RESUMO: O presente artigo almeja fazer uma análise acerca da distinção entre dano ambiental e impacto ambiental e sua relevância para a configuração da responsabilidade ambiental. A responsabilidade civil por dano ambiental possui um regime jurídico próprio, uma vez que os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral. No é qualquer alteração no meio ambiente que consubstancia, por si só, o dano ambiental. Caso contrário, restaria inviabilizado o desenvolvimento socioeconômico através de atividades antrópicas.
Palavras-chave: responsabilidade civil por dano ambiental; impacto ambiental; licenciamento ambiental.
1.INTRODUÇÃO
A respeito do tema, inicialmente, impende destacar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem comum de uso do povo, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
A Constituição Federal trata da proteção ao meio ambiente em seu art. 225, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Quanto à reparação do dano ao meio ambiente, o ordenamento jurídico pátrio agasalha a responsabilidade objetiva e impõe o dever de recomposição integral dos prejuízos por parte dos agentes infratores.
A responsabilidade civil por dano ambiental possui um regime jurídico próprio. Os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral. Trata-se de uma responsabilidade civil extremada que não admite excludentes do nexo causal, como força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima.
Assim, o poluidor deve assumir todos os riscos inerentes à atividade que pratica, uma vez que a pessoa que explora a atividade econômica ocupa a posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado responsável pelos danos vinculados à atividade.
A responsabilidade ambiental objetiva possui assento constitucional no art. 225, § 3º, da CF/1988, o qual prevê: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."
No mesmo sentido, há disposição na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n.º 6.938/81, cujo art. 14, § 1º, reza que "o poluidor é obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".
A responsabilidade por dano ambiental, portanto, possui evidenciado caráter objetivo, independentemente do caráter volitivo do agente.
Todavia, necessário destacar que, para a atribuição do dever de indenizar, deve-se demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre a lesão ambiental e a ação ou omissão dos responsáveis, de modo que a violação da norma, por si, não pressupõe o dano ao meio ambiente, na esteira do já decidido pela 2ª Turma do STJ ( REsp 1.140.549 , Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 6.4.2010).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que "a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação" ( REsp 1378705/SC , Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 14/10/2013, grifos acrescidos).
2.DESENVOLVIMENTO
Nessa ambiência, imperioso ressaltar que não é qualquer alteração no meio ambiente que consubstancia, por si só, o dano ambiental. Caso contrário, restaria inviabilizado o desenvolvimento socioeconômico através de atividades antrópicas.
A vedação de toda e qualquer interferência em processos ecológicos ou correlatos, bem como a completa ausência de impacto da atividade humana na natureza não se compatibiliza com a noção de desenvolvimento sustentável.
Tratando-se da questão ambiental, não há como desconsiderar fatores heterogêneos também constitucionalmente tutelados, dentre eles o desenvolvimento nacional em todas as suas esferas e o atendimento das necessidades básicas das gerações atuais e futuras.
A ponderação e conciliação dessa multiplicidade de valores devem nortear as políticas públicas e tomadas de decisões no âmbito da proteção ambiental, com vistas à satisfação de outros interesses legítimos.
Nesse sentido, segue trecho da ementa do julgado da Suprema Corte na ADC 42-DF:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. [...] 11. Por outro lado, as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc . Dessa forma, não é adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput , CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de retrocesso ambiental, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas. 12. Deveras, não se deve desprezar que a mesma Constituição protetora dos recursos ambientais do país também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização, a reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III; art. 170, VII), a proteger a propriedade (art. 5º, caput e XXII; art. 170, II), a buscar o pleno emprego (art. 170, VIII; art. 6º) e a defender o consumidor (art. 5º, XXXII; art. 170, V) etc . 13. O desenho institucional das políticas públicas ambientais suscita o duelo valorativo entre a tutela ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum da pessoa humana no cenário de escassez. É dizer, o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente não são políticas intrinsecamente antagônicas. 14. A análise de compatibilidade entre natureza e obra humana é ínsita à ideia de desenvolvimento sustentável, expressão popularizada pelo relatório Brundtland, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A mesma organização eficiente dos recursos disponíveis que conduz ao progresso econômico, por meio da aplicação do capital acumulado no modo mais produtivo possível, é também aquela capaz de garantir o racional manejo das riquezas ambientais em face do crescimento populacional. Por conseguinte, a proteção ao meio ambiente, no contexto de um desenvolvimento sustentável, não equivale a uma visão estática dos bens naturais, que pugna pela proibição de toda e qualquer mudança ou interferência em processos ecológicos ou correlatos. A história humana e natural é feita de mudanças e adaptações, não de condições estáticas ou de equilíbrio. 15. A preservação dos recursos naturais para as gerações futuras não pode significar a ausência completa de impacto do homem na natureza, consideradas as carências materiais da geração atual e também a necessidade de gerar desenvolvimento econômico suficiente para assegurar uma travessia confortável para os nossos descendentes. 16. Meio ambiente e Desenvolvimento Econômico enceram conflito aparente normativo entre diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam. (REVESZ, Richard L.; STAVINS, Robert N. Environmental Law. In : Handbook of Law and Economics . A. Mitchell Polinsky; Steven Shavell (ed.). V. 1. Boston: Elsevier, 2007. p. 507). [...] (STF - ADC: 42 DF 0052507-87.2016.1.00.0000, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/02/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 13/08/2019)
No direito pátrio, embora o conceito de dano ambiental não esteja expressamente definido em lei e seja objeto de acentuada discussão doutrinária, o impacto, negativo ou positivo, ao meio ambiente é um fato previsto pela legislação ambiental (art. 1º e art. 6º da Resolução CONAMA 01/1986) e aceito socialmente, devendo ser gerenciado pelo processo administrativo de licenciamento ambiental. Assim vejamos:
Art. 1º Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
[...]
Art. 6º O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.
II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.
lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente, ou a SEMA ou, quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem encessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.
Portanto, não se confundem as noções de impacto e de dano ambiental. Veja-se, nesse sentido, a distinção defendida por Edis Milaré:
É dizer: não se confundem as noções de impacto, em sentido estrito, e de dano ambiental, propriamente dito: o primeiro decorre dos efeitos que qualquer atividade humana causa ao ambiente; o segundo decorre do grau maior, isto é, de agravos mais sensíveis que essa mesma atividade acarreta (TJSP Ap 0143810-58.2008.8.26.0000)
[...]
Pelo exposto, cabe considerar que o conceito de impacto ambiental, previsto nos art. 1º da Res. CONAMA 1/1986, que remete a alterações das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada pela interferência humana, distancia-se do conceito jurídico de dano ambiental, pois, como dito, “o impacto pode consistir em um dano ou não”, de modo que “pode perfeitamente haver impactos sem que haja dano”.[1]
Noutras palavras, é possível que haja impacto sem que haja dano, não se podendo falar neste último quando se promove o gerenciamento dos impactos pelo licenciamento ambiental.
Segundo os ensinamentos do doutrinador Siqueira[2], o impacto implica ao empreendedor um custo de mitigação que decorre do princípio do poluidor-pagador, ao passo que o dano enseja a responsabilização, in verbis:
Os danos ambientais geram a responsabilização ambiental civil objetiva prevista expressamente no art. 14 da Lei n. 6.938/81 (sem prejuízo da responsabilidade ambiental administrativa e penal). Os impactos ambientais stricto sensu, decorrentes de atividades empreendedoras praticadas em absoluta regularidade, implicam a aplicação do princípio do poluidor-pagador, pelo qual os órgãos licenciadores impõem a adoção, pelo empreendedor, de medidas mitigatórias e compensatórias dos impactos. (SIQUEIRA, 2017)
3.CONCLUSÃO
Desse modo, o impacto ambiental causado pelos empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, nos casos previstos em lei, será devidamente aferido pelos órgãos ambientais competentes, que apreciarão in concreto os custos e benefícios da atividade.
Nessa contextura, a distinção entre dano e impacto ambiental tem suma relevância na análise da presença dos requisitos aptos a configurar a responsabilidade civil ambiental e, por conseguinte, fixar o dever de indenizar. Se inexiste o dano, não há que se falar em responsabilidade ambiental.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 10. Ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 320/321. Apud Siqueira.
SIQUEIRA, Lyssandro Norton. Qual o Valor do Meio Ambiente? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
DE PINHO, INARA. A responsabilidade ambiental tripla: um fato e três possíveis consequências. Disponível em: < https://www.ibijus.com/blog/487-responsabilidade-ambiental-tripla-por-danos-ambientais>. Acesso em: 11 dez. 2022.
CERRI NETO, Mauro. Impacto ambiental, degradação ambiental, poluição, contaminação e dano ambiental: comparação entre conceitos legal e técnico. 2008. 125 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/92757>. Acesso em: 11 dez 2022.
DE SOUZA, MARIA CLÁUDIA DA SILVA ANTUNES. REFLEXÕES SOBRE O LIMITE DE TOLERABILIDADE E O DANO AMBIENTAL. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=aa49af1072b367b0 >. Acesso em: 11 dez. 2022.
Graduada pelo Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduada pelo Curso de Direito Penal da Faculdade Signorelli. Atualmente Servidora Pública Federal no Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Amanda Vieira. A relevância da distinção entre impacto ambiental e dano ambiental para a configuração da responsabilidade civil ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60722/a-relevncia-da-distino-entre-impacto-ambiental-e-dano-ambiental-para-a-configurao-da-responsabilidade-civil-ambiental. Acesso em: 27 dez 2024.
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