RESUMO: Destaca-se dois tipos de deveres dos pais com relação aos seus filhos considerados pela lei como menores de idade, que são: a) assistência, isto é, deve-se dar assistência material ou moral; b) vigilância. Assim, atribui-se para os pais a responsabilidade civil por danos e atos ilícitos cometidos por seus filhos menores de idade conforme os requisitos para que possa ser configurada como responsabilidade civil. Com isso, os pais se tornam obrigados a ressarcirem as vítimas por danos e atos ilícitos cometidos por seu filho menor de idade, levando em consideração o princípio que envolve essa reparação. Diante disto, este artigo tem como principal objetivo analisar dentro do ordenamento jurídico a responsabilidade civil atribuída aos menores de idade por seus atos ilícitos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa no qual foram realizadas consultas em livros, teses, artigos, leis, julgamentos para embasar os casos em que há responsabilidade civil por parte dos pais para seus filhos menores de idade. Como resultado, evidenciou-se que com o poder familiar, quando comprovado o dano causado, a responsabilidade pode ser atribuída para ambos os genitores, não somente para o pai como no pátrio poder. No entanto, observa-se que cada tribunal possui um entendimento a cerca do dever de indenizar mediante cada caso particular.
ABSTRACT: There are two types of duties of parents in relation to their children considered by law as minors, which are: a) assistance, that is, material or moral assistance must be given; b) surveillance. Thus, civil liability is attributed to parents for damages and illicit acts committed by their minor children according to the requirements so that it can be configured as civil liability. With this, the parents become obliged to compensate the victims for damages and illegal acts committed by their minor child, taking into account the principle that involves this reparation. In view of this, this article has as main objective to analyze within the legal system the civil liability attributed to minors for their illicit acts. This is a qualitative research in which consultations were carried out in books, theses, articles, laws, judgments to support cases in which there is civil liability on the part of parents for their minor children. As a result, it became evident that with the family power, when the damage caused is proven, the responsibility can be attributed to both parents, not only to the father but also to the patriotic power. However, it is observed that each court has an understanding about the duty to indemnify in each particular case.
KEYWORDS: Indemnity. Damage. Minor. Responsibility. Country.
PALAVRAS-CHAVE: Indenização. Dano. Menor de idade. Responsabilidade. Pais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos do ordenamento jurídico: 2.1 Poder Familiar; 2.2 Distinção entre obrigação e responsabilidade; 2.3 Responsabilidade Civil e Penal; 3. Responsabilidade Civil dos Pais; 3.1 Danos causados pelos filhos; 3.2 Menor incapaz; 3.3 Nexo causal; 4. Presunção da culpa dos representantes: 4.1 Responsabilidade do menor de 18 anos; 4.2 Obrigações de indenizar; 4.3 Interpretação dos tribunais. 5. Conclusões. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil dos pais é uma temática que é rodeada de discussões e debates por causa dos entendimentos que cercam os tribunais, visto que traz consigo uma relevância dentro do Direito Civil. Assim, a responsabilidade civil possui toda uma evolução histórica, mas a sua definição está voltada para o dever de ressarcir uma vítima de danos e prejuízos cometidos por parte de um indivíduo menor de idade.
Com isso, os atos ilícitos praticados por menores de idade ficam sendo respondidos por seus pais, levando em consideração os requisitos para que possa ser de fato aplicada a responsabilidade civil. Historicamente, observa-se uma atuação paterna sobre os atos dos filhos desde o Código Civil de 1916, trazido à baila pelo art. 1521, que designava responsabilidade por reparação civil por todos os atos cometidos por seus filhos menores de idade. Com o novo Código Civil de 2002, a responsabilidade passou a ser atribuída por ambos os genitores através do art. 933, inovando também no art. 932.
Diante disto, este artigo tem como principal objetivo analisar dentro do ordenamento jurídico a responsabilidade civil atribuída aos menores de idade por seus atos ilícitos. Como objetivos específicos, busca-se evidenciar as principais leis e respaldos voltados para a reparação do dano causado por menores; elucidar uma visão jurídica do que se trata a responsabilidade civil dos pais pelos filhos; evidenciar através de casos julgados por tribunais em que os pais foram responsabilizados e condenados a indenizar por danos cometidos por seus filhos.
Trata-se de uma revisão de literatura no qual foram realizadas pesquisas nas bases de dados tais como Google Acadêmico e também consultas em livros, leis, julgamentos dos tribunais, que estiveram dentro da temática supracitada. Sendo com isso, uma pesquisa de caráter descritivo de natureza qualitativa que evidencie os casos em que existem responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos praticados por filhos de menor idade.
2.FUNDAMENTOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO
O ordenamento jurídico traz consigo a origem da responsabilidade civil dos pais perante seus filhos, advindo do poder familiar. Este por sua vez, está voltado para a atuação do pater dentro de sua prole no qual se apresenta como líder e protetor de seu lar, podendo inclusive ser responsável pelos danos ocasionados por sua prole para a sociedade. Assim, a responsabilidade civil trata da garantia que a parte lesada passa a ter quando alguém tem o dever de reparar danos ocasionados por seus filhos (GAGLIANO; PAMPOLHA FILHO, 2012).
2.1 Poder Familiar
Nos tempos antigos, o poder sobre a família era conferido somente ao pai, sendo então ao pai o poder soberano sobre sua prole, que no direito antigo era denominado de patria potestas. Dessa forma, no Direito Romano, o pater familias era o nome dado à figura que era soberana nos assuntos relacionados ao lar, casa e família, visto que seu poder era tão absoluto que nem o Estado conseguia interferir na autoridade de um pater dentro do âmbito familiar, o que representava o patriarcalismo daquela época, in verbis: “Era (o pai) a única pessoa sui juris. A esposa, os filhos, os demais dependentes e os escravos não tinham nenhum direito. Nesta condição, consideravam-se personae alieni juris” (RIZZARDO, 2018, p.536).
De acordo com Marky (2021, p. 155) o pater detinha poder de vida e de morte sobre os filhos, in verbis:
O paterfamilia exercia um poder de vida e de morte sobre seus ascendentes (ius vitae ac necis), o que já era reconhecido pela Lei das XII Tábuas (450-451 a.C). Esse poder vigorou em toda sua plenitude até Constantino 9324-337 d.C). O paterfamilias podia matar o filho recém-nascido, expondo-o (abandono), até que uma constituição dos imperadores Vlentiniano I e Valêncio (em 374 d.C) proibisse tal prática. A venda de filho era também possível. O filho vendido encontrava-se na situação especial de pessoa in mancipio, pela qual ele conservava seus direitos públicos. Continuava cidadão romano. Quanto aos seus direitos privados, todavia, ele os perdia. No direito clássico tal venda só se praticava para fins de emancipação ou para entregar a vítima o filho que cometer um delito (noxae datio). Originariamente o paterfamilias podia casar seus filhos, mesmo sem consentimento deles. No direito clássico, porém, exigia-se o consentimento dos nubentes. Por outro lado, o pátrio poder, tão amplo originariamente, incluía o direito do pai em desfazer o matrimônio de filhos a ele sujeitos (1992, p.155).
Com isso, pode-se perceber que o patriarcalismo que é enraigado na sociedade possui um antecedente e se apresenta como algo que não é novidade. Notório também que as questões relacionadas ao poder sobre as famílias apresentam características específicas daquela época, mas que estão ainda presentes nos dias atuais na sociedade. Cita-se a participação religiosa na fixação da autoridade do Pai sobre diversos assuntos relacionados à família, nestes termos:
A família compõe-se do pai, da mãe, de filhos e escravos. Este grupo, por muito reduzido que seja, deve ter uma disciplina A quem competirá, pois a autoridade principal? Ao pai? Não. Porque existe em todas as casas algo superior ao próprio pai: a religião doméstica, o deus pelos gregos denominado senhor do lar, estia despoina, e que os latinos conhecem por Lar faniilae Pelei’. Nessa divindade anterior, reside a autoridade menos discutível. É essa crença que indica na família a condição de cada um. O pai é o primeiro junto ao fogo sagrado; é ele que acende e conserva; é o seu pontífice. Em todos os atos religiosos desempenha a função da oração que se deve chamar sobre si e os seus proteção dos deuses. A família e o culto perpetuam-se por seu intermédio; só o pai representa toda a série dos descendentes. No pai repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o hindu: “Eu sou Deus”. Quando a morte chegar, o pai será um ser divino que os seus descendentes invocarão (COULANGES, 2011, p. 125).
Se torna importante destacar que todo o instituto era movido na opressão e no medo dentro dos lares, pois todos os componentes familiares ficavam submissos ao pater, visto que este tinha poderes soberanos tais como sobre a vida e a morte de seus filhos. Alves (2008, p.605) ressalta que o poder que era dado ao Pater dentro da patria potestas era semelhante ao poder de um déspota. Assim, todo o patrimônio pertencia absolutamente ao pater, no qual este detinha poder absoluto, no qual tinha inclusive o poder de vender os filhos caso fosse do seu interesse, ou ainda decretar a morte de cada um.
Dessa maneira, ressalta-se que o pater tinha poder sobre a vida e a morte dos seus entes, como os seus filhos. Conforme os escritos antigos, para tomadas de decisões críticas como esta, reunia-se um conselho familiar, denominado de judicium domesticum, no qual estes todos opinavam sobre a decisão de morte do filho. Contudo, mesmo após todo o parecer, prevalecia a vontade do Pater (RIZZARDO, 2018, p.536).
Assim, entende-se que o poder de decisão no poder familiar teve um histórico antigo no qual o seu pertencimento era voltado somente para o pai, cabendo a este toda a autoridade de tomadas de decisão bem como proteger, manter e cuidar de sua prole. No entanto, a maioria do uso dessa autoridade estava voltada para o medo e opressão dos familiares, no qual incluiu também os filhos, a única obrigação que não pertencia ao Pater era sobre o bem estar de sua família. Essa preocupação com o bem estar somente passou a ser levada em consideração a partir do século XX (PERROT, 1991, p.79).
A história descreve o surgimento do pátrio poder e que depois foi evoluindo para o Poder Familiar. Descreve-se que o Direito Brasileiro passou a ter fortes influencias do Direito Português por causa da colonização no Brasil. Contudo, uma das heranças e influencias no Direito Português foi o Direito Romano, que por sua vez passou a ser transmitida para o Direito Luso-Brasileiro, no qual junto com essa herança veio o pátrio poder com a atuação direta da patria potesta romana. Para uma melhor compreensão, vale ressaltar que naquela época o homem detinha todo o poder sobre a sua família, sendo considerado o líder ou chefe de seu lar, e sua estrutura familiar era considerada conservadora sofrendo grandes influencias da Igreja Católica dentro desse período, por isso que a mulher era educada somente para servir o marido durante toda a sua vida (VENOSA, 2022, p.286).
Por outro lado, no Brasil, o Código Civil de 1916 trazia variadas garantias para os homens dando para estes inclusive o legítimo poder sobre sua família, no qual a mulher somente conseguiria esse mesmo poder se o marido estivesse impedido ou na falta deste. Com isso, entende-se que nesse período o homem era o principal responsável pelo relacionamento voltado para a união conjugal, pois a sociedade discriminava qualquer atuação por parte da mulher dentro desse regime de pátrio poder (VENOSA, 2022, p.288).
2.2 Distinção entre obrigação e responsabilidade
No latim respondere possui o significado de obrigação que o indivíduo tem de assumir todas as consequências jurídicas pelos atos praticados. Dentro desse contexto, Stoco (2011, p. 118) ressalta que “A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos”. Com base disso, o termo responsabilidade é utilizado em situações em que uma pessoa, seja ela natural ou jurídica (VENOSA, 2022, p.01).
Pode-se afirmar com isso que não há uma certa distinção visto que a responsabilidade se apresenta como uma obrigação, isto é, inexiste responsabilidade sem a sua respectiva obrigação. No entanto, a obrigação é a ação que deve acontecer somente quando a pessoa se torna responsável por algo, mas a responsabilidade somente surge quando o devedor não cumpre com suas obrigações, sendo com isso a primeira uma consequência jurídica patrimonial do inadimplemento relacionado à relação obrigacional (GONÇALVES, 2012, p.20-21).
Desse modo, a responsabilidade tem como foco o equilíbrio moral e também patrimonial que, por sua vez foi prejudicado por um indivíduo que cometeu algum ato que causou dano, que no caso precisará existir uma compensação. Pode-se afirmar com isso que o termo responsabilidade no campo jurídico remete-se como a ideia de restauração de equilíbrio ou reparação de algum dano através de uma contraprestação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p.09).
2.3 Responsabilidade Civil e Penal
De acordo com Venosa (2022, p.01) a responsabilidade civil envolve um conjunto de normas que geram a obrigação de indenizar outrem por danos sofridos. Assim, entende-se que a indenização está relacionada com um dever jurídico sucessivo que por sua vez depende de uma violação que tenha acontecido de forma prévia da relação jurídica obrigacional. Ademais, a indenização está voltada para fazer com que a vítima não sinta os efeitos que se apresentam como negativos advindos do ato danoso, fazendo com que retorne a um status quo ante.
Dessa maneira, Diniz (2022, p.23) afirma que a responsabilidade civil busca fazer com que a vítima seja reposta a um momento anterior através da indenização, nestas palavras:
Logo, o princípio que domina a responsabilidade civil na era contemporânea é o da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão, por meio de uma reconstituição natural, de recurso a uma situação material correspondente ou de indenização que represente do modo mais exato possível o valor do prejuízo no momento de seu ressarcimento, respeitando, assim, a sua dignidade.
Desta forma, pode-se compreender que a responsabilidade civil advém da agressão de um interesse considerado como particular, por isso o infrator realiza pagamento como uma forma de compensação pecuniária às vítimas. Desse modo, a responsabilidade civil busca tutelar da melhor forma possível aquele que sofreu algum tipo de dano, utilizando-se de uma natureza sancionatória para realizar reparação por algo. Vale ressaltar que a conceituação voltada para o que é considerado como responsabilidade civil foi sendo construída no decorrer do tempo, conforme foram se apresentando as respectivas necessidades (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p.09).
Assim, em tempos primórdios, as únicas formas de reagir a um dano causado era planejar uma vingança, isso se fosse uma reação em grupo. Em formas particulares, a forma de resolver um dano causando por outrem era com as próprias mãos através de retaliação, no qual predominava a Lei de Talião que dizia “olho por olho, dente por dente”. Nesse momento, o poder público interferia somente para evitar que existissem abusos, discriminando quando a vítima poderia ter o direito de retaliar o seu agressor, fazendo com que este tivesse o mesmo prejuízo ou dano que tinha cometido à vítima. Entende-se que nesse tempo a responsabilidade era somente objetiva, isto é, não dependia da culpa, se apresentava como uma forma de resposta ou uma reação do próprio lesado sobre o dano que sofreu (DINIZ, 2022, p.27).
Passando-se os anos, observou-se que a vingança particular causava danos para todos os envolvidos, por isso a composição econômica se tornou obrigatória, mostrando-se mais viável um acordo entre ambas as partes com a finalidade de reparação do dano através da indenização pecuniária, no qual precisa o patrimônio do individuo que causou o dano estar em condições de suportar a indenização (DINIZ, 2022, p.27).
Com isso, houve uma evolução da responsabilidade civil no qual o termo objetivação foi se relacionando com a teoria do risco, visto que o dever de indenizar estaria relacionado a uma prática de um risco no qual a indenização está diretamente interligada com a verificação do dano. Entretanto, a objetiva não cancelou ou revogou a subjetiva, pelo contrário se manteve lado a lado, evidenciando o quanto é importante a reparação do dano (RIZZARDO, 2018, p.30).
De acordo com Diniz (2022, p.23-24) a responsabilidade civil busca repor a vítima em uma situação anterior do dano, in verbis:
Logo, o princípio que domina a responsabilidade civil na era contemporânea é o da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão, por meio de uma reconstituição natural, de recurso a uma situação material correspondente ou de indenização que represente do modo mais exato possível o valor do prejuízo no momento de seu ressarcimento, respeitando assim, a sua dignidade.
Assim, entende-se que a responsabilidade subjetiva está ligada diretamente com o dolo ou ato ilícito na conduta, no qual resulta a obrigação da indenização ao indivíduo que foi lesionado. Contudo, no caso da responsabilidade objetiva, independente de dolo ou culpa, bastando apenas ter o nexo causal e uma vítima com seu respectivo dano. Destarte, pode-se também compreender que a responsabilidade civil objetiva não depende da culpa para que autor do dano não possa ser responsabilizado, visto que a ampliação da responsabilização, nesses casos, se mostrou como um aumento do acesso à justiça, para que não haja desproporção entre as partes, com isso Tartuce (2014, p.307) afirma que:
Entendemos que a responsabilização independe da culpa e representa um aspecto material do acesso à justiça, tendo em vista a conjuntura de desequilíbrio percebida nas situações por ela abrangidas. Com certeza, afastada a responsabilidade objetiva, muito difícil seria, pela deficiência geral observada na grande maioria dos casos, uma vitória judicial em uma ação promovida por um particular contra o Estado, ou de um consumidor contra uma grande empresa. O Código Civil de 2002, como não poderia ser diferente, passou a tratar especificamente da responsabilidade objetiva, de forma geral a art. 927, parágrafo único, sem prejuízo de outros comandos legais que também trazem a responsabilidade sem culpa.
Por outro lado, o que diferencia a responsabilidade civil da penal é o fato de que a responsabilidade penal não corresponde somente ao interesse dos particulares, mas também o interesse público. Além disso, o direito penal estabelece penas que estão embasadas dentro de sua seara, com conduta tipificada, enquanto que a culpa dentro do direito civil corresponde à indenização ou reparação de um dano que tenha causado a uma parte privada (SERPA, 2013, p.49).
3.RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS
A responsabilidade civil dos pais está diretamente relacionada com o poder familiar que estes exercem sobre seus filhos, principalmente no tocante das obrigações que estes possuem em exercerem vigilância. Diante a isso, Dias (2006, p.748) afirma que:
Soudart notou-o com precisão ao mostrar que o então chamado pátrio poder (hoje poder familiar) inspira essa responsabilidade porque “[...] dá ao pai e mãe o direito e o dever de velar constantemente pelos filhos, enquanto são incapazes de dirigir suas ações e lhes submetidos na ordem civil, de prevenir-lhes as faltas, seja pela vigilância atual, seja principalmente pela educação intelectual e moral que estão incumbidos de lhes dar.
Assim, pode-se descrever dois tipos de deveres dos pais com relação aos seus filhos considerados pela lei como menores de idade, que são: a) assistência, isto é, deve-se dar assistência material ou moral; b) vigilância. No que se remete a assistência, cita-se o suprimento de alimentos e outras necessidades econômicas, além disso oferecer o acesso à educação também envolve a assistência moral, pois envolve o desenvolvimento humano dos filhos que é necessário principalmente para uma vida adulta em sociedade. A parte da vigilância envolve a educação, direcionando o filho para o que são deveres perante a sociedade (DIAS, 2006, p.749).
Ressalta-se que o dever de vigilância emitido pelos pais, podendo ser universal ou ainda contínuo, não pode ser considerado como algo absoluto e ao mesmo tempo abstrato, visto que se torna inviável realizar a todo momento vigilância para tudo que o filho(a) está fazendo. Contudo, mesmo com a substituição do pátrio poder, denominado atualmente como poder familiar, o pai continua tendo poderes sobre seus filhos, principalmente no que se refere da responsabilidade civil sobre os filhos menores, a diferença é que a mãe também detém os mesmos poderes. Diante disso, o pai possui outros deveres sem que a sua vida esteja voltada somente para se dedicar aos filhos, pois isso resultaria na proibição deste em fazer qualquer outra atividade (DIAS, 2006, p. 752).
De acordo com Pereira (1995, p.89), conforme discrimina no inciso I, do antigo Código Civil, cita-se os requisitos para que seja configurado como responsabilidade civil dos pais, que são: filhos menores de idade, no qual pode-se utilizar a certidão de nascimento como prova da idade, e o fato de ser de menor e estar sob o pátrio poder (SIMÃO, 2008, p.120).
Essa responsabilidade ocorre por causa da falta de discernimento do filho menor para com suas próprias atitudes, principalmente na compreensão voltada sobre a legalidade dos seus atos perante à sociedade e seus respectivos resultados. Por isso que Simão (2009, p. 123) afirma que “somente os imputáveis poderiam ser responsabilizados, pois só eles teriam discernimento para optar entre o certo e o errado e só eles poderiam agir voluntária e culposamente”, por isso os danos que estes inimputáveis cometem são de responsabilidade dos seus pais, que por sua vez possuem o dever de vigilância.
3.1 Danos causados pelos filhos
O dano é considerado como um pressuposto da responsabilidade civil tanto contratual quanto extracontratual, visto que somente há responsabilidade civil sobre algo se de fato houver danos. Essa obrigatoriedade existe porque a responsabilidade se apresenta como um resultado advindo da obrigação de indenizar ou ressarcir outrem por algo que foi prejudicado ou lesado, visto que esse reparo não tem como acontecer se não tiver dano para que possa ser reparado (DINIZ, 2022, p.59).
Além de ser algo comprovado pelo interessado pela indenização, os danos podem ser indenizáveis quando apresentam: a) violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica; b) certeza de que houve dano: c) subsistência do dano (GAGLIANO; PAMPOLHA FILHO, 2013, p. 84).
Além disso, o dano também se apresenta como indenizável quando o indivíduo causa diminuição através da destruição de um bem jurídico patrimonial de uma pessoa física ou jurídica; apresenta certezas do dano, através da causalidade; ausência de causas excludentes de responsabilidade (DINIZ, 2022, p.62).
Desse modo, pode-se citar os danos como: dano material e dano moral. No que tange ao dano material Diniz (2022, p. 66) afirma que:
O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse coletivo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.
Por outro lado, existe o dano moral que é citado dentro da própria Constituição Federal de 1988, mais precisamente dentro do seu art. 5º, inciso V, no qual discrimina que todo indivíduo é segurado do direito de resposta, se apresentando proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Com isso, ao contrário do dano material, o dano moral não traz danos ao patrimônio. Cahali (2000, p. 20 descreve o dano moral de maneira esclarecedora ao ressaltar que:
Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”, classificando-os, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral”( honra reputação, etc.) e dano que molesta “a parte afetiva do patrimônio moral”( dor, tristeza, saudade, etc; dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial ( cicatriz deformante etc.) e dano moral puro ( dor, tristeza, etc).
Para os fins de indenização por dano morais, a reparação precisa reduzir pelo menos a dor sofrida, já que existem particularidades que a indenização pode não conseguir reparar, com o intuito de pelo menos mitigar o mal sofrido de forma injusta. Assis (1998, p.36) descreve a reparação dos danos morais da seguinte maneira: “por tais raízes, o dano moral, na minha concepção, é a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apreciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que regre os princípios morais tutelados pelo direito”.
Para Venosa (2022, p.28) sem o respectivo dano, seja ele material ou moral, não há reparação ou indenização, visto que, se não tiver o interesse patrimonial ou moral violado não é passível de indenização, pois a reparação corresponde ao efeito de prejuízo causado a outrem.
3.2 Menor Incapaz
Dessa forma, diferentemente do Brasil, alguns outros países admitiram que a responsabilidade civil é dos respectivos indivíduos, mesmo estes sendo menores de idade ou incapaz, é o caso de países como a Alemanha, Suiça, Itália, México e Espanha. Em contrapartida no Brasil, o art. 156 do Código Civil de 1916 passou a considerar que o indivíduo que é menor de idade se apresenta como incapaz de separar o lícito do ilícito, se comparado com pessoas que possuem mais de 21 anos de idade que já possuem esse conhecimento e poder de escolha entre o legal e o ilegal (CAVALIERI FILHO, 2012, p.28).
No entanto o fato do indivíduo ser menor de idade e inimputável não lhe retira a obrigação de indenizar o outro em caso de danos e prejuízos, in verbis:
Primeira, ser o ato tal que, se praticado por alguém imputável, configure a violação de um dever. Se o inimputável agiu em condições em que não se lhe poderia atribuir culpa alguma, caso fosse imputável, não poderá ser obrigado a indenizar. Seria um contrassenso tratar o inimputável, nesse aspecto, com maior severidade do que as pessoas imputáveis, exigindo dele uma conduta que a estas não se impõe. Segunda, ter o inimputável, bens em valor superior ao necessário para lhe assegurar os alimentos adequados ao seu estado e condição, e os alimentos que legalmente deva a outrem. Essa reparação é imposta objetivamente por uma razão de equidade, como expressamente declara o parágrafo único do art. 928.
Desta feita, se apresenta impossível que o pai consiga exercer de forma contínua o dever de vigilância integralmente, levando-se em consideração que este pai precisa realizar outras atividades no qual, inclusive, retira sua própria renda para sustentar sua própria família, como discrimina Rizzardo (2018, p. 106):
É impossível aos pais permanecerem durante vinte e quatro horas por dia em constante atenção e vigilância, de modo a não arredar sua presença do convívio da prole. Daí a fragilidade dos fundamentos da responsabilidade objetiva em várias situações. Inconcebível que se afaste o legislador da realidade, como aconteceu com a derrogação pura e simples da exceção do art. 1523 do Código de 1916. Há situações em que, na verdade, os pais são vão vítimas dos filhos, e não estes do abandono, da falta de cuidado, de vigilância, de atenção daqueles.
Em outros casos, caso os pais tenham perdido a responsabilidade pelo filho menor, se torna exonerado dessa responsabilidade civil de indenizar outrem pelos danos cometidos por seus filhos. Essa situação acontece quando existe uma separação dos pais, no qual se torna responsável do filho somente aquele que fica com a guarda e também fica com todo o direcionamento sobre este (CAVALIERI FILHO, 2012, p.208-209).
3.3 Nexo causal
O nexo causal é o que relaciona a conduta com o dano sofrido. Diante disso, é um elo que liga o dano efetivo motivado por uma ação voluntária, negligência. De acordo com Lopes (2005, p. 218) nestes termos:
Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por este produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço.
Com isso, pode-se afirmar que somente com dano gerado que existe a responsabilidade civil, quando se torna possível estabelecer um nexo de causalidade entre o dano e a conduta. Isto é, o fato lesivo deverá ser oriundo de uma ação, que pode acontecer diretamente ou como resposta de outra ação previsível (DINIZ, 2022, p.107).
4.PRESUNÇÃO DE CULPA DOS REPRESENTANTES
O instituto voltado para a responsabilidade civil passou por grandes mudanças. Primeiramente iniciou-se com a confusão dos conceitos voltados para o que era ilícito e culpa, o que se remete a ideia de responsabilidade objetiva, até chegar-se a uma ideia da noção isolada sobre a culpa, fato que contribuiu para o conhecimento voltado para a responsabilidade subjetiva e seus corolários dentro do sistema jurídico (OLIVEIRA, 2011, p.45).
4.1 Responsabilidade do menor de 18 anos
O Estado precisa intervir para que crianças e adolescentes possam ter seus direitos garantidos através do Poder Judiciário, por isso que foi promulgada a Constituição Federal de 1988 com o objetivo de trazer a toda a sociedade brasileira descrito o direito de cada um dos cidadão brasileiros, no qual nesse sentido está incluído os menores de idade, buscando garantir os direitos individuais para que possam ser protegidos devido a sua vulnerabilidade e sua incapacidade de decisão perante atos praticados pelos mesmos e por outrem, assegurando seus direitos sociais. Com a Constituição houve mudanças significativas no quesito de direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
Além disso, passou a existir também a partir de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da Lei n.8.069 de 1990, no qual as situações modificaram bastante trazendo para os menores o reconhecimento dos direitos, como discrimina o seu respectivo art. 3º do ECA, que afirma que crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais voltadas para a pessoa humana, sem que exista prejuízos voltados para a proteção integral no qual cita a respectiva lei, no qual além de proteção garante que os menores de idade tenham também oportunidades e facilidades que possa facilitar que estes tenham o seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social garantidos, dentro do que é considerado com dignidade (BRASIL, 1990).
Pode-se citar que os direitos dos menores de idade tiveram quatro fases, no qual cita-se: a) primeira fase – a fase da indiferença, as crianças e adolescentes eram vistos como inúteis pela sociedade e por isso não tinham leis que pudessem garantir seus direitos fundamentais; b) segunda fase – fase da imputação criminal, que tinha como finalidade apenas de coibir as práticas ilícitas pelos menores; c) terceira fase – fase da tutela, no qual foi repassado para os adultos os respectivos poderes de integrar os menores de idade na família, mas essa integração era voltada para os interesses pessoais dos adultos; d) quarta fase – criação do Estatuto da Criança e do Adolescente no qual a Lei 8.069/90 que traz mudanças na sociedade através garantia dos direitos dos menores de idade, com a preocupação de garantir que a criança e o adolescente tenham um lar que seja saudável, através da sua conexão existente com o art. 226 da Constituição Federal, que discrimina que a família é a base para toda a sociedade, que por sua vez goza de proteção do Estado tanto na esfera municipal, quanto estadual ou federal através das políticas públicas que são criadas para essa finalidade (PAULA, 2002, p.26).
Dentro do art. 227 da Constituição Federal traz o direito ao menor de idade de ter acesso à educação, alimentação, educação, lazer, capacitação e profissionalização, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar bem como comunitária, bem como o direito total à vida. Além disso a Constituição Federal de 1988 discrimina que é de total dever primeiramente dos pais para com seus filhos, logo em seguida que é dever de toda sociedade bem como do Estado para com esse menor de idade. No entanto, com relação à segurança, esta se apresenta como dever tanto da família quanto do próprio Estado, que por si tem a definição de garantir que esse menor de idade tenha proteção e sua vida segura de quaisquer riscos, por isso é dada a importância para quem é dada a guarda (RAMOS, 2015, s.p.).
4.2 Obrigação de indenizar
Voltando-se para a reparação, que é também denominada como função compensatória, busca-se reparar os prejuízos causados a alguém, que garante o piso indenizatório para danos sofridos. Contudo, atenta-se com isso que através do piso indenitário que possui o objetivo de evitar que haja enriquecimento através da indenização sem causa, visto que a responsabilidade civil não deve servir de pretexto para alguém tirar vantagem de outros a partir de um determinado ato considerado ilícito, como cita no art. 884 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).
Por sua vez, esse princípio sofreu algumas alterações e restrições pelo próprio Código Civil de 2002, no qual a primeira restrição esteve voltada para a responsabilidade civil dos indivíduos que são considerados como incapazes no qual é aplicável a norma do art. 928 do Código Civil de 2002 que estabelece uma redução equitativa por parte do juiz em exercício com a finalidade de preservar os interesses do incapaz e também de sua família. Além disso, no art., 944 do CC/2002 traz à baila que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Visto com isso que, o valor estabelecido para a indenização não pode ser apresentar superior com a extensão do dano, preservando-se com isso o teto do princípio da reparação integral, porém pode acontecer da indenização ser menor do que os prejuízos sofridos, no qual o agente com culpa leve traz danos de grandes proporções (QUEIROZ, 2017, s.p.).
Assim, referente a responsabilidade civil dos pais, estes tornam representantes do menor de idade perante seus atos tanto lícitos quanto ilícitos, sendo com isso responsáveis também em reparar os danos que seu filho menor de idade causar a outrem, como respalda o art. 932 do atual Código Civil, pois estão sob sua responsabilidade e autoridade, desta feita, qualquer ato cometido por este menor de idade entende-se que está sob a supervisão de seu respectivo representante e por isso decai a este o dever de indenizar (GONÇALVES, 2005, p. 122).
4.3 Interpretações dos tribunais
Vale ressaltar que a objetivação da responsabilidade civil por atos cometidos por terceiros envolve somente pais, tutores, curadores, empregadores e representantes legais, mas a vítima não precisa provar que os atos praticados aconteceram por culpa destes, bastando comprovação somente dos atos praticados pelo menor. Diante a isto Filho (2012,p. 210-211) descreve que:
Em suma até os 18 anos os pais respondem objetivamente pelos atos dos filhos. A vítima não necessita provar que o fato aconteceu por culpa in vigilando dos pais; deve apenas provar o dano, e que o mesmo foi causado por fato culposo do filho. Essa prova é indispensável, porque objetiva é apenas a responsabilidade dos pais, e não a do filho. Sem culpa do filho não haverá que se falar em indenização. Provada a culpa do filho, exsurge a responsabilidade dos pais, que só poderão exonerar-se do dever de indenizar demonstrando in concreto que não mais tinham o poder de direção sobre o menor e o correspondente dever de vigilância.
Dessa forma, a indenização acontece por parte dos responsáveis porque o menor de idade não possui ainda patrimônio para poder reparar os danos de terceiros, como cita o art. 933, no qual permitiu com que aumentassem as chances das vítimas em serem indenizadas por danos sofridos. Contudo, o que precisa compreender é que os pais somente serão responsabilizados se esse menor de idade estiver sob a tutela desses pais, bem como sob a sua autoridade e companhia, a partir desses pontos que há o vínculo jurídico entre representante e menor de idade como fruto do exercício do poder familiar, que por sua vez envolve a assistência moral e material que a família deve oferecer para a sua prole (CAVALIERI FILHO, 2012,p. 208).
Destarte, o Superior Tribunal de Justiça ao decidir situações que competem a responsabilidade civil ocorrido dentro da vigência do Código Civil de 1916, decidia que ambos os genitores (pai e mãe) seriam responsáveis pelos atos praticados pelos seus filhos, deixando de lado a responsabilidade de somente um deles. Entretanto, ficava afastada a culpa de um deles caso comprovado que não concorreram com culpa no acontecimento do dano, como no caso do genitor que não detinha a guarda. Como em um caso que o menor adquiriu uma arma de fogo, no qual a culpa decaiu somente na genitora que tinha o menor em sua companhia e que pelo julgamento do tribunal, não exerceu adequadamente o seu poder de vigilância, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍCITOS DE FILHO MENOR – PRESUNÇÃO DE CULPA – LEGITIMIDADE PASSIVA, EM SOLIDARIEDADE,DO GENITOR QUE NÃO DETÉM A GUARDA -POSSIBILIDADE – NÃO OCORRÊNCIA IN CASU – RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO I – Como princípio inerente ao pátrio poder ou poder familiar e ao poder-dever, ambos os genitores, inclusive aquele que não detém a guarda, são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores, salvo se comprovarem que não concorrem com a culpa para a ocorrência do dano. II – A responsabilidade dos pais, portanto, se assenta na presunção juris tantum de culpa e de culpa in vigilando, o que, como já mencionado, não impede de ser elidida se ficar demonstrado que os genitores não agiram de forma negligente no dever de guarda e educação.
[...]
III – No presente caso, sem adentrar-se no exame das provas, pela simples leitura da decisão recorrida, tem-se claramente que a genitora assumiu o risco de ocorrência de uma tragédia, ao comprar, três ou quatro dias antes do fato, o revólver que o filho utilizou para o crime, arma essa adquirida de modo irregular e guardada sem qualquer cautela (fls 625/626). IV – Essa realidade, narrada no voto vencido do v. acórdão recorrido, é situação excepcional que isenta o genitor, que não detém a guarda e não habita no mesmo domicílio, de responder solidariamente pelo ato ilícito cometido pelo menor, ou seja, deve ser considerado parte ilegítima. V – Recurso especial desprovido (BRASIL, 2009, s.p.).
Por outro lado, no Código atual, a decisão voltada para a culpa não adentra mais nas decisões, visto que foi adotada a teoria objetiva da responsabilidade civil, visto que essa visão sobre culpa ao ser inserida novamente no ordenamento jurídico iria dificultar a vítima ser ressarcida. No entanto, os responsáveis podem realizar um debate sobre a culpa, que pode ser tanto in vigilando ou in educando, como discrimina o doutrinador:
No direito brasileiro, poderia a mãe, após indenizar a vítima, cobrar do pai regressivamente os valores pagos, provando sua culpa na educação do menor. À luz do direito das obrigações, mormente de acordo com os requisitos previstos no art. 932, I, como a mãe estava na companhia do menor, é ela a responsável pela indenização perante a vítima. Nesse caso, em ação autônoma entre os pais do incapaz, a matéria de culpa aquiliana (CC, art. 186) seria o fundamento, razão pela qual pode e deve ser discutida.
Em relação à responsabilidade dos pais, concluiu-se que não se pode punir, com o dever de reparar, aquele que está impedido de vigiar por não estar em companhia do menor. Isso não significa que se houver culpa in educando, aquele que reparou o dano não possa cobrar os valores a título de indenização (SIMÃO, 2008, p.170).
Contudo, sobre o entendimento voltado para o CC/2002, em um caso que aconteceu entre o indivíduo menor de idade, seus pais e um empregador, pode-se analisar a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nestes termos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA E DOS RÉUS. PRELIMINARES. [...]. SUSCITADA PELOS RÉUS JAQUELINE BEPPLER, FRANCISCO SEBASTIÃO BEPPLER E JANDIRA TEREZINHA QUINISS BEPPLER SUA ILEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. SUSTENTADA A RESPONSABILIDADE INTEGRAL DO RÉU EVARISTO COLUMBANO, POR ESTAR A RÉ JAQUELINE BEPPLER CONDUZINDO O VEÍCULO DAQUELE NO EXERCÍCIO DO TRABALHO. ALEGADA A CONSEQUENTE FALTA DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS POR ATO DE FILHA MENOR EM CASO DE ILEGITIMIDADE DESTA. INSUBSISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR. ART. 932, III C/C 942, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. LEGITIMIDADE DA RÉ JAQUELINE BEPPLER CONFIGURADA. LEGITIMIDADE DE SEUS PAIS, RÉUS FRANCISCO SEBASTIÃO BEPPLER E JANDIRA TEREZINHA QUINISS BEPPLER QUE SE IMPÕE PELA RESPONSABILIDADE DOS PAIS POR ATOS DOS FILHOS MENORES. ART. 932, I, DO CÓDIGO CIVIL. PRELIMINAR AFASTADA. MÉRITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO ENTRE VEÍCULOS QUE TRANSITAVAM EM PISTAS DE ROLAMENTO COM DIREÇÕES OPOSTAS. [...]. PREVALÊNCIA DA TESE ESTAMPADA NO BOLETIM DE OCORRÊNCIA E NÃO DERRUÍDA PELOS RÉUS. INVASÃO DA PISTA CONTRÁRIA CONFIRMADA. IMPRUDÊNCIA. INFRAÇÃO AOS ARTS. 28 E 29, I, AMBOS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CONDUTORA RÉ, ADEMAIS, QUE NÃO ERA HABILITADA PARA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. IMPRUDÊNCIA E PRESUNÇÃO DE IMPERÍCIA. VIOLAÇÃO À INFRAÇÃO CONTIDA NO ART. 162, I, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR PROCEDENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. DANOS MATERIAIS. [...]. 2. É cristalina a culpa e o decorrente dever de indenizar do motorista que, ao arrepio das mais comezinhas regras de trânsito, imprudentemente invade pista contrária e intercepta a passagem de veículo que seguia em sua mão de direção. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.026077-1, de Blumenau, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 27-05-2014) (BRASIL, 2014).
Ocorre essa responsabilização para a mãe em decorrência também de separação judicial ou divórcio, no qual responderá pelo ato ilícito de seu filho, não decaindo a responsabilidade sobre o pai que não tem a tutela do menor. Porém, o contrário também pode acontecer. Como em um caso que aconteceu no qual o STJ possuiu o entendimento de que a responsabilidade subsidiária entre o genitor que possui a guarda e o que não tem, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS ILÍCITOS DE FILHO MENOR - PRESUNÇÃO DE CULPA - LEGITIMIDADE PASSIVA, EM SOLIDARIEDADE, DO GENITOR QUE NÃO DETÉM A GUARDA - POSSIBILIDADE - NÃO OCORRÊNCIA IN CASU - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I - Como princípio inerente ao pátrio poder ou poder familiar e ao poder-dever, ambos os genitores, inclusive aquele que não detém a guarda, são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores, salvo se comprovarem que não concorreram com culpa para a ocorrência do dano. II - A responsabilidade dos pais, portanto, se assenta na presunção juris tantum de culpa e de culpa in vigilando, o que, como já mencionado, não impede de ser elidida se ficar demonstrado que os genitores não agiram de forma negligente no dever de guarda e educação. Esse é o entendimento que melhor harmoniza o contido nos arts. 1.518, § único e 1.521, inciso I do Código Civil de 1916, correspondentes aos arts. 942, § único e 932, inciso I, do novo Código Civil, respectivamente, em relação ao que estabelecem os arts. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e 27 da Lei n. 6.515/77, este recepcionado no art. 1.579, do novo Código Civil, a respeito dos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. III - No presente caso, sem adentrar-se no exame das provas, pela simples leitura da decisão recorrida, tem-se claramente que a genitora assumiu o risco da ocorrência de uma tragédia, ao comprar, três ou quatro dias antes do fato, o revólver que o filho utilizou para o crime, arma essa adquirida de modo irregular e guardada sem qualquer cautela (fls. 625/626). IV - Essa realidade, narrada no voto vencido do v. acórdão recorrido, é situação excepcional que isenta o genitor, que não detém a guarda e não habita no mesmo domicílio, de responder solidariamente pelo ato ilícito cometido pelo menor, ou seja, deve ser considerado parte ilegítima. V - Recurso especial desprovido. (REsp 777.327/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 01/12/2009) (BRASIL, 2009,s.p.).
Com isso, considerando-se que ambos os pais exercem a mesma responsabilidade dos pais resulta antes da guarda do que do próprio poder familiar. Sendo que, a falta daquela pode levar a exclusão da responsabilidade civil dos pais (GONÇALVES, 2012, p.105).
5.CONCLUSÃO
De acordo com a pesquisa realizada nas bases de dados tanto Scielo quanto JurBrasil, pode-se citar alguns pontos que precisam ser considerados para que os pais possam ser responsabilizados pelos atos ilícitos praticados por seus filhos, nos quais pode-se citar: o ato ilícito, o dano, a culpa e nexo causal. Contudo, pode-se considerar que na responsabilidade objetiva, não precisa ter a comprovação da culpa do indivíduo que causou o dano.
Pode-se afirmar que a responsabilidade civil dos pais está relacionado com a capacidade do indivíduo de arcar com a culpa, que no caso, trata-se de um indivíduo menor de idade e que não possui patrimônios para que possa pagar pelo seu ato considerado como ilícito.
Dessa maneira, para que o menor de idade possa ser responsabilizado através de seus pais pelos danos cometidos precisa estar cabalmente comprovada a sua prática ilícita, bem como o respectivo dano causa a outrem, junto com a culpa de quem os praticou, junto com o nexo de causalidade que vai finalmente apresentar o liame que está entre a conduta o dano causado.
Dessa maneira, pode-se compreender que a responsabilidade civil pelos pais está atribuída pela capacidade de indenizar os danos cometidos pelos seus filhos, pois a justiça entende que o menor de idade não tem patrimônio e nem condições econômicas para indenizar terceiros. Isto é, se um indivíduo menor de idade, cometer danos ao patrimônio público ou cometer atos ilícitos, quem poderá responder por ele são seus pais.
Atualmente, com o novo poder familiar, as responsabilidades passaram a pertencer tanto para o pai quanto para a mãe, sendo uma representatividade da igualdade de direitos entre homens e mulheres, com a vedação constitucional entre distinções entre filhos. No entanto, observa-se que cada tribunal possui seu próprio entendimento sobre o mesmo ordenamento jurídico.
No entanto, sugere-se para estudos futuros a compreensão voltada para a responsabilidade civil quando o filho é abandonado por seus pais ou um dos genitores, no qual o filho pode pedir indenização por danos morais.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, KLEBER VITORINO DE SOUZA. Reflexões sobre a responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos dos filhos menores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60261/reflexes-sobre-a-responsabilidade-civil-dos-pais-pelos-atos-ilcitos-dos-filhos-menores. Acesso em: 28 dez 2024.
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