RESUMO: O presente projeto tem por objetivo abordar sobre a obrigação civil do Estado em casos de violação à integridade do preso, e de indenização à família em caso de morte do preso, no que diz respeito à morte por suicídio, perscrutando a discussão existente na doutrina e jurisprudência brasileira no que concerne à adoção do modelo de responsabilidade objetiva ou subjetiva, nas modalidades risco administrativo, risco integral e responsabilidade subjetiva oriunda da culpa anônima. O trabalho será desenvolvido a partir do método dedutivo, identificando o todo do problema para, partindo do geral para o particular, identificar as suas partes e apresentar uma conclusão, contribuindo para s solução das graves questões que afligem a sociedade no âmbito da tormentosa questão da responsabilidade civil do Estado em relação aos danos decorrentes do suicídio de detentos nas unidades prisionais.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Sistema Carcerário. Suicídio.
ABSTRACT: This project aims to address the civil obligation of the State in cases of violation to the integrity of the prisoner, and compensation to the family in case of death of the prisoner, regarding death by suicide, scrutinizing the existing discussion in Brazilian doctrine and jurisprudence regarding the adoption of the model of objective or subjective liability, in the modalities administrative risk, integral risk and subjective liability arising from anonymous guilt. The work will be developed from the deductive method, identifying the whole of the problem in order to, from the general to the particular, identify its parts and present a conclusion, contributing to the solution of the serious issues that afflict society within the stormy issue of civil liability of the State in relation to the damage resulting from suicide of detainees in prisons.
KEYWORDS: Civil Liability. Prison System. Suicide.
1 INTRODUÇÃO
No que tange aos casos de suicídio de presos verificados no interior das unidades prisionais superlotados, a tarefa de se identificar o nexo causal entre o dano (violação ao bem jurídico do direito à vida oriunda da omissão estatal) e o fato (o próprio suicídio) se mostra hercúlea, tendo em vista a necessidade de se comprovar que determinada omissão estatal – por exemplo, a falta de prestação de serviços de acompanhamento psicológico aos detentos, em observância ao princípio da ressocialização, norteador da execução penal conforme o artigo 1º da LEP – contribuiu sobremaneira e decisivamente para a prática de suicídio de determinado detento.
Contudo, releva notar que o ente público pode ser dispensado de indenizar os familiares do detento suicida, desde que comprove que a morte do detento não podia ser evitada, de sorte que, nesta hipótese, se mostra rompido o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal. Outrossim, mesmo essa hipótese de exceção a aplicação da responsabilidade objetiva no que caso de omissão estatal, não obstante fixada pelo STF em sede de repercussão geral (STF, RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016), deve ser aferida de modo inexorável nos casos concretos, dado que, uma vez detido, ao detento, deve ser garantida, mediante a promoção de políticas públicas e de um processo de execução de penas voltado a ressocialização, a proteção de sua integridade física, a qual inclui a psíquica, cujo resguardo se mostra objeto de omissão estatal quando verificados os casos de suicídio, ainda que possua origens anteriores ao processo de estadia do preso na unidade prisional.
Desse modo, tendo em vista a necessidade de promoção de políticas públicas voltadas a efetivação do resguardo a integridade física e moral dos presos, previsto como direito fundamental protegido por cláusula pétrea da Constituição de 1988 (art. 5, inciso XLIX, c/c art. 60, §4º, inciso IV) é de imperiosa relevância o esclarecimento acerca de qual seja a responsabilidade do ente público estatal no que concerne aos casos de morte de presos em unidades prisionais, mormente a morte por suicídio, de modo a identificar as premissas básicas de referida responsabilização, bem como a fundamentar que, no que concerne aos casos de suicídio, a responsabilidade objetiva do Estado sempre se mostra presente.
Tem-se em nossa Constituição Federal (1988) a consagração ao Direito à Saúde, que também é um dos direitos fundamentais de todos os seres humanos, pois o Estado tem a obrigação de desenvolver ações que possibilitem promover, proteger e recuperar a saúde de sua população (VASCONCELOS, 2018). Destaca-se, de acordo com dados da Infopen (2020), que em 44,64% dos presídios brasileiros, a assistência à saúde é ausente. É nesse sentido que se busca aferir, até onde vai a Responsabilidade Civil do Estado, em casos de suicídio de detentos em unidades prisionais superlotadas.
Sendo assim esse estudo assume o objetivo de analisar a responsabilidade civil do Estado, em casos de suicídio de seus custodiados. Desse modo, afim de afunilar a linha de pesquisa, o presente objetivo foi dividido nos específicos: (i) realizar breve contextualização histórica a respeito da falência do sistema carcerário brasileiro; (ii) discorrer sobre a Responsabilidade Civil do Estado na garantia do princípio da dignidade da pessoa humana no apenado; e, (iii) pontuar a Responsabilidade Civil do Estado, em caso de morte do preso, por suicídio.
Nesse cenário abordar-se-á, os institutos do ordenamento jurídico supracitados, ademais, o presente trabalho se justifica, pela busca em entender até onde vai o dever do Estado, quanto à responsabilidade do Estado e posteriormente a indenização aos familiares do preso que se suicida dentro de unidade prisional, visto que existe um direito positivado, com relação a obrigação do Estado, que, em regra, a aplicação da responsabilidade civil objetiva do Estado.
Considerando que o suicídio é um fenômeno que afeta toda a sociedade, a Organização Mundial de Saúde reconhece que é um grave problema de saúde pública com uma magnitude mundial, porém podendo ser prevenido. Dessa forma, podemos superar as lacunas do sistema legal graças às normas de equidade, quando esta é tida como sendo o direito do caso concreto. É também função da equidade adaptar a norma ao caso concreto, exercendo um papel corretivo para sanar defeitos oriundos da generalidade das leis (BETIOLI, 2015, p. 498).
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL EM CASO DE MORTE DO SEU CUSCUSTODIADO
Ao conceber-se a definição da ciência do Direito, cabe aqui indicar o seu verdadeiro sentido, portanto, primeiramente, esse estudo esclarece que o vocábulo “direito” é uma compreensão de inúmeros significados, em outras palavras, esse vocábulo pode ser utilizado para significar o justo, ou o conjunto de normas jurídicas que tem a pessoa, isso porque a sociedade necessita de regras e princípios que possam possibilitar a convivência entre si, permitindo sua evolução nas relações sociais. Das palavras de Nader (2018, p. 22), extraímos que o homem é um ser essencialmente programado para viver em sociedade:
A própria constituição física do ser humano revela que ele foi programado para conviver e se completar com outro ser de sua espécie. A prole, decorrência natural da união, passa a atuar como fator de organização e estabilidade do núcleo familiar. O pequeno grupo, formado não apenas pelo interesse material, mas pelos sentimentos de afeto, tende a propagar-se em cadeia, com formação de outros pequenos núcleos, até se chegar à constituição de um grande grupo social.
A esse respeito o conceito de Direito, surge como um conjunto de normas, estabelecidas para exercer a finalidade acima supracitada. Com base nesse pensamento Garcia (2015, p. 15) leciona que o conceito de Direito, pode ser entendido como “um conjunto de normas imperativas que regulam a vida em sociedade, dotadas de coercibilidade quanto a sua observância”, com base nesse contexto o presente estudo, dará início fazendo um pequeno contexto sobre as falácias do sistema prisional brasileiro.
2.1 Sistema prisional brasileiro: um cenário falido
Nosso primeiro objetivo busca realizar breve contextualização histórica a respeito da falência do sistema carcerário brasileiro, nesse contexto, pontua-se que o Brasil durante um longo período não tinha um Código Penal próprio por se tratar de uma colônia portuguesa, e era submetido ás Ordenações Filipinas de Felipe IV de 1603, que em seu livro V tratava dos castigos e das penas, e determinava quais os castigos/penas que seriam aplicadas no Brasil, previam penas como: a de morte, trabalhos forçados “galés”, penas corporais (consideradas cruéis e desumanas), humilhação pública, confisco de bens e multa, não existia o cerceamento e a privação de liberdade. O sistema entrou em crise no início do século XIX (FONSECA, 2017).
Com a Constituição de 1824, em seu art.179 declarava: “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis” o Brasil começou de maneira lenta e gradativa a reformar o sistema punitivo, foram banidas várias penas cruéis. A abolição das penas cruéis não foi plena já que os escravos ainda estavam sujeitos a elas (MOTTA, 2016).
Para Motta (2016, p. 14) “[...] a presença do castigo corporal na penalidade do período, e, por outro, a presença da pena de degredo. Trata-se de uma sociedade que ao mesmo tempo castiga o corpo e exila”. A abolição definitiva do Código Filipino e as transformações que foram impostas pela Constituição de 1824, só foram possíveis, quando foi aprovado o Código Penal do Império na data de 16 de dezembro de 1830, determinou-se que as cadeias seriam limpas, seguras e que seus presos seriam separados de acordo com a natureza de seus crimes. (ENGBRUCH; SANTIS, 2012). Para Foucault (2013, p. 72):
Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua “humanidade”. Chegará o dia [...] em que esse “homem”, descoberto no criminoso, será o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de práticas estranhas- “penitenciarias”, “criminológicas”.
Com o Código Penal do Império (1830) a pena de morte permanece em seu art. 38 e a de galés art. 44, porém a prisão desponta como peça central do novo sistema penal, inaugura-se no Brasil a era da penalidade carcerária, ela surge em duas modalidades prisão com trabalho art.46 e prisão simples art. 47 (MOTTA, 2016). De acordo com Fonseca (2017):
Na medida em que ao Estado interessava zelar pela ordem pública e aproveitar a força de trabalho de criminosos em obras e abastecimento da cidade, a polícia assumiu a administração dos trabalhos públicos e, ao mesmo tempo, a punição aos desviantes e indesejáveis, [...] cuja vigilância recaía principalmente, nessa ordem, nos escravos, nos libertos e nos homens livres pobres.
O ministro da justiça Honório Hermeto Carneiro Leão, já tinha críticas a respeito da modalidade de prisão com trabalho, já que a maioria dos delitos tinha pena de prisão com trabalho, entretanto, não existia no Império casas destinadas para este fim, surgiu dificuldades para encontrar um local adequado, que suprir-se a necessidade do objeto, então optou por realizar obras nas prisões já existentes na época, os recursos financeiros, foram utilizados “na reforma” e não na construção de novas instalações como havia sido destinado.
Para Leão (apud Motta, 2016, p. 96) a justificativa de não construir estes estabelecimentos era: “[...] demandam tempo, grandes somas de dinheiro, persistência e Constância nas administrações encarregadas de sua execução”. Aqui já existia a preocupação de que as cadeias iam ser insuficientes para acomodar tantos pronunciados. Apesar da pena de prisão ser adotada pelo Código Penal de 1830, este modelo de instituição só é colocado em pratica na sua integralidade a partir de 1850. Durante este período existe uma polêmica sobre o limite da pena de prisão em âmbito internacional (MOTTA, 2016).
Por volta do ano de 1870, o Brasil passa a ser reconhecido como um dos Estados que adotou o novo estilo penal e participa de congressos internacionais de Penologia e Criminologia, onde o objetivo central era unificar internacionalmente as estratégias dos sistemas punitivos. Segundo o discurso de Fleury (apud Motta, 2016, p. 81-83): “a prisão não era a forma sistemática principal de punir; os cárceres no Brasil, [...] eram lugares onde se guardavam os criminosos, esperando que a sanção dos tribunais os levasse à punição corporal e pública”.
Até o ano de 1870 havia apenas três casas de correção no Brasil: Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, foi no fim do regime imperial que as casas de correção com trabalho foram construídas, ou seja, no ano de 1880, Leão (apud Motta, 2016, p. 97) tinha esperanças que se estas casas bem construídas, com regime próprio e bem administradas trariam assim bons resultados, semelhante com os apresentados por outros países como Estados Unidos da América.
Assim surge a necessidade de implantar uma casa de correção modelo, antes de executar tal sistema em todo território brasileiro, o ministro da justiça também sugere a alteração do Código Penal, nas penas, onde solicita fazer maior uso da pena de degredo, que poderia ser útil para formação de colônias agrícolas em diferentes locais, fornecendo apenas instrumentos e compelindo-os a trabalhos agrícolas, tudo isso sob uma administração rigorosa, em defesa dessa sugestão o ministro afirmou que Bélgica e Holanda, tinham excelentes resultados, alegava que as despesas com compra de terrenos “nada custaria à nação” em comparação a vantagem que traria a sociedade tornando esses indivíduos “úteis ao país” (MOTTA, 2016, p. 98-99).
A partir de então ficou evidente que faltava informações por parte do governo central, não se sabia o estado dos presos e nem a quantidade, mesmo após o envio de várias circulares para ambas as províncias solicitando relatórios semestrais dos presos existentes, as ordens não eram cumpridas e quando cumpriam os dados eram confusos e as únicas informações que se tinha conhecimento, a maior parte era das cadeias das capitais.
As principais observações são: muito tempo para sentenciar presos há mais de ano, o novo código de processo não melhorou já que possui inúmeros recursos, falta serventuários da justiça, nas grandes cidades havia somente um promotor, um só conselho de jurados e por fim Leão (apud Motta, 2016, p. 99) cita que: “quando chegará à vez de serem sentenciados os muitos réus que atualmente se acham seguros ou afiançados e os que diariamente são pronunciados?”
A acumulação de presos é semelhante a um depósito abandonado, e de cadeias infectadas foco de doenças, a mistura de culpados com inocentes e a espessura das paredes das prisões, não eram suficientes para a sociedade essa era a visão que dos reformadores ao visitar as prisões. A comissão de reformadores que acreditava que as prisões deveriam cumprir seu papel que era: “custódia segura, reforma e castigo”, o sistema necessita de: “uma vigia contínua do preso”, o modelo de Bentham e a construção panóptica, deveria ser realizado onde o diretor poderia ver tudo, saber tudo e cuidar de tudo (MOTTA, 2016).
As críticas enfrentadas no período com a justiça são as da atualidade, o fato da justiça no Brasil ser morosa, parecida com a forma de julgar. Com relação à maneira adotada como meio punitivo, prisões às críticas também se assemelha com as da atualidade: mal situadas, pouco arejadas, pouco espaço gerando amontoamento dos presos, falta limpeza, falta de mudança no vestuário, cheiro insuportável que vem da má construção dos canos de esgoto, que por sua vez causam diversas enfermidades, falta de alimentação adequada, entre outros. O momento seguinte da pesquisa, busca fazer uma contextualização sobre os principais pressupostos sobre o termo responsabilidade civil.
2.2 A responsabilidade civil do estado na garantia do princípio da dignidade da pessoa humana no apenado
O segundo objetivo da pesquisa vem discorrer sobre a Responsabilidade Civil do Estado na garantia do princípio da dignidade da pessoa humana no apenado. Dando início a essa sessão da pesquisa, tem-se que no Brasil a primeira Constituição a fazer menção à dignidade da pessoa humana foi a de 1934 em seu artigo 115 “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existências dignas. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica”.
Como se verifica desde o ano de 1934, já existia certo zelo pela existência digna do ser humano onde já se demonstra uma preocupação com o cidadão em quanto pessoa e não objeto, após a segunda guerra mundial (1939- 1945), passou a se defender a dignidade da pessoa humana com mais veracidade, com o intuito de evitar a repetição das atrocidades cometidas, com isto surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos que traz em seu primeiro artigo “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1984), assim como a Constituição Federal do Brasil/1988 tem como fundamento em seu artigo 1º, III- a dignidade da pessoa humana; e no art. 170”.
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Barroso (2014, p. 273) comenta que a dignidade humana, “é concebida como um valor fundamental, independente de positivação pelo Estado. Por possuir natureza jurídica de princípio constitucional, deve ser fonte direta de direitos e deveres na aplicação ao caso concreto e ser norteador interpretativo do ordenamento jurídico”. Durante o século XX o princípio da dignidade da pessoa humana, foi utilizado em diversos documentos constitucionais, pactos e tratados internacionais, em ambos os documentos seus conteúdos eram similares, que todas as pessoas têm dignidade e como objeto principal o estado deve garantir e prover a dignidade humana.
Na visão de Teixeira (2012, p. 24), esse processo pode ser entendido da seguinte maneira:
O Direito Natural clássico dos gregos compreende uma concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural: a natureza contém em si a sua própria lei, fonte da ordem, em que se processam os movimentos dos corpos, ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais. A ordem da natureza é permanente, constante e imutável.
A Constituinte tem o princípio da dignidade humana como basilar já que deste princípio derivam os demais, isso porque a lei dos direitos humanos não difere de outras leis, que surgem a partir de fragilidades complexas na coletividade. Ela identifica que as pessoas, desde sua concepção, deveriam ter acesso às mesmas possibilidades e aos mesmos direitos.
Sendo assim este princípio é considerado aberto, sujeito as mais variadas interpretações, porém deixa evidente que quem é ser humano logo possui dignidade, mas o que seria a dignidade uma qualidade moral, honra, a consciência de seu valor como pessoa útil, ou uma propriedade que o ser humano possui, pelo simples fato de possuir o poder de decisão sobre seus objetivos a autonomia pessoal, e que essa deve ser protegida de condições mínimas por meio de condições básicas para sua existência.
Moraes (2018, p.117) acrescenta que todo tratamento que é desumano é: “Contrário à dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa a condição de objeto”. Nesse sentido, pontua-se que a dignidade da pessoa humana serve, assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais, então se pode dizer que é um valor fundamental que foi convertido em princípio constitucional (BARROSO, 2020).
Partindo do entendimento de que toda pessoa possui dignidade sem distinção indiferente das circunstâncias, seja elas: insanidade, necessidades especiais ou apenados cumprindo pena ou aguardando sentença. Para Guedes (2018): “[...] as pessoas que praticam crimes, investigadas, processadas ou já condenadas, têm o direito fundamental de ver respeitada a sua dignidade”. O fato dessas pessoas cometerem atos ilícitos não as tornam menos dignas do que as demais pessoas da sociedade, muito pelo contrário a sociedade deveria acolher essas pessoas para evitar a repetição dos ilícitos.
Daí decorre a responsabilidade civil, que é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outrem, visando a restabelecer, na medida do possível, o equilíbrio jurídico alterado. Em nosso Código Civil, a Lei 10.406/2002 inclusive estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, sendo assim uma das tarefas do Estado é regulamentar a conduta do cidadão brasileiro, através de Normas, sem as quais a vida em sociedade seria impossível. Portanto, regras são estabelecidas para regulamentar a convivência entre os indivíduos e as possíveis relações destes com o Estado, entidade dotada de poder soberano, sendo titular exclusivo do Direito de Punir. Há que se dizer que o Estado, por ter o dever de proteger os direitos mais essenciais da sociedade, apreende para si o monopólio daquele direito. Verifica-se, de um lado, o agente do crime, que pugna, por todos os meios de defesa em direitos admitidos, preservar o seu direito de liberdade, o jus libertatis (MOTTA, 2016).
Nos apontamentos de Barroso (2020) tem-se que de acordo com o Relatório Justiça em Números de 2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2016, ações relativas à responsabilidade civil/indenização por dano moral estavam entre as três principais no âmbito do Direito Civil na Justiça Estadual Comum, sendo que, nos Juizados Especiais e nas Turmas Recursais, o Direito do Consumidor/Responsabilidade do fornecedor/ Indenização por dano moral foi o assunto mais recorrente.
Nessa seara entende-se que o Estado deve garantir vários direitos aos apenados tais como: o direito a ressocialização, ao trabalho, como forma de reingresso na sociedade, entre outros direitos, como o Direito a Vida, porém de nada adianta o texto de nosso Código Civil trazer todos estes direitos se a lei 10.406/02 não é aplicada em sua integralidade, se fosse não teríamos casos de suicídios em nosso sistema prisional.
De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), em seu art.10 menciona que é dever do Estado a assistência ao preso e ao internado para que previna a ocorrência de crimes entre outros (BRASIL, 1984). No Art. 12 da mesma lei, ela garante a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas, porém isso não acontece na prática, o sistema prisional Brasileiro encontra-se falido e não consegue diminuir o número de presos e nem a possibilidade de morte/suicídio em nosso sistema. Nesse contexto, a pena perde seu objeto, porque além de perder o direito à liberdade os presos perdem o direito a saúde, integridade física e psicológica. Assis (2017, p. 75) comenta que:
Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões as mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como a tuberculose e pneumonia também é um alto índice de hepatite e doenças venéreas em geral, AIDS por Excelência. Conforme pesquisas realizadas nas prisões estima-se que aproximadamente 20% dos presos sejam portadores de HIV, principalmente em decorrência do homossexualismo, da violência sexual praticada por parte dos outros presos e do uso de drogas injetáveis.
Aqui constata- se mais um descumprimento dos dispositivos da Lei de Execução Penal, que prevê, no inc. VII do art. 40, o direito à saúde por parte do preso como uma obrigação do Estado. No Art. 28 da LEP. “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. Nesse contexto, Gonçalves (2005, p. 19) traça diferenças entre os dois tipos de responsabilidade: “no caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesionado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação”.
Distinguem-se as duas responsabilidades, ainda, enquanto que na penal a responsabilidade é pessoal e intransferível, ou seja, somente a pessoa do réu responderá pela transgressão da norma com a privação da sua própria liberdade; ao passo que na responsabilidade civil, o transgressor responderá apenas com seu patrimônio, presente e futuro, sendo que tal obrigação será transferível para seus herdeiros e sucessores, afinal, nos termos do Artigo 943, do Código Civil, "o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança" (BRASIL, 2002).
Destaca-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido da independência entre as esferas penal e cível, o que significa dizer que o resultado proferido em uma delas, via de regra, não interfere na solução dada pela outra. Eis aqui a ementa do acórdão do Recurso Especial n.º 1.164.236/MG, cuja relatora foi a Ministra Nancy Andrighi, que cabe como uma luva para o que estamos falando:
Direito Civil e Processual Civil. Não vinculação do juízo cível à sentença penal absolutória fundamentada na falta de provas para a condenação ou ainda não transitada em jugado. A sentença penal absolutória, tanto no caso em que fundamentada na falta de provas para a condenação quanto na hipótese em que ainda não tenha transitado em julgado, não vincula o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato. O art. 935 do CC consagra, de um lado, a independência entre a jurisdição cível e a penal; de outro, dispõe que não se pode mais questionar a existência do fato, ou sua autoria, quando a questão se encontrar decidida no juízo criminal. Dessa forma, tratou o legislador de estabelecer a existência de uma autonomia relativa entre essas esferas. Essa relativização da independência de jurisdições se justifica em virtude de o direito penal incorporar exigência probatória mais rígida para a solução das questões submetidas a seus ditames, sobretudo em decorrência do princípio da presunção de inocência. O direito civil, por sua vez, parte de pressupostos diversos. Neste, autoriza-se que, com o reconhecimento de culpa, ainda que levíssima, possa-se conduzir à responsabilização do agente e, consequentemente, ao dever de indenizar. O juízo cível é, portanto, menos rigoroso do que o criminal no que concerne aos pressupostos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes em ambas as esferas. Além disso, somente as questões decididas definitivamente no juízo criminal podem irradiar efeito vinculante no juízo cível. Nesse contexto, pode-se afirmar, conforme interpretação do art. 935 do CC, que a ação em que se discute a reparação civil somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória fundamentar-se, em definitivo, na inexistência do fato ou na negativa de autoria. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 1.160.956-PA, Primeira Turma, DJe 7/5/2012, e REsp 879.734-RS, Sexta Turma, DJe 18/10/2010” (STJ, 2013).
Vale destacar, ainda, que o Artigo 63, do Código de Processo Penal, prevê a ação civil decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, para a execução, no juízo cível, para fins de reparação do dano, dos bens do ofendido, seu representante legal ou dos seus herdeiros, nos termos do Artigo 935, do Código Civil, “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal” (BRASIL, 2002). Frente a este cenário pontua-se a necessidade da compreensão dos elementos da Responsabilidade Civil, de modo que estejamos aptos a raciocinar juridicamente sobre a situação a morte do apenado, para verificarmos se é ou não um caso de responsabilização do Estado, conforme será observado na próxima seção.
2.3 A responsabilidade civil do estado, em caso de morte do preso, por suicídio
O terceiro objetivo de nosso estudo, vem pontuar a Responsabilidade Civil do Estado, em caso de morte do preso, por suicídio. Para tanto, essa seção inicia destacando um trecho dos estudos de Durkheim (1982) que caracteriza o suicídio como todo caso de morte, que tenha ocorrência direta ou indireta de um ato, negativo ou positivo, e este deve ter sido realizado pelo próprio indivíduo. De acordo com dados da OMS (2000), o suicídio está entre as três principais causas de morte de pessoas que têm de 15 a 44 anos de idade.
Ainda de acordo com a OMS, o ato suicida “[...] é todo o ato em que o indivíduo cause uma lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e conhecimento do verdadeiro móvel do ato”. Complementando a esse contexto, Cassorla (2014), coloca que a tentativa de suicídio pode ser considerada um ato com um resultado não fatal. Neste caso, um indivíduo inicia um comportamento não habitual que, sem a intervenção de outros, poderá causar prejuízo para si próprio (p. 22).
Feijó (2018) expande o conceito de suicídio ao defini-lo como “morte de si mesmo” e ao incluir as condutas de risco que podem levar a esta morte. A palavra suicídio conteria, assim, vários significados e serviria para designar aspectos relacionados à motivação, à intencionalidade e à letalidade. Por esse viés, o suicídio se mostra como um problema complexo e diversos motivos podem levar alguém a cometê-lo. Normalmente, a pessoa tem necessidade de aliviar pressões externas como cobranças sociais, culpa, remorso, depressão, ansiedade, medo, fracasso, humilhação, entre outro. Atualmente é reconhecida a multicausalidade de fatores: o papel de fatores biológicos, psicológicos, sociais, ambientais e culturais.
Ter pensamentos suicidas uma vez ou outra não é anormal, faz parte da existência humana. Eles são parte do processo de desenvolvimento normal da passagem da infância para a adolescência e vida adulta, por exemplo, à medida que se lida com problemas existenciais e se está tentando compreender a vida, a morte e o significado da existência. Pensamentos suicidas se tornam anormais quando a realização desses pensamentos parece ser a única solução dos problemas para as pessoas. Temos então um sério risco de tentativa de suicídio ou suicídio (OMS. 2000).
Em complemento aos estudos de Feijó (2018), torna-se necessário pontuar alguns trechos do livro de Foucault (2013), onde o autor, coloca que “a forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência” (p. 195). “A prisão aparece como um “mecanismo natural” de defesa. A própria evolução da vida em sociedade, em que os indivíduos se agrupam e fixam tarefas entre si, acabou por dar forma a este sistema de reação contra comportamento “anti-natura” (p. 198). Frente a esse cenário Taborda, Chaulub e Abdalla-Filho (2014) destacam que “A ocorrência de suicídios em prisões representa um problema com sérias implicações sociais, legais e éticas” (p. 97).
Fortalecendo ao contexto supracitado, nosso estudo traz algumas informações do banco de dados da INFOPEN[1] (2017), começando pelo levantamento do número de pessoas que se encontram privadas de liberdade no Brasil (Quadro 1).
Quadro 1. Pessoas privadas de liberdade no Brasil.
Brasil – junho 2017 |
|
Total da população prisional |
726.354 |
Sistema Penitenciário |
706.619 |
Secretarias de Segurança e Carceragens |
19.735 |
Total de Vagas |
423.242 |
Déficit de Vagas |
303.112 |
Taxa de Ocupação |
171,62% |
Taxa de Aprisionamento |
349,78 |
Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, junho /2017.
Conforme dados do quadro acima, observa-se que a população prisional brasileira, em junho de 2017 em 1.507 unidades prisionais cadastradas no INFOPEN. No período observado há 726.354 pessoas privadas de liberdade no Brasil, das quais 706.619 pessoas são mantidas em unidades administrados pelas Secretarias Estaduais. Há ainda as pessoas que são custodiadas em carceragens de delegacias de polícia ou outros espaços de custódia administrados pelos Governos Estaduais, totalizando 19.735 pessoas custodiadas nestes espaços. Em relação ao número total de vagas, é possível observamos um déficit total de 303.112 mil vagas, perfazendo uma taxa de ocupação de 171,62%.
Seguindo o intuito de responder ao objetivo dessa seção, em um segundo momento buscou-se informações sobre o controle da mortalidade dentro das unidades do sistema prisional, o Infopen conta com um bloco de questões que buscam atender a tais informações. Para fins de levantamento, os óbitos foram distribuídos entre as categorias de: a) Óbitos naturais (óbitos por motivos de saúde); b) Óbitos criminais; c) Óbitos por suicídios; d) Óbitos acidentais; e) Óbitos com causa desconhecida. Conforme podemos observar com o quadro abaixo (02), a maior parte dos óbitos se deu por causa natural (8,4), seguido de óbitos por causas criminais (4,8) e óbitos com causa desconhecida e suicídio, respectivamente 1,0 cada. Em sua totalidade, o Brasil apresenta uma taxa de 15,2 óbitos no sistema prisional para cada grupo de 10 mil pessoas presas.
Quadro 2. Taxas de mortalidade para cada 10 mil pessoas privadas de liberdade.
UF |
Óbitos naturais |
Óbitos criminais |
Óbitos suicídios |
Óbitos acidentais |
Óbitos com causas desconhecidas |
Total de óbitos |
AC |
0,0 |
23,1 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
23,1 |
AL |
7,7 |
6,4 |
1,3 |
0,0 |
0,0 |
15,5 |
AM |
11,2 |
70,5 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
81,7 |
AP |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
BA |
8,9 |
1,2 |
1,8 |
0,0 |
1,8 |
13,7 |
CE |
3,0 |
10,8 |
0,0 |
0,0 |
2,6 |
16,4 |
DF |
8,2 |
1,3 |
0,6 |
0,0 |
5,7 |
15,7 |
ES |
4,0 |
1,0 |
0,5 |
0,0 |
0,5 |
6,0 |
GO |
5,2 |
12,2 |
0,9 |
0,0 |
1,4 |
19,8 |
MA |
4,6 |
6,8 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
11,4 |
MG |
4,8 |
2,2 |
1,7 |
0,1 |
0,7 |
9,5 |
MS |
7,8 |
7,2 |
3,0 |
0,0 |
6,0 |
23,8 |
MT |
6,5 |
3,3 |
1,6 |
0,8 |
0,0 |
12,2 |
PA |
8,5 |
21,8 |
2,4 |
0,0 |
0,0 |
32,7 |
PB |
4,1 |
4,1 |
0,8 |
0,8 |
0,0 |
9,9 |
PE |
10,6 |
2,6 |
1,9 |
0,0 |
1,3 |
16,5 |
PI |
4,6 |
9,2 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
13,7 |
PR |
3,2 |
1,0 |
0,8 |
0,0 |
0,0 |
5,0 |
RJ |
19,9 |
0,4 |
0,6 |
0,0 |
2,7 |
23,5 |
RN |
5,4 |
33,5 |
4,3 |
0,0 |
0,0 |
43,2 |
RO |
6,1 |
5,3 |
1,8 |
0,0 |
0,0 |
13,2 |
RR |
0,0 |
139,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
139,0 |
SC |
7,0 |
5,6 |
2,3 |
0,0 |
0,5 |
15,3 |
SE |
30,7 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
30,7 |
SP |
10,3 |
0,4 |
0,4 |
0,0 |
0,3 |
11,4 |
TO |
2,3 |
9,2 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
11,4 |
Brasil |
8,4 |
4,8 |
1,0 |
0,0 |
1,0 |
15,2 |
Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, junho /2017.
De acordo com Almeida (2018),
Os relatórios do Infopen, não obstante tal relevância, já trazem as repercussões das fragilidades epistemológicas e metodológicas que destacamos. As informações são fornecidas pelas administrações dos próprios estabelecimentos prisionais, mediante preenchimento de formulários. A amplitude e a imprecisão das categorias dão margem significativa à subjetividade na coleta dos dados e isso se reflete, sobretudo, na presença da categoria óbitos com causa desconhecida, através da qual os entes estatais acabam por reconhecer sua incompetência na tutela da vida dos prisioneiros. Nos relatórios os dados são apresentados como taxas de mortalidade para cada 10 mil presos. Neste formato, ainda que se possa fazer comparações numa perspectiva dos diferentes sistemas prisionais estaduais, tem-se armadilhas em relação ao estudo e compreensão longitudinal do fenômeno (p. 72).
Apesar de apresentar um número relativamente menor, com relação as outras causas da morte dentro do sistema carcerário brasileiro, seria passível pressupor que, por se tratar de um local regido pela disciplina e pelo controle, a prisão não permitisse a ocorrência de suicídios. A verdade, porém, é que a taxa de suicídios prisionais é superior à da população em geral. Alguns estudos feitos argumentam que isto seria devido à “uma maior morbilidade da população recluída” que, como já foi anunciado, está isolada da sociedade, inserida num meio degradante, com cuidados de saúde precários, e envolvida em comportamentos de risco (PINHO, GONÇALVES, MOTA, 2017).
Os suicídios em prisões apresentam uma dinâmica específica, salvo as situações em que o indivíduo é portador de uma patologia psicológica. Tradicionalmente, todo o sofrimento imposto pela condição de estar preso é o bastante para a decisão de terminar com a sua vida. Neste sentido, o risco do suicídio, pelas especiais circunstâncias, também é mais elevado entre a população carcerária (ALMEIDA, 2018, p. 75).
A complexidade da situação prisional brasileira requer, portanto, uma criteriosa análise que inclua tais contextos na elaboração de categorias potentes para a compreensão do fenômeno mortes sob custódia. Os conflitos que se desenvolvem nos ambientes carcerários não são compatíveis apenas com a noção de violência interpessoal. A violência coletiva, em especial política por privação ou negligência em relação aos direitos é uma chave analítica que deve ser explorada (BARROSO, 2020).
O Estado é responsável em relação àqueles que têm sob custódia. A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, faz referência aos princípios constitucionais que a Administração Pública de qualquer um dos poderes deverá obedecer. São eles: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, impondo-lhe deveres e responsabilidades. Portanto, os prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa. O artigo 43 do Código Civil Brasileiro, em consonância com o texto constitucional, também apregoa a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, em relação aos atos de seus agentes, que, nessa qualidade, causem danos a terceiros (BRASIL, 2005).
Feijó (2018) comenta que os profissionais a quem incumbe o dever de cuidado, previsto no Art 13, § 2º, alínea “a”, do Código Penal, responderão pelo próprio resultado danoso, nos casos em que a lei lhes impõe o dever de ação, já que têm a função de garantir o bem jurídico tutelado pela norma penal. Define-se, assim, o chamado crime comissivo por omissão, o qual surge quando o omitente devia e podia agir, para evitar o resultado. Com isso, cabe, então, ressaltar que o Direito Penal Brasileiro, é claro, tutela este bem.
Desta afirmação, portanto, resultam duas conclusões: 1) atentar contra a vida de outro é um ato ilícito; 2) atentar contra a própria vida também constitui um ilícito penal. Todavia, em nosso ordenamento jurídico adota a orientação de não incluir o suicídio como infração penal.
A esse respeito, Alves (2019) comenta que, embora o suicídio não possua uma definição no Código Penal, como conduta delituosa, não se pode dizer que se trata de um fato lícito. A oliceidade da ação suicida é manifesta, de modo que o Código Penal Brasileiro autoriza o emprego de violência, para impedir sua prática.
É o que se deduz do preceituado no art.146, & 3.II, quando o legislador, referindo-se ao crime de “constrangimento ilegal” (art.146, caput, do CP), declara que não caracteriza o crime de “constrangimento ilegal”, quando a coação é exercida para impedir suicídio.
A razão da disposição ínsita no art.146 refere-se ao fato de que a vida é bem jurídica com um valor indispensável. Por essa linha de pensamento, explica-se o motivo de o Direito autorizar até mesmo o emprego de força física, para evitar o auto-extermínio da vida humana. m. Embora não diretamente punível, por motivos óbvios, na pessoa do suicida, o suicídio não deixa de ser um fato ilícito ou antijurídico, pois representa um mal social.
3 CONCLUSÃO
No Brasil existem várias leis resguardando os direitos dos apenados, porém na prática não são usadas de forma adequada como analogia pode-se citar a Lei de Execução Penal e a inserção dos direitos humanos na Constituição de 1988, nota-se que os problemas envolvendo sistema prisional brasileiro só aumentam causando rebeliões dentro dos presídios, a maioria dessas rebeliões tem como fato gerador a falta de gestão do Estado em garantir os direitos humanos dos apenados que se sentem revoltados com o sistema punitivo a que são submetidos, procura-se pressionar o estado para efetivação da legislação penal e da Constituição Federal/88, porém sem êxito já que o estado encontra-se falido e não tem saída a não rever o seus meios punitivos, que desde o início não foram considerados tão eficientes, já que no Brasil só existe justiça para pessoas de classe superior.
É notável que o sistema prisional não possa atender as deficiências existentes na atualidade, o próprio estado mostra-se incapaz ou até mesmo negligente em diagnosticar se algumas medidas, a realidade dos presos está relacionada ao pouco a se perder na sociedade acredita-se que a curto prazo exista uma grande necessidade de criação de novos presídios como forma de prevenir a implantação das medidas de ressocialização efetiva a médio e longo prazo.
O Estado vive a negligenciar os direitos dos menos amparados. Se ao menos fosse possível à implantação de 50% das oficinas laborais dentro dos presídios, para se utilizar toda essa mão de obra que vive ociosa, e assim garantir um mínimo de dignidade a esses excluídos da sociedade, fazendo com que o trabalho fosse um meio para a ressocialização indivíduos corrompidos pela ingerência do Estado e de toda a sociedade.
Chega-se, pois, ao fim desse trabalho, que não pretende esgotar o assunto, com a visão de que o suicídio do apenado é um processo que envolve o respeito aos direitos humanos, a consecução de políticas públicas pelo Estado e a participação real da sociedade na concretização final para se evitar esse processo. A falta de qualquer um desses componentes irá comprometer o alcance harmonioso dessa meta
4 REFERÊNCIAS
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TEIXEIRA, F. Direito Civil: introdução. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Trata-se, sob critério de fonte oficial, do mais importante relatório sobre as realidades das prisões brasileiras, pois sistematiza informações sobre estabelecimentos penais e população prisional, constituindo-se em documento do principal órgão de gestão do Estado em relação à questão penitenciária no Brasil.
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Lucas Bernardo de. A responsabilidade civil do Estado em caso de suicídio de detentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60253/a-responsabilidade-civil-do-estado-em-caso-de-suicdio-de-detentos. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
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