FERNANDA MATOS FERNANDES DE OLIVEIRA JURUBEBA[1]
(coautora)
RESUMO: Um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade atual ainda é associar desenvolvimento e qualidade ambiental. Buscando essa finalidade, o poder público conta com algumas possibilidades de tornar a preocupação com o meio ambiente mais corriqueira para o cidadão. Este estudo foi elaborado visando pesquisar as possibilidades de aplicação de tributos vinculados à preservação do meio ambiente, notadamente através da concessão de benefícios aos proprietários de veículos automotores, de acordo com a poluição emitida por este. No presente trabalho, inicialmente foi abordada a origem histórica dos tributos no Brasil, destacando-se em seguida os tributos aplicáveis aos veículos (o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), a possibilidade de utilizá-lo de forma diferenciada considerando algumas características do veículo e sua previsão legal no Brasil. Conclui-se que embora alguns Estados tenham avançado na preservação do meio ambiente com a utilização de alíquotas diferenciadas para os veículos, ainda há de ser considerados e corrigidos pontos na questão da aplicação do IPVA. O método de abordagem utilizado foi o indutivo e o método de procedimento utilizado foram o histórico e o comparativo.
Palavras-chave: Tributos. IPVA. Meio Ambiente. Preservação. Veículos.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Lineamentos do Poder de tributar do Estado e sua retrospectiva histórica. 2.1 O poder de tributar e a legalidade dos atos de tributar. 2.2 Limitações ao poder de tributar do Estado. 2.3 Principais espécies tributárias. 2.3.1 Os Impostos. 3 Tributação e Meio Ambiente. 3.1 A Tributação Ambiental: Os Impostos Verdes. 3.2 O meio ambiente e sua conservação à luz da Constituição Federal. 3.3 Extrafiscalidade tributária. 3.3.1 Tributos extrafiscais na proteção do meio ambiente. 4 O Ipva Ecológico. 4.1 Contornos do IPVA. 4.2 IPVA verde ou IPVA ecológico e a sua previsão nos Estados Brasileiros. 4.3 Vantagens do IPVA ecológico para o contribuinte, para o Estado e para o meio ambiente. 5 Considerações Finais. 6 Referências.
1 INTRODUÇÃO
A qualidade ambiental tem sido objeto de discussão mundial nos últimos anos, uma vez que já é mais que comprovado que, sem um meio ambiente saudável e de qualidade, a vida está fadada a se extinguir com o passar dos anos. Com cada vez mais destaque, as discussões sobre o meio ambiente saudável e a preocupação para efetivamente proteger a vida na sua totalidade, cidadãos têm mudado sua postura e seus comportamentos, inclusive, cobrando órgãos públicos para o cumprimento efetivo de normas e procedimentos que são previstos legalmente para a preservação e conservação ambiental.
Nessa vertente, o problema a ser verificado é relacionado às aplicações, pelos entes federativos, de impostos que podem ter cunho ambiental, nesse caso, mais especificamente, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), e como esse pode ser importante para incentivar determinadas condutas consideradas mais benéficas para o meio ambiente, seja por meio da isenção ou desconto do imposto aplicado sobre os veículos.
O Brasil, por sua alta carga tributária, acaba fazendo com que seus contribuintes busquem formas de se desonerar ou pelo menos amenizar essa obrigação. Assim, conhecer os Estados que incentivam e buscam formas de favorecer proprietários de veículos automotores acaba possibilitando uma melhor relação entre contribuinte e Estado.
O método de abordagem utilizado foi o indutivo e os métodos de procedimento utilizados foram o histórico e o comparativo, com levantamento bibliográfico e de legislação, com o intuito de embasar a discussão com qualidade e profundidade.
Para tanto, o vertente estudo se dividiu em 3 capítulos. No primeiro capítulo, o intuito é o de dar uma retrospectiva histórica ao poder de tributar do Estado, destacando assim, sua legalidade, as limitações quanto à tributação, trazendo, também, as principais espécies tributárias brasileiras, com ênfase nos impostos. No segundo capítulo, a associação do tema tributário ao meio ambiente, analisando características constitucionais e a extrafiscalidade tributária, se dá com uma perquirição referente aos denominados impostos verdes. Fechando os capítulos, dá-se ênfase ao IPVA ecológico, trazendo sua previsão de aplicabilidade nos Estados brasileiros, e as vantagens e desvantagens de seu emprego.
2 LINEAMENTOS DO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO E SUA RETROSPECTIVA HISTÓRICA
A tributação acompanha a história brasileira e, pode-se dizer que seu começo, como destaca Felício, Mendonça e Velten (2020), data por volta de 1530, quando a coroa portuguesa criou o cargo de cobrador de rendas, para cobrar a “vintena” (20%) dos comerciantes de pau-brasil. Posteriormente, uma carta foral estendia a cobrança sobre escravos e outros produtos comercializados na época, aumentando, assim, a carga tributária do povo e a arrecadação da coroa portuguesa. Outro ponto de destaque trazido pelos autores era a “derrama”, que visava garantir a Real Fazenda portuguesa 100 arrobas anuais do ouro proveniente da mineração, e, caso esse montante não fosse atendido, o débito deveria ser cobrado dos cidadãos.
Com o retorno em 1820 da família real para Portugal, o Brasil encontrou-se num período de penúria financeira, uma vez que os impostos cobrados aqui eram enviados para o país lusitano, e essa divisão dos valores arrecadados fizeram com que o então príncipe regente do Brasil tivesse problemas de organização orçamentária, uma vez que, com a carga dos tributos muito alta, e havendo a necessidade de repassar valores para a coroa, o Brasil acabou tendo dificuldades financeiras para seu desenvolvimento. Diante desse cenário, uma das saídas foi proclamar a independência do Brasil, em 1822. Com ela, foi elaborada a primeira Constituição, em 1824, “iniciando-se assim, a partir da influência dos liberais, o processo de descentralização do Estado” (FELÍCIO; MENDONÇA; VELTEN, 2020). A Constituição Imperial, como foi chamada, previa uma forma unitária e monárquica de governo, mas trouxe a distribuição do poder régio em executivo, legislativo, judicial e moderador (reservado ao Rei). Estabeleceu também, segundo destaca Felício, Mendonça e Velten (2020, online), o
regime de separação de fontes tributárias, segundo a competência da união, dos Estados e municípios, e, a partir de 1831, foram criadas as tesourarias provinciais, descentralizando a cobrança e permitindo que as províncias, inclusive, criassem seus próprios impostos, distintos daqueles do Estado Central.
Em 1891 houve a promulgação da Constituição Republicana, com objetivos como o de organizar um regime livre das cobranças tributárias de Portugal e o de extinguir o poder moderador, mantendo, assim, a tripartite dos poderes políticos em Executivo, Legislativo e Judiciário. A partir daí foi instituída também a competência da União e dos Estados para a criação dos tributos (somente esses entes tinham previsão de competência) e o princípio da legalidade, obrigando a instituição de tributos somente por meio de lei.
Dando um salto até meados da década de 30, com o Governo de Getúlio Vargas, tem-se a Constituição de 1934, que trouxe avanços importantes em vários setores, além da proibição da bitributação, e estabeleceu União, Estados e municípios para a cobrança de tributos. Em 1946, com a promulgação de uma nova Constituição, e segundo Felício, Mendonça e Velten (2020), sendo esta considerada mais democrática, no campo tributário foram instituídos dois dos princípios limitadores do poder de tributar: o princípio da anualidade e o princípio da capacidade contributiva, além de trazer a proibição da cobrança de tributos de maneira não uniforme no território Nacional.
Em 1966 houve a edição da Lei n. 5.172, que ficaria conhecida como Código Tributário Nacional (CTN). Felício, Mendonça e Velten (2020, online) destacam que
[...] as Constituições brasileiras discutiam em torno do domínio do poder econômico nas mãos do poder central. A política, as disputas pelo poder se deram em torno do controle do orçamento estatal, da arrecadação estatal de tributos. Do antagonismo entre as forças ditatoriais e as republicanas surgiu o Código tributário Nacional como norte que, recepcionado como norma complementar, resiste ainda atualmente.
Com a promulgação da Constituição de 1967, houve a previsão da exigência de Lei Complementar para regular as questões tributárias. E, chegando ao texto da Constituição de 1988, vigente até os tempos atuais, houve a absorção dos princípios construídos nas constituições anteriores e consagrados no Código Tributário, incorporando-os em seu texto, tornando-se, assim uma norma fundamental para o estudo do Direito Tributário e entendimento efetivo do Sistema Tributário.
2.1 O poder de tributar e a legalidade dos atos de tributar
A Constituição de 1988 é particularmente detalhada em matéria tributária. Tem-se em seu texto capítulos e previsões específicas sobre o tema, sendo estas encontradas no Título Vl – Da Tributação e do Orçamento, abrangendo os artigos 145 a 169 da Lei Maior. Tem-se na Carta Magna além das definições que complementam o Código Tributário, as principais disposições que hoje servem de base para defesa do contribuinte (CORREIA NETO, 2017).
Base desse tópico, o poder de tributar encontra legalidade no artigo 145 da Constituição, que traz:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
l- impostos;
ll- taxas, em razão do exercício poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
lll- contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas [...] (BRASIL, 1988, online).
Complementares ao citado artigo, tem-se ainda o art. 148. “A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios [...]” e art. 149. “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, [...]” (BRASIL, 1988, online). Ou seja, o texto constitucional prevê o que pode ou não ser instituído, e, principalmente, por qual ente federativo. Assim, se não houver legalidade no ato, não há que se falar em tributo legal. Insta salientar também a necessidade de Lei Complementar para que este seja instaurado, como será mais para frente discorrido.
Além de todos os pontos referentes a quem cabe o poder de tributar, na análise dos textos constitucionais e tributários, observa-se a aplicação e observância de princípios fundamentais para a efetividade dos tributos. Dentre eles, o princípio da legalidade. Este exige um fundamento legal, como aponta seu nome, para qualquer prescrição normativa, por meio do qual seja determinável o comportamento devido. Dessa forma, qualquer ato estatal deve, obrigatoriamente, ser permitido pelo Direito por expressa disposição legal, e exige que qualquer comando normativo tenha um conteúdo previamente determinável em lei.
Ávila (2012) afirma que o CTN, norma que regula pormenorizadamente a matéria tributária, mantém estreita relação com a Constituição, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais, independentemente destes estarem expressa ou implicitamente previstos, e com os direitos fundamentais. O autor diz ainda que, a influência dos direitos fundamentais sobre o Sistema Tributário, ou a expressa abertura do Sistema Tributário por meio do artigo 150, no trecho “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte” são exemplos de que
[...] o Sistema Tributário não se confunde, quantitativa e qualitativamente, com o capítulo do Sistema Tributário Nacional: quantitativamente porque existem outras normas tributárias além daquelas que podem ser reconduzidas aos dispositivos contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional; qualitativamente porque as normas previstas no Sistema Tributário Nacional só ascendem a um significado normativo por meio de uma (horizontal) consideração das concatenações materiais decorrentes dos princípios e direitos fundamentais (ÁVILA, 2012, p. 22-23).
Ou seja, a aplicação conjunta nas interpretações da Constituição Federal e do CTN mostra a preocupação com a legalidade dos atos e com a observância dos direitos do homem, de forma que o direito tributário caminhe ao lado desses direitos de maneira efetiva e clara. Correia Neto (2017) indica em sua obra que há, pelo menos, três interfaces possíveis entre direitos fundamentais e tributos, considerando a aplicação da legislação tributária e a efetivação dos direitos envolvidos. São elas: (1) os direitos fundamentais como limitadores à cobrança de tributos e à edição de normas tributárias; (2) a tributação como fonte de recursos para custeio de políticas públicas voltadas à observância direitos fundamentais e (3) as normas tributárias como instrumentos extrafiscais de efetivação dos direitos fundamentais. Explica-se. A primeira interface se refere aos chamados direitos de primeira geração (ou dimensão), como o direito à liberdade e à propriedade, tomando, assim, estes como típicos direitos de defesa, e impondo limites negativos à atuação estatal. É o caso, por exemplo, da aplicação dos princípios da legalidade, da anterioridade e do não confisco, utilizados pelo contribuinte contra tributos indevidos, extemporâneos ou desproporcionais. A segunda interface enxerga nas normas tributárias fontes de custeio de medidas voltadas à efetivação de direitos fundamentais. Nesse contexto, tem-se a observação dos direitos de segunda geração, sendo esses os direitos sociais, econômicos e culturais, por exemplo. Estes demandam prestações por parte do Poder Público, e que são, em geral, bastante dispendiosas. Assim, para custeá-los, a própria Constituição estabeleceu tributos com destinação específica de arrecadação. A terceira interface é a que trata as próprias normas tributárias como instrumentos para efetivação dos direitos fundamentais de terceira geração, relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, por exemplo.
Dessa forma, pode-se observar que as normas tributárias e os tributos estão intrinsicamente relacionados aos direitos fundamentais, previstos e garantidos pela Lei maior. Vale dizer, com base no que foi tratado até agora, que “na atividade tributária, o Poder Público pode encontrar nos direitos fundamentais limites à sua ação, objetivos a serem perseguidos ou fundamentos para instituição do tributo” (CORREIA NETO, 2017, p. 19). Ávila (2012) menciona que essa junção entre o poder de tributar e a garantia dos direitos fundamentais é o motivo pelo qual o Direito Tributário não consiste apenas nos dispositivos que se referem à matéria. Compreende também todas as normas jurídicas que, direta ou indiretamente, protegem os direitos e bens jurídicos, cuja disponibilidade acaba sendo restringida pelo poder de tributar. O autor traz também em sua obra, com relação a esse poder de tributar, que “as leis tributárias são primordialmente leis interventivas, na medida em que restringem a liberdade e a propriedade do cidadão de modo direto ou indireto e independentemente da sua vontade” (ÁVILA, 2012, p. 5).
Mas, em suma, por meio da interpretação normativa, observa-se que a Constituição institui para os Poderes Legislativo e Executivo o que pode ser objeto de relação obrigacional tributária e o que pode ser objeto de fiscalização.
2.2 Limitações ao poder de tributar do Estado
As constituições brasileiras, de uma maneira geral, trouxeram em seus textos limitações ao poder de tributar, e “disposições destinadas a demarcar as fronteiras da competência para cobrar tributos e regular seu exercício” (CORREIA NETO, 2017, p. 2). Nessas limitações, compreendem-se as imunidades, que, segundo o mesmo autor, demarcam negativamente o espaço de competência impositiva, e os princípios, que orientam a forma, o momento e a intensidade de seu exercício. Com previsão nos artigos 150, 151 e 152 do texto constitucional, que trazem especificamente as limitações do poder de tributar, estabelecem-se ao ente estatal regras de competência, de princípios, de garantias e de direitos fundamentais. Ávila (2012, p. 72) assevera que
[...] as limitações instituem restrições ao poder estatal, mas, paradoxalmente, precisam do seu próprio reconhecimento e intermediação para serem realizadas. A efetividade das limitações, por exemplo, depende de procedimentos e de instrumentos normativos secundários que são estabelecidos pelo próprio Estado que se verá limitado por eles.
Assim, as limitações podem (e devem) determinar o exercício da atividade dos Poderes Legislativo e Judiciário. Segundo o mesmo autor, “as limitações ao poder de tributar são destinadas ao Poder Legislativo, e sua atividade é regulada, sobretudo, por meio de limitações negativas [...]” (ÁVILA, 2012, p. 10). E nesse caso, entende-se por limitações negativas o fato de que as normas funcionariam justamente como limite à intervenção tributária.
Ademais, a Constituição Federal traz a previsão em seu artigo 146, inciso ll, de regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar à Lei Complementar. Em resumo, esta apresenta fins de complementação de dispositivos constitucionais (nesse caso, tributários) e de atuação constitucional, além de dar embasamento a preceitos de eficácia limitada.
Tem-se, também, alguns princípios que estão intrinsicamente ligados à limitação do poder de tributar. A capacidade contributiva, prevista no artigo 145, § 1º da Constituição Federal, por exemplo, é limite ao poder estatal e é um princípio que deve ser cautelosamente observado. Schoueri (2021, p.146) faz uma consideração ao princípio acima citado, destacando que:
[...] reconhecendo serem os serviços gerais, não se podendo medir sua importância relativa para cada contribuinte, nem tampouco sendo possível medir quanto foi gasto em favor de cada contribuinte, a repartição se faz com base na riqueza. Daí o princípio da capacidade contributiva.
Pode-se dizer que este é um desdobramento do princípio da igualdade, aplicado no âmbito do Direito Tributário, com o intuito de buscar uma sociedade igualitária e menos injusta. Porém, encontra-se aí um entrave, uma vez que, impondo uma tributação mais pesada sobre aqueles que têm mais riqueza, conforme se elevam os tributos cobrados e aperfeiçoam-se os mecanismos de fiscalização, aumentam também a resistência do contribuinte e o desejo de exonerar-se, no todo ou em parte, da carga fiscal que sobre si recaia. A previsão no Direito Tributário do princípio da igualdade proíbe qualquer distinção em razão de ocupação ou função profissional, vedando o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Assim, princípios como o da capacidade contributiva, do mínimo existencial, da proibição da retroatividade, da anterioridade, da progressividade, da seletividade e da não cumulatividade, foram descritos como consequências do princípio da igualdade.
2.3 Principais espécies tributárias
O CTN, em seu artigo 3º traz a definição de tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966, online).
Na linha do direito financeiro, Jardim (2020) traz, como complementariedade, a análise da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, que, por meio do seu artigo 9º, também traz à palavra tributo a conotação de soma de dinheiro:
Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e as contribuições, nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades (JARDIM, 2020, online).
Em regra, os tributos têm o objetivo fiscal de obter receitas para custear as despesas do Estado. A finalidade destes é o de conceder ao Estado a possibilidade de obter renda com o intuito de atender sua finalidade. O artigo 4º do CTN dispõe que a natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador, sendo esse o evento que dá origem a obrigação tributária (BRASIL, 1966). Porém, é importante destacar que os tributos podem ou não estar vinculados a uma atividade e/ou contraprestação estatal. Ademais, o artigo 146, inciso lll, alínea “a”, da Constituição Federal versa que: “Cabe à lei complementar: [...] lll – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (a) definição de tributos [...]” (BRASIL, 1988, online).
O artigo 145 da Constituição Federal traz o rol taxativo dos tributos instituídos pelos entes com poder para tal, como se observa, in verbis:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas (BRASIL, 1988, online, grifo nosso).
Segundo Schoueri (2021), uma leitura mais superficial do artigo 145 da Constituição poderia levar a crer que apenas aqueles seriam os tributos existentes no Brasil. No entanto, deve-se considerar a previsão dos empréstimos compulsórios, no artigo 148, com competência única e exclusiva da União e exigindo Lei Complementar para sua instituição; e das contribuições sociais, previstas no artigo 149, que podem ser instituídas por Estados, Distrito Federal e Municípios, desde que voltadas para o custeio do regime previdenciário destes entes (SCHOUERI, 2021). Nessa mesma vertente, Jardim (2020, online) analisa o assunto trazendo que o CTN, mais especificamente em seu artigo 5º, classifica o tributo em três modalidades, sendo essas os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.
2.3.1 Os Impostos
É de suma relevância o entendimento e a definição do que se entende por imposto. Imposto, de uma maneira resumida, e de acordo com o artigo 16 do CTN, é o tributo que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte, ou seja, para sua aplicação, não há obrigatoriedade de qualquer atividade do Estado para com o cidadão (BRASIL, 1966). Numa comparação com as demais espécies de tributos, Schoueri (2021) traz que os impostos são aqueles tributos que existem independentemente de qualquer atuação estatal. A divisão da competência dos impostos é prevista pela Constituição em seus artigos 153 a 156. Ademais, há a vedação de cobrança de impostos diversos dos previstos, salvo à União, que detém a competência residual, e não há admissão de que determinado ente cobre imposto da competência de outro, ainda que esta não esteja sendo exercida pelo titular.
Os impostos, em regra, podem ser instituídos ou aumentados por lei, como traz o artigo 97 do Código Tributário, sendo que estes entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele que ocorra a sua publicação, como versa o artigo 104 do mesmo dispositivo. Tem-se assim a observância da legalidade tributária, previsto nos artigos 150, inciso l, da Constituição Federal e 97 do CTN. De maneira geral, essa espécie tributária serve para atender às necessidades gerais, como dito por Schoueri (2021, p. 153), em que, o recurso arrecadado serve, em princípio, para cobrir as despesas do ente tributante, embora possa ser dada prioridade a algumas despesas gerais. Como traz o autor,
[...] existe uma justificativa (uma causa) para que se cobrem os impostos: a necessidade financeira do Estado, cuja responsabilidade não pode ser imputada a um contribuinte, ou a um grupo de contribuintes. Daí, pois, toda a coletividade ser chamada a contribuir para aquelas despesas gerais.
Seguindo esse raciocínio e acompanhando a linha de pensamento de Schoueri (2021, p. 196),
[...] se no caso das taxas e contribuições de melhoria identificavam-se contribuintes a quem se podiam imputar, individualmente, determinados gastos estatais, uma série de gastos do governo não se imputa a um ou outro contribuinte, mas a toda a coletividade.
Ou seja, entender a carga tributária que envolve o cotidiano e produtos de consumo faz com que se tenha um pouco mais de clareza sobre o que é devido, o que é recebido em contrapartida estatal, o que é de direito do contribuinte e do ente tributante e o que é dever de cada um, fazendo com que, de maneira geral, não haja sentimento de lesão ou injustiça com relação aos tributos instituídos no Brasil. A propósito, o Brasil é um país com alta carga tributária, e que na maior parte, é desigual para a população, e, compreender a aplicação dos tributos, apesar de não tornar menos oneroso ou pesado o seu cumprimento, pelo menos traz a segurança de que se está pagando pelo que está realmente sendo ofertado e cobrando aquilo que deveria estar sendo.
3 TRIBUTAÇÃO E MEIO AMBIENTE
O progresso econômico, ao longo da história, foi alavancado com base na ideia de que, para crescer, era necessário destruir, e com isso, [...] “percebeu-se as consequências dessa forma de desenvolvimento ausente de preocupações ambientais, e que representa um risco do ponto de vista ambiental, social e econômico” (GUIMARÃES, 2012, online). Destaca Benaion (2020) que, com o crescimento industrial, ignorou-se qualquer ideia de que o desenvolvimento econômico deveria estar ligado a práticas eficazes de proteção da natureza, desrespeitando os limites de interação com o meio ambiente.
E pensando no desenvolvimento e nas possíveis consequências trazidas pela não observação e cuidado com o ambiente, Guimarães (2012, online) cita que há “[...] necessidade de o desenvolvimento econômico caminhar de mãos dadas com a preservação do meio ambiente e do uso racional de seus recursos”, objetivando, além da preservação de riquezas e bens naturais, a qualidade de vida do ser humano. Silva citado por Benaion (2020, p. 19) traz que “na expressão qualidade de vida, vem-se sintetizado dois objetos de tutela: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população”. Silva em Benaion (2020, p. 88) destaca também que a preservação do meio ambiente não priva o ser humano de explorar os recursos ambientais, uma vez que tal ato, por vezes, tem como finalidade melhorar a qualidade de vida; mas, “não pode ele, mediante tal exploração, desqualificar o meio ambiente de seus elementos essenciais, porque isso importaria desequilibrá-lo e, no futuro, implicaria seu esgotamento”.
Considerando que o desenvolvimento econômico da sociedade precisa estar alinhado com a preservação do meio ambiente, Sebastião (2006) afirma que a preservação dos recursos naturais, considerando estes como bens esgotáveis no decurso do tempo, faz-se urgente, já que, nesse assunto, medidas posteriores de reparação muitas vezes podem não alcançar resultados ideais. Como em alusão bens que por vezes não podem ser recuperados na sua originalidade, essa preocupação precisa existir e precisa ser cada vez mais observada. Afinal, de nada adianta o desenvolvimento não propiciar um ambiente saudável para os seres vivos. Nessa linha de raciocínio, Benaion (2020) diz que a medida do desenvolvimento é a obtenção e o uso de suas fontes materiais de maneira adequada, a fim de que se possa tê-las em harmonia com as necessidades básicas da vida.
Para algumas situações, o Estado pode e deve coibir ou incentivar determinadas condutas, e isso pode se dar por meio de suas normas, por exemplo. Sebastião (2006) destaca que o Estado pode ter normas consideradas encorajadoras e desencorajadoras de determinadas condutas. Resumidamente, as normas desencorajadoras seriam aquelas que conteriam uma ameaça, visando, assim, a proteção de um bem, e estas se contrapõem às normas encorajadoras, que seriam as que apresentam uma promessa, com o objetivo de incentivar mudanças necessárias à sociedade, caracterizadas pelo cumprimento da lei em troca de um prêmio, de um benefício. Isenções ou reduções tributárias, por exemplo, seriam uma forma de induzir o indivíduo a adotar comportamentos vantajosos para a coletividade e desejados pelo Estado. O autor define, dentro dessa seara, o “Direito Premial”, que seria o Direito em sua função promocional, determinando ser este método valioso nas mãos do Estado, com vistas à indução do comportamento dos administrandos, atuando no plano psicológico, encorajando-os a com ele colaborarem na execução das políticas públicas (SEBASTIÃO, 2006). Considerando a mesma linha temática, Guimarães (2012, online) discute a sanção positiva ou premial como um “estímulo para a prática de atos considerados socialmente úteis, em detrimento da repreensão aos atos vistos e determinados como socialmente nocivos”. A adoção de medidas efetivas de proteção ambiental objetiva incrementar sistemas preventivos, visando evitar a ocorrência de danos ambientais. E, como Guimarães (2012, online) traz, entre essas medidas encontram-se as “econômicas, tributárias e regulamentadoras, capazes de desenvolver a estruturação de políticas de proteção ambiental” [...] buscando incentivar “atividades não poluentes, subsidiando-as e financiando-as em detrimento e à custa das poluidoras”.
3.1 A Tributação Ambiental: Os Impostos Verdes
Como nos últimos tempos muito se tem discutido sobre a questão ambiental, observa-se também que o Estado tem, de alguma forma, buscado acompanhar essa temática. Hoje, já há termos como Green taxes, tributação ambiental, imposto verde, que, apesar de ainda não disseminados e aplicados na totalidade, já vêm se apropriando por alguns entes federativos do Brasil.
Relacionando Direito Tributário e meio ambiente, a tributação ambiental dá-se não apenas pela via dos “tributos ambientais, mas também pela adoção de instrumentos promotores de comportamentos positivos dos contribuintes” (GUIMARÃES, 2012, online).
Essas políticas de tributação ambiental poderão comportar, por exemplo,
[...] a utilização de incentivos fiscais que visem à desoneração da produção pela via da adoção de mecanismos limpos e a instituição de tributos, cujo objetivo seria o desestímulo da poluição ou a instituição de tributo sobre atividades agressoras ao meio ambiente (GUIMARÃES, 2012, online).
Segundo Montero, trazido por Sarlet, Machado e Fensterseifer (2015, p. 181) os tributos ambientais, ou “ecotributos” podem ser considerados instrumentos para harmonizar interesses econômicos e objetivos ambientais com eficiência e eficácia, permitindo, assim, a “internalização dos custos socioambientais de origem antrópica”.
Amaral citado por Carli (2015, online), argumenta que:
O tributo verde tem [...] papel reorientador da atividade empresarial e popular (não se deve esquecer a ingente necessidade de modificação das práticas individuais, visando à proteção do meio ambiente), sem que se possa criticá-lo por forçado, artificial. Tais tributos não criam uma variante que distorce a melhor decisão econômica, e a correspectiva liberdade, mas pelo contrário, a fazem brotar com dados reais, pois o custo ambiental é real. Não se trata de tributar, mas de tributar racionalmente, mostrando a lógica e a coerência do sistema com os valores sociais (e constitucionalmente) eleitos.
O autor acima citado destaca o texto constitucional previsto no artigo 23, Vl, que versa ser obrigação da União, dos Estados e dos municípios a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição, em qualquer de suas formas. Nesse cenário, o direito tributário ambiental poderia recomendar o
[...] esverdeamento de todo o sistema tributário nacional a partir do estabelecimento da extrafiscalidade dirigida a esses objetivos, com base nas competências materiais para o estabelecimento de políticas públicas e da competência para instituir tributos (CARLI, 2015, online).
Nessa vertente, e como destacar-se-á adiante, observa-se o uso do tributo com caráter extrafiscal como forma de mudar, coibir ou incentivar ações humanas em relação à determinada situação fática (CARLI, 2015). Ou seja, cada vez mais os Estados têm buscado utilizar os tributos como forma de incentivar, de alguma forma, a preservação da qualidade ambiental.
3.2 O meio ambiente e sua conservação à luz da Constituição Federal
Mesmo o Brasil sendo um território com abundância em fauna, flora e recursos hídricos, a preocupação com esses bens não vem de longa data no ordenamento pátrio. Durante décadas, a exploração dos recursos naturais se deu de maneira desordenada e sem qualquer tipo de planejamento, e esses efeitos destacaram para o homem a necessidade da preservação do meio ambiente para a conservação de toda e qualquer vida.
Em termos legislativos, alguns autores, destacando aqui Sarlet, Machado e Fensterseifer (2015), citam a década de 80 como de extrema importância para o meio ambiente. Isso porque, nessa época, passou-se a proteger o ambiente de maneira integral, ou seja, como sistema ecológico integrado e com autonomia valorativa. Com isso surgia, cada vez mais, a necessidade de leis e normas que, além de definir, estabelecessem os agentes envolvidos para essa preservação. A Lei n. 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, é considerada um marco no tema, uma vez que, a partir daí, tem-se o início da proteção ambiental, com o estabelecimento de princípios, objetivos e instrumentos fundamentais para essa finalidade. Esse pontapé inicial mostrou a importância do assunto, e, a partir disso, tem-se a questão ambiental protegida por Lei.
A primeira referência constitucional à proteção ambiental, como traz Juras (2010), ocorreu na Constituição Federal de 1988. Nas Constituições anteriores, como destaca o autor, o meio ambiente não era objeto de proteção, além de não haver nenhuma referência expressa ao meio ambiente como bem de tutela constitucional. Mais especificamente previsto no artigo 225 da Carta Magna vigente, a proteção e demais aspectos ambientais explicita a necessidade de defesa do meio ambiente, bem como da promoção do desenvolvimento sustentável (GUIMARÃES, 2012). Com isso, a ecologia e a proteção ambiental passaram a ocupar um lugar de destaque no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro (SARLET; MACHADO; FENSTERSEIFER, 2015).
Benaion (2020, p. 42) considera a Constituição de 1988 um “marco na evolução constitucional da proteção ambiental” no Brasil, uma vez que essa proteção visa tutelar a qualidade do meio ambiente além de considerar, de uma forma geral, o aumento da qualidade de vida, trazendo tal previsão como “uma forma de direito fundamental da pessoa humana”. Segundo o mesmo autor,
[...] o artigo 225 da CRFB/88, inspirado nos princípios primeiro e segundo da Declaração do Meio Ambiente, estabelece ao homem o direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para esta e futuras gerações, assim como em seu artigo 170, influenciado pelo princípio oitavo da declaração do Meio Ambiente que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental devem coexistir (BENAION, 2020, p. 42-43).
A Constituição Federal, no que é destinado ao meio ambiente, disciplina regras e princípios que deverão ser obedecidos por todos, não limitando esses apenas por quem explora a natureza ou para quem pratique atividades potencialmente prejudiciais à natureza, além de estabelecer que um meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental e de interesse público. Sarlet, Machado e Fensterseifer (2015, p. 189) destacam que
[...] o caput do artigo 225 da CF/88 traz a consagração normativa de um dever geral de proteção ambiental do Estado, o qual, por sua vez, é exemplificado pelas medidas protetivas dispostas nos parágrafos do dispositivo em questão, notadamente no seu § 1º, o qual, inclusive, deve estar em sintonia com as competências executivas trazidas pelo artigo 23, lll, Vl e Vll, da CF/88.
A inserção da proteção ambiental na Constituição, como versa Benjamin (2015, online) legitima e facilita a “intervenção estatal, legislativa ou não, em favor da manutenção e recuperação dos processos ecológicos essenciais”. Dessa forma, a “constitucionalização” dessa proteção é acompanhada por uma maior segurança normativa, “seja porque os direitos e garantias individuais são considerados norma pétrea”, seja também pela previsão rigorosa para emendas constitucionais, que faz com que questões tratadas no texto constitucional não consigam ser facilmente alteradas (BENJAMIN, 2015, online).
Em linhas gerais, Estados e municípios devem respeitar o padrão normativo estabelecido na norma geral e tomar tal como “piso legal protetivo mínimo, de tal modo que apenas estaria autorizado a atuar para além de tal referencial normativo, não aquém” (SARLET; MACHADO; FENSTERSEIFER, 2015, p. 192).
O fato de se atribuir ao Estado deveres de proteção ambiental, além da regulação da atividade econômica, podendo prever a repressão a práticas que potencialmente acarretem em danos e, por outro, estimular práticas econômicas “amigas do ambiente”, a utilização dos “mecanismos tributários para promover a proteção ecológica é fundamental para a efetividade da legislação ambiental, especialmente pelo prisma dos deveres de proteção do Estado” (SARLET; MACHADO; FENSTERSEIFER, 2015, p. 198). Com base no dito até então, pode-se considerar a ação humana inconstitucional quando resultar no rompimento do equilíbrio da relação entre o ser e o meio (BENAION, 2020). Destaca-se, assim, a necessidade de observar a proteção ao meio ambiente, principalmente com relação ao desenvolvimento da sociedade.
3.3 Extrafiscalidade tributária
Objetivando mudanças de todos os agentes envolvidos, a Carta Magna de 88 trouxe, como Carvalho (2019, online) destaca, a “proposta de uma nova atitude do Estado, mais intervencionista na esfera econômica e, também, mais distante do modelo liberal clássico”. Emerge, assim, a importância do direito tributário e da extrafiscalidade como instrumentos para a concretização das diretrizes constitucionais.
Para atingir esses fins, a tributação é considerada um instrumento importante, uma vez que é a partir dela que “o Estado provoca alterações no status quo, induzindo comportamentos que entenda mais adequados” (CARVALHO, 2019, online), bem como incentivar o comportamento dos agentes econômicos no sentido de adotarem práticas “‘amigas’ do ambiente por meio de incentivos fiscais e tributos que tenham finalidade extrafiscal com o propósito de incentivar a proteção ecológica” (SARLET; MACHADO;E FENSTERSEIFER, 2015, p. 245).
Sarlet, Machado e Fensterseifer (2015) trazem a tributação ambiental vinculada a finalidades específicas e essenciais, sendo elas, a finalidade fiscal, com o objetivo de obter receitas que serão aplicadas em ações que promovam a defesa do ambiente, e a finalidade extrafiscal, com o objetivo de induzir comportamentos ambientalmente desejáveis ou menos prejudiciais ao ambiente. “Fazem-se presentes, então, duas categorias: a da conservação e da mudança” (SEBASTIÃO, 2006, online).
A extrafiscalidade em matéria ambiental visa o estímulo de comportamentos não poluidores e ao desestímulo às práticas poluidoras, como define Guimarães (2012, online). Dessa forma, os tributos extrafiscais servem como instrumentos de “política social e econômica, com o fito de levar a cabo diferentes fins constitucionais, como a proteção ao meio ambiente” (GUIMARÃES, 2012, online).
A extrafiscalidade, destarte, se caracterizará pela utilização de fórmulas jurídico-tributárias que visem ao alcance da proteção ambiental que irá se sobrepor sobre a finalidade simplesmente arrecadatória para abastecimento dos cofres públicos. Por conseguinte, o legislador, ao elaborar suas pretensões ambientais, pela via dos tributos, deverá se ater, de modo completo, aos limites da competência tributária. Logo, a proteção ambiental não tem poder para instituir regime tributário excepcional, porquanto os instrumentos jurídicos utilizados serão inalteravelmente os mesmos, modificando-os apenas no andamento do seu exercício para proteção ambiental (GUIMARÃES, 2012, online).
Segundo Carrazza citado por Ribeiro (2017, online) a extrafiscalidade caracteriza-se quando o “legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir contribuintes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa”. Por sua vez, destaca Ataliba apud Ribeiro (2017, online) que esta se configura pelo “emprego deliberado do instrumento tributário para finalidades não financeiras, mas regulatórias de comportamentos sociais, em matéria econômica, social e política”. Falcão apud Ribeiro (2017, online) aponta que a extrafiscalidade é a “atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas sim com vistas a ordenar ou reordenar a economia e as relações sociais”.
Dentro dessa vertente, pode-se concluir que a extrafiscalidade diferencia-se da fiscalidade, como versa Carli (2015, online) na medida em que “seu objetivo primeiro não é arrecadatório”, e sim o de buscar alteração nos cenários econômicos e sociais por meio dos tributos, coibindo ou incentivando determinadas condutas através destes. O mesmo autor define ainda que
[...] a extrafiscalidade ambiental legítima é aquela estabelecida pela lei que identifique como fato gerador um signo presuntivo de riqueza, mas cujo elemento quantitativo seja informado por critérios relativos à proteção ao meio ambiente que, em um juízo de ponderação com a capacidade contributiva, acabem por prevalecer à luz do princípio da proporcionalidade (CARLI, 2015, online).
Nesse sentido, pode ser considerada um dos principais instrumentos colocados à disposição do poder público para intervenção na economia e na vida social. E, ao analisar a questão tributária, observa-se que alguns setores movimentam mais recursos do que outros. Com base nisso, o foco deste trabalho é uma análise com relação ao setor automotivo, que é um dos setores que afetam, diretamente, a qualidade ambiental. E é a partir da utilização da extrafiscalidade que o poder público tem tentado “estimular o desenvolvimento do setor automotivo, mais especificamente por meio da concessão de desonerações tributárias, com ou sem a exigência de contrapartidas para os contribuintes” (CARVALHO, 2019, online). Ou seja, além de todo aparato e desenvolvimento tecnológico que afeta o setor, o Estado pode e deve interferir na questão dos tributos, principalmente, aqueles que afetam diretamente o consumidor final, como uma forma de trazer a questão ambiental e mais precisamente a conservação ambiental para as práticas do cidadão.
3.3.1 Tributos extrafiscais na proteção do meio ambiente
Com tudo o que foi abordado até então, pode-se acompanhar o raciocínio de Caliendo (2020, online) de que pagar tributos é “um dos deveres constitucionais mais relevantes na constituição democrática e sobre ele que se assenta a noção constitucional de tributo”. Afinal, são os tributos que acabam por financiar e garantir, através da arrecadação, a observação dos direitos fundamentais, além de proteger a liberdade, a igualdade e a dignidade do contribuinte.
E, como já citado, ocorre que nem sempre o Estado tributa com o intuito de “abastecer-se de dinheiro, mas também para incentivar, desincentivar, enfim, alterar uma dada situação, já que o peso dos tributos é tão forte que faz com que isso seja possível” (BECHO, 2015, online). E, visando essas alterações de comportamento, por exemplo, tem-se a aplicabilidade dos impostos extrafiscais, que podem também aparecer nos momentos em que o Estado precisa reaquecer a economia, como por exemplo, quando houve a redução da alíquota do IPI, visando estimular a produção e o consumo.
Com o objetivo de regular a economia, aos tributos extrafiscais é facultada sua implementação, podendo esta ser definida de acordo com as necessidades e objetivos do Estado. Dessa forma, tem-se, estabelecendo-se como exceção no §1º dos artigos 150 e 153 da Constituição Federal, além de algumas situações específicas, a presença dos impostos: de importação (II); de exportação (IE); de produtos industrializados (IPI); de operações financeiras (IOF); de propriedade de veículos automotores (IPVA), determinando assim que as alíquotas desses impostos podem ser modificadas (desde que obedeçam os limites legais aplicáveis) e que podem, também, atingir o mesmo exercício financeiro de publicação de lei ou período imediatamente posterior, sem seguir a regra da alínea c, inciso lll do artigo 150 da Constituição.
Os impostos extrafiscais por natureza são os impostos sobre Importação (II), sobre Exportação (IE), sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre Operações Financeiras (IOF). Estes apresentam o objetivo principal de intervir na economia, não apresentando fins somente arrecadatórios. O IPVA, mesmo apresentando cunho de arrecadação para o Estado, por apresentar previsão na Constituição Federal, em seu artigo 155, lll, de alíquotas diferenciadas, é também considerado em tributo extrafiscal. De maneira geral, como aborda Becho (2015, online), a finalidade desses impostos não é apenas arrecadatória, mas também de “regular o mercado de produção e de consumo, levando suas alíquotas a serem ajustadas com mais rapidez e pelo próprio Poder Executivo federal, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador”. Nessa mesma linha, Crepaldi (2019, online) destaca que existem alíquotas diferenciadas que aumentam à medida que os rendimentos ficam maiores, como por exemplo no IPVA, que incide “igualmente para todas as pessoas que realizam o fato imponível, não levando em consideração as condições pessoais, isto é, considerando apenas aspectos objetivos (nunca subjetivos) do contribuinte”.
Os autores Gomes e Antonelli (2016, online), sobre o IPVA trazem:
A permissão constitucional para a criação de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA foi inserida originariamente em nosso ordenamento jurídico pelo artigo 2º da Emenda Constitucional n. 27, de 28 de novembro de 1985, que acrescentou o inciso lll ao artigo 23 da Constituição Federal de 1967, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 01/1969, passando a contemplar a competência para os Estados e o Distrito Federal. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, manteve-se a competência dos Estados e do Distrito Federal.
Quanto à diferenciação de alíquotas com relação ao tipo, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela sua constitucionalidade, tendo em vista que, ao contemplar coisas distintas (álcool e gasolina etc.), as alíquotas do IPVA não violam o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva, não tendo caráter progressivo. Vide o RE n. 414.259:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPVA. LEI ESTADUAL. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS EM RAZÃO DO TIPO DE VEÍCULO.
1.Os Estados-membros estão legitimados a editar normas gerais referentes ao IPVA, no exercício da competência concorrente prevista no artigo 24, § 3º, da Constituição do Brasil.
2. Não há tributo progressivo quando as alíquotas são diferenciadas segundo critérios que não levam em consideração a capacidade contributiva. Agravo Regimental a que se nega provimento.
Assim, observa-se ser plenamente possível a adoção de alíquotas diferenciadas para o IPVA em situações específicas, onde há interesse estatal e extrafiscal. Ou seja, cada ente federativo pode inferir valores ao IPVA de acordo com seus objetivos, e, como se pôde observar, alguns Estados brasileiros já aplicam alíquotas diferenciadas, considerando, por exemplo, o tipo de combustível utilizado pelo veículo, favorecendo os proprietários de veículos que poluam menos em detrimento de veículos que poluam mais.
4 O IPVA ECOLÓGICO
O IPVA tem um importante papel na arrecadação estatal, e, de acordo com suas peculiaridades, pelo fato de cada ente ter liberdade para definir suas alíquotas, o imposto extrafiscal tem relevante papel no custeio de despesas do Estado. Porém, apesar de apresentar características únicas na definição dos possíveis valores a serem devidos pelos proprietários de veículos, ainda existem pontos que merecem destaque com relação à intervenção na qualidade ambiental que tal instrumento pode ter isso porque, ao delegar aos Estados para que definam suas alíquotas de acordo com seus interesses, sem onerar demais o contribuinte, como previsto em lei, observa-se algumas diferenças entre os critérios estabelecidos pelos entes, perdendo, assim, a chance de tornar o imposto estritamente ligado a questões ambientais e podendo ser instrumento de estímulo à qualidade ambiental. A Emenda Constitucional 42/03, § 6º, inciso ll traz que as alíquotas podem ser diferenciadas segundo o tipo e utilização do veículo, perdendo, assim, o legislador, a oportunidade de atribuir valores ambientais ao imposto (REZENDE; TANURE, 2013).
Rezende e Tanure (2013, online) explicitam que não há de se escusar da importância do IPVA na “transformação do modus vivendi et operandi da sociedade brasileira na busca por sua contribuição para um desenvolvimento sustentável da humanidade”. Carli (2015, online) exemplifica que
O legislador do IPVA tem como finalidade extrafiscal a proteção ao meio ambiente. Para atingir essa finalidade, que é tutelada constitucionalmente e inserida em sua competência material (art. 23, VI, CF), o Estado identifica como sujeitos da comparação os proprietários de veículos automotores, contribuintes de imposto de sua competência. Como medida de comparação, é escolhido o combustível utilizado pelos veículos de propriedades desses sujeitos, partindo do pressuposto de que o tipo de combustível influencia o grau de poluição causada por esses veículos. Considerando que a medida de comparação (combustível utilizado) é adequada à finalidade (proteção ao meio ambiente), cumpre verificar se o elemento indicativo da medida de comparação guarda uma correspondência estatística com a medida de comparação. Nesse sentido, o legislador onera com alíquota maior veículos movidos a gasolina combustível não renovável de origem fóssil, que produz um alto grau de poluição, e menor em relação aos veículos que utilizam recursos renováveis menos poluentes como o álcool etanol. Da mesma forma, o legislador concede alíquotas mais baixas para veículos movidos a gás natural, cujo grau de poluição é ainda menor. Logo, nesse exemplo, verifica-se a harmonia entre os elementos estruturais da diferenciação, revelando-se adequada a medida.
Entende-se como “tipo” uma diversificação de caráter meramente seletivo, podendo ser aplicada tanto para modelo do veículo quanto em relação ao combustível que alimenta o veículo, como explica Rezende e Tanure (2013). Insta salientar que outras nações utilizam critérios objetivos que medem as emissões de dióxido de carbono na hora de definir o valor do imposto devido pelo proprietário. Porém, o critério utilizado pelos legisladores brasileiros, como destaca os autores, é uma técnica mais generalista, entrementes o mais correto, levando em consideração à proteção ambiental, seria a utilização de critérios múltiplos e conjugados, como a mecânica do veículo, seu ano de fabricação, sua utilização, dentre outros, além dos já adotados pela legislação pátria.
Os atuais parâmetros de seletividade ambiental adotados no IPVA não possuem quase nenhum nexo de causalidade entre o agente e os impactos ambientais causados por suas atividades (REZENDE; TANURE, 2013). Ou seja, não há como precisar se o agente tem condutas que prejudiquem a qualidade ambiental, uma vez que não há, na maioria dos Estados, um acompanhamento de emissões de poluentes emitidos por seus veículos. Outro ponto relevante é o fato de veículos antigos apresentarem isenção do imposto, ainda que, nesse caso, seus motores sejam mais poluentes do que os veículos fabricados mais recentemente. Dessa forma, seria injusto não destacar o aspecto preventivo que o imposto pode ter, uma vez que, através dele, pode ser possível modular o comportamento das atividades impactantes ao meio ambiente, devendo, dessa forma, a discussão e definição ser realizada por cada ente.
4.1 Contornos do IPVA
Trazido por Carneiro (2018), o IPVA surgiu para substituir a Taxa Rodoviária Única (TRU), instaurada em 1969, vigorando até meados da década de 80, e que tinha a função de financiar a expansão das rodovias do Brasil. Com a finalidade de arrecadar valores para auxiliar o Governo nas construções e conservações das estradas federais, incluindo gastos com a pavimentação destas, a Taxa teve uma importância significativa para a construção de algumas das principais rodovias do país.
O IPVA, criado em novembro de 1985 e entrando em vigor já no ano seguinte, em 1º de janeiro de 1986, como destaca Helder (2022), não possuía (e não possui) relação com a prestação de serviços pelo Estado, porém, tem seus valores utilizados para custear despesas da administração pública. Ou seja, deixando de ser TRU onde todo o valor arrecadado ia para uma única finalidade, como acima destacado, o IPVA quebra essa regra, tendo seus valores distribuídos no custeio de gastos, de acordo com a necessidade do Estado.
Insta salientar que o valor arrecadado com o IPVA pelos Estados deve ser dividido entre o ente federativo e o município onde está registrado o veículo e residência do proprietário deste, e, uma vez feita essa divisão, o montante deve ser investido em saúde, educação, segurança pública e outros serviços dedicados à sociedade. O que for arrecadado com o IPVA entra no orçamento total da administração pública, podendo ser destinado para custeio de gastos do Estado e dos municípios. O imposto tem previsão no artigo 155, III, § 6º da Constituição Federal. Essa previsão da Carta Magna define as competências tributárias, o que permite a variação quanto às alíquotas entre os entes federativos, resultando, assim, como destaca Suzin (2016, online) “em uma carga tributária diferenciada, gerando o que se denomina de ‘guerra fiscal’”, fazendo com que a carga tributária de um Estado seja menos onerosa do que em outro, gerando “concorrência e atraindo um maior número de contribuintes”. A autora destaca como consequência de tal, a arrecadação maior em determinado ente em razão do aumento do número de veículos registrados (SUZIN, 2016).
As informações pertinentes ao IPVA deverão estar previstas em lei ordinária estadual e assim, cada Estado deve estabelecer suas alíquotas. Suzin (2016, online) versa que os Estados e o Distrito Federal, no âmbito das suas competências, “fixarão o valor do imposto com a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo, que é o valor do veículo”. Ou seja, o valor do imposto leva em consideração, em regra, o valor venal do veículo, porém, importante destacar que alguns Estados consideram a potência do veículo como base de cálculo para a definição do valor a ser cobrado, como observado na Lei n. 6.555/04, que dispõe sobre o IPVA do Estado de Alagoas.
Por não ter sua arrecadação com destinação certa, o pagamento do IPVA não garante ao contribuinte nenhum tipo de contrapartida por parte do Estado arrecadador, não sendo garantido, por exemplo, que os recursos serão destinados para a prestação de serviços X ou Y, justamente por Estados e municípios não serem obrigados a uma destinação específica desses valores, cabendo-lhes a definição de onde e como esses recursos serão aplicados e como serão administrados.
O órgão responsável por gerir os recursos arrecadados são as Secretarias da Fazenda (SEFAZ) de cada Estado e, interessante destacar que, apesar de não ter essa obrigação discriminada, o valor também pode ser utilizado para obras públicas, incluindo conservação e construção estradas, além da segurança destas. De uma forma geral, há a crença de que o valor arrecadado com o IPVA é utilizado somente para manutenção de ruas e estradas, mas, na verdade, o Estado usa esse para honrar seus compromissos, sendo, dessa forma, o IPVA considerado uma importante fonte de sustentação das políticas públicas, podendo, sim, ser utilizado para aquilo que as pessoas acreditam ser sua destinação, mal sabendo, na verdade, que sua finalidade é muito maior para o Estado.
4.2 IPVA verde ou IPVA ecológico e a sua previsão nos Estados Brasileiros
Com o valor da alíquota definido por cada ente federativo, o Brasil apresenta uma variável com relação à tributação de seus automotores. Objetivando mais as informações coletadas, estabelece-se como critério de análise, a priori, os tributos relacionados a veículos de passeio e motocicletas. Analisando as respectivas Leis, observa-se que alguns Estados brasileiros aplicam desconto no valor do IPVA, de acordo com algumas características do veículo tributado. Insta salientar que todos os Estados aqui citados utilizam como base de cálculo o valor venal do bem, ou seja, o valor aplicado no mercado para compra e venda do automóvel e/ou motocicleta.
O primeiro Estado citado que apresenta diferencial em seu IPVA é o Estado de Alagoas. Regido pela Lei n. 6.555 de 30/12/2004, o imposto tem sua alíquota definida de acordo com a potência do veículo, considerando que, quanto mais potente o motor do veículo tributado, maior será o valor cobrado. Assim, considerando as motocicletas, por exemplo, são consideradas as cilindradas (cc) destas, em que, a potência de até 150 cc, terá sua alíquota definida em 2%. Se a potência do motor for de 150 a 400 cc, esse valor sobe para 2,75%, e, caso seja maior do que 400 cc, o cálculo considerará 3,25% do valor do bem. O mesmo critério observa-se com relação aos veículos, que utilizam a unidade “cv” que é a quantificação da potência de um carro em cavalos (ou, no termo original, horsepower – hp). Carros com motor até 80 cv tem sua alíquota em 2,75%. Motores de 80 a 160 cv tem um valor de 3%, e, se acima de 160 cv, o valor salta para 3,25%. O Estado apresenta um incentivo fiscal sobre carros elétricos, os quais apresentam alíquota de 2%. Mesmo o valor da alíquota para esses veículos sendo menor, como considera-se o valor venal do veículo, o imposto devido pelo proprietário de veículos elétricos ainda pode ser consideravelmente alto, uma vez que, aqui no Brasil, por exemplo, não se encontram modelos elétricos abaixo de R$130.000,00.
O Estado do Paraná, por meio da Lei n. 14.260 de 22/12/2003 definiu uma alíquota mais generalista para todos os veículos, e independente da potência ou modelo, carros e motos devem pagar 3,5% do valor venal, de imposto. O diferencial do Estado encontra-se em carros que utilizam o Gás Natural Veicular – GNV, os quais têm sua alíquota reduzida para 1%. Essa diferença é considerável, o que acaba estimulando a população a adaptar seus veículos para a utilização do gás, uma vez que este é considerado menos poluente do que a gasolina e o diesel, por exemplo, já que emitem menos carbono. Porém, é de extrema importância destacar que, se não for bem instalado e não for monitorado constantemente, o GNV pode poluir tanto quanto os veículos movidos a combustíveis fósseis. Assim, o recomendado é adquirir carros que já saem da fábrica com a adaptação.
O Estado do Rio de Janeiro é um dos que mais apresentam diferencial em suas alíquotas, considerando para tal o combustível utilizado pelo veículo e a capacidade de poluição ao ambiente. A Lei n. 2.877 de 22/12/1997 define, para motocicletas, 2% sobre o valor venal do bem. Para automóveis, conforme este polua menos, terá sua oneração diminuída. Dessa forma, carros movidos à gasolina ou diesel, que são considerados os combustíveis mais poluentes, contam com alíquota de 4% sobre o valor do bem. Carros bi-combustíveis, são tributados em 3%; movidos a álcool, 2%; que utilizem GNV ou que sejam híbridos (elétrico) 1,5% e carros elétricos, contam com 0,5%.
O Estado de São Paulo, pela Lei n. 13.296 de 23/12/2008 onera motocicletas em 2%, considerando o valor venal. Carros movidos a gasolina ou diesel, contam com alíquota de 4%. Já aqueles movidos a álcool, GNV ou carros elétricos, o valor é de 3%. É um dos Estados, dentre os analisados, que menos incentiva a utilização de veículos que poluam menos.
Observa-se assim que ainda é muito pequeno o número de Estados brasileiros que incentivam o uso de veículos automotores considerando sua capacidade de não poluir o meio ambiente. Mesmo alguns destes entes oferecendo para a população opções de meios de locomoção coletivas, o que, considerando a emissão de gases poluentes, acaba sendo mais vantajoso para o ambiente, ainda é considerável o número de pessoas que utilizam seu veículo particular para locomoção diária. O Estado de São Paulo, por exemplo, apesar de contar com ônibus, trens e metrôs, ainda precisa praticar rodízio de veículos de acordo com suas placas, com o intuito de diminuir o fluxo de veículos nas rodovias, visando, não somente diminuir a poluição, mas também o tráfego e congestionamento das vias. Agora, com relação a incentivo fiscal, não há um grande diferencial entre veículos que poluem mais dos que poluem menos.
Um dos marcos com relação à tributação e meio ambiente é uma prática ainda inicial, mas com tendência a crescimento de aplicação, que é a isenção do IPVA para carros elétricos. O Brasil já conta com Estados que aplicam a isenção, com o intuito de incentivar a população ao consumo do bem, mesmo este ainda apresentando um valor de mercado alto.
Dos entes federativos que isentam carros elétricos, tem-se o Ceará, com base na Lei n. 12.023 de 20/11/1992, em seu art. 4º, IX; o Maranhão, com previsão no art. 9º, XI da Lei n. 5.594, de 24 de dezembro de 1992; Pernambuco, como traz o art. 5º, Xl da Lei n. 10.849, de 28 de dezembro de 1992; o Rio Grande do Norte, através da Lei 6.967/1996, no art. 8º, Xl; Paraná, com previsão no art. 14, Xlll da Lei n. 14260 de 22/12/2003; e o Rio Grande do Sul, no art. 4º, ll, Lei n. 8.115, de 30 de dezembro de 1985. O Estado do Piauí oferecia a isenção, mas a previsão foi alterada pela Lei n. 7.192 de 29/03/2019, estabelecendo atualmente alíquota de 1% para estes.
O que se pode observar é que ainda há um longo caminho com relação ao incentivo fiscal para a proteção do meio ambiente. Porém, a expectativa é que futuramente, a prática atinja mais Estados, principalmente estimulando o consumo de veículos elétricos com o intuito de diminuir, assim, a emissão de gases poluentes na atmosfera. Mais do que uma adequação legislativa por parte dos Estados, há a necessidade da regulamentação e adequação de pontos para que estes veículos sejam recarregados, principalmente em viagens longas. São pontos que precisam e que provavelmente serão discutidos com cada vez mais frequência, e é dessa forma que se terá o consumo consciente, o incentivo por parte do poder público ao consumo consciente.
4.3 Vantagens do IPVA ecológico para o contribuinte, para o Estado e para o meio ambiente
O caminho para a implementação de impostos verdes no Brasil ainda é longo. Especificando o IPVA, como visto anteriormente, é ainda baixo o número de Estados que diferenciam suas alíquotas considerando o tipo de combustível utilizado pelo veículo, onerando mais aqueles que utilizam combustíveis mais poluentes e menos aqueles que utilizem combustíveis menos poluentes, e até isentando carros elétricos, que são os menos poluentes, do imposto. O esperado é que haja incentivo ao consumidor em comprar carros mais ecológicos, como os movidos a energia elétrica, etanol, gás natural ou os híbridos, que são aqueles que utilizam mais de uma fonte de energia ecologicamente correta, e que veículos movidos a diesel e gasolina, principalmente, tenham sua compra desestimulada, uma vez que esses combustíveis são os mais prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana.
A adoção de impostos ambientais acaba criando incentivos destinados aos Estados e contribuintes, uma vez que, ao proporcionar descontos ao contribuinte, estimula sua quitação de acordo com a data prevista, além de incentivar o registro desse veículo naquele território. O que acaba sendo observado com relação ao IPVA é a tentativa dos contribuintes em registrar seus veículos em Estados que apresentem alíquota menor, prática não incomum, e que acaba trazendo prejuízo ao Estado, que, dessa forma, deixa de arrecadar. Como a alíquota que define o valor do tributo é de responsabilidade de cada ente federativo, essas diferenças entre os valores cobrados em um Estado ou outro acaba interferindo nos registros dos veículos. Dessa forma, Estados que ofereçam desconto ou isenção do IPVA atraem os proprietários a registrarem seu bem naquela localidade, o que aumenta a arrecadação do ente, e, por vezes, o Estado em que o proprietário resida acaba deixando de arrecadar o valor devido.
Considerando que a tributação que envolva o meio ambiente, as isenções desta ou outros benefícios, deve seguir a Constituição Federal, o que acaba sendo sentida é a falta de valores mais lineares para a definição das alíquotas, justamente para que não haja a migração de registro visando alguma economia para o proprietário do veículo. A Carta Magna não estabelece tributo ambiental específico, embora possibilite, nas espécies tributárias já existentes, condições para estabelecer mecanismos e instrumentos com enfoque ao meio ambiente. Nessa vertente, observa-se que não há necessidade de criar novos tributos, e sim adequar os já existentes para que tenham uma destinação com o intuito de atender finalidades socioambientais, e para que sejam vinculados à proteção do meio ambiente, seja através da isenção de veículos não poluidores, por exemplo, até mesmo a oneração extra de veículos que poluam mais e que circulem nas vias públicas.
Outro ponto a ser destacado está relacionado à aplicação dos recursos arrecadados em políticas públicas, como traz Rodrigues (2014, online), com intuito de “oferecer melhores condições para compatibilizar o direito ao desenvolvimento com o direito à proteção do meio ambiente, garantidos constitucionalmente”.
Conforme observado, o IPVA ecológico pode ser considerado um instrumento em prol do equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Ocorre que, por vezes, a adoção de tal pode estar em dissonância com um dos princípios norteadores do Direito Tributário, sendo esse o princípio da capacidade contributiva, visto que, os veículos automotores que são ambientalmente menos poluentes, são exatamente os que apresentam um valor econômico mais alto. Neste sentido, Gomes (2015) citado por Barbosa e Silva (2019) afirma que a harmonia entre a exação ambiental e a capacidade contributiva deve ser analisada, tendo em vista que um carro de luxo tem a probabilidade de possuir mais filtros ou recursos antipoluição, ao passo que evidencia uma capacidade contributiva maior que a de alguém que possui um carro mais antiquado e menos eficiente do ponto de vista ambiental.
Ou seja, exigir que o proprietário adquira um veículo movido à energia elétrica, por exemplo, que é hoje a modalidade menos prejudicial ao meio ambiente, para que assim, este obtenha alguma contrapartida tributária, fere o princípio acima citado, e acaba aumentando ainda mais a discrepância das diferenças do poder aquisitivo entre as pessoas. Porém, estimular a quitação devida do tributo através de incentivos, acaba sendo a opção mais viável, seja oferecendo descontos, por exemplo, como observado no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o combustível utilizado pelo veículo. Dessa forma, não há uma diminuição considerável na arrecadação e há a preocupação do próprio ente em buscar meios de preservar o meio ambiente através de algo que é utilizado por uma parcela considerável da população, que são os veículos automotores. Mais eficaz do que criar novos tributos, num país de elevada carga tributária, seria a adoção de incentivos fiscais, uma reordenação do sistema tributário, com foco na sustentabilidade e preservação ambiental.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi pretendido neste trabalho, buscou-se expor a existência de legislações que preveem incentivos fiscais, voltadas para a conservação ambiental. O Brasil conta com uma enorme biodiversidade de seres vivos e muitos recursos naturais ainda preservados, e, discutir comportamentos e políticas públicas buscando manter a preservação desses, além de também buscar o uso racional através da conservação dos meios favorece, de maneira geral, a população mundial.
As legislações que, em seu texto, trazem o diferencial na aplicação de impostos sobre veículos automotores ainda são tímidas, uma vez que aparecem em um número pequeno. Porém, carece ainda a sociedade de legislações voltadas a tributação à altura do patrimônio ambiental que ainda nos resta. O número de Estados que incentivam ou desoneram seus contribuintes à compra de veículos que sejam menos poluentes ainda é reduzido, fazendo com que os contribuintes tentem burlar, de alguma forma, essa obrigação, seja circulando de maneira irregular, protegidos pela falta de fiscalização, principalmente em cidades pequenas ou registrando seus veículos em Estados que apresentem, de alguma forma, algum benefício tributário, causando, de alguma forma, prejuízo para seu Estado de moradia.
Chega-se à conclusão de que é necessário tratar as leis tributárias como instrumentos para a efetiva proteção ambiental. Alguns Estados brasileiros já contam com esse diferencial, o que já pode ser considerado uma enorme conquista, porém há de se considerar pontos que hão de ser corrigidos por novas iniciativas legislativas por parte dos entes federativos, ao preverem modificações em suas alíquotas para cálculo de IPVA. Deve-se considerar, ainda, que, só o diferencial na carga tributária para manter o veículo não é o suficiente, uma vez que, para adquirir um automóvel que seja ecologicamente correto ainda é extremamente oneroso, e sai da realidade financeira de grande parte da população. Ou seja, além da previsão legal para diminuir a carga tributária, é preciso haver discussões com relação aos impostos ligados à compra de veículos verdes (veículos movidos a energia elétrica), mas também, de alguma forma, incentivar o uso de combustíveis menos poluentes, como os movidos à álcool ou GNV. Dessa forma, há o benefício para o bolso do contribuinte e para o Estado, que continuará arrecadando.
O meio ambiente encontra-se esgotado, infelizmente. E, de uma maneira geral, deve-se trazer o Direito como principal articulador das relações sociais, buscando suas espécies discutir, defender, prever, regular e punir as questões que afetam o ambiente. A preservação e conservação ambientais dependem de esforços de vários setores na busca de um ambiente sadio e protegido para a sobrevivência das espécies, direito constitucional hodierno e das futuras gerações.
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NOTA
[1] Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Mestra em Direito pela Universidade Estadual do Amazonas – UEA. Professa de Direito Tributário da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS em Palmas/TO. Assessora Jurídica de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins – TJTO.
Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS em Palmas/TO. Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Funcionária pública do estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JULIANA CORRêA, . Tributação ambiental: um estudo sobre o IPVA ecológico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60258/tributao-ambiental-um-estudo-sobre-o-ipva-ecolgico. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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