico de seus frutos; direito de dispor da coisa (jus abutendi), consiste no poder de transferir, alienar a coisa, e gravá-la de ônus.
3 DAS LEIS QUE FUNDAMENTAM A REGULAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA
A função social é intrínseca da propriedade, não significa restrição de gozo e uso dos bens próprios, trata-se da aptidão produtiva da propriedade, ou seja, revela o destino determinado da coisa, o poder de vinculá-lo a certo objetivo, dever imposto pela Constituição Federal. Desse modo, requer de todo dono de riqueza a obrigação de manuseá-la para crescimento da riqueza social.
Na medida que essa qualificação social não desnatura os elementos da propriedade privada, importa compatibilizar o direito subjetivo e a função, aquele condicionado por esta, mediante imposição de deveres, positivos ou negativos, visando o cumprimento da finalidade definida para os bens objeto do direito de propriedade, segundo sua natureza e de acordo com as diversas situações merecedoras de tutelas especiais. (CHALHUB, 2003, p. 4).
A Carta Magna dispõe que a propriedade deve respeitar os limites da função social, no artigo 5º, XXIII, e também impõe limites a ordem econômica, estabelecendo barreiras à atividade empresarial, artigo 170, II.
De acordo com Oliveira (2011), a Constituição Federal de 1988, conferiu nova formatação ao direito de propriedade, conduziu o exercício do direito de propriedade à sua função social, priorizando a coletividade em detrimento do capital, o que determinou uma reavaliação dos textos infraconstitucionais.
Além disto, o Código Civil de 2002 anuncia que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas, sociais, preservando, em conformidade com a legislação especial, a flora, fauna, belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, evitando a poluição das águas e do ar. (art. 1228, §1º). Desse modo, afasta-se da concepção romana de propriedade, para concilia-la com os objetivos sociais da sociedade contemporânea.
Ressalta-se que, a função social da propriedade urbana é prevista pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), que determina a necessidade do planejamento urbano, estabelecendo garantia fundamental do Estado, já que regula o uso da propriedade urbana em prol do coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental.
Nota-se que as leis que fundamentam a regulação social da propriedade produzem efeitos para além da problemática da apropriação da terra, permitindo o debate sobre a propriedade urbana a partir da função social da cidade.
Este aspecto é ratificado pelo art. 182 da CF que prevê política urbana visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. Dessa forma, seguindo o ordenamento jurídico, o Estatuto da Cidade estabelece as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Portanto, todas as peças se conectam num mesmo objetivo, montando o arcabouço jurídico que permeia a função social da propriedade urbana.
4 O PROCESSAMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA JUSTIÇA SOCIAL
A ideia de proteção do indivíduo e de sua família contra as necessidades materiais sempre foi associada a propriedade privada como meio de garantir a sua subsistência. Neste sentido estaria limitada a mero instrumento garantidor de subsistência individual e familiar, ou seja, da dignidade da pessoa humana, como um direito fundamental, mas com conotação de direito individual.
Em outras palavras, segundo Bogovici, nestes termos não seria imputada à propriedade função social se considerar apenas a visão privatista do indivíduo. É necessário que o Estado exerça seu papel para impor limites à defesa do uso da propriedade como instrumento de poder.
Sob esse ponto de vista, não é possível defender a propriedade como direito de dignidade humana de um em detrimento de outro, pois já o deixou de ser como atesta Comparato (1997, p. 92):
“quando a propriedade não se apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário, serve de instrumento ao exercício de poder sobre outrem, seria rematado absurdo que se lhe reconhecesse o estatuto de direito humano, com todas as garantias inerentes a essa condição, notadamente a de uma indenização reforçada na hipótese de desapropriação”.
Observa-se que o autor reconhece a propriedade como direito da dignidade humana, apesar da ressalva quando associada a instrumento de poder, exatamente quando se desvincula de sua função social e assume o outro lado da moeda que, historicamente, resulta em exclusão de direitos.
No âmbito da propriedade rural, esta situação é evidente e imediatamente é relacionada a necessidade de reforma agrária como solução. No entanto, quando se trata de propriedade urbana a situação da moradia é vista como ponto isolado, não se vê como resultado de ausência de política de distribuição de renda, mas como consequência da falta de emprego. Essa visão simplista distorce até a concepção do art. 6º da Constituição de que moradia é um direito fundamental.
Ora, se a Constituição nos art. 1º e 3º, que trata dos objetivos e princípios fundamentais, determina que a função social seja um conceito vinculado a igualdade material e proteção da dignidade da pessoa humana, pode-se afirmar que o pressuposto para a tutela do direito de propriedade é o cumprimento da função social.
Além disso, a propriedade privada e sua função social são categorizadas como princípios de ordem econômica e financeira, conforme art. 170 da CF, que ratifica a necessidade de assegurar a todos existências dignas, conforme os ditames da justiça social. Neste sentido, deve-se abordar a política urbana que visa ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
Portanto, como direito fundamental, a doutrina admite que a propriedade deixou de ser um direito absoluto. Essa relativização expõe um estado permanente de conflito e a solução desse conflito passa pela restrição de um dos direitos a ser tratada pelo operador do direito, dado que as lacunas na política de desenvolvimento social e econômico do Estado, visando reduzir as desigualdades, bem como a adoção de instrumentos como o Estatuto da Cidade, não tem correspondido ao resultado esperado.
Dessa forma, a colisão de direitos fundamentais da propriedade privada, tendo em vista o direito à moradia, diante dos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social, aliada a omissão do Estado, resultará na judicialização para resolução da situação pelo aplicador do direito que deverá recorrer aos princípios da proporcionalidade a fim de harmonizar os bens jurídicos tutelados.
Acontece que, no que se refere ao direito de propriedade, o princípio da função social exerce, constitucionalmente, o papel de limitador.
Ademais, como posto pela Constituição e confirmada pelo Estatuto da Cidade, o bem estar dos indivíduos das cidades impõe a aplicação de uma política de desenvolvimento urbano a ser executada pelo poder público para ordenar o desenvolvimento, criando condições adequadas de habitação, trabalho e recreação, de forma sustentável (SANTOS, 2008).
5 CONCLUSÃO
A regulamentação da função social da propriedade urbana, ainda que fundamentada pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade, carece de políticas públicas efetivas do Estado para impor limites à defesa do uso da propriedade como mero instrumento de poder de um em relação a outro que não dispõe das mesmas condições sociais, políticas e econômicas.
Cabe ao Estado reduzir as desigualdades sociais, adotando políticas de distribuição de renda que busquem equilibrar a relação, contribuindo para diminuir a tensão social que tem resultado em violência urbana. Afinal, a função social da propriedade é garantida pela Constituição. Num Estado Democrático de Direito, falta o cumprimento da lei para resolução de conflitos.
REFERÊNCIAS
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BERCOVICI, Gilberto. O Direito de Propriedade e a Constituição de 1988: Algumas Considerações Críticas. Cadernos de Direito, v. 3, n. 5, p. 67-77, 2003.
COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ, v. 1, n. 3, p. 92-99, 1997.
CHALHUB, Melhim Namen. Função social da propriedade. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 24, 2003.
DE OLIVEIRA, Cláudia Alves. Estudo de Impacto de Vizinhança: Um Aspecto da Função Social da Propriedade Urbana. Revista de Direito da Cidade, v. 3, n. 2, p. 206-225, 2011.
BRASIL, Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.v.4: Direito das coisas.
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. atual. e aum. de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Coord. Edvaldo Brito. Rio de Janeiro Forense, 2006.
SANTOS, Kleidson Nascimento dos et al. A propriedade urbana e sua função social perfil constitucional e efetividade a partir de instrumentos do estatuto da cidade. 2008.
Graduando em Direito – UEMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALVET, Daniel Tadeu Duarte. A regulamentação da função social da propriedade urbana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60205/a-regulamentao-da-funo-social-da-propriedade-urbana. Acesso em: 24 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
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