ADRIANO DE OLIVEIRA RESENDE[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo teve por objetivo analisar as aplicações de Inteligência Artificial no Poder Judiciário Brasileiro que foi regulamentada pela Resolução Nº 332 de 21/08/2020 do Conselho Nacional de Justiça. A importância da consolidação dessas inovações tecnológicas durante/pós pandemia de Covid-19 e seu consequente impacto no cenário jurídico e social. Apresentar através de uma abordagem teórica e reflexiva discussões relevantes sobre os limites e possibilidades da relação entre Direito e Inteligência Artificial. Na metodologia foi realizado um estudo documental baseado nas bases de dados periódicos, Google Acadêmico e Scielo, cujo recorte temporal se deu entre os anos de 2017 a 2021. Nos resultados constatou-se que o uso de tais ferramentas tecnológicas concede ao sistema jurídico uma maior eficiência e um menor custo potencializando até mesmo na atuação do profissional do direito e na prestação jurisdicional.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Pandemia. Poder Judiciário.
ABSTRACT: This article aimed to analyze the applications of Artificial Intelligence in the Brazilian Judiciary that was regulated by Resolution No. 332 of 08/21/2020 of the National Council of Justice. The importance of consolidating these technological innovations during/after the Covid-19 pandemic and its consequent impact on the legal and social scenario. Present, through a theoretical and reflective approach, relevant discussions about the limits and possibilities of the relationship between Law and Artificial Intelligence. In the methodology, a documentary study was carried out based on the periodic databases, Google Scholar and Scielo, whose time frame was between the years 2017 to 2021. In the results it was found that the use of such technological tools grants the legal system greater efficiency and a lower cost, enhancing even the performance of the legal professional and the judicial provision.
Keywords: Artificial intelligence. Pandemic. Judicial power.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Resultados e Discussões 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Durante a história da sociedade, houve muitas mudanças sociais, destacando-se as revoluções industriais, que serviram, entre outras funções, escalar a produção em massa de bens de consumo. Com a Revolução Industrial, teve-se um avanço no mercado de trabalho e principalmente na relação entre o trabalhador e uma empresa.
Nesse cenário, as indústrias se tornaram mais produtivas e eficientes ao passo que o trabalho do homem começou a ser substituído pelas máquinas. A título de exemplo, inicialmente as máquinas eram a vapor, em seguida eram movidas pelo petróleo e, por fim, pela energia elétrica. A Terceira Revolução Industrial inovou no sentido de trazer a computação e automação, o que diminuiu cada vez mais o papel do trabalhador.
Atualmente, encontra-se a Quarta Revolução Industrial, ou também chamada Indústria 4.0. Essa trouxe novamente outra mudança: agora encontra-se a inteligência artificial e o machine learning.
Apesar desses avanços, Peixoto e Silva (2019) acentuam que há um equívoco comum que entende que a inteligência artificial só é aplicada em máquinas de produção industrial. Cabe lembrar que a Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia que permite a sistemas e máquinas simularem o pensamento humano. Assim os robôs com capacidade de perceber e resolver problemas, tomando decisões de maneira independente são o tema central a respeito desse assunto.
Nunes e Marques (2018) explicam que o significado de “robô” na IA não se limita a máquinas que imitam o corpo de um indivíduo, mas pode ser um programa de computador com algoritmos que o fazem desempenhar tarefas de modo semelhante a uma pessoa.
Para que seja possível compreender o grau de influência da inteligência artificial (IA) no mundo jurídico, é necessário, de exórdio, vislumbrar o contexto histórico do surgimento da IA e sua adição ao cotidiano da coletividade. (HAYKIN, 2017).
A inteligência artificial tem a sua origem muito antes da eletrônica, haja vista que sempre interessou ao ser humano a construção e o aperfeiçoamento de maquinários cada vez mais capazes e aptos a oferecer uma ampla gama de recursos; à vista disso, estudos das mais variadas áreas do conhecimento começaram a trilhar esse caminho, mais especificamente durante o período da Segunda Guerra Mundial, considerando a necessidade de desenvolvimento de tecnologia para incrementar a indústria bélica.
Nos idos de 1943, Warren McCulloch e Walter Pitts elucidaram um artigo de autoria própria que versava pela primeira vez acerca das redes neurais, compreendidas como estruturas de raciocínio artificiais apresentadas em um modelo matemático que buscava imitar o sistema nervoso humano. (HAYKIN, 2017)
Entende-se hodiernamente que Blaise Pascal teria sido, na verdade, o pioneiro no desenvolvimento do que ficou mundialmente conhecido como inteligência artificial, no instante em que construiu uma máquina calculadora que era capaz de efetuar mecanicamente adições e subtrações, isto é, operações matemáticas simples, mas rebuscadas quando se trata de inteligência artificial rudimentar. (FORBES, 2016)
Gottfried Wilhelm Von Leibniz, por sua vez, foi o primeiro a atribuir a um maquinário a incrível capacidade de raciocinar – considerando que o pensamento, ao seu modo, é redutível ao cálculo, o que seria, por isso, o ponto de partida tido como precursor da inteligência artificial.
Por volta do ano de 1833, um sujeito chamado Lorde Charles Babbage apresentou à sociedade o seu invento, do qual muito se orgulhava: construiu uma máquina de calcular. Não era qualquer calculadora, haja vista que esta era capaz não só de executar individualmente as quatro operações aritméticas básicas, mas também tinha a capacidade de efetuar sequências impressionantes de operações variadas.
Sua mente foi capaz de conceber algo ainda mais ousado e sofisticado na primavera seguinte: um novo maquinário que tinha capacidade para, ao mesmo tempo, executar cálculos aritméticos com números indo-arábicos e proceder à manipulação de expressões formais, isto é, uma máquina profundamente analítica, em que pese não tenha logrado êxito em executar a ideia concebida. (HAYKIN, 2017)
No ano de 1988 o estudioso George Boole elevou ainda mais o que se entendia a partir do desenvolvimento da noção de inteligência artificial por meio da criação do que ficou conhecido como lógica booleana, esta que se baseava em estruturas algébricas que tinham o potencial de “captar propriedades essenciais” tanto dos operadores lógicos quanto dos conjuntos, ou ainda oferecem uma estrutura capaz de lidar com afirmações. (FORBES, 2016)
Os estudos acerca da inteligência artificial se iniciaram por volta dos anos de 1950, por meio do trabalho os cientistas Hebert Simon e Allen Newell, estes que foram os pioneiros da criação do primeiro laboratório de inteligência artificial, que ocorreu na Universidade de Carnegie Mellon (EUA), tendo como objetivo comum a criação de um “ser” que fizesse a simulação da vida humana.
Em torno de 1950, o cientista britânico Alan Turing, hoje mundialmente conhecido, desenvolveu uma maneira de analisar se uma máquina tem a capacidade de se passar por um ser humano em uma conversa escrita, em língua inglesa, o que ele denominou de “Teste de Turing”, que originalmente ficaria conhecido como “Jogo da Imitação”. Este teste se baseava na premissa de que tanto uma pessoa quanto uma máquina são colocadas sob prova a fim de que um terceiro descubra se o que ali se encontra é um ser humano ou uma máquina, dispensando qualquer tipo de contato físico ou visual, o que existe é apenas o contato com as respostas dadas às perguntas que são formuladas por escrito. De acordo com os ensinamentos de Turing, uma máquina inteligente é aquela que tem a capacidade de se passar por inteligente diante dos olhos dos homens. (HAYKIN, 2017)
Em 1951, surgiu o SNARC, trata-se de uma calculadora de operações matemáticas que simula sinapses neurais, tendo sido desenvolvida por Marvin Minsky, que teve como preceptores ninguém mais ninguém menos que Warren McCulloch e Walter Pitts, estes que, como é sabido, foram os glosadores de um artigo sobre raciocínio artificial nos idos de 1943. Por volta do ano de 1952, o cientista Arthur Samuel desenvolveu um jogo de damas no IBM 701 (um computador científico comercial fabricado pela IBM que ficou conhecido na comunidade científica como “Calculadora de Defesa”), com a capacidade de evoluir por conta própria.
Durante a Conferência de Dartmouth, ocorrida nos idos de 1956, atribuiu-se a nomenclatura da área que há muito já vinha sendo desenvolvida, a tão já consagrada pela comunidade acadêmica: inteligência artificial. A conferência que teve como objeto esse estudo reuniu nomes como Nathan Rochester, da marca de computadores IBM, o Shannon, do artigo do xadrez, o Marvin, do SNARC, John McCarthy e outros grandes pioneiros e contribuintes do estudo e aperfeiçoamento da Inteligência Artificial. (HAYKIN, 2017)
O cientista John McCarthy, durante a conferência, atribuiu-lhe o nome inteligência artificial, definindo-a com a máxima do setor: “Cada aspecto de aprendizado ou outra forma de inteligência pode ser descrita de forma tão precisa que uma máquina pode ser criada para simular isso”.
A partir desse período se tornam perceptíveis quatro momentos na evolução histórica da inteligência artificial: I) existe a explosão de desenvolvimento da inteligência artificial, onde houve investimentos de órgãos privados e governamentais na área, incluindo-se aí a ARPA, Agência de Pesquisa de Projetos Avançados, onde se surgiu a internet; II) o segundo período tem início em 1966 onde a ALPAC, por via de um relatório redigido a pedido pelo Departamento de Estado norte-americano, abordando as diversas limitações que se passaria a verificar no processo de desenvolvimento da inteligência artificial, o que acarretou na redução de verbas, ficando conhecido como período da era fria da inteligência artificial, em que houve declínio no investimento da área; III) Em 1976 tem-se a era dos sistemas especialistas, o que alavancou ainda mais o processo de construção da inteligência artificial; IV) É a era Digital a qual vivemos atualmente, a inteligência artificial se desenvolve com proporções cada vez mais inimagináveis. (HAYKIN, 2017)
Estabelecendo o sentido da IA nesse cenário, fato é que o trabalho humano vem sendo cada vez menos relevante nas indústrias. Isso se refere principalmente pelo fato de que os computadores também realizam os trabalhos não braçais, como por exemplo, as pesquisas, o preenchimento de planilhas, revisões, etc.
Frente a esse contexto, o presente artigo teve como finalidade inicial apresentar os aspectos gerais a respeito da Inteligência Artificial. Para limitar essa temática, escolheu-se debater sobre essa tecnologia na área do Direito. Assim, essa pesquisa tem a seguinte problemática: qual o impacto da Inteligência Artificial no âmbito do Direito? Além desse questionamento, também foi discutido a influência da IA no cenário jurídico no período pandêmico, provocado desde fim de 2019 pela Covid-19.
Dessa forma, esse trabalho teve como objetivo analisar as vantagens e desvantagens da implementação de sistemas da IA no sistema judiciário brasileiro.
2. METODOLOGIA
Este trabalho se trata de uma Revisão Sistemática da Literatura, de caráter qualitativo desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, com desenvolvimento executado no período de julho a agosto de 2022.
Foram incluídos todos os artigos originais indexados a partir de 2017 até 2021, contendo dados qualitativos e quantitativos, que apresentaram coerência com a temática. Não se aplicou restrição por idiomas ou status de publicação.
Foram excluídos os artigos que se apresentaram fora do período da pesquisa e que não estavam diretamente relacionados com o tema. Os dados coletados foram analisados e apresentados na forma de texto descritivo, tabelas e gráficos, com o propósito de atender os objetivos da pesquisa, inferindo o que os diferentes autores ou especialistas escreveram sobre o tema.
Um levantamento de dados científicos foi realizado por meio de artigos relacionados ao objeto de estudo, que foram pesquisados em bases de dados bibliográficas, a partir de descritores que conduziram a pesquisa: o impacto da pandemia na agricultura familiar. As bases de dados consultadas foram SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Google Acadêmico.
Os resultados foram apresentados e organizados através de tabelas que descreverão o título, os nomes dos autores e o ano em que o artigo foi publicado, o tipo de estudo e o objetivo. Para isso, foi utilizado o Microsoft Word para descrição dos resultados e discussão.
Foram empregados descritores como: Inteligência Artificial. Pandemia. Poder Judiciário. A busca resultou em 25 artigos, que após utilização dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 16 artigos para análise, interpretação e discussão.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados coletados por esse estudo se referem ao impacto da Inteligência Artificial no Direito brasileiro. Para melhor entendimento sobre os resultados encontrados, apresenta-se o Quadro 1; a saber:
QUADRO 1 – Artigos analisados na revisão integrativa sobre a temática
TÍTULO |
AUTORES (ANO) |
TIPO DE ESTUDO |
OBJETIVO |
Proteção de Dados na Cultura do Algoritmo |
ABRUSIO, Juliana (2020) |
Revisão da Literatura |
Analisar a proteção de dados pessoais no âmbito da Inteligência Artificial. |
Impacto da inteligência artificial nos postos de trabalho em tempos de pandemia |
AGUIAR, Wesley Henrique de Mello (2020) |
Revisão da Literatura |
Investigar o impacto da tecnologia nos campos de trabalho no período de pandemia. |
Inteligência artificial e direito: questões éticas, críticas e constitucionais |
CANTARINI, Paola. (2021) |
Revisão da Literatura |
Analisar temas afetos à inteligência artificial e ao direito digital, como no caso de controle de pandemias e decisões automatizadas. |
Tribunais online: reflexos da pandemia ocasionada pela COVID-19 no âmbito dos juizados especiais cíveis e o retrato da inteligência artificial sob a ótica da ética de Perelman |
CHEBILE, Jéssica Nayra Santos; CRUZ, Milena Pessôa (2021) |
Revisão sistemática de Literatura |
Analisar o uso da Inteligência Artificial nos Juizados Especiais Cíveis por meio do aprofundamento do estudo da Lei nº 13.994/20 que alterou em parte a Lei nº 9.099/95 e explicar como a pandemia ocasionada pela Covid-19 contribuiu para a implantação de novas tecnologias nos tribunais de forma urgente e muitas vezes desregrada. |
A pandemia e seus reflexos jurídicos |
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho (2020) |
Revisão de Literatura |
Analisar o impacto da pandemia provocada pela Covid-19 no âmbito jurídico brasileiro.
|
Direitos dos robôs, tomadas de decisões e escolhas morais: algumas considerações acerca da necessidade de regulamentação ética e jurídica da inteligência artificial |
FELIPE, Bruno Farage da Costa. (2017) |
Revisão de Literatura |
Apontar a importância de normativa jurídica sobre o uso de robôs e demais aspectos da Inteligência Artificial no Brasil.
|
Inteligência Artificial no Direito – uma realidade a ser desbravada |
FELIPE, Bruno Farage da Costa; PERROTA, Raquel Pinto. (2018) |
Revisão sistemática da Literatura |
Refletir sobre a aplicação da Inteligência Artificial ao Direito.
|
Tecnologia jurídica e direito digital: I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia – 2017 |
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; COSTA, Henrique Araújo; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (2018) |
Revisão da Literatura |
Relacionar o uso da Tecnologia de Informação e Inteligência Artificial e o Direito Digital.
|
O Papel da Argumentação Jurídica para Compreender a Relação Entre IA e Direito |
LOPES, Luis Felipe (2020) |
Revisão sistemática e meta-análise da Literatura |
Analisar a função da argumentação jurídica diante do cenário da Inteligência Artificial.
|
Inteligência artificial aplicada nos serviços públicos rumo ao desenvolvimento sustentável |
MAKSYM, Cristina Borges Ribas (2021) |
Revisão sistemática da Literatura |
Analisar se o Estado brasileiro tem iniciativas de regulação dessa tecnologia, além de verificar as expectativas de sua aplicação nos serviços públicos. |
Inteligência Artificial e Direito processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas |
NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza (2018) |
Revisão da Literatura |
Discorrer sobre o funcionamento das ferramentas de inteligência artificial, em especial, sobre os algoritmos no cenário jurídico brasileiro. |
Projeto Victor: relato do desenvolvimento da Inteligência Artificial na Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal |
PEIXOTO, Fabiano Hartmann (2020) |
Revisão da Literatura |
Relatar o contexto e o desenvolvimento do Projeto Victor que visa a pesquisa e desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial para aplicação nos fluxos de análise de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. |
Inteligência artificial e direito |
PEIXOTO, Fabiano Hartmann; SILVA, Roberta Zumblick Martins da (2019) |
Revisão da Literatura |
Apresentar o conceito de Inteligência Artificial e relacioná-lo ao Direito.
|
Uso de técnicas de inteligência artificial para subsidiar ações de controle |
SILVA, Luís André Dutra e (2017) |
Revisão da Literatura |
Avaliar a aplicação de técnicas de Inteligência Artificial nas ações de controle. |
Inteligência artificial: reflexos no sistema do direito |
TACCA, Adriano; ROCHA, Leonel Severo (2018) |
Revisão sistemática da Literatura |
Examinar a utilização ascendente da Inteligência Artificial e os reflexos no sistema do direito. |
Julgamento por computadores? As novas possibilidades da juscibernética no século XXI e suas implicações para o futuro do direito e do trabalho dos juristas |
VALENTINI, Romulo Soares (2020) |
Revisão sistemática da Literatura |
Analisar o impacto da juscibernética no trabalho de juristas e demais operadores do Direito no presente e futuro. |
Fonte: Criado pela autora (2022)
No presente estudo foram analisados 16 artigos científicos que discorram a respeito do tema central proposto por esse trabalho. Considerando a amostra analisada, os resultados obtidos por esse estudo, foram apresentados separadamente no intuito de facilitar o entendimento dos mesmos.
Nos resultados encontrados por esse estudo, ficou claro que é majoritário o entendimento de que a Inteligência Artificial tem sido implantada ao cenário jurídico e que isso tem impactado positivamente essa área. Conforme aduz Nunes e Marques (2018) o uso de sistemas de inteligência artificial (IA) é crescente nos mais diversos ramos, em razão do aumento da eficiência e da precisão dos serviços por eles proporcionado. No Direito, vislumbra-se também esse fenômeno, com a utilização das soluções das lawtechs, por exemplo, para otimização de serviços, principalmente no que concerne à litigância de massa.
A título de exemplo, Peixoto e Silva (2019) afirmam que a Inteligência Artificial já tem sido implantada no exterior. Esses autores citam por exemplo, que nos Estados Unidos, sistemas de inteligência artificial, como o Ross e o Watson, são utilizados por escritórios advocatícios para realizar pesquisas jurídicas, analisar documentos, redigir contratos e prever resultados. As vantagens do uso de tal tecnologia, que proporciona maior rapidez, precisão e qualidade na realização de trabalhos maçantes e repetitivos, têm feito com que cada vez mais escritórios invistam em sua utilização.
Ao citar quais as principais tecnologias legais disruptivas existentes, Valentini (2020) traz as seguintes: automação documental, conexão constante via Internet, mercados legais eletrônicos (medidores online de reputação, comparativos de preços e leilões de serviços), ensino online, consultoria legal online, plataformas jurídicas abertas, comunidades online colaborativas fechadas, automatização de trabalhos repetitivos e de projetos, conhecimento jurídico incorporado, resolução online de conflitos (Online Dispute Resolutions – ODR), análise automatizada de documentos, previsão de resultados de processos e respostas automáticas a dúvidas legais em linguagem natural.
No estudo de Tacca e Rocha (2018) verificou-se que os sistemas de IA trazem diversos benefícios à prática do Direito, especialmente em relação à automatização de atividades repetitivas, proporcionando maior agilidade e precisão em sua realização. Trata-se de mecanismo essencial, principalmente no quadro de litigância em massa e acúmulo de processos no Poder Judiciário que se nota no Brasil.
No entanto, apesar de se mostrar benéfico e de modo que não irá parar, a IA também tem gerado dúvidas na área. Felipe e Perrota (2018) em sua pesquisa apontaram que a Inteligência Artificial vem se impondo sem que os juristas se preocupem adequadamente com ele ou com geração apenas de um encantamento com os ganhos de eficiência e produtividade nas atividades a serem realizadas.
Além dessa questão, Lopes (2020) aponta que os algoritmos utilizados nas ferramentas de inteligência artificial são obscuros para a maior parte da população – algumas vezes até para seus programadores – o que os torna, de certa forma, inatacáveis. Em função disso, a atribuição de função decisória aos sistemas de inteligência artificial torna-se especialmente problemática no âmbito do Direito.
Nesse sentido, Silva (2017) entende que não se nega que a utilização de máquinas pode trazer diversos benefícios à prática jurídica; porém atribuir-lhes a função de tomar decisões, atuando de forma equivalente a um juiz, pode significar a ampliação ainda maior de desigualdades que permeiam o sistema Judiciário brasileiro, respaldando-o, ademais, com um decisionismo tecnológico.
De todo modo, no Brasil, a Inteligência Artificial já tem encontrado espaço no cenário jurídico. Como exemplo, Peixoto (2020) cita que o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, em parceira com Universidade de Brasília (UnB) anunciou a implementação da ferramenta Victor, cujo objetivo é o de ler os recursos extraordinários interpostos, identificando vinculações aos temas de repercussão geral, com a finalidade de aumentar a velocidade de tramitação.
Valentini (2020) cita que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo, está desenvolvendo um sistema para indexação automática de processos, a fim de identificar com maior facilidade a existência de demandas repetitivas.7 Do mesmo modo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), está elaborando um software que realizará a triagem automática de processos, bem como processamento de julgados envolvendo a questão jurídica para a sugestão de proposta de voto.
Ainda no espaço de exemplos, cabe citar a Finch Soluções (criada em 2013) que possui o foco em reduzir os custos por meio da tecnologia, braço tecnológico de controle do contencioso de massa do escritório de advocacia JBM & Mandaliti. Inicialmente destacando-se pela implementação de robôs de captura de informação, automação e gestão de processos no mundo jurídico, hoje a empresa busca atuar em diferentes setores da economia, de modo a fornecer soluções para incrementar resultados e inteligência de negócios dos demais clientes (FELIPE; PERROTA, 2018).
No estudo de Peixoto e Silva (2019) os autores citam a Looplex, que tem por mote principal a automação de documentos jurídicos, como petições e contratos, de modo a produzir mais, com maior qualidade e lançando mão do menor tempo e menor custo. Entre os serviços de IA oferecidos, há a busca por respostas jurídicas (pesquisa) e a confecção dos chamados Smart Contracts[2].
Abrusio (2020) no seu estudo sobre as ferramentas de IA no ramo jurídico cita como exemplo a Justto, que alia a tecnologia à solução pacífica de litígios (arbitragem e negociação), sem que para tanto seja necessário o acesso ao Poder Judiciário; além de indicar estratégias para os casos concretos.
Cantarini (2021) por sua vez, faz menção as seguintes ferramentas: Juridoc (auxilia os seus clientes a criar uma série de documentos jurídicos sem a contratação de um advogado); a Dubbio (plataforma para o cidadão esclarecer as suas dúvidas jurídicas por meio da consulta de artigos e advogados online); o Juris Correspondente (plataforma que conecta advogado entre si) e o Meu Vade Mecum Online (plataforma que compita e organiza as leis no ambiente virtual).
Fernandes, Costa e Carvalho (2018) mencionam que no âmbito público, têm-se o Tribunal de Contas da União (TCU) que, desde o final de 2016, faz uso de três robôs - Alice, Sofia e Mônica, para identificação de fraudes em licitações públicas.
Na pesquisa de Felipe (2017) a plataforma Watson, por exemplo, foi implantada em um escritório advocatício de Recife para a automatização de serviços repetitivos. Nos resultados apontados por esse estudo mostrou um aumento na média de acertos, em relação ao preenchimento de dados, de 75% para 95%.
Até 2020, a Inteligência Artificial ainda não era plenamente regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro. Essa lacuna foi motivo de crítica. Maksym (2021) em seu estudo se posicionou no sentido de que apesar das iniciativas setoriais e esparsas, a inteligência artificial não tem sido uma prioridade no Estado brasileiro, seja este visto como um Estado-regulador, seja este observado sob um viés de Estado-social. Em razão da verificação da omissão estatal em regular esta tecnologia, fundamenta-se pela necessidade da normatização à luz do princípio da precaução.
Com base nisso, importante mencionar a Resolução 332/2020, que de modo uniforme contextualizou e normatizou a Inteligência Artificial em território brasileiro. Já no seu artigo 1º em seu texto afirma que o conhecimento associado à Inteligência Artificial e a sua implementação estarão à disposição da Justiça, no sentido de promover e aprofundar maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a liberdade e as instituições judiciais (BRASIL, 2020).
Essa normativa, foi de enorme importância principalmente nos 2 (dois) últimos anos, onde o mundo passou por uma pandemia. Desde meados do fim do ano de 2019, um vírus denominado de Coronavírus surgiu na China e se espalhou pelo mundo, causando assim uma pandemia de âmbito global. Devido ao risco de contaminação e de mortes, medidas de prevenção e proteção foram tomadas, dentre as quais o isolamento social e o distanciamento. Comércio, escolas e departamentos judiciais foram fechados, obrigando os cidadãos a trabalharem de modo remoto.
Nesse cenário, o uso da Inteligência Artificial foi de fundamental importância. A respeito dessa temática, no estudo de Aguiar (2020) que buscou analisar essa questão, o autor reforça que durante o período de pandemia, os impactos da inteligência artificial no campo de trabalho foram evidentes. Com o isolamento social, a utilização da inteligência artificial tornou-se uma forma de prevenção contra a disseminação da doença.
No estudo de Chebile e Cruz (2021) com a pandemia, o uso das ferramentas tecnológicas se tornou essenciais, o que colocou em evidência a questão da importância dos profissionais em se aperfeiçoarem no uso da Inteligência Artificial. O que as autoras enfatizam é que nessa constante mudança dos sistemas de produção, o trabalhador deve se aperfeiçoar acadêmica e profissionalmente, seja para utilização das novas tecnologias, como para manutenção da atualização dos sistemas de informação, acompanhando a realidade social iminente para sua continuidade no mercado de trabalho.
As supracitadas autoras ainda afirmam que nos processos que tramitam no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, as suas audiências em regra, ocorrem de forma presencial e o não comparecimento das partes ocasiona em extinção do processo sem resolução do mérito com condenação ao pagamento de multa ao autor e revelia ao réu, respectivamente. O que se observou nos últimos 2 (dois) anos, com as medidas adotadas em razão da pandemia, é uma tamanha dependência da IA, que a tecnologia passou a ser essencial em todos os atos de propositura das ações nos Juizados Especiais Cíveis e demais tribunais.
Apesar de relevante, Cruz e Pereira (2020) pondera que ainda que as ferramentas de IA sejam importantes no período de pandemia, é importante frisar a problemática da possível violação de direitos fundamentais daqueles que não possuem acesso à internet, aos meios tecnológicos e/ou não dispõem do conhecimento técnico necessário para manuseá-los. A Lei nº 13.994/20 que permitiu a ocorrência da conciliação não presencial por meio da ferramenta Cisco Webex no âmbito dos Juizados, por exemplo, nada estabeleceu acerca de medidas a serem adotadas para proporcionar o igual acesso de todos às audiências virtuais, o que leva a indagação sobre a existência da infraestrutura necessária junto aos Juizados Especiais Cíveis.
Muitas são as implicações da Inteligência Artificial para o futuro das ciências jurídicas – tão importante é este assunto que o Senado Federal brasileiro tem providenciado um Marco Regulatório sobre o assunto:
Caberá à comissão estabelecer um texto a partir dos PLs 21/2020 (já aprovado na Câmara dos Deputados), 5.051/2019 e 872/2021. A relatora é a jurista Laura Schertel, que adianta que experiências de regulação como as existentes na União Europeia serão estudadas como fonte de inspiração para aplicação no Brasil. Schertel detalha que a comissão tratará de contextos econômico-sociais e benefícios da IA; desenvolvimento sustentável e bem-estar; inovação; pesquisa e desenvolvimento da IA (fundos de recursos e parcerias público-privadas); segurança pública; agricultura; indústria; serviços digitais; tecnologia da informação; e robôs de assistência à saúde. Serão levados em consideração os contextos com o uso de dados pessoais e sem o uso de dados pessoais, e questões ligadas à mineração de dados. (AGÊNCIA SENADO, 2020).
De todo modo, diante dos fatos apresentados, apesar de benéficos o uso de IA no Direito, esse estudo caminha para o entendimento de que sem a devida reflexão sobre seus impactos e seu modo de funcionamento, apresenta-se grandes riscos para o Direito, do ponto de vista sistêmico, por tornar indiscutíveis – ou, ao menos, restringir drasticamente o âmbito de discussão – decisões enviesadas, com fundamento em argumentos puramente quantitativos, em especial o aumento da rapidez proporcionado pelo uso de tais tecnologias. Em tais situações é preciso cautela e seriedade pelos operadores do Direito.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O emprego de tecnologia para resolver os grandes dilemas do direito processual e do sistema de justiça brasileiro já é uma realidade, essa tendência do emprego dessa estrutura modular já chegou através da busca de uma adequação procedimental por tecnologia nos tribunais. A análise acerca da real efetividade da implantação de tais inovações tecnológicas como tendência mundial inclusive no mundo jurídico pós-pandêmico é de grande relevância atualmente.
A pandemia de COVID-19 afetou não só o Judiciário, mas todo o cenário mundial. Para garantir o acesso a justiça e não prejudicar a prestação jurisdicional, o uso de tecnologia mostrou-se indispensável, visto que foi necessário adotar novas práticas e medidas a fim de se moldar à nova realidade diante de um aprimoramento do trabalho judicial.
O poder judiciário brasileiro teve que se reinventar, desse modo, pode-se constatar que as restrições e transformações no cotidiano trazidas pela pandemia de Covid-19 acelerou os processos de mudanças, que já estavam em andamento, de modo a contribuir para uma prestação jurisdicional ainda mais célere. A união entre tecnologia e homem é inevitável e se usada corretamente, traz avanços significativos e contribuições inestimáveis em todas as suas áreas de aplicação.
Esta pesquisa mostrou que a pandemia trouxe conversões imediatas à tecnologia por muitas pessoas, inclusive da área do Direito. A vasta maioria dos sistemas de inteligência artificial permitem o acompanhamento diário dos andamentos processuais nos tribunais do país, alerta sobre o ajuizamento de ações e o estudo da incidência de casos/decisões com o mesmo objeto através da jurimetria, até mesmo para a realização de processos operacionais internos dos escritórios.
Apesar disso, essa temática também acaba por gerar uma série de controvérsias. De todo modo, as desvantagens da Inteligência Artificial (IA) não superam as vantagens que a complementaridade da tecnologia pode trazer para uma efetiva evolução do cenário jurídico tanto no âmbito social como econômico.
Por fim, enfatiza-se que tal como no passado da revolução industrial, as novas tecnologias como as IAs não predeterminam um único resultado benéfico ou maléfico. É necessário que o Direito e seus estudiosos (e aplicadores) enfrentem o desafio de utilizar todas essas tecnologias disruptivas mediante a fixação de pressupostos que almejem a perseguição da correção e melhoria do sistema jurídico.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUSIO, Juliana. Proteção de Dados na Cultura do Algoritmo. Belo Horizonte: Editora D´ Plácido, 2020.
AGUIAR, Wesley Henrique de Mello. Impacto da inteligência artificial nos postos de trabalho em tempos de pandemia. Revista Pensamento Jurídico. São Paulo – Vol. 14, Nº 2, Edição Especial “Covid-19”. 2020.
BRASIL. Lei n. 13.994 de 24 de abril de 2020. Altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Brasília, DF, Presidência da República, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13994.htm. Acesso em: 25 ago. 2022.
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[1] Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
[2] Também chamados de contratos inteligentes, trata-se de qualquer contrato que seja capaz de ser executado ou de se fazer cumprir de forma independente. Os contratos inteligentes são escritos como códigos de programação que podem ser executados em uma plataforma digital, em vez de via documento físico jurídico (PEIXOTO; SILVA, 2019, p. 05).
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THAMARA DE SOUSA SANTARéM, . Inteligência artificial no judiciário brasileiro: panorama do mundo jurídico pós-pandêmico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60231/inteligncia-artificial-no-judicirio-brasileiro-panorama-do-mundo-jurdico-ps-pandmico. Acesso em: 23 dez 2024.
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