RESUMO: O presente trabalho discorre sobre a Lei 14.181/2021 que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, introduzindo o sistema de prevenção e tratamento do superendividamento do consumidor. Deste modo, pretende-se averiguar a renegociação da dívida do consumidor superendividado sob o viés da análise econômica do direito; bem como realizar uma abordagem, sobre os métodos adequados de solução de conflitos nas situações de superendividamento do consumidor; mais voltado para uma abordagem crítico-reflexiva. Nesse sentido, sob o viés dos métodos adequados de solução de conflitos, que surge a problemática deste trabalho; de modo a verificar, qual seria o melhor método a ser adotado nas situações de superendividamento do consumidor: Conciliação ou mediação? Chegou-se à conclusão, de que o método humanizador a ser adotado no tratamento do superendividamento ultrapassa a tradicional distinção entre conciliação e mediação, dado o caráter social desse fenômeno, impondo a construção do plano de pagamento o “apoderamento” do superendividado em resgatar sua dignidade e preservar seu mínimo existencial. Este trabalho se utilizará como método de abordagem, a análise crítica dedutiva, através do procedimento técnico de pesquisa bibliográfica e fontes interdisciplinares de forma exploratória e qualitativa. Este trabalho se justifica pela sua importância social, visto que, o consumismo e o superendividamento estão em alta na sociedade, e isso gera transtornos que ferem a dignidade da pessoa humana, sendo de grande valia, o estudo deste trabalho, para prevenção do consumidor superendividado.
Palavras-chave: Boa-fé objetiva; Conciliação; Consumidor; Mediação; Mínimo existencial.
ABSTRACT: The present work discusses the Law 14.181/2021 that updated the Consumer Defense Code, introducing the system of prevention and treatment of consumer over-indebtedness. In this way, it is intended to investigate the debt renegotiation of the over-indebted consumer under the bias of the economic analysis of law; as well as carrying out an approach on the appropriate methods of conflict resolution in situations of consumer over-indebtedness; more focused on a critical-reflective approach. In this sense, under the bias of adequate methods of conflict resolution, the problem of this work arises; In order to verify, what would be the best method to be adopted in situations of consumer over-indebtedness: Conciliation or mediation? It was concluded that the humanizing method to be adopted in the treatment of over-indebtedness goes beyond the traditional distinction between conciliation and mediation, given the social character of this phenomenon, imposing the construction of the payment plan the "empowerment" of the over-indebted to rescue their dignity and preserve their existential minimum. This work will be used as a method of approach, the critical deductive analysis, through the technical procedure of bibliographic research and interdisciplinary sources in an exploratory and qualitative way. This work is justified by its social importance, since consumerism and over-indebtedness are on the rise in society, and this generates disorders that hurt the dignity of the human person, being of great value, the study of this work, for the prevention of the over-indebted consumer.
Keywords: Objective good faith; Conciliation; Consumer; Mediation; Existential minimum.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A CULTURA DO CONSUMO NA (PÓS)MODERNIDADE: UM UNIVERSO DE NOVAS NECESSIDADES OU UMA INDÚSTRIA DE DESEJOS?; 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÍNIMO EXISTENCIAL E SUA APLICABILIDADE; 3.1 As origens do mínimo existencial “substancial de consumo” presente na Lei 14.181/2021 e agora no CDC; 4. DOS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR; 4.1 Conciliação e mediação nas situações de superendividamento do consumidor; 4.2 Do procedimento da fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas; 4.3 A restauração do vínculo nos núcleos familiares superendividados; 4.4 Da advocacia colaborativa; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A mais importante e mais esperada novidade legislativa na defesa do consumidor foi aprovada no dia 01 de julho de 2021: a Lei 14.181 que atualiza o CDC para a prevenção e o tratamento do superendividamento dos consumidores. Depois de cinco anos, o conhecido Projeto de Lei 3515/2015 (PLS 283, 2012 e PL 1805, 2021) foi aprovado, atualizando o CDC, reforçando a boa-fé na concessão responsável do crédito ao consumo e criando um sistema novo de conciliação em bloco das dívidas dos consumidores, preservando o mínimo existencial.
Aprovado na Câmara de Deputados em 09 de junho de 2021, o Projeto de Lei então numerado como 1805/2021 foi aprovado rapidamente e por unanimidade no Senado, com um texto de consenso liderado pelo Senador Rodrigo Cunha e que substituiu o PL 283/2012 do ex-Presidente e Senador José Sarney. Trata-se de o início de uma nova era de crédito responsável, proteção do consumidor pessoa natural e combate ao superendividamento, que apesar de vetos parciais, mantém intacto o espírito da Atualização, como se verá no decorrer deste trabalho (CONSULTOR JURÍDICO, 2021).
Trata-se de um texto legislativo maduro, preparado por uma Comissão de Juristas, discutido e debatido em anos de tramitação, um texto baseado nas lições do direito comparado, especialmente no modelo francês de reeducação financeira, mas adaptado à realidade brasileira (BENJAMIN; MARQUES, 2014). Essa aprovação é um passo fundamental para superar a cultura da dívida e passar para era da cultura do pagamento, diminuindo o número de endividados instituindo o crédito responsável, reduzindo uma mazela que tem prejudicado milhões de brasileiros, o superendividamento.
A lei que introduziu a prevenção e tratamento do superendividamento do consumidor no Brasil elevou a atuação de determinados agentes na concretização do combate a esse fenômeno social e mundial de exclusão social. Neste contexto, o protagonismo tanto para a prevenção quanto para o tratamento foi destinado inicialmente aos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, art.104-C da lei especial, agora também do Código de Defesa do Consumidor, preservando ao Poder Judiciário o papel constitucional da apreciação em caso de lesão ou ameaça a direito.
Soma-se a esse grupo o desempenho da advocacia colaborativa, em consonância com a principiologia introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015, a exemplo dos princípios da cooperação e do fomento aos métodos adequados de solução de conflito. Nesse formato, o diploma processual está em plena harmonia com a nova legislação ao resguardar o acesso à ação judicial de forma residual. É justamente, sob o viés dos métodos adequados de solução de conflitos, que surge a problemática deste trabalho; de modo a verificar, qual seria o melhor método a ser adotado nas situações de superendividamento do consumidor: Conciliação ou mediação?
Como hipótese, pode-se dizer, é que a partir da “Lei do Superendividamento” a defesa do consumidor transcende a exclusividade da decisão judicial, nela sendo incluída a conciliação e a mediação como ferramentas do processo humanizado de repactuação da dívida, que é “congelada” e são estabelecidas condições favoráveis a sua liquidação com a garantia do mínimo existencial para o consumidor devedor. Nesse sentido, vale salientar que os meios consensuais de resolução do conflito viabilizam a capacidade de retomada do status de solvência do devedor para honrar com o pagamento de forma aceita pelo credor e exercer sua cidadania de forma plena.
Este trabalho, tem como objetivo geral, fazer uma análise da lei 14.181 de 2021, e de sua aplicabilidade imediata, bem como realizar uma abordagem, sobre os métodos adequados de solução de conflitos nas situações de superendividamento do consumidor; mais voltado para uma abordagem crítico-reflexiva.
O primeiro objetivo específico, visa discorrer sobre a cultura do consumo na (pós)modernidade, em forma de questionamento, indagando-se, se essa cultura do consumo poderia ser vista como um universo de novas necessidades ou uma indústria de desejos. Já o segundo objetivo específico, visa realizar algumas considerações sobre mínimo existencial e sua aplicabilidade. Partindo para o terceiro e último objetivo específico, aqui será dado ênfase aos métodos adequados de solução de conflitos nas situações de superendividamento do consumidor.
Este trabalho se justifica pela sua importância social, visto que, o consumismo e o superendividamento estão em alta na sociedade, e isso gera transtornos que ferem a dignidade da pessoa humana, sendo de grande valia, o estudo deste trabalho, para prevenção do consumidor superendividado. Já como importância jurídica, vê-se uma necessidade de um maior diálogo das fontes (Constituição Federal; Código Civil; Código de Defesa do Consumidor – Lei do Superendividamento; dentre outras), onde faça valer os direitos desses consumidores vulneráveis, respeitando o limite financeiro de cada um, e fazendo valer a legislação, não ficando ali, só no papel.
Essas e outras questões são discutidas neste texto, que foi desenvolvido em pesquisa teórica, com o apoio de técnicas de pesquisa documental indireta (doutrina e jurisprudência), numa abordagem lógico-dedutiva, partindo-se do delineamento do cenário contemporâneo das relações consumeristas, passando-se, na sequência, ao estudo das práticas mercadológicas e, por fim, analisando-se o fenômeno do superendividamento de maneira específica.
Em respeito ao método científico adotado, deve-se destacar que é esse o caminho trilhado na investigação, que culmina com algumas propostas no sentido de resgatar a dignidade do vulnerável, o restabelecimento de suas mínimas condições de sobrevivência, bem como, em médio prazo, a restruturação de sua vida financeira.
2. A CULTURA DO CONSUMO NA (PÓS)MODERNIDADE: UM UNIVERSO DE “NOVAS NECESSIDADES” OU UMA “INDÚSTRIA DE DESEJOS”?
A conduta de adquirir bens, enquanto uma das características mais identificadoras do ser humano, posto que indispensável à sobrevivência e à manutenção da espécie, perpassa, desde os tempos mais remotos, a vida de todos os sujeitos.
Esse fato é corroborado pela própria História da Humanidade, ao revelar que, já no Código de Hamurabi (TEIXEIRA, 2014, p. 71), século XVIII a.C., era possível identificar, ainda que de maneira muito incipiente, alguns elementos atinentes ao fenômeno do consumo, bem como tentativas de disciplinar as relações firmadas entre os respectivos negociantes. Por exemplo, o construtor de embarcações respondia pelos danos advindos de falhas no produto, delineando um fóssil do que hoje se conhece como relação consumerista (ALMEIDA, 2006, p. 1)[1].
Também existiram normas protetivas semelhantes no Antigo Egito, que eram aplicadas para assegurar os interesses de indivíduos que recebessem bens adulterados ou de natureza diferente da inicialmente contratada (conduta sancionada com multa proporcional ao dano do adquirente) (PERIN JUNIOR, 2003).
No século XIII a.C., o Código de Manu (Leis 697 e 698) punia a adulteração ou a entrega de coisas em espécie inferior à pactuada ou, ainda, a venda de bens de mesma natureza por preços diversos (FILOMENO, 2016, p. 300).
Na história helênica, fiscalizava-se a venda de produtos no mercado, especialmente quanto à adulteração da qualidade e do peso (o trigo era o bem mais visado). Multas eram aplicadas para a inobservância do correto e taxas eram cobradas dos comerciantes. Além disso, Cícero também defendia a possibilidade de quebra contratual para vícios ocultos nos produtos (BORGES, 2012, p. 36).
Em Roma, desde a Lei das XII Tábuas, o comprador podia esperar transparência do devedor, especialmente quanto aos vícios na coisa. Ações ressarciam o comprador em casos de vícios ocultos na coisa vendida (PEDRON, 2000). Outros exemplos ainda podem ser colacionados no mesmo sentido: a Lei Sempcônia (123 a.C.), que incumbia ao Estado a distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia (58 a.C.), que reservava o benefício de tal distribuição aos indigentes e a Lei Aureliana (270 d.C.), que determinava a distribuição do pão diretamente pelo Estado (PRUX, 1998, p. 79).
Ainda seguindo o curso da História, na Idade Média houve a sedimentação do comércio e já se iniciava o embrião das indústrias, bem como surgiram os burgos. Com isso, favoreceram-se, além da atividade econômica minimamente organizada, a adulteração e a fraude de alimentos e especiarias (TEIXEIRA, 2014, p. 71). Nesse período, a proteção ao consumidor foi bastante rudimentar, sendo apenas o exemplo francês o mais contundente: Luiz XI, em 1481, editou lei que previa o banho quente para quem vendesse manteiga misturada com pedra (para aumentar o peso) e leite misturado com água (para elevar o volume). Além desse, Portugal, nas Ordenações Filipinas (1603), previa a possibilidade de desfazimento da venda em caso de engano (com a consequente retenção de metade do preço) (FILOMENO, 2016, p. 3).
Foi apenas no Século XVIII e no Ocidente, especialmente graças à Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo é que surgiram as primeiras iniciativas voltadas à normatização das relações de consumo. Em 1872, nos Estados Unidos, foram publicadas as primeiras regras disciplinadoras das relações consumeristas, eis que reprimiam fraudes praticadas em contratos comerciais houve também, nesta mesma fase, a criação de algumas agências governamentais, v.g, a Federal Trade Comission, a qual, dotada de amplos poderes investigatórios, tinha como principal finalidade, a aplicação das leis de repressão às práticas comerciais desleais e de proteção ao consumidor (ALMEIDA, 2006 apud SANT’ANNA; NASCIMENTO PEREIRA; CONSALTER, 2020, p. 66-67).
Além desse fato, a atuação do Presidente Kennedy, especialmente no discurso dirigido ao Congresso em 15 de março de 1962, cujo tema foi o problema com o veículo recordista de vendas chamado Ford Pinto, que continha um defeito no tanque de combustível e fez com que ocorressem inúmeros acidentes com incêndios e vítimas fatais, gerou a onda protecionista dos vulneráveis e aumentou a pressão para que ocorresse a responsabilidade dos fornecedores (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 4-5).
Em 22 de dezembro de 1972, na França, foi publicada lei que oferecia ao consumidor o tempo de sete dias para ponderar sobre a compra feita. Além desta, a Loi Royer (1973), que punia a propaganda enganosa; a Loi Scrivener (1978), que vedava a publicidade abusiva; e o Code de La Consommation, decreto que normatizou as relações de consumo naquele país (ALMEIDA, 2006, p. 301).
E a necessidade de tutela suplantou os limites nacionais, fato que resultou na aprovação pela Organização das Nações Unidas (ONU) da Resolução 39/248/85, que materializou a evolução dos sistemas jurídicos rumo ao bom amparo do consumidor. Ela apresenta amplo conteúdo axiológico e fez incidir sobre os Estados o pacto de instaurar políticas públicas visando à tutela dos consumidores, respeitando, evidentemente, as regionalidades e a economia de cada país. As questões pertinentes ao consumo e à legislação correlata adquiriram ainda mais força e destaque no cenário internacional com a estruturação da Comunidade Europeia, época em que o direito comunitário passou a dar efetividade às diretrizes disciplinadoras da publicidade e responsabilidade civil pelos acidentes de consumo (GORJÃO-HENRIQUE, 2008).
Acatando essa orientação, o Brasil, embora a legislação específica em defesa do consumidor só tenha vindo ao ordenamento jurídico em 1990, não esteve alheio à sua necessidade de proteção, sendo possível enumerar, apenas pelo critério cronológico, algumas leis que antecederam não só a Lei 8.078/90, mas também a própria Constituição de 1988: a) o Decreto 22.626/33, de repressão à usura; b) a Constituição de 1934, que, nos artigos 115 e 117, elencou as primeiras regras de proteção à economia popular; c) os Decretos-leis 869/38 e 9.840/46, que cuidaram da previsão dos crimes contra a economia popular, resultando, posteriormente, na Lei 1.521/51 – Lei de Economia Popular; d) a Lei 4.137/62 – Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico; e e) a Lei 7.347/85, que disciplinou a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, juntamente com a tutela de outros direitos (SANT’ANNA; NASCIMENTO PEREIRA; CONSALTER, 2020, p. 68).
Voltando-se as luzes para a norma constitucional (1988), esta buscou minimizar a vulnerabilidade do indivíduo consumidor, entendendo-se tratar de desdobramento do princípio da dignidade humana e elevando a defesa do consumidor à categoria de direito fundamental (KOURI, 2013).
Ademais, a mesma norma ainda elevou a tutela consumerista à categoria de princípio da ordem econômica e impôs ao Estado o dever de elaborar um Código de Proteção e Defesa do Consumidor a fim de disciplinar essas específicas relações, o que, para Rizzatto Nunes, mostrou-se um grande avanço, eis que “ele não participa do ciclo de produção e, nesta medida, não tem acesso a esses meios, assim como também não dispõe de prévios mecanismos de controle sobre os produtos e serviços que adquire [...], logo, necessita de proteção específica” (NUNES, 2015, p. 57).
Ao retomar a trajetória do consumo e sua proteção na legislação específica no Brasil, depara-se com a publicação da Lei 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), reconhecido pela literatura, de modo quase unânime, como um microssistema que, dotado de princípios e regras, tanto de direito material como processual, igualmente se revelou inovador na respectiva disciplina.
Vale ressaltar que essas pontuações históricas pertinentes à vulnerabilidade do indivíduo que consome e os movimentos estatais no sentido de tutelá-lo auxiliam na compreensão da potencialização desse marcante aspecto do sujeito (pós)moderno, o qual busca encontrar o “seu eu” no mercado, conduta esta geradora de efeitos muitas vezes negativos, a exemplo do superendividamento (BAUMAN, 2001).
Isso ocorre porque, mesmo diante da existência de uma gama de disposições normativas que objetivam proteger os consumidores vulneráveis, o ato de consumir representa, atualmente, muito mais do que uma simples compra de objetos, ou contratação de serviço, em si mesma considerada. Diametralmente, como resultado de uma perigosa e profunda inversão de valores e percepções, experimentada diariamente pelos indivíduos contemporâneos, os quais são envoltos pelos certeiros e irresistíveis apelos do mercado e das mídias, o consumo ganhou status de referencial de existência e satisfação humana (SANT’ANNA; NASCIMENTO PEREIRA; CONSALTER, 2020, p. 68).
Passa-se, então, ao desenho do estado da arte dessas relações tão marcantes da sociedade de consumo pós-moderna. Seu desenho se inicia por alguns traços marcantes: “elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista [...]” (LIPOVETISKY, 2009, p. 184).
Os aspectos delineados são indicadores perfeitos da denominada “sociedade de consumo”, descrita por Bauman como “a única na história humana a prometer a felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada agora sucessivo. Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua” (BAUMAN, 2008, p. 60). Dessa maneira, o ato de consumo passa, atualmente, a corresponder ao atendimento das necessidades primárias do indivíduo e se torna tão importante que se confunde com a ideia de felicidade (BAUMAN, 2008, p. 41).
O grande problema reside no fato de que se inicia uma cadeia sem fim de novas necessidades gerando novas mercadorias, que por seu turno dão ensejo a outros desejos e a outros produtos, o que “inaugura uma era de obsolescência embutida dos bens oferecidos no mercado [...]” (BAUMAN, 2008, p. 43).
Com base nesse mesmo cenário factual, Lipovetsky, ao abordar a questão do individualismo do sujeito contemporâneo, também faz algumas considerações sobre o consumismo, conceituando-o como um mecanismo que se fundamenta na sedução, considerando que “os indivíduos adotam os objetos, as modas, as fórmulas de lazer elaboradas pelas organizações especializadas, porém de acordo com suas conveniências, aceitando isto e não aquilo, combinando livremente os elementos programados” (LIPOVETISKY, 2007, p. 84-85). Ou, ainda: “a sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquele que faz passar o econômico para a órbita da forma moda” (LIPOVESTISKY, 2009, p. 184).
Observa-se, então, que essa conduta não decorre de um comportamento natural, mas, sim, de uma atitude “implantada”, que se baseia nos mitos da felicidade e da igualdade, ou seja, o indivíduo só se sente igual (pareado com os demais) e, portanto, feliz se corresponder ao poder e à capacidade de compra de todo um grupo ou estrato social a que queira pertencer. E para que essa sensação de felicidade realmente exista, o sujeito precisa não só dos bens que quantitativamente consegue possuir, mas, principalmente, que esses bens comportem o peso simbólico (que corresponde ao sucesso, à beleza etc.), inserto em tais objetos (SANT’ANNA; NASCIMENTO PEREIRA; CONSALTER, 2020, p. 70-71).
Destaque-se que essa impressão de que a felicidade pode advir do ato de consumo é tão sedutora e convincente que conduz o indivíduo a condutas estereotipadas, gerando na pessoa a necessidade de adquirir produtos de grifes ou fabricantes predeterminados, pois parece ser “bom” e também o torna “adequadamente identificado” no grupo ou coletividade em que pretende se ver inserido (GAULIA, 2016, p. 59). Surge, aí, o que Bauman identifica como uma sociedade que “[...] promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 2008, p. 71).
O que se verifica da leitura dessa constatação é que o consumo não é mais uma atividade comum, veículo de bens e serviços e supridor da sobrevivência das pessoas, mas, sim, uma faceta social (pós)moderna em que se difunde e excita desejos sob o pseudopretexto de sentir-se feliz ou incluso num determinado nicho.
Outro ponto é o referente à rotulação dos indivíduos conforme o uso ou não de determinadas marcas. Nestas, há a “[...] a dupla dimensão de emblema e nome produz, portanto, a sujeição, cujo rebento é a criação de um grupo ou coletivo. A clientela de uma marca representa, então, um grupo constituído como uma corporação” (QUESSADA, 2003, p. 149). Isso faz com que a pessoa que faça uso desta ou daquela marca e a exiba passe a demonstrar uma espécie de servidão espontânea: “[...] uma forma de renúncia ao conhecimento dado pela palavra, em proveito de um sistema de signos que o representa e o situa como membro de um coletivo unificado pelo nome da marca” (QUESSADA, 2003, p. 149).
Assim, para os homus consumericus não é mais suficiente apenas adquirir para suprir as suas necessidades básicas. É imperioso consumir muito, sempre e cada vez mais. Para Bauman, na sociedade de consumidores todos têm que tratar o consumo como uma conduta vocacionada que é, “[...] ao mesmo tempo, um direito e um dever humano universal que não conhece exceção” (BAUMAN, 2001, p. 71-72).
Na mesma toada, Lipovetsky entende que ocorre uma alteração no principal fato motivador da prática consumerista, pois o que passa a servir de base à dinâmica do consumo não é mais a finalidade em si do produto ou serviço, mas, sim, a busca da satisfação pessoal de forma constante e ilimitada, na qual a valoração distrativa das mercadorias, não raras vezes, tem o poder de suplantar seu valor honorífico e utilitário (LIPOVESTISKY, 2007, p. 44).
Vê-se, então, a instauração de um círculo vicioso, pois as “novas necessidades” originam “novos desejos” e, a partir dessa dinâmica de mercado, o consumismo não mais diz respeito à simples satisfação das necessidades do sujeito, mas, sim, das necessidades de identificação e aprovação de outrem ou, posto de outra maneira, um desejo fundado na comparação, vaidade, inveja e no anseio de pertencer a determinado agrupamento social (CARVALHO; FERREIRA, 2016, p. 187).
Para passar às considerações já realizadas, é importante registrar, ainda, outra crucial faceta do consumismo alhures rapidamente mencionada, qual seja, a obsolescência programada dos produtos, que corresponde a uma estratégia mercadológica bastante difundida em determinados setores de produção, notadamente de aparelhos eletrônicos e/ou tecnologia.
Assim, para que a atual sociedade de consumo possa sobreviver nesses patamares do “excesso” e, mais do que isso, tenha condições de prosperar e manter o mercado aquecido, faz-se mister que os seus atores protagonistas, os consumidores, sintam a necessidade constante de adquirir bens, ainda que o objetivo dessa conduta esteja centrado na ilusória e falaciosa busca do “sentir-se bem”, mediante o uso e a ostentação de uma imensa variedade de “novos” e “indispensáveis” objetos (CARVALHO; FERREIRA, 2016, p. 186).
Nesse contexto social contemporâneo, mercadorias e produtos são instrumentos utilizados para obter a admiração do outro, e o ritmo imposto por essa cultura de consumo alimenta, ainda mais, os desejos do indivíduo que, uma vez satisfeitos, são imediatamente substituídos por outros (CARVALHO; FERREIRA, 2016, p. 187-188).
Daí se extrai a ideia de que a sociedade de consumo tem como um de seus combustíveis a “não satisfação” das pessoas ou, em outros termos, a sua infelicidade, que é alimentada cada vez que os produtos se depreciam e se desvalorizam logo após terem sido adquiridos. Aí, a cada vez que se compra algo para si, imediatamente se originam outras “[...] necessidades/desejos/vontades ainda mais novos” (BAUMAN, 2008, p. 64).
E, resultante desse engendramento, os mesmos bens de consumo passam a ser produzidos em versões cada vez mais customizadas, despertando no consumidor (pós)moderno um intenso desejo de realizar novas aquisições, ou seja, mesmo naquelas hipóteses em que o produto da antiga versão ainda se mostre eficiente e útil, é bem provável que venha a ser descartado e substituído pelo novo (SANT’ANNA; NASCIMENTO PEREIRA; CONSALTER, 2020, p. 70-71).
Para Bruno Miragem (2013), a obsolescência programada consiste na “redução artificial da durabilidade dos produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura”, representando, portanto, uma espécie de artifício utilizado pelo fornecedor para aumentar suas vendas e margem de lucro.
Ao analisar essa questão, sob outra importante perspectiva, André Gorz (2010) destaca que a dita obsolescência programada, além de contribuir a outros malefícios imediatos, endividamento do consumidor, subtrai deste o senso de responsabilidade ambiental o usufruto e descarte dos produtos, os quais são comumente despejados em espaços inadequados, sem a mínima preocupação com os prejuízos causados ao meio ambiente.
Outro aspecto que se destaca nessa conjuntura social (pós)moderna é o denominado “consumo-distração”, prática realizada em corredores e vitrines dos grandes centros comerciais e, em tese, esvaziada de preocupações mais profundas, sem qualquer fidelidade ao produto, bastando o significado simbólico desse novo estilo de vida que, aos olhos também dos outros indivíduos, reflete um estado de “felicidade concreta”. E, evidentemente, nessa equação não entram o trabalho, a benemerência, a essencialidade humana (BAUMAN; DONSKIS, 2014, p. 180)
E para encerrar esse tópico, impende o resgate da ideia desenvolvida até esse ponto, que reside no seguinte: até há pouco, o ato de consumo consistia no suprimento das necessidades elementares das pessoas. Agora, há uma mudança profunda, que ocorre por meio da adoção de outros valores, mediante os quais o ato de consumo passa a ser realizado como eco às sugestões e práticas de marketing, o que se perfaz numa relação de dependência dos indivíduos (pós)modernos e o mercado.
Por seu turno, as relações de consumo também se modificaram, abandonando a clássica concepção para avançar às “contratações de massa”, que são estabelecidas por meio de simples adesão (nem sempre tão simples assim), mas, em muitas circunstâncias, por publicidade nebulosa, sub-reptícia, enganosa e tendenciosa à promoção de lucros injustos e irregulares pelos fornecedores, o que contribui, sobremaneira, para a ocorrência do fenômeno do superendividamento.
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE MÍNIMO EXISTÊNCIAL E SUA APLICABILIDADE
O mínimo existencial tem fonte constitucional, e a Lei 14.181/2021 inclui o mínimo existencial como parte integrante da definição de superendividamento, o que é uma inovação.
Segundo Marques:
A proteção do mínimo existencial e a proteção das condições mínimas de sobrevivência do consumidor pessoa natural respeita o princípio da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III da CF/1988), da proteção especial e ativa do consumidor (art. 5º, XXXII, da CF/1988) e concretiza o objetivo fundamental da República de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III, da CF/1988), assim como realiza a finalidade da ordem constitucional econômica de “assegurar a todos existência digna” (art. 170 da CF/1988) (MARQUES, 2022, p. 43 apud VANZO; TONIAL, 2022, p. 6).
No relatório do Anteprojeto está escrito: O mínimo existencial, enquanto garantia, “independe de expressa previsão constitucional”, conforme leciona Ingo Sarlet (2007). E prossegue o autor, ensinando que “o objeto e conteúdo do mínimo existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental” (SARLET, 2007).
Tanto a necessidade de preservar o mínimo existencial, em especial nos contratos de crédito consignado, que retira do idoso a possibilidade de liberdade de escolha a quem pagar (despesas médicas, remédios, alimentação etc.), quanto a necessidade de reforçar o dever de informar e de esclarecimento sobre os ônus do crédito e do inadimplemento, antes da contratação, assim como a oferta prévia mantida por algum tempo, para poder o consumidor comparar ofertas e refletir melhor antes de vincular-se, devem ser levadas em consideração na proposta (MARQUES; BENJAMIN, 2009).
No sistema francês, que permite a reeducação do consumidor ao se submeter a uma conciliação conjunta com todos seus credores e comprometer-se a pagar suas dívidas, também há que se preservar o mínimo existencial ou mínimo vital denominado “restre a vivre” (FLORES, 2011, p. 67). Noção oriunda do direito público, como ensina Kazuo Watanabe, “o mínimo existencial, além de variável histórica e geograficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo, presidido pelo princípio da proibição de retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que melhorem as condições socioeconômicas do país” (WATANABE, 2011).
Essa noção, conhecida também na França, tem a ver com a dignidade da pessoa humana, mas o mínimo existencial em matéria de crédito, apesar de ter sua origem na noção do direito público, seria a “quantia capaz de assegurar a vida digna do indivíduo e seu núcleo familiar destinada à manutenção das despesas de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde, educação, transporte, entre outras” (CARVALHO; SILVA, 2018).
Hoje, indiretamente, por se permitir a consignação de apenas 30% do salário do funcionário público, imagina-se que o mínimo existencial é 70% do salário ou pensão. Em outras palavras, com os 70% a pessoa pode continuar a escolher quais dos seus devedores paga mês a mês e viver dignamente com sua família, mesmo que ganhe pouco, sem cair no superendividamento. Limitar a consignação a esse patamar parece necessário também no Brasil (CAVALLAZZI; SILVA; LIMA, 2010).
Na organização do plano, há de se preservar o mínimo existencial, ou o credor não consegue cumprir o plano e pagar suas dívidas. Preservado esse mínimo, pela presença do Judiciário e do conciliador indicado pelo juízo, o consumidor estimula-se a pagar e a limpar seu nome.
Interessante notar, que nas versões preliminares dos anteprojetos que seriam mais tarde o PLS 283/2012 e PLS 281/2012, na Comissão de Juristas do Senado Federal as regras iniciais estavam todas no Projeto de Lei inicial, do superendividamento, Art. 1º, 5º, 6º e 7º.12 A discussão em audiências públicas a Comissão de Juristas do Senado Federal ensaiou uma definição de mínimo existencial, mas não inclui (MARQUES, 2021).
Somente no primeiro relatório na Comissão Temporária de Modernização do Código de Defesa do Consumidor (criada em 18 de outubro de 2013, pelo Requerimento 1.179, de 2013), incluiu-se uma definição exemplificativa de mínimo existencial (na repactuação de dívidas e na concessão de crédito, a preservação do mínimo existencial, entendido como a quantia mínima destinada à manutenção das despesas mensais razoáveis de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde e moradia, entre outras despesas essenciais), a qual não foi aceita no plenário e o substitutivo do Senador Ferraço final já não a menciona (MARQUES, 2021) . A inclusão vinha assim explicada e justificada na Minuta do relatório da Comissão em dezembro de 2013:
A inclusão da preservação do mínimo existencial é importante para fornecer alguns parâmetros aos financiadores na hora da concessão do crédito e também ao juiz ou ao conciliador do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor no momento de aceitar o plano e a conciliação (repactuação) (MARQUES; LIMA, 2013).
Seria mais um direito básico do consumidor e o texto é mencionado na tese de doutorado de Karen Bertoncello:
Art. 6º, XII – na repactuação de dívidas e na concessão de crédito, a preservação do mínimo existencial, compreendido como a quantia mínima destinada à manutenção das despesas mensais razoáveis de sobrevivência assim entendidas as referentes a água, luz, alimentação, saúde, moradia e educação (BERTONCELLO, 2015, p. 83).
Tratava-se de exemplos, mas foram muito discutidos e se preferiu delegar à regulamentação, assim alcançou-se no plenário uma aprovação unânime, preservando-se a noção em abstrato. Mencione-se que, além do PLS 283/2012, também o projeto processual, o PLS 282/2012, que não foi aprovado no Senado Federal, mencionava o mínimo existencial, no então denominado art. 104-A da parte processual coletiva (MARQUES, 2021).
Em resumo, no Substitutivo final do Senador Rodrigo Ferraço, que dá nascimento ao PL 3515/2015, nesse momento, foi inserida a necessidade de regulamentação do mínimo existencial, possivelmente por Decreto ou pelo Banco Central, e retirados quaisquer exemplos do que constitui essa noção geral e constitucional do mínimo existencial, em matéria de concessão de crédito e repactuação de dívidas. O parecer final do substitutivo, parecer 698/2015 do Senador Ferraço, explica a necessidade de regulamentação e a importância da noção (MARQUES, 2021). Assim sendo, a inclusão do mínimo existencial foi muito positiva e ainda estendida durante a passagem do PL 3515/2105 na Câmara. Veremos, agora, alguns detalhes.
3.1 As origens do mínimo existencial “substancial de consumo” presente na Lei 14.181/2021 e agora no CDC
O mínimo existencial tem sua origem no direito público, trata-se de um direito fundamental ao mínimo de existência digna. Realmente é esta a expressão “existência digna” do art. 170, caput, da CF/1988, direito fundamental social retirável do art. 6º da CF/1988 (TORRES, 2009). A doutrina considera que o mínimo existencial seria direito:
Pré-constitucional, posto que inerente à pessoa humana; constitui direito público subjetivo do cidadão, não sendo outorgado pela ordem jurídica, mas condicionando-a; tem validade erga omnes, aproximando-se do conceito e das consequências do estado de necessidade; não se esgota no elenco do art. 5º da Constituição nem em catálogo preexistente, é dotado de historicidade, variando de acordo com o contexto social (CARVALHO; SILVA, 2018 apud VANZO; TONIAL, 2022, p. 7).
No direito privado, está ligado à ideia de não penhorabilidade do patrimônio mínimo, de um mínimo vital ou de sobrevivência protegido. Em direito do consumidor, o direito ao mínimo existencial está presente nas discussões do corte de luz, nas interpretações da cláusula geral de boa-fé e equidade do art. 51, inciso IV, do CDC (FACHIN, 2006).
Como ensina Kazuo Watanabe, “o mínimo existencial, além de variável histórica e geograficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo, presidido pelo princípio da proibição de retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que melhorem as condições socioeconômicas do país” (WATANABE, 2011).
A doutrina defende que a noção constitucional seja adaptada ao superendividamento, o que os irmãos Dahinten denominam: “mínimo existencial de consumo” (DAHINTEN; DAHINTEN, 2016). A ideia é correta, pois há um mínimo existencial constitucional e uma noção mais restrita na concessão de crédito e na repactuação das dívidas através dos planos de pagamentos, conciliatórios ou judiciais da Lei 14.181/2021, que apesar de ligada à dignidade da pessoa humana, tem mais proximidade com um mínimo de sobrevivência “substancial” (BERTONCELLO, 2015), na sociedade de consumo ou da noção francesa instrumental e pragmática de um restre a vivre (o necessário, o que viabiliza, o que sobra para viver, no caso a caso dos planos de pagamento das dívidas) (CARVALHO; SILVA, 2018). Nesse sentido, denomina este mínimo existencial da Lei 14.181/2021 e agora do CDC, de “mínimo existencial substancial de consumo” (MARQUES, 2021).
O conceito de mínimo existencial constitucional, como ensina Ingo Sarlet, é difícil de ser fixado, evolui no tempo e é mais amplo diretamente vinculado à garantia irrenunciável de uma existência digna, assim “abrange mais do que uma mera sobrevivência física, situando-se além do limite da pobreza absoluta”, bem como “não pode ser reduzida à mera existência” (SARLET, 2011). Porém, mesmo nessa largueza abstrata constitucional, trata-se de um direito social com efeitos horizontais entre privados:
(...) o mínimo existencial no que diz com a garantia da satisfação das necessidades básicas para uma vida com dignidade, assume a condição de conteúdo irrenunciável dos direitos fundamentais sociais (assim como o conteúdo em dignidade é irrenunciável no campo dos direitos fundamentais em geral), e, portanto, vincula o próprio (particular) titular do direito e, por via de consequência, também acaba por gerar um correlato e direto dever jurídico de respeito e proteção, mesmo por parte de outros particulares (...) (SARLET, 2016, p. 140).
Nesse ponto do direito-dever de respeito e proteção se insere a nova regra de garantia, na concessão do crédito e na repactuação das dívidas (art. 6º, XII, do CDC), da “preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação”. Concorde-se, pois, que se trata de concreção da noção constitucional a um caso concreto especial, de dignidade do consumidor, seja na concessão de crédito, seja na repactuação de dívidas e em todos os planos de pagamento da Lei 14.181/2021.
Karen Bertoncello (2015) opta por não incluir um cálculo básico para o mínimo existencial (a fixação em lei de um percentual fixo como mínimo existencial deve ser evitada). A autora considera que a construção de um mínimo existencial no caso a caso, através da conciliação do superendividamento, tem caráter pedagógico e depende da atuação ativa de todos os envolvidos naquele ambiente de renegociação.
Assim, Karen Bertoncello sugere uma classificação e instrumentos para concretizar caso a caso essa figura, esse “direito social fundamental”, sugerindo:
O mínimo existencial substancial (ou mínimo existencial propriamente dito) pode ser identificado quanto ao momento, quanto à forma e quanto ao conteúdo, a saber: a) quanto ao momento, é identificado na fase conciliatória, quando alcançado o entendimento entre devedor e credor(es), com a formatação de acordo homologado pelo juiz; ou, na fase judicial, através da prolatação da sentença; b) quanto à forma (moldura), o mínimo existencial substancial deve ser assegurado ex officio, é irrenunciável, não podendo ser fixado aprioristicamente; c) quanto ao conteúdo (pintura), deve ser apurado quando da apreciação do caso concreto com a preservação de parte do orçamento pessoal do devedor para garantir que viva em condições dignas e viabilizando o pagamento das despesas básicas (BERTONCELLO, 2015, p. 123 apud OLIVEIRA, 2022).
E defende a denominação “mínimo existencial substancial”, que é encontrada caso a caso, mas trata-se de quantia “capaz de atender as despesas básicas do devedor” (BERTONCELLO, 2015, p. 131).
A Ordem dos Economistas do Brasil, em seus relevantes estudos enviados à Câmara de Deputados e ao Senado Federal sobre o impacto macroeconômico do PL 3515/2015, também enviou documento sobre os gastos e conclui que, na faixa de 1 a 5 salários mínimos, a maioria dos consumidores que precisarão de ajuda para a repactuação das dívidas necessitam preservar 65% a 70% do que ganham para manter os gastos de consumo mínimos (MARQUES, 2021).
Na Portaria Modelo do Brasilcon para instituições de Núcleos de Apoio aos Superendividados para os PROCONs, destaca-se que, se pela Lei 14.181/2021 o plano de pagamento as dívidas exclui as com garantia real, dos financiamentos imobiliários, as contraídas por indenizações judiciais, as dívidas alimentícias, as dívidas fiscais, as dívidas de condomínio, as dívidas rurais e de aluguel, essas deverão ser levadas em conta para o estabelecimento do mínimo existencial do consumidor, mas que ficam fora do processo de repactuação de dívidas (MARQUES, 2021).
Como esclarece Karen Bertoncello, os elementos que compõem o mínimo existencial serão apurados caso a caso, mas referem-se: “1. Despesa mensal para alimentação própria, despesa de aluguel ou moradia; despesa com saúde e medicamentos, despesa com luz, com água, com telefone (hoje com internet e dados), despesas com impostos diretos, com eventuais pensão alimentícia e educação” (BERTONCELLO, 2015, p. 104-105).
Como se observa, desde a concepção da Lei 14.181/2021 o mínimo existencial “substancial de consumo” é parte essencial, verdadeira base e finalidade de preservação (para evitar e prevenir o superendividamento e a ruína) dos consumidores na concessão do crédito e construir o alicerce de boa-fé para a repactuação das dívidas e os planos de pagamento, sejam conciliatórios, sejam judiciais. Essa nova noção, abstrata, instrumental, substancial, será importante paradigma novo para o CDC.
4. DOS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
A Lei especial 14.181/2021 inseriu no artigo 5º do CDC duas exigências para a execução da política nacional das relações de consumo, a saber: “VI – instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural” (BRASIL, 1990).
O texto legal destaca os dois momentos de atuação no combate ao superendividamento, utilizando linguagem aberta para expressar a forma pela qual o poder público e, bem assim, as entidades privadas deverão empreender esforços na instrumentalização da lei. “VII – instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento” (BRASIL, 1990).
Os núcleos de conciliação e mediação de conflitos especializados na matéria do superendividamento retratam a necessidade de priorização e relevância do tema diante da repercussão evidenciada nas pesquisas há mais de 15 anos.
Neste particular, percebe-se o cuidado do legislador ao endereçar a exclusividade da atuação dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e do Poder Judiciário para a realização da “fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas”, conforme previsão dos artigos 104-A e 104-C.
Veja-se que a necessidade de atendimento multidisciplinar no acolhimento do superendividado, respeitada a estrutura disponível e no anseio da ampliação do destino de verba orçamentária para a ampliação, dialoga com os objetivos do Conselho Nacional de Justiça, quando da publicação da Resolução 125/2010, na medida em que se propôs a promover o fomento, a organização e a uniformização da oferta de política pública permanente de mecanismos para solução consensual dos litígios (BRASIL, 2010).
Daí por que a instalação dos núcleos poderá estar adstrita aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, no âmbito extrajudicial, como nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC’s), com atuação extrajudicial ou judicial. E nesta linha de verificação, a nomenclatura adotada na legislação merece algumas ponderações diante da evolução da doutrina relacionada à denominação e conteúdo dos métodos adequados de solução de conflitos.
4.1 Conciliação e mediação nas situações de superendividamento do consumidor
O estudo comparativo entre os métodos de resolução de conflitos impõe observar sua classificação, a qual ficou denominada de métodos construtivos ou destrutivos, de acordo com a curva ascendente ou descendente da expansão do conflito no curso da relação processual. Não é incomum que o resultado leve o conflito ao patamar de “independentemente de suas causas iniciais. Prossegue o autor, apontando que os métodos construtivos viabilizam o fortalecimento da relação social preexistente à disputa ao final da relação processual ou pré-processual (AZEVEDO, 2009, p. 19).
A esse respeito, tivemos a oportunidade de escrever:
Veja-se que uma análise perfunctória dos métodos consensuais de resolução de conflitos em sede de superendividamento permitiria evidenciar seu caráter construtivista, na medida em que as relações sociais e jurídicas atingidas pelo superendividamento, sujeitas à renegociação das dívidas, usualmente, terão continuidade após o resgate da saúde financeira do devedor. É que a experiência tem demonstrado que os contratos submetidos à renegociação voluntária revelam relações de trato sucessivo, a exemplo dos cartões de crédito, contratos bancários em geral, planos de saúde, compras efetuadas a prazo diretamente com o comerciante local, entre outras. Com isso, a utilização do método construtivista não apenas possibilitará a rápida reinserção social do superendividado, mas, também, preservará a continuidade da relação com o fornecedor de crédito (BERTONCELLO, 2017).
Segundo Cahali, a diferenciação feita entre a conciliação e a mediação indicia que a primeira seria destinada às relações de consumo, porque voltada à “solução de conflitos objetivos, nos quais as partes não tiveram convivência ou vínculo pessoal anterior, cujo encerramento se pretende” (CAHALI, 2011, p. 37). Nesse passo, podemos afirmar a adequação do método da conciliação aos conflitos de natureza circunstancial, atuando o conciliador com a possibilidade de sugerir e questionar os conciliandos. Não obstante o conciliador esteja desprovido de poderes de decisão, “recomenda soluções e alerta a respeito dos riscos da aceitação ou não de determinada proposta” (FIORELLI et al, 2016, p. 56).
No que concerne às situações de superendividamento, comumente nos defrontamos com relações continuadas, incluindo diferentes fornecedores de crédito, titulares de relação de fornecimento de bens essenciais (água, luz) ou de serviços em que a catividade do consumidor pode atuar como fator de agravamento do superendividamento (contratos bancários, de telefonia, de TV a cabo, de internet).
É nessa medida que vale pontuar a necessidade de lapidação da conciliação com técnicas de mediação como método mais adequado às hipóteses de superendividamento do consumidor. A mediação mantém o foco no conflito, e não na solução. Portanto, a finalidade pretendida destina atenção às partes para o restabelecimento de uma convivência com equilíbrio de posições, independente de se chegar a uma composição, embora esta seja naturalmente desejada (BERTONCELLO, 2021).
Daí por que são as técnicas empregadas na mediação que interessam às peculiaridades das situações de superendividamento do consumidor, porquanto a obtenção do acordo ensejará a renegociação com a permanência do vínculo e a vigência de novas obrigações recíprocas.
4.2 Do procedimento da fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas
A essência do procedimento de repactuação de dívidas, seja na fase conciliação como na judicial, apresenta identidade de valores: a pronta atuação dos órgãos públicos no resgate da cidadania do consumidor pessoa natural. Nesse passo, o procedimento é célere e simplificado, sendo iniciado com as declarações prestadas pelo devedor quando do preenchimento do formulário. Note-se que nesta fase não há exigência de capacidade postulatória, permitindo que o consumidor atue em nome próprio sem a presença de advogado, na forma do artigo 104-A, da Lei 8.078 de 1990.
Da mesma forma, o procedimento previsto na Lei 14.181/2021 inicia pela fase de conciliação das dívidas que pode ser realizada extrajudicialmente pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Procons, Defensorias Públicas e Ministério Público) ou no Poder Judiciário (MARQUES; LIMA; VIAL, 2021).
O convite para audiência conciliatória é endereçado a todos os credores declarados pelo consumidor. No curso desta, denominada originariamente de audiência de renegociação, o conciliador ouvirá as propostas dos credores no mesmo ato. As declarações feitas pelo devedor abrangem dados pessoais, com descrição de receitas e despesas (BERTONCELLO, 2009). Note-se que a descrição de despesas é adstrita aos itens relacionados à sobrevivência, a saber: “luz, aluguel, água, telefone, alimentação própria, pensão alimentícia, educação, plano de saúde, medicamentos, impostos e outras” (MARQUES; BERTONCELLO, 2010, p. 69).
A partir da comparação entre o total das despesas declaradas, a média da receita familiar e das propostas feitas pelos credores, que, em geral, representa parcelamentos das dívidas, o conciliador poderá auxiliar o superendividado na elaboração do plano de pagamento ponderando a distribuição dos pagamentos em respeito às despesas envolvidas com a sua sobrevivência e respeitando o limite de cinco anos, previsto no artigo 104-A, caput (BERTONCELLO, 2021).
A dinamicidade da audiência cumpre relevante papel na aproximação das partes e construção do plano de pagamento. Nesse sentido:
O ponto alto dessa audiência é justamente a possibilidade de coleta simultânea e/ou sucessiva das propostas na mesma sessão, permitindo que o consumidor superendividado possa escolher, se for o caso, a ordem dos pagamentos, conforme critérios pessoais de capacidade de reembolso ou, até mesmo, da natureza da dívida. Com isso, o conciliador exercerá o papel determinante na renegociação das dívidas e respectivo resgate da saúde financeira do superendividado, na medida em que facilitará essa aproximação com os credores e, acima de tudo, será o veículo pacificador e redutor da frequente confusão mental que o devedor se encontra quando acometido da condição de superendividado (MARQUES; LIMA; VIAL, 2021, p. 125-126).
A esse respeito, o artigo 104-A contempla limites qualitativos na elaboração do plano de pagamento ao prever a preservação das “garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas”, assim como o § 1º determina a exclusão do superendividado ativo consciente, das dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural (BERTONCELLO, 2021).
É justamente, nesse contexto, que a audiência de conciliação concretiza a preservação do mínimo existencial instrumental, por intermédio da construção conjunta entre conciliador, devedor e credores, conferindo caráter pedagógico ao ato com o emprego das seguintes técnicas, específicas e impositivas:
(a) municiamento do superendividado: o programa de tratamento do superendividamento, na medida da sua estrutura disponível, deveria oferecer atividades voltadas ao reforço da elaboração de orçamento familiar. Essas atividades podem preceder à audiência de renegociação, permitindo que o devedor obtenha a orientação de profissionais específicos para uma melhor avaliação das propostas apresentadas pelos credores em audiência; (b) empoderamento do consumidor: o conciliador procederá à declaração de abertura da audiência, promovendo a compreensão de todos os presentes sobre a condição de fenômeno social do superendividamento, assegurando o atendimento pessoalizado ao superendividado a fim de permitir a minoração de eventual estigma enfrentado pelo devedor. Outrossim, o conciliador promoverá a escutatória do superendividado, se este assim o desejar, uma vez que a experiência tem demonstrado a necessidade de o devedor expor as razões que o levaram ao endividamento excessivo; (c) coleta simultânea das propostas: a voluntariedade na participação do procedimento pré-processual de tratamento do superendividamento não autoriza que o conciliador ou que o órgão público ao qual esteja vinculado escolham quais os credores deverão ser convidados para a renegociação. A escolha compete ao consumidor superendividado, salientando que a presença da totalidade dos credores oportunizará o conhecimento das condições reais e atuais de reembolso com a adequação simultânea do plano de pagamento. Ainda, é nesse momento que o conciliador oportunizará a harmonia no prosseguimento das relações de consumo, “elevando” a atuação conjunta das partes em alcançar a solução para o adimplemento; (d) preservação do mínimo existencial stricto sensu: a elaboração simultânea do plano de pagamento deverá observar a preservação de valor que viabilize a continuidade do pagamento das despesas relacionadas à manutenção do mínimo existencial, respeitados os limites do orçamento familiar do devedor; e o (e) reforço ao compromisso de mútuo comprometimento: o termo de audiência registrará esse comprometimento, com as advertências sobre o vencimento antecipado da dívida em caso de inadimplemento ou de fraude contra credores. O mútuo comprometimento está relacionado com as obrigações do credor em viabilizar o pagamento, fornecendo, no tempo certo, o boleto bancário, por exemplo, retirando os dados do devedor do cadastro de inadimplentes no prazo acordado, entre outras (BERTONCELLO, 2021).
Denota-se que a complexidade da construção do plano de pagamento e da reinserção do consumidor corrobora o 17º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, oportunizando o envolvimento de entidades civis e governamentais no apoio à formação de uma rede capaz de minorar os efeitos dessa causa de exclusão social (BERTONCELLO, 2015). Entre os atores beneficiados neste cenário diversificado, vale elencar os estudantes, os segregados prestes a receber a liberdade condicional, entre outros.
4.3 A restauração do vínculo nos núcleos familiares superendividados
A origem da Justiça Restaurativa está situada na justiça criminal na década de 1970, a partir de experiências em comunidades norte-americanas. Contudo, este “conjunto de princípios, uma filosofia, uma série alternativa de perguntas paradigmáticas. [...] oferece uma estrutura alternativa para pensar as ofensas” (ZHER, 2012, p. 15), está voltado ao restabelecimento de práticas de pacificação social nas mais variadas áreas de atuação. Exemplo disso situa-se na realização de círculos de construção de paz em escolas com foco na prevenção de conflitos existentes nas relações entre alunos, entre professores e/ou alunos e professores.
E a pertinência da inserção das famílias superendividadas nas práticas restaurativas está relacionada com a amplitude das consequências geradas pelo fenômeno social do superendividamento. O desemprego, a redução de renda, a separação/divórcio ou doença atuam como causas originárias do superendividamento passivo que desencadeia situações de violência doméstica, dificuldades em estabelecer um relacionamento harmônico e equilibrado entre pais e filhos, incremento da crise sócio-política que assola o país e degradação da educação fundamental.
A esse respeito, Catarina Frade elucida claramente o cenário do superendividamento: “Esta instabilidade financeira e esta gestão ‘no fio da navalha’ repercutem-se negativamente na sua produtividade, no seu desempenho social, nas suas relações familiares e na sua saúde física e psíquica” (FRADE, 2012, p.17). E especifica os impactos advindos do fenômeno ao descrever “estados depressivos, tendências suicidas, abuso de substâncias, violência doméstica, desespero e revolta são características observáveis nestes indivíduos e nas suas famílias” (FRADE, 2012, p. 17).
A sistemática de aplicação da Justiça Restaurativa ao reforço do vínculo familiar nas hipóteses de superendividamento do consumidor é compreendida pelos agentes integrantes da proposta de restauração à luz da doutrina originária estudada por Zher (2012, p. 53): “vítima, ofensor e comunidade”. No caso do superendividamento, a identificação dos agentes deve vir acompanhada dos ensinamentos de Rosângela Cavallazzi (2015), acerca da desconstrução dos “mitos no tratamento do superendividamento”.
Neste contexto, a figura da vítima não se limita apenas ao cônjuge ou aos filhos do superendividado, uma vez que o próprio devedor é o resultado das opções políticas de um governo que priorizou a ampliação do crédito desprovido da regulamentação atinente à sua concessão, sem adentrar na ausência de plano de contingência para o enfrentamento da crise.
É nesse sentido que a doutrina especializada no tema do superendividamento dos consumidores aponta expressamente os efeitos psicológicos gerados por este fenômeno. Neste ambiente de insegurança econômica, de excesso de confiança na capacidade de gerir seu orçamento e de confusão mental quanto à certeza do montante das dívidas (muitas vezes em virtude da complexidade dos encargos incidentes), o fôlego das relações familiares é colocado em xeque. O núcleo familiar já fragilizado transborda os limites do tolerável, ensejando consequências comportamentais (KILBORN, 2006).
Com isso, a aplicação da Justiça Restaurativa ao procedimento de tratamento das situações de superendividamento, em qualquer fase prevista na Lei 14.181/2021, deve proporcionar às famílias superendividadas a possibilidade de participar de círculos restaurativos. É certo que a aproximação voluntária do devedor com seus credores viabilizará a renegociação e a reestruturação do passivo. Contudo, é imprescindível que o devedor esteja preparado para gerenciar conjuntamente com o núcleo familiar o orçamento frente ao plano de pagamento das dívidas.
Como visto anteriormente, o Código de Processo Civil de 2015, art. 6º, introduziu no ordenamento jurídico processual o princípio da cooperação direcionando à priorização do acesso à Justiça mediante a adoção dos métodos adequados de solução de conflitos, a exemplo da redação dos artigos 139, V; 165 a 175. Na mesma linha, a Resolução 125 de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, contemplou no artigo 6º, incisos VI e VII, a necessidade de execução do trabalho em rede de colaboração:
Art. 6º [...].
VI – estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflito e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos litígios;
VII – realizar a gestão junto às empresas e às agências reguladoras dos serviços públicos a fim de implementar práticas autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade (BRASIL, 2010).
Merece destaque a previsão da atuação em rede, notadamente em vista da ambição do espírito das normativas aqui citadas, congregando a mudança de cultura: a construção conjunta de solução em lugar da espera da decisão judicial; e a reinserção do devedor na sociedade mediante a elaboração conjunta do plano de pagamento com preservação do mínimo existencial.
O exercício da advocacia colaborativa está diretamente relacionado com a atuação dos procuradores nas situações de superendividamento do consumidor, tanto em representação ao devedor como, e talvez, especialmente, aos credores. Note-se que a Lei especial atribuiu valor significativo às práticas leais e cooperativas não apenas na concessão do crédito, como também na renegociação. Esta expertise demandará capacitação e desenvolvimento de técnicas há muito estudadas, como visto supra, para a construção de solução conjunta e continuidade de relações jurídicas saudáveis (BERTONCELLO, 2015).
É neste viés que a própria normativa do CNJ estabelece a criação do selo de qualidade, tratado no inciso VII, que pretende classificar e reconhecer a atuação proativa das empresas em alcançar soluções pacíficas capazes de gerar ganhos mútuos nas relações contratuais. E o papel do advogado colaborativo encontra voz na finalidade de prevenção e de tratamento do superendividamento do consumidor: “Enquanto o advogado contencioso briga por seu cliente e, muitas vezes, até piora o relacionamento entre as partes, o colaborativo se coloca como um resolvedor de problemas (‘problem solver’), como alguém disposto a ajudar a remover os obstáculos que impedem o consenso” (PINHO; SALLES, 2015).
E o Capítulo VI-A do Código de Defesa do Consumidor atualizado oferece um rol ilustrativo e exemplificativo sobre as práticas leais dos fornecedores. Nessa linha, o artigo 54-C, inciso II, veda expressamente que a oferta de crédito seja efetuada sob o argumento da ausência de consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem análise da capacidade de reembolso do consumidor, configurando a titulação atribuída pelo Prof. Bruno Miragem à Lei 14.181: Lei do Crédito Responsável (MIRAGEM, 2020).
Na prática, a atuação diligente do fornecedor de crédito encontra plena conformidade com o avanço dos meios tecnológicos empregados na formação da vontade do consumidor e futura produção probatória, como já visto em ações judiciais movidas contra instituição financeira para questionamento quanto à natureza do produto adquirido: contrato de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento ou contrato de cartão de crédito consignado, cuja cobrança é lançada na fatura mensal mediante adoção de encargos maiores e respectivo pagamento de percentual descontado diretamente da conta-corrente do consumidor.
Pelo exposto, a prática da advocacia colaborativa está diretamente relacionada com as hipóteses de prevenção do superendividamento do consumidor. Esta é a lição do mestre Jean Calais-Auloy quando aponta a imprescindibilidade de consulta a cadastros ao lembrar que a lei francesa, de 1º de julho de 2010, estabeleceu a obrigação de consulta e de cuidado, endereçada ao fornecedor de crédito, para verificação das condições de solvabilidade do consumidor, sob pena de perda dos juros (CALAIS-AULOY; TEMPLE, 2010, p. 652).
Ato contínuo, o art. 54-D, caput e seu parágrafo único do CDC/1990 (introduzido pela Lei nº 14.181 de 2021), dispõe que:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
[...].
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor (BRASIL, 1990).
Verifica-se assim, que entre nós, sanção civil correlata foi expressamente contemplada na atualização legislativa, reservando-se ao Poder Judiciário a possibilidade da análise da atuação do credor nos termos do artigo 54-D, parágrafo único.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito haveria ainda a dizer, mas o limite do tempo nos impede de continuar essa avaliação do belo texto aprovado. Mencione-se que com essa importante aprovação da Lei 14.181, 2021 no Senado, elementos teóricos postos em prática e já utilizados no ordenamento jurídico brasileiro, organiza-se a atualização do CDC para os próximos anos e inicia-se uma nova era: do crédito consignado, da prevenção e do tratamento do superendividamento e ainda mais importante, a primeira menção do CDC a necessidade de proteção especial da pessoa natural consumidora.
Como expresso anteriormente, este trabalho foi proposto a comemorar as práticas outrora desenvolvidas, antes da promulgação da Lei 14.181/202, mas, especialmente, valorizar as linhas introduzidas em nosso ordenamento jurídico que destinam a solidificação da cultura da paz e do pagamento no âmbito da sociedade brasileira.
Como se pode notar no decorrer deste trabalho, a atualização do Código de Defesa do Consumidor permitiu a figura do convênio entre entes públicos do SNDC e ‘as instituições financeiras ou suas associações’ (Art. 104-C caput in fine), o que pode ajudar no sucesso das conciliações. De todo modo a prática é que, como por exemplo o PROCON-SP, os PROCONS tenham convênios com o Poder Judiciário para realizar melhor a fase conciliatória, mas a Lei 14.181/2021 abriu a possibilidade dos órgãos públicos do SNDC realizarem concorrentemente e de forma autônoma (quando desejarem) a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas.
Considerando que a Lei nº 14.181, de 01 de julho de 2021 institui mecanismos “de proteção do consumidor pessoa natural” (Art. 5, VI) e “núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento” (Art. 5, VII) e especialmente autorizando concorrentemente “aos órgão públicos do SNDC a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas” (Art. 104-C caput), entendemos que a Lei 14.181/2021 é completa; já que ela traz procedimento específico e que não depende de regulamentação específica quanto ao processo de repactuação de dívidas. Parece positivo que seja complementada por instruções dos Tribunais de Justiça, dos Ministérios Públicos, Defensorias Públicas e PROCONS.
A regulamentação que será necessária é em relação ao mínimo existencial. O mínimo existencial tem fonte constitucional e a Lei 14.181/2021 inclui o mínimo existencial como parte integrante da definição de superendividamento, o que é uma inovação. A lei menciona sua regulamentação futura, mas o uso da noção em si independe de regulação, a qual não pode retroceder, por se tratar de direito fundamental, assim deverá ser apenas declaratória e não constitutiva desse direito.
Diante do exposto, e de modo a responder a problemática deste trabalho, pode-se dizer, que o método humanizador a ser adotado no tratamento do superendividamento ultrapassa a tradicional distinção entre conciliação e mediação, dado o caráter social desse fenômeno, impondo a construção do plano de pagamento o “apoderamento” do superendividado em resgatar sua dignidade e preservar seu mínimo existencial. Nesta sistemática, a reestruturação do passivo do devedor superendividado, em sede de método autocompositivo, mereceria uma aplicação mista, agregando na conciliação as técnicas advindas da mediação.
Mista porque a atuação positiva do conciliador, opinando e sugerindo a melhor solução referente às propostas perante o orçamento individual ou familiar do devedor, resultaria em maior proveito a ambas as partes e respeitaria a falta de equilíbrio prévio na relação de consumo. E a aplicação de técnicas da mediação reverterá em proveito do superendividado, porquanto as relações com maior incidência nesse fenômeno social são de longa duração, entabuladas com agentes financeiros. Em verdade, a aproximação do devedor com seus credores, proporcionada na audiência de conciliação, revela a própria instrumentalização do mínimo existencial.
Significa dizer que a lei especial denominou “conciliação e mediação”, no inciso VII do artigo 5º do CDC (BRASIL, 1990), no exato espírito inclusivo da norma, independente da identificação, o foco a ser observado é o resultado da prática de resgate da cidadania. De todo modo, a atualização do Código de Defesa do Consumidor traz a possibilidade de retomada do crescimento econômico saudável, com base no crédito responsável e na reinserção de consumidores no mercado brasileiro.
Antes da Covid-19, a instabilidade do país já trazia elevadas taxas de juros praticadas no país, mas, após a crise, a redução de renda, o desemprego, a doença, as mortes, as separações, todos são fatores que contribuem para o superendividamento dos consumidores e a consequente instabilidade financeira do país, que ganha agora um sopro de vida com aprovação definitiva da Lei 14.181/2021 de atualização do CDC. Que venha esta nova era de maior boa-fé e lealdade na concessão do crédito e no tratamento do superendividamento da pessoa natural.
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[1] Para a “teoria finalista”, adotada pelo Código de Defesa do Consumidor Brasileiro – Lei 8.078/90 –, trata- se de vínculo jurídico estabelecido entre o fornecedor – que pode tomar a forma de fabricante, produtor, importador, comerciante e prestador de serviço –, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros, e o consumidor que, subordinado às condições e aos interesses impostos pelo titular dos bens ou serviços, no atendimento de suas necessidades, retira o produto do mercado de consumo, dando-lhe o destino final.
Graduanda do Curso de Direito, pela Fundação de Ensino Superior de Goiatuba/GO – Fesg Centro Universitário de Goiatuba/GO – Unicerrado Curso de Direito. Estagiária do Ministério Público de Buriti Alegre/GO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Laura Stela Inacio. Análise da Lei 14.181 de 2021 e sua aplicabilidade imediata: métodos adequados de solução de conflitos nas situações de Superendividamento do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60650/anlise-da-lei-14-181-de-2021-e-sua-aplicabilidade-imediata-mtodos-adequados-de-soluo-de-conflitos-nas-situaes-de-superendividamento-do-consumidor. Acesso em: 28 dez 2024.
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